Acessibilidade / Reportar erro

Concentrações efetivas de vancomicina em crianças: estudo transversal

RESUMO

Objetivo

Analisar a efetividade microbiológica considerando a correlação farmacocinética/farmacodinâmica de vancomicina em crianças e propor uma estimativa de ajuste na dose.

Métodos

Trata-se de um estudo observacional, transversal, realizado em hospital pediátrico, no período de 1 ano (2016 a 2017). Foram incluídas crianças de 2 a 12 anos de ambos os sexos, tendo sido excluídas crianças queimadas ou submetidas à terapia renal substitutiva. Para análise farmacocinética, foram coletadas duas amostras de 2mL de sangue total, respeitando o intervalo de 2 horas entre cada coleta.

Resultados

Foram incluídos dez pacientes pediátricos com idade de 5,5 anos (mediana) e intervalo interquartil (IQ) de 3,2-9,0 anos, peso de 21kg (mediana; IQ: 15,5-24,0kg) e altura de 112,5cm (mediana; IQ: 95-133cm). Apenas uma criança alcançou concentrações mínimas entre 10µg/mL e 15µg/mL.

Conclusão

A utilização empírica de vancomicina na população de crianças não alcançou o alvo farmacocinético/farmacodinâmico terapêutico para concentração inibitória mínima de 1μg/mL.

Testes de sensibilidade microbiana; Farmacocinética; Ações farmacológicas; Vancomicina; Criança

ABSTRACT

Objective

Analyze the microbiological effectiveness, based on the pharmacokinetics/pharmacodynamics correlation of vancomycin in pediatric patients, and to propose dose adjustment.

Methods

This is an observational, cross-sectional study, conducted in a pediatric hospital, over a 1-year period (2016 to 2017). Children of both sexes, aged 2 to 12 years, were included in the study; burn children, and children in renal replacement therapy were excluded. For the pharmacokinetic analysis, two samples of 2mL of whole blood were collected, respecting the 2-hour interval between each withdrawal.

Results

Ten pediatric patients with median age of 5.5 years and interquartile range (IQR) of 3.2-9.0 years, median weight of 21kg (IQR: 15.5-24.0kg) and median height of 112.5cm (IQR: 95-133cm), were included. Only one child achieved trough concentrations between 10µg/mL and 15µg/mL.

Conclusion

The empirical use of vancomycin in the children studied did not achieve the therapeutic pharmacokinetic/pharmacodynamic target for minimum inhibitory concentration of 1µg/mL.

Microbial sensitivity tests; Pharmacokinetics; Pharmacologic actions; Vancomycin; Child

INTRODUÇÃO

Em países em desenvolvimento, a determinação da dosagem dos antimicrobianos em crianças se apoia em protocolos empíricos, sendo baseados em conhecimento da etiologia das infecções, consenso de especialistas, e na redução linear de doses indicadas para adultos.(11. Scott JA, Wonodi C, Moïsi JC, Deloria-Knoll M, DeLuca AN, Karron RA, Bhat N, Murdoch DR, Crawley J, Levine OS, O’Brien KL, Feikin DR; Pneumonia Methods Working Group. The definition of pneumonia, the assessment of severity, and clinical standardization in the Pneumonia Etiology Research for Child Health study. Clin Infect Dis. 2012;54(Suppl 2):109-16. Review.)

Pacientes mais graves, incluindo os pediátricos, apresentam alterações fisiológicas relacionadas à idade, com consequente instabilidade farmacocinética (PK) em relação aos antimicrobianos, podendo ter alterações no volume aparente de distribuição (Vd), clearance plasmático e redução na meia-vida biológica.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.,33. Santos SR, Sanches-Giraud C, Vieira Jr C, Souza FF, Gómez DS, Campos EV, et al. Pharmacokinetic-pharmacodynamic correlation for meropenem applied to a burn child using a bioanalytical liquid cromatographic method. Rev Port Farmacoter. 2011;3:224-32.)

Além disso, a monitorização terapêutica dos antimicrobianos é relevante e necessária para otimizar a farmacoterapia e a seleção de bactérias resistentes, e minimizar a ocorrência de concentrações subterapêuticas ou tóxicas.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.

3. Santos SR, Sanches-Giraud C, Vieira Jr C, Souza FF, Gómez DS, Campos EV, et al. Pharmacokinetic-pharmacodynamic correlation for meropenem applied to a burn child using a bioanalytical liquid cromatographic method. Rev Port Farmacoter. 2011;3:224-32.

4. Downes KJ, Hahn A, Wiles J, Courter JD, Vinks AA. Dose optimisation of antibiotics in children: application of pharmacokinetics/pharmacodynamics in paediatrics. Int J Antimicrob Agents. 2014;43(3):223-30. Review.

5. Barker CI, Standing JF, Turner MA, McElnay JC, Sharland M. Antibiotic dosing in children in Europe: can we grade the evidence from pharmacokinetic/ pharmacodynamic studies – and when is enough data enough? Curr Opin Infect Dis. 2012;25(3):235-42. Review.
-66. Rybak MJ, Lomaestro BM, Rotschafer JC, Moellering RC Jr, Craig WA, Billeter M, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin in adult’s summary of consensus recommendations from the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society of America, and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. Pharmacotherapy. 2009;29(11):1275-9. Review.) Desta forma, tanto a segurança quanto a eficácia dos antimicrobianos relacionadas às doses administradas em crianças são questionáveis, já que há poucos estudos realizados com crianças sobre estes aspectos terapêuticos.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.,44. Downes KJ, Hahn A, Wiles J, Courter JD, Vinks AA. Dose optimisation of antibiotics in children: application of pharmacokinetics/pharmacodynamics in paediatrics. Int J Antimicrob Agents. 2014;43(3):223-30. Review.,55. Barker CI, Standing JF, Turner MA, McElnay JC, Sharland M. Antibiotic dosing in children in Europe: can we grade the evidence from pharmacokinetic/ pharmacodynamic studies – and when is enough data enough? Curr Opin Infect Dis. 2012;25(3):235-42. Review.,77. Silva P. Farmacologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 27.)

OBJETIVO

Analisar a efetividade microbiológica por meio da correlação farmacocinética/farmacodinâmica da vancomicina em crianças e propor uma estimativa de ajuste de dose.

MÉTODOS

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Humanos, protocolos CAAE: 44803815.7.0000.5545, SIGED 3388/22712016, em 17 de março de 2016. O estudo foi realizado de acordo com a resolução 466/2012. Foi obtido consentimento informado de todos os participantes incluídos no estudo. Os tutores legais e as crianças incluídas foram convidados a participar do estudo e a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o Termo de Assentimento.

Estudo observacional, transversal, conduzido em um hospital pediátrico, na região centro-oeste do Estado de Minas Gerais. Dez crianças em uso de vancomicina, no período de março de 2016 a março de 2017, de ambos os sexos, com idades de 2 a 12 anos, foram incluídas no estudo. Foram excluídas crianças queimadas ou em terapia renal substitutiva.

A dose empírica de vancomicina usada na instituição é de 10 a 20mg/kg, conforme as diretrizes recomendam para manter concentrações plasmáticas adequadas.(66. Rybak MJ, Lomaestro BM, Rotschafer JC, Moellering RC Jr, Craig WA, Billeter M, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin in adult’s summary of consensus recommendations from the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society of America, and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. Pharmacotherapy. 2009;29(11):1275-9. Review.)

As variáveis de interesse foram obtidas dos prontuários das crianças, tendo sido incluídos: idade, sexo, peso, altura e índice de massa corporal (IMC), presença de feridas, data da hospitalização, unidade de internação, data de início do tratamento, tempo de infusão do antimicrobiano, cirurgias, cateter venoso central, punção arterial, ventilação mecânica, creatinina sérica, resultados de culturas microbiológicas e concentração inibitória mínima (CIM). Os resultados das culturas foram obtidos de material biológico (sangue, urina, secreções de ponta de cateter, pulmão, pele, olho e ouvido). A altura da criança, assim como o IMC, quando não disponíveis no prontuário, foram estimados por dados antropométricos disponíveis no National Center for Health Statistics do Centers for Disease Control and Prevention.(88. Centers for Disease Control and Prevention (CDC). About antimicrobial resistance [Internet]. Atlanta: CDC; 2017 [cited 2018 Feb 16]. Available from: http://www.cdc.gov/drugresistance/about.html
http://www.cdc.gov/drugresistance/about....
)

As outras variáveis de interesse foram obtidas por equações que incluíram clearance de creatinina (CLcr), concentração mínima (Cmin), perfil farmacocinético, Vd, constante de eliminação (Kel), meia-vida biológica do antimicrobiano (T1/2) e clearance da vancomicina (CL).(99. Winter ME, Ambrose PJ. Vancomycin. In: Winter ME. Basic clinical Pharmacokinetics. Philadelph: Lippicortt; 2004. p. 45-76.)

O clearance renal foi estimado usando a fórmula de Schwartz et al.,(1010. Schwartz GJ, Haycock GB, Edelmann CM Jr, Spitzer A. A simple estimate of glomerular filtration rate in children derived from body length and plasma creatinine. Pediatrics. 1976;58(2):259-63.) de acordo com a equação 1:

CLcr = ( HxK ) / Scr___ ( Equação 1 )

Onde: H é altura (cm); Scr é creatinina sérica (mg/dL); K é a constante relacionada a faixa etária e sexo (K: 0,45 criança <1 ano; K: 0,55 criança (1-12 anos) e adolescentes do sexo feminino; K: 0,70 adolescentes masculinos).

A Cmin e a Kel da vancomicina foram determinadas a partir da equação 2:

Kel = ( lnC 1 - lnC 2 ) / ( T 1 - T 2 ) ___ ( Equação 2 )

Onde: C1 é o logaritmo natural da concentração plasmática da primeira coleta; C2 logaritmo natural da concentração plasmática da segunda coleta; T1 é o tempo da primeira coleta; T2 é o tempo da segunda coleta em relação à Cmin.

A determinação da meia-vida do antimicrobiano T1/2 foi dada pela equação 3:

T 1 / 2 = 0 , 693 / Kel___ ( Equação 3 )

O Vd foi dado pela equação 4:

Vd = dose * ( e - KT ) / vale * ( 1 - e - KT ) ___ ( Equação 4 )

O clearance do antimicrobiano foi calculado pela equação 5:

CL = Vd * Kel___ ( Equação 5 )

A área sob a curva (ASC) da vancomicina foi obtida do programa BestDose, uma ferramenta clínica que utiliza controle adaptativo bayesiano não paramétrico, com múltiplos modelos, para atingir objetivos desejados, como concentração sérica do fármaco.(1111. Laboratory of Applied Pharmacokinetics and Bioinformatics (LAPKB). Optimizing drug therapy for populations and individuals [Internet]. Los Angeles: LAPKB; 2017 [cited 2017 May 5]. Available from: http://www.lapk.org/bestdose.php
http://www.lapk.org/bestdose.php...
)

O parâmetro preditor da eficácia de vancomicina considerado neste estudo foi a proporção da ASC em 24 horas e a CIM acima de 400 (ASCSS0-4/CIM >400),(66. Rybak MJ, Lomaestro BM, Rotschafer JC, Moellering RC Jr, Craig WA, Billeter M, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin in adult’s summary of consensus recommendations from the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society of America, and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. Pharmacotherapy. 2009;29(11):1275-9. Review.) e os valores mínimos entre 10 e 15μg/mL.(1212. Ye ZK, Chen YL, Chen K, Zhang XL, Du GH, He B, Li DK, Liu YN, Yang KH, Zhang YY, Zhai SD; Guideline Steering Group, the Guideline Development Group and the Guideline Secretary Group. Therapeutic drug monitoring of vancomycin: a guideline of the Division of Therapeutic Drug Monitoring, Chinese Pharmacological Society. J Antimicrob Chemother. 2016;71(11):3020-25.,1313. Liu C, Bayer A, Cosgrove SE, Daum RS, Fridkin SK, Gorwitz RJ, Kaplan SL, Karchmer AW, Levine DP, Murray BE, J Rybak M, Talan DA, Chambers HF; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines by the infectious diseases society of america for the treatment of methicilin-resistant staphylococcus aureus infections in adults and children. Clin Infect Dis. 2011;52(3):e18-55. Erratum in: Clin Infect Dis. 2011;53(3):319.)

Respeitando o intervalo de cinco meias-vidas biológicas de vancomicina, no terceiro dia de tratamento foram coletadas duas amostras de sangue em momentos diferentes, com intervalo mínimo de 2 horas entre as coletas (2mL/coleta tubo Vacutainer® com sódio e EDTA) e devidamente identificados. As amostras foram enviadas ao Laboratório de Toxicologia da Universidade Federal de São João del-Rei, onde foram centrifugadas por 15 minutos, a 3.500rpm. O total de 500μL de plasma foi removido e mantido em tubos cônicos tipo Eppendorf. As amostras foram congeladas a -80°C em freezer (FORMA TM 88000 Series °C -80ºC, freezer vertical de temperatura ultrabaixa), até a realização da análise, não ultrapassando 6 meses.

A quantificação de vancomicina em matriz biológica (plasma) foi realizada utilizando cromatografia líquida de alto desempenho (Agilent Technologies, modelo 1206), programa ChemStation para sistemas LC 3D (Agilent Technologies®, EUA), e coluna de fase reversa de 250mm por 4mm LiChroCART® Purospher® (MERCK® C18). A fase móvel foi preparada diariamente, a partir de uma mistura de água ultrapura (UP) e acetonitrila (9:1, v/v) acrescentada a 27g de fosfato monobásico de potássio USP KH2PO4. O potencial de hidrogênio (pH) da solução foi ajustado para 3,0 com ácido clorídrico.

Para a fase analítica, o volume injetado foi de 40μL, e o efluente foi monitorado por detector ultravioleta a 240nm. Foram necessários 7 minutos para detecção do analito e seu padrão interno (ceftriaxona), usando os seguintes gradientes de concentração: no momento 0, 100% fase móvel; de 2 a 5 minutos, 5% acetonitrila e 10% metanol foram acrescentados à fase móvel; e de 5 a 7 minutos, houve retorno a 100% da fase móvel para estabilização.

As análises foram conduzidas em temperatura ambiente (20±1ºC). A curva de calibração diária foi composta por 8 pontos, variando de 2 a 100μg/mL. Os controles internos foram preparados em concentrações de controle de qualidade alto (CQA; 80,0μg/mL), médio (CQM; 25,0μg/mL) e baixo (CQB; 3,0μg/mL). Foi feita quantificação do analito no plasma dos pacientes com base na curva diária de calibração aceita por CQA, CQM e CQB.

Foi realizada precipitação proteica com acetonitrila para purificação da vancomicina em matriz biológica, acrescentando 200μL de plasma e 600μL de acetonitrila em um tubo Eppendorf de 1,5mL.

As amostras foram agitadas em um vórtex por 15 segundos, submetidas a centrifugação refrigerada a 4°C a 8.000rpm, por 30 minutos. Após a precipitação proteica, as amostras foram concentradas por evaporação em fluxo de nitrogênio em um concentrador de amostra a 40ºC. O resíduo do extrato seco foi dissolvido em uma solução com 100μL de água UP e acetonitrila em proporção de (9:1, v/v) e o volume foi transferido para microfrascos. O método analítico apresentou boa linearidade (r2=0,99), precisão de 0,10 a 3,90, acurácia de 90,69 a 120,53, limite inferior de quantificação de 2μg/mL e limite de detecção de 1,0μg/mL.

Para estimar a dose antimicrobiana ideal de vancomicina, utilizou-se o programa BestDose e a equação sugerida por Winter(99. Winter ME, Ambrose PJ. Vancomycin. In: Winter ME. Basic clinical Pharmacokinetics. Philadelph: Lippicortt; 2004. p. 45-76.) (equação 6):

C ss desejado = ( dose desejada × C ss atual ) / dose atual ( Equação 6 )

Onde: Css é a concentração no estado estável.

Para estimar o ajuste de dose da vancomicina usando o programa BestDoseTM, o intervalo entre as doses definido foi de 6 horas, com tempo de infusão de 60 minutos, terapia antimicrobiana com duração de 7 dias e CIM de 1μg/mL. A concentração no pico na segunda hora foi 30μg/mL e no vale na sexta hora, 10μg/mL.

Foi feita análise estatística descritiva por meio das medianas, e da dispersão, pelo Excel.

RESULTADOS

Foram incluídos dez pacientes pediátricos em uso de 10 a 20mg/kg/dose de vancomicina, com mediana de idade de 5,5 anos e variação interquartil (IQ) de 3,2 a 9,0 anos; peso de 21kg (mediana), com IQ de 15,5kg a 24,0kg; altura de 112,5cm (mediana), com IQ de 95cm a 133cm. Seis (60%) participantes encontravam-se alocados na unidade de terapia intensiva e 4 (40%) em enfermarias. As morbidades associadas à hospitalização foram pneumonia adquirida na comunidade (30%), fibrose cística (20%), pneumonia bacteriana (10%), sepse pulmonar (10%), meningite bacteriana (10%), craniectomia (10%) e choque séptico (10%). A associação vancomicina e meropenem foi observada em quatro casos (40%). As características individuais das crianças são apresentadas na tabela 1.

Tabela 1
Dados antropométricos e características individuais das crianças

A meia-vida biológica da vancomicina da criança 3 encontrou-se consideravelmente aumentada (T(1/2)ß 37,7 horas) quando comparada às demais, e clearance, Kel e Vd encontravam-se reduzidos. Era uma criança obesa, e a dose utilizada foi baseada nas recomendações de doses para adultos, de acordo com a tabela 2.

Tabela 2
Parâmetros farmacocinéticos de vancomicina em crianças

Para a correlação da PK e da farmacodinâmica (PD) da vancomicina, os valores individuais são mostrados na tabela 3. A CIM para vancomicina encontrada nos resultados de culturas de materiais biológicos emitidos pelo laboratório do hospital pediátrico variou de 0,5 a 2μg/mL. Quando utilizada a CIM de 0,5μg/mL, 100% dos pacientes tiveram concentrações efetivas de vancomicina, ao passo que, para a CIM de 1μg/mL, somente uma criança alcançou o alvo terapêutico, e, para CIM de 2μg/mL, nenhuma criança (0%) em uso de vancomicina alcançou o alvo terapêutico. O tratamento empírico foi iniciado antes dos resultados das culturas, mas três (30%) crianças apresentaram bacilos Gram-negativo e estavam em uso concomitante de outro antimicrobiano para o tratamento da infecção por Gram-negativo. Os bacilos Gram-negativo isolados foram Pseudomonas sp na criança 2, bacilos Gram-negativo na criança 3 e Acinetobacter sp na criança 8. Staphylococcus aureus foi isolado em quatro crianças (40%), recuperado de hemoculturas e secreção pulmonar. Na criança 9, foi isolado Staphylococcus xylosus. Das dez crianças participantes do estudo, em duas (20%) não foram isoladas bactérias em culturas. A CIM do Staphylococcus aureus variou de 0,5 a 2,0μg/mL.

Tabela 3
Perfil farmacodinâmico da população do estudo para vancomicina

Para cada esquema empírico da dose de vancomicina utilizado nas crianças incluídas neste estudo, o ajuste de dose foi proposto utilizando BestDose e as diretrizes sugeridas por Winter para o esquema de dose, como mostrado na tabela 4. Foram sugeridas doses de 600mg e 841mg (mediana) para alcançar o alvo terapêutico.

Tabela 4
Esquema empírico de dose diária de vancomicina versus dose ajustada sugerida por BestDose™ e Winter

DISCUSSÃO

A incerteza quanto à utilização de parâmetros de eficácia e níveis terapêuticos em crianças ainda é uma realidade. As crianças não participaram ou não receberam todos os benefícios do progresso clínico no tratamento e na compreensão da toxidade dos medicamentos.(1414. Macleod S, Carleton B. Pharmacological research involving children and adolescents: the Canadian context. In: Avard D, Samuel J, Knoppers BM, editors. Pediatric Research in Canada. Montreal: Les Éditions Thémis; 2009. p. 161-87.,1515. Kearns GL, Reed MD. Immediate action needed to improve labeling of prescription drugs for pediatric patients. Ann Pharmacother. 1997;31(2): 249-51.) As recomendações de utilização da vancomicina passaram por grandes mudanças ao longo dos anos e, ainda assim, são necessários estudos que corroborem evidência científica sobre a eficácia do monitoramento terapêutico de antimicrobianos em crianças.(1414. Macleod S, Carleton B. Pharmacological research involving children and adolescents: the Canadian context. In: Avard D, Samuel J, Knoppers BM, editors. Pediatric Research in Canada. Montreal: Les Éditions Thémis; 2009. p. 161-87.,1616. Cole TS, Riordan A. Vancomycin dosing in children: what is the question? Arch Dis Child. 2013;98(12):994-7. Review.) O presente estudo evidencia que as doses empíricas de vancomicina administradas em crianças foram incapazes de garantir a eficácia microbiológica tanto para o parâmetro Cmin (Vale) quanto para ASC/CIM para CIM de 1 e 2mg/L. Embora as doses empíricas utilizadas tenham seguido as recomendações de diretrizes, de acordo com Ye et al.,(1717. Ye ZK, Tang HL, Zhai SD. Benefits of therapeutic drug monitoring of vancomycin: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2013;8(10):e77169. Review.) a monitorização terapêutica de vancomicina está associada a taxas mais altas de eficácia clínica em pacientes com infecções por Gram-positivos. Recente revisão de Alves et al.,(1818. da Silva Alves GC, da Silva SD, Frade VP, Rodrigues D, Baldoni AO, de Castro WV, et al. Determining the optimal vancomicyn daily dose for pediatrics: a meta-analysis. Eur J Clin Pharmacol. 2017;73(11):1341-53. Review.) descreve que é necessária, além da individualização de doses, a utilização de doses iniciais de vancomicina >60mg/kg/dia, para se obterem concentrações efetivas de vancomicina.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.)

Esses achados reforçam a dificuldade de estabelecimento de uma dose empírica única para crianças, sendo necessário o desenvolvimento de modelos que levem em conta as diversas características desta população. Adicionalmente, estes achados também indicam a necessidade de monitorização terapêutica de vancomicina, devendo ser objeto de preocupação quanto ao uso de antimicrobianos em unidades pediátricas, pois as doses devem ser ajustadas conforme o perfil de cada criança, para se obter resposta terapêutica adequada.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.)

Em relação ao perfil de eficácia microbiológica, para a vancomicina, existem dois parâmetros disponíveis e utilizados: as faixas terapêuticas para vale e a correlação PK/PD. De acordo com Rybak et al.,(66. Rybak MJ, Lomaestro BM, Rotschafer JC, Moellering RC Jr, Craig WA, Billeter M, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin in adult’s summary of consensus recommendations from the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society of America, and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. Pharmacotherapy. 2009;29(11):1275-9. Review.) concentrações de vale entre 10 e 20μg/mL são determinadas para refletir ASC/CIM >400 em adultos. Desta forma, é preferível, quando possível, medir o parâmetro PK/PD. No presente estudo, este conhecimento foi de extrema importância para a conduta clínica e apresenta implicação muito relevante, pois, para pacientes que apresentaram concentrações de vale dentro e acima da faixa terapêutica estabelecida, ao se utilizar a fórmula sugerida por Winter et al.,(99. Winter ME, Ambrose PJ. Vancomycin. In: Winter ME. Basic clinical Pharmacokinetics. Philadelph: Lippicortt; 2004. p. 45-76.) a qual leva em consideração a concentração desejada do vale, os dados individuais deles sugerem a necessidade de redução da dose. Por outro lado, quando analisamos a correlação PK/PD para os mesmos indivíduos, verifica-se que o alvo terapêutico não é alcançado a para CIM de 1 e 2μg/mL, sendo necessário aumento na dose administrada, conforme a estimativa de ajuste de dose fornecida pelo programa BestDose.

Outro achado importante em nosso estudo, quando consideramos a concentração sérica de vancomicina no vale, foi que uma criança obesa (número 3) obteve níveis séricos de Vale acima de 20μg/mL, utilizando dose de 8,4mg/kg; por outro lado, não foram obtidos níveis séricos para manter ASCSS0-24/CIM>400. Zhao et al.,(1919. Zhao W, Zhang D, Fakhoury M, Fahd M, Duquesne F, Storme T, et al. Population pharmacokinetics and dosing optimization of vancomycin in children with malignant hematological disease. Antimicrob Agents Chemother. 2014;58(6):3191-9.) afirmam que o peso e a função renal têm o impacto importante sobre a PK da vancomicina em crianças, pois a depuração da vancomicina e da creatinina encontra-se aumentada de forma diretamente proporcional ao peso corporal. Desta forma, modelos populacionais que levem em conta idade, peso e condições clínicas da população infantil devem ser desenvolvidos e disponibilizados para a prática clínica.

Embora o software BestDose tenha como referência a população pediátrica americana, ele foi desenvolvido especificamente para população pediátrica, e a estimava de dose é sugerida conforme o perfil individual, assim como a fórmula sugerida por Winter et al.(99. Winter ME, Ambrose PJ. Vancomycin. In: Winter ME. Basic clinical Pharmacokinetics. Philadelph: Lippicortt; 2004. p. 45-76.) Por meio do software BestDose™, ainda se consegue adaptar a melhor dose para que as concentrações de vancomicina mantenham-se dentro dos parâmetros vale e ASC. Portanto, em razão da falta de um instrumento de ajuste de dose para a população brasileira, ou mesmo por conta da falta de serviços de monitorização terapêutica de fármacos nas instituições de saúde no Brasil, o BestDose apresenta-se como ferramenta confiável para ajuste de dose em crianças. Ainda não existem modelos populacionais de vancomicina em população pediátrica no Brasil.(22. Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.,2020. Eiland LS, English TM, Eiland EH 3rd. Assessment of vancomycin dosing and subsequent serum concentrations in pediatric patients. Ann Pharmacother. 2011;45(5):582-9.,2121. Frymoyer A, Hersh AL, Coralic Z, Benet LZ, Joseph GB. Prediction of vancomycin pharmacodynamics in children with invasive methicillin-resistant staphylococcus aureus infections: a Monte Carlo simulation. Clin Ther. 2010;32(3):534-42.)

Muito se tem questionado em relação à toxicidade, principalmente com a utilização de vancomicina. No presente estudo, não foram avaliados desfechos como a nefrotoxidade. Em estudo realizado por Cole et al.,(1616. Cole TS, Riordan A. Vancomycin dosing in children: what is the question? Arch Dis Child. 2013;98(12):994-7. Review.) verificou-se que a evidência científica sobre a nefrotoxidade de vancomicina está associada ao uso concomitante de outros fármacos nefrotóxicos, principalmente em crianças críticas, nas quais a polifarmácia está presente. Para Ye et al.,(1717. Ye ZK, Tang HL, Zhai SD. Benefits of therapeutic drug monitoring of vancomycin: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2013;8(10):e77169. Review.) a monitorização terapêutica de vancomicina está associada a menor incidência de nefrotoxicidade.

Este estudo tem a limitação do pequeno número de crianças que preencheram o critério de inclusão no período avaliado. Além disso, não foram registrados dados de eventos adversos relacionados ao uso de vancomicina no período.

CONCLUSÃO

O uso empírico de vancomicina na população estudada não alcançou o alvo terapêutico da farmacocinética/farmacodinâmica para concentração inibitória mínima na maioria dos casos, sendo necessário o ajuste de dose. Estes achados enfatizam a importância de implementar monitorização terapêutica de vancomicina nas crianças com quadro clínico muito grave, com potenciais alterações na farmacocinética, para alcançar o alvo terapêutico e melhorar a resposta clínica. Este estudo evidencia a necessidade urgente de elaborar um instrumento de ajuste de dose para o perfil da população pediátrica no Brasil.

AGRADECIMENTOS

À Universidade de Itaúna, pela disponibilidade de laboratórios para realização deste estudo. Ao Laboratório de Toxicologia da Universidade de São Paulo, em nome da Dra. Silvia Regina Santos, pelas análises iniciais das amostras. À Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais pela parceria neste trabalho.

Este trabalho está vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal de São João del-Rei.

REFERENCES

  • 1
    Scott JA, Wonodi C, Moïsi JC, Deloria-Knoll M, DeLuca AN, Karron RA, Bhat N, Murdoch DR, Crawley J, Levine OS, O’Brien KL, Feikin DR; Pneumonia Methods Working Group. The definition of pneumonia, the assessment of severity, and clinical standardization in the Pneumonia Etiology Research for Child Health study. Clin Infect Dis. 2012;54(Suppl 2):109-16. Review.
  • 2
    Gomez DS, Campos EV, de Azevedo RP, Silva JM Jr, Ferreira MC, Sanches-Giraud C, et al. Individualised vancomycin doses for paediatric burn patients to achieve PK/PD targets. Burns. 2013;39(3):445-50.
  • 3
    Santos SR, Sanches-Giraud C, Vieira Jr C, Souza FF, Gómez DS, Campos EV, et al. Pharmacokinetic-pharmacodynamic correlation for meropenem applied to a burn child using a bioanalytical liquid cromatographic method. Rev Port Farmacoter. 2011;3:224-32.
  • 4
    Downes KJ, Hahn A, Wiles J, Courter JD, Vinks AA. Dose optimisation of antibiotics in children: application of pharmacokinetics/pharmacodynamics in paediatrics. Int J Antimicrob Agents. 2014;43(3):223-30. Review.
  • 5
    Barker CI, Standing JF, Turner MA, McElnay JC, Sharland M. Antibiotic dosing in children in Europe: can we grade the evidence from pharmacokinetic/ pharmacodynamic studies – and when is enough data enough? Curr Opin Infect Dis. 2012;25(3):235-42. Review.
  • 6
    Rybak MJ, Lomaestro BM, Rotschafer JC, Moellering RC Jr, Craig WA, Billeter M, et al. Therapeutic monitoring of vancomycin in adult’s summary of consensus recommendations from the American Society of Health-System Pharmacists, the Infectious Diseases Society of America, and the Society of Infectious Diseases Pharmacists. Pharmacotherapy. 2009;29(11):1275-9. Review.
  • 7
    Silva P. Farmacologia. 8a ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2010. p. 27.
  • 8
    Centers for Disease Control and Prevention (CDC). About antimicrobial resistance [Internet]. Atlanta: CDC; 2017 [cited 2018 Feb 16]. Available from: http://www.cdc.gov/drugresistance/about.html
    » http://www.cdc.gov/drugresistance/about.html
  • 9
    Winter ME, Ambrose PJ. Vancomycin. In: Winter ME. Basic clinical Pharmacokinetics. Philadelph: Lippicortt; 2004. p. 45-76.
  • 10
    Schwartz GJ, Haycock GB, Edelmann CM Jr, Spitzer A. A simple estimate of glomerular filtration rate in children derived from body length and plasma creatinine. Pediatrics. 1976;58(2):259-63.
  • 11
    Laboratory of Applied Pharmacokinetics and Bioinformatics (LAPKB). Optimizing drug therapy for populations and individuals [Internet]. Los Angeles: LAPKB; 2017 [cited 2017 May 5]. Available from: http://www.lapk.org/bestdose.php
    » http://www.lapk.org/bestdose.php
  • 12
    Ye ZK, Chen YL, Chen K, Zhang XL, Du GH, He B, Li DK, Liu YN, Yang KH, Zhang YY, Zhai SD; Guideline Steering Group, the Guideline Development Group and the Guideline Secretary Group. Therapeutic drug monitoring of vancomycin: a guideline of the Division of Therapeutic Drug Monitoring, Chinese Pharmacological Society. J Antimicrob Chemother. 2016;71(11):3020-25.
  • 13
    Liu C, Bayer A, Cosgrove SE, Daum RS, Fridkin SK, Gorwitz RJ, Kaplan SL, Karchmer AW, Levine DP, Murray BE, J Rybak M, Talan DA, Chambers HF; Infectious Diseases Society of America. Clinical practice guidelines by the infectious diseases society of america for the treatment of methicilin-resistant staphylococcus aureus infections in adults and children. Clin Infect Dis. 2011;52(3):e18-55. Erratum in: Clin Infect Dis. 2011;53(3):319.
  • 14
    Macleod S, Carleton B. Pharmacological research involving children and adolescents: the Canadian context. In: Avard D, Samuel J, Knoppers BM, editors. Pediatric Research in Canada. Montreal: Les Éditions Thémis; 2009. p. 161-87.
  • 15
    Kearns GL, Reed MD. Immediate action needed to improve labeling of prescription drugs for pediatric patients. Ann Pharmacother. 1997;31(2): 249-51.
  • 16
    Cole TS, Riordan A. Vancomycin dosing in children: what is the question? Arch Dis Child. 2013;98(12):994-7. Review.
  • 17
    Ye ZK, Tang HL, Zhai SD. Benefits of therapeutic drug monitoring of vancomycin: a systematic review and meta-analysis. PLoS One. 2013;8(10):e77169. Review.
  • 18
    da Silva Alves GC, da Silva SD, Frade VP, Rodrigues D, Baldoni AO, de Castro WV, et al. Determining the optimal vancomicyn daily dose for pediatrics: a meta-analysis. Eur J Clin Pharmacol. 2017;73(11):1341-53. Review.
  • 19
    Zhao W, Zhang D, Fakhoury M, Fahd M, Duquesne F, Storme T, et al. Population pharmacokinetics and dosing optimization of vancomycin in children with malignant hematological disease. Antimicrob Agents Chemother. 2014;58(6):3191-9.
  • 20
    Eiland LS, English TM, Eiland EH 3rd. Assessment of vancomycin dosing and subsequent serum concentrations in pediatric patients. Ann Pharmacother. 2011;45(5):582-9.
  • 21
    Frymoyer A, Hersh AL, Coralic Z, Benet LZ, Joseph GB. Prediction of vancomycin pharmacodynamics in children with invasive methicillin-resistant staphylococcus aureus infections: a Monte Carlo simulation. Clin Ther. 2010;32(3):534-42.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Fev 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    23 Jan 2018
  • Aceito
    12 Jun 2018
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br