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Proteção auricular da água em pacientes com tubo de ventilação em membrana timpânica: ensaio clínico randomizado

RESUMO

Objetivo

Avaliar a incidência de otorreia no período pós-operatório em pacientes submetidos à timpanotomia para colocação de tubo de ventilação e que não realizaram proteção auricular quando expostos à água.

Métodos

Ensaio clínico controlado, aberto e randomizado. Foram incluídos 80 pacientes submetidos à timpanotomia para colocação de tubo de ventilação unilateral ou bilateral, divididos em dois grupos: Grupo Proteção e Grupo Não Proteção auricular da água durante o banho e as atividades aquáticas.

Resultados

No primeiro mês pós-operatório, o Grupo Não Proteção apresentou aumento significativo tanto no número de pacientes com otorreia quanto na incidência. Quatro pacientes do Grupo Proteção (11%) apresentaram ao menos um episódio de otorreia neste período, representando incidência de 0,11 (desvio padrão ±0,32) episódio/mês, enquanto no Grupo Não Proteção ocorreram 12 episódios (33%; p=0,045) e incidência de 0,33 (±0,48; p=0,02). Entre o 2º e o 13º meses pós-operatórios, não houve diferença entre os grupos. Sete pacientes do Grupo Proteção (20%) apresentaram ao menos um episódio de otorreia, representando incidência de 0,04 (±0,09) episódios/mês, enquanto no Grupo Não Proteção foram registrados sete episódios (22%; p=0,8) e incidência de 0,05 (±0,1; p=0,8).

Conclusão

Pacientes que realizaram a proteção auricular quando expostos à água apresentaram menor incidência de otorreia no primeiro mês pós-operatório do que aqueles que não a realizaram. A partir do segundo mês, não houve diferença entre os grupos.

Dispositivos de proteção das orelhas/utilização; Ventilação da orelha média; Água/efeitos adversos; Complicações pós-operatórias/prevenção & controle; Otite média com derrame

ABSTRACT

Objective

To analyze the incidence of otorrhea in the postoperative period of patients submitted to tympanotomy to place ventilation tube, and who did not protect the ear when exposed to water.

Methods

Open, randomized-controlled trial. Eighty patients submitted to unilateral or bilateral ear grommet tympanostomy were included and divided into two groups: Auricular Protection and Non-Protection to water during bathing and activities in water.

Results

In the first postoperative month, the Non-Protection Group presented a significant increase in the number of patients with otorrhea and in the incidence. Four patients of the Protection Group (11%) presented at least one episode of otorrhea in this period, representing an incidence of 0.11 (standard deviation ±0.32) episode/month, whereas in the Non-Protection Group there were 12 episodes (33%; p=0.045) and incidence of 0.33 (±0.48; p=0.02). Between the 2nd and the 13th postoperative months, there was no difference between groups. Seven patients in the Protection Group (20%) had at least one episode of otorrhea, representing an incidence of 0.04 (±0.09) episodes/month, while in the Non-Protection Group there were seven episodes (22%; p=0.8) and incidence of 0.05 (±0.1; p=0.8).

Conclusion

Patients who underwent ear protection when exposed to water had a lower incidence of otorrhea in the first postoperative month than those who did not undergo protection. From the second month, there was no difference between groups.

Ear protective devices/utilization; Middle ear ventilation; Water/adverse effects; Postoperative complications/prevention & control; Otitis media with effusion/surgery

INTRODUÇÃO

A timpanotomia para a colocação de tubos de ventilação é um dos procedimentos cirúrgicos mais realizados em crianças e adolescentes em todo o mundo. Estima-se que mais de 1 milhão de pacientes são operados anualmente nos Estados Unidos e no Canadá.(11. Rosenfeld RM, Schwartz SR, Pynnonen MA, Tunkel DE, Hussey HM, Fichera JS, et al. Clinical practice guideline: tympanostomy tubes in children. Otolaryngol Head Neck Surg. 2013;149(1 Suppl):S1-35.,22. Coyte PC, Croxford R, Asche CV, To T, Feldman W, Friedberg J. Physician and population determinants of rates of middle-ear surgery in Ontario. JAMA. 2001;286(17):2128-35.)Uma das complicações mais comuns desta cirurgia é a otorreia, que pode ser consequência da contaminação da orelha média por patógenos provenientes de duas regiões distintas: rinofaringe, caracterizando a otite média aguda; e orelha externa, pela transposição do tubo de ventilação através de seu orifício.(11. Rosenfeld RM, Schwartz SR, Pynnonen MA, Tunkel DE, Hussey HM, Fichera JS, et al. Clinical practice guideline: tympanostomy tubes in children. Otolaryngol Head Neck Surg. 2013;149(1 Suppl):S1-35.,33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.)

Por muitos anos, crianças com tubo de ventilação foram instruídas a realizarem proteção auricular durante o banho e a não praticarem atividades aquáticas, com o intuito de evitar a entrada de água na orelha média, prevenindo possível infecção. Entretanto, estudos controlados e revisões sistemáticas, realizados principalmente nos Estados Unidos e na Europa, concluíram que crianças precavidas à exposição otológica à água apresentam índices de otorreia iguais ou semelhantes aos das crianças expostas.(33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.

4. Lee D, Youk A, Goldstein NA. A meta-analysis of swimming and water precautions. Laryngoscope. 1999;109(4):536-40.

5. Carbonell R, Ruíz-García V. Ventilation tubes after surgery for otitis media with effusion or acute otitis media and swimming. Systematic review and meta-analysis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;66(3):281-9. Review.
-66. Salata JA, Derkay CS. Water precautions in children with tympanostomy tubes. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1996;122(3):276-80.)Alguns estudos experimentais também mostram que a água atravessa o tubo de ventilação apenas sob pressão ou quando misturada a substâncias que diminuem sua tensão superficial, como o sabão.(77. Pashley NR, Scholl PD. Tympanostomy tubes and liquids − an in vitro study. J Otolaryngol. 1984;13(5):296-8.,88. Saffer M, Miura MS. Tympanostomy tubes and water. J Pediatr. 2002; 78(6):475-80.)Desse modo, as precauções orientadas seriam desnecessárias, diminuindo o transtorno e as privações causadas no cotidiano das crianças operadas.

Mesmo assim, boa parte dos médicos, especialmente no Brasil, se mantém reticente e orienta a proteção auricular até mesmo no banho. Inquéritos realizados nos Estados Unidos e Europa concluem que, apesar das evidências, a proteção auricular continua sendo orientada. Entretanto, a maioria dos médicos permite que atividades na água sejam realizadas, e metade deles não orienta nenhum tipo de proteção.(99. Basu S, Georgalas C, Sen P, Bhattacharyya AK. Water precautions and ear surgery: evidence and practice in the UK. J Laryngol Otol. 2007;121(1):9-14.,1010. Poss JM, Boseley ME, Crawford JV. Pacific Northwest survey: posttympanostomy tube water precautions. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2008;134(2):133-5.)Em breve questionário realizado na instituição onde este estudo foi realizado, dentre os 30 médicos assistentes que foram entrevistados, apenas dois não orientavam proteção auricular durante banho, e todos recomendam evitar atividades na água ou vedar o conduto auditivo com próteses pré-moldadas e touca de silicone.

No Brasil, nenhum estudo prospectivo, randomizado e controlado foi identificado quando pesquisados os termos “água/tubo de ventilação” ou “ water/grommets” nas bases de dados MEDLINE e LILACS.

OBJETIVO

Avaliar a incidência de otorreia no período pós-operatório em pacientes submetidos à timpanotomia para colocação de tubo de ventilação e que não realizaram proteção auricular quando expostos à água.

MÉTODOS

Foi realizado um ensaio clínico controlado, aberto e randomizado que incluiu 80 pacientes de amostra sequencial de conveniência, no período entre julho de 2013 e maio de 2015. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o parecer 299.403 de 26 de junho de 2013. O Termo de Consentimento Livre e Esclarecido foi assinado pelo próprio paciente ou seu cuidador. Todos os pacientes apresentavam diagnóstico de otite média secretora e/ou otite média aguda de repetição, tendo sido submetidos à colocação de tubo de ventilação uni ou bilateralmente. Dois tipos diferentes de tubos foram inseridos (Sheppard ou Armstrong), e essa escolha foi determinada pelo cirurgião. A amostra foi estratificada pelo número de orelhas operadas (uni ou bilateralmente). A randomização foi feita em blocos de seis pacientes, para equilibrar o número de pacientes entre os grupos. O agendamento cirúrgico foi feito por médicos que não faziam parte do processo de inclusão do paciente no estudo, evitando a indução da escolha de um dos grupos para determinados pacientes.

As indicações cirúrgicas foram baseadas no Clinical Practice Guideline: Tympanostomy Tubes in Children ,(11. Rosenfeld RM, Schwartz SR, Pynnonen MA, Tunkel DE, Hussey HM, Fichera JS, et al. Clinical practice guideline: tympanostomy tubes in children. Otolaryngol Head Neck Surg. 2013;149(1 Suppl):S1-35.)que define otite média secretora como presença de efusão na orelha média bilateralmente por, no mínimo, 3 meses; e otite média aguda de repetição como três ou mais episódios de otite média aguda nos últimos 6 meses ou quatro ou mais episódios nos últimos 12 meses. Foram excluídos pacientes com qualquer tipo de imunocomprometimento (síndromes imunodeficientes, AIDS ou HIV positivo, diabetes mellitus , quimioterapia atual ou uso crônico de corticoide sistêmico), deformidades craniofaciais, fenda palatina ou que tivessem realizado cirurgia otológica prévia (exceto tubo de ventilação prévio).

Os pacientes foram divididos randomicamente em dois grupos: no Grupo Proteção, os pacientes foram orientados a realizar proteção auricular durante o banho com algodão embebido em solução de vaselina ou oleosa, e a não praticarem atividades aquáticas ou, caso fossem inevitáveis, vedar as orelhas com protetor auricular pré-moldado e toca de silicone impermeável. No Grupo Não Proteção, os pacientes foram liberados para realizar qualquer atividade sem proteção auricular. Ambos os grupos foram orientados a evitar mergulhos ou qualquer movimento brusco na água, nadar em profundidade e afundar a cabeça em banheira com água e sabão. Todos os pacientes receberam, na alta hospitalar, um calendário, no qual relataram qualquer intercorrência: episódios em que não realizaram proteção auricular quando expostos à água (Grupo Proteção), prática de natação, infecção de vias aéreas superiores e otorreia.

As consultas de acompanhamento foram feitas após um mês da cirurgia e, posteriormente, a cada 3 meses, até a extrusão dos tubos de ventilação. Em caso de otorreia ou qualquer outra intercorrência otorrinolaringológica, os pacientes foram orientados a procurar o pronto-socorro de otorrinolaringologia de nosso serviço.

Foram estabelecidos dois desfechos primários: o número de pacientes que apresentou pelo menos um episódio de otorreia durante o período de estudo; e a incidência de otorreia por paciente (número de episódios de otorreia/período de acompanhamento). Tais desfechos foram comparados entre os Grupos Proteção e Não Proteção em relação ao tempo total de acompanhamento, ao primeiro mês de pós-operatório e ao 2º ao 13º mês de pós-operatório. Otorreia associada à natação foi definida como qualquer episódio que ocorresse em até 7 dias após essa atividade, assim como otorreia associada à infecção de vias aéreas superiores (IVAS) foi caracterizada quando ocorrida em até 7 dias após o início dos sintomas.

A análise estatística das comparações do número de pacientes com pelo menos um episódio de otorreia entre os grupos foi realizada com o teste do χ2ou teste exato de Fischer. A comparação entre as incidências de otorreia entre os grupos foi feita com o teste de Mann-Whitney. As características demográficas e de acompanhamento dos pacientes foram comparadas usando o teste do χ2para as variáveis categóricas e o teste t de Student para variáveis contínuas. Para avaliar a otorreia em função das variáveis coletadas, foi utilizada a técnica multivariada de regressão logística, pelo método stepwise forward.

RESULTADOS

No total, 80 pacientes foram recrutados pelo estudo; 41 (51,2%) foram aleatoriamente alocados para o Grupo Proteção e 39 (49,8%) para o Grupo Não Proteção ( Figura 1 ). As características demográficas e de acompanhamento dos paciente, e a distribuição entre os grupos estão expostas na tabela 1 . A média de idade (desvio padrão) foi de 10,5 anos (±15) no Grupo Proteção e 6,6 anos (±5,5) no Grupo Não Proteção.

Figura 1
Fluxograma CONSORT do estudo

Tabela 1
Características demográficas e de acompanhamento dos pacientes randomizados

Cinco pacientes (12%) do Grupo Proteção e três (8%) do Grupo Não Proteção não retornaram para nenhuma consulta de acompanhamento. Dentre os pacientes que retornaram para ao menos uma consulta, a média do tempo de acompanhamento do Grupo Proteção foi de 8,16 meses (±3,3) e, do Grupo Não Proteção, foi de 7,16 meses (±4,2).

A comparação entre os episódios e a incidência de otorreia entre os pacientes que foram aleatoriamente divididos nos Grupo Proteção e Não Proteção, e que retornaram para pelo menos uma consulta pós-operatória é apresentada na tabela 2 . Durante o período total de acompanhamento, não houve diferença entre os grupos. Nove pacientes do Grupo Proteção (25%) apresentaram ao menos um episódio de otorreia durante o período de acompanhamento, representando incidência de 0,05 (±0,1) episódio/mês, enquanto no Grupo Não Proteção foram registrados 16 pacientes (44%) (p=0,08) e incidência de 0,13 (±0,24; p=0,06). Resultados semelhantes foram observados entre o 2º e o 13º mês de acompanhamento. Sete pacientes do Grupo Proteção (20%) apresentaram ao menos um episódio de otorreia, representando incidência de 0,04 (±0,09) episódio/mês, enquanto no Grupo Não Proteção foram encontrados sete episódios (22%; p=0,8) e incidência de 0,05 (±0,1, desvio padrão; p=0,8). Quando a comparação foi feita apenas no primeiro mês pós-operatório, o Grupo Não Proteção apresentou aumento significativo tanto no número de pacientes com otorreia quanto na incidência. Quatro pacientes do Grupo Proteção (11%) apresentaram ao menos um episódio de otorreia neste período, representando incidência de 0,11 (±0,32) episódio/mês, enquanto no Grupo Não Proteção ocorreram 12 episódios (33%; p=0,045) e incidência de 0,33 (±0,48; p=0,02).

Tabela 2
Ocorrência e incidência de otorreia por grupo

Dentre os 36 pacientes randomizados para o Grupo Proteção que retornaram para pelo menos uma consulta pós-operatória, três relataram ter realizado proteção insuficiente ou nenhuma proteção. Desse modo, com o intuito de comparar a associação entre a intervenção (proteção/não proteção) e o desfecho primário (otorreia), foram comparados os 33 pacientes do Grupo Proteção que, de fato, protegeram o ouvido com os 39 pacientes que não protegeram (36 do Grupo Não Proteção + 3 do Grupo Proteção que não aderiram à intervenção proposta) ( Tabela 3 ).

Tabela 3
Ocorrência e Incidência de otorreia por uso de proteção

No período total de acompanhamento, maior número de pacientes que não protegeram a orelha da exposição à água apresentou otorreia (p=0,04), assim como maior incidência de otorreia (p=0,03), quando comparados aos que efetivamente protegeram. Considerando apenas o primeiro mês de acompanhamento, foi observada tendência a um maior número de pacientes com otorreia entre os que não protegeram (p=0,08), assim como na incidência (p=0,06). Não houve diferença na comparação entre os grupos entre o 2º e o 13º meses quanto ao número de pacientes com otorreia (p=0,34) e à incidência de otorreia (p=0,32).

Houve 13 relatos de episódios de natação e 18 de IVAS no Grupo Proteção, com nenhuma otorreia associada a eles. No Grupo Não Proteção, foram registrados dez relatos de natação (com dois episódios de otorreia associados) e 22 de IVAS (com sete episódios de otorreia associados). A análise da regressão logística constatou, como fatores de risco para o desenvolvimento de otorreia, os diagnósticos pré-operatórios de otite média de repetição (p=0,02; odds ratio − OR: 1,23-19,22) e otite média de repetição associada à otite média secretória (p=0,02; OR: 1,49-129,81), em relação ao diagnóstico isolado de otite média secretória. Nenhuma outra variável apresentou diferença significativa.

DISCUSSÃO

Este estudo é o primeiro ensaio clínico controlado e randomizado realizado no Brasil que avalia a necessidade de pacientes submetidos à colocação de tubo de ventilação na membrana timpânica protegerem suas orelhas quando expostos à água. Nossos resultados mostraram que, a partir do segundo mês pós-operatório, proteger a orelha quando exposta à água não representou menor número de pacientes com pelo menos um episódio de otorreia (20% dos pacientes do Grupo Proteção versus 22% do Grupo Não Proteção; p=0,8), tampouco menor incidência de otorreia (0,04±0,05 no Grupo Proteção versus 0,05±0,1 no Grupo Não Proteção). Resultados semelhantes foram observados quando a comparação foi feita entre os pacientes randomizados para o Grupo Proteção que, de fato, aderiram à conduta proposta e os pacientes que não protegeram.

Tais resultados estão de acordo com publicações prévias, que concluíram que crianças precavidas à exposição otológica à água apresentam índices de infecção iguais ou semelhantes às crianças expostas. As metanálises realizadas por Lee et al.,(44. Lee D, Youk A, Goldstein NA. A meta-analysis of swimming and water precautions. Laryngoscope. 1999;109(4):536-40.)(619 crianças de 5 estudos) e Carbonell et al.,(55. Carbonell R, Ruíz-García V. Ventilation tubes after surgery for otitis media with effusion or acute otitis media and swimming. Systematic review and meta-analysis. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2002;66(3):281-9. Review.)(943 pacientes de 11 estudos) concordam que não há diferença em relação aos índices de otorreia entre pacientes que não protegem a orelha quando praticam natação em relação àqueles que protegem ou não nadam. Entretanto, os estudos compilados por essas revisões apresentavam problemas com o desenho de estudo, ausência de randomização, cegamento, adesão ou pequenas amostras.(1111. Tsao GJ, Goode RL. Are water precautions necessary after tympanostomy tube placement? Laryngoscope. 2014;124(7):1513-4. Review.,1212. Wilcox LJ, Darrow DH. Should water precautions be recommended for children with tympanostomy tubes? Laryngoscope. 2014;124(1):10-1.)O único estudo clínico, randomizado e simples cego, com nível 1 de evidência(33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.)observou um mínimo aumento na taxa de otorreia nos pacientes que não usaram protetores auriculares quando expostos à água. A diferença observada entre os grupos foi de 0,36 infecção por ano/criança, o que significa que uma criança precisaria proteger a orelha por 2,8 anos para prevenir um episódio de otorreia. Apesar desta diferença, o uso de protetores auriculares pode ser dispensado na rotina destes pacientes.(33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.,1212. Wilcox LJ, Darrow DH. Should water precautions be recommended for children with tympanostomy tubes? Laryngoscope. 2014;124(1):10-1.)

Por outro lado, no primeiro mês pós-operatório, proteger a orelha quando exposta à água resultou em menor incidência (0,11±0,32 no Grupo Proteção versus 0,33±0,48 no Grupo Não Proteção; p=0,02) e menor número de pacientes otorreia (11% dos pacientes do Grupo Proteção versus 33% do Grupo Não Proteção; p=0,045). Resultados semelhantes foram observados quando a comparação foi feita entre os pacientes randomizados para o Grupo Proteção que de fato aderiram à conduta proposta e os pacientes que não protegeram.

A incidência de otorreia em pacientes que não realizaram a proteção auricular quando expostos à água no primeiro mês pós-operatório foi pouco estudada previamente, já que a maior parte dos estudos inicia a avaliação dos pacientes pelo menos 2 semanas após a cirurgia.(33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.,66. Salata JA, Derkay CS. Water precautions in children with tympanostomy tubes. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 1996;122(3):276-80.)Este estudo apresentou maior incidência e mais pacientes com episódios de otorreia, possivelmente pela persistência, no pós-operatório imediato, de pertuitos periféricos ao tubo de ventilação resultantes de uma miringotomia ampla, que permitem a entrada de água na orelha média, causando a infecção. Com a cicatrização da membrana timpânica, estes espaços se fechariam, sendo o orifício do tubo de ventilação a única comunicação entre orelha externa e média, o que justificaria a diminuição nos índices de infecção no pós-operatório tardio (a partir do segundo mês).

Esta pesquisa apresentou algumas limitações. Devido aos critérios estabelecidos para associação da otorreia à natação ou a IVAS, ao pequeno número de pacientes que nadou e à cultura da otorreia não ter sido realizada, não foi possível dividir com precisão os casos que tiveram origem na orelha média dos que tiveram origem na orelha externa.

A decisão entre proteger ou não a orelha quando exposta à água deve ser individualizada e discutida entre médico, paciente e familiares. Os resultados obtidos neste estudo, associados a observações de estudos prévios, permitem concluir que é seguro orientar pacientes com tubo de ventilação na membrana timpânica a não protegerem a orelha durante o banho após o primeiro mês pós-operatório. A proteção deve ser orientada no primeiro mês após a cirurgia e também em casos de otorreia recorrente ou sensação de incômodo na orelha quando exposta à água. Pelo pequeno número de pacientes que nadou durante o período de estudo, não foi possível concluir que também é seguro nadar sem nenhuma proteção. Entretanto, baseado na literatura disponível,(33. Goldstein NA, Mandel EM, Kurs-Lasky M, Rockette HE, Casselbrant ML. Water precautions and tympanostomy tubes: a randomized, controlled trial. Laryngoscope. 2005;115(2):324-30.,44. Lee D, Youk A, Goldstein NA. A meta-analysis of swimming and water precautions. Laryngoscope. 1999;109(4):536-40.,1111. Tsao GJ, Goode RL. Are water precautions necessary after tympanostomy tube placement? Laryngoscope. 2014;124(7):1513-4. Review.,1212. Wilcox LJ, Darrow DH. Should water precautions be recommended for children with tympanostomy tubes? Laryngoscope. 2014;124(1):10-1.)permitir atividades aquáticas na superfície sem proteção auricular parece apresentar um risco mínimo. Mergulhos profundos ou banho em banheira com sabão devem ser evitados ou a proteção auricular deve ser orientada. Proibir pacientes de nadar é uma conduta desnecessária e, especialmente em crianças, impede momentos de lazer e o desenvolvimento das habilidades de natação e de autoproteção na água.

CONCLUSÃO

Pacientes que protegeram e que não protegeram a orelha da exposição à água após a cirurgia de timpanotomia para colocação de tubo de ventilação apresentaram incidência semelhante de episódios de otorreia a partir do segundo mês pós-operatório. Do mesmo modo, a partir do segundo mês pós-operatório, o número de pacientes que apresentou pelo menos um episódio de otorreia foi semelhante entre os grupos.

AGRADECIMENTOS

A autora Natalia Cançado foi contemplada com bolsa de Iniciação Científica pelo Programa de Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

REFERENCES

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Mar 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2018
  • Aceito
    9 Jul 2018
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