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Normalização da contagem de linfócitos após dose ablativa de I-131 em um paciente com leucemia linfóide crônica e carcinoma papilífero da tireóide. Relato de caso

Resumos

Os autores relatam o caso de um paciente de 70 anos com leucemia linfóide crônica que apresentou subsequentemente um carcinoma papilífero da tireóide com metástases para linfonodos regionais. O paciente foi tratado com tireoidectomia total cirúrgica com exérese de linfonodos regionais e cervicais e radioiodoterapia (I-131). A pesquisa de corpo inteiro protocolar de controle 4 dias após a dose radioativa mostrou captação de I-131 em ambas as axilas e mesmo nas regiões inguinais. PET/CT mostrou discreta captação de FDG-F-18 em um linfonodo da axila esquerda. A biópsia por agulha fina guiada por ultrassom deste linfonodo identificado por SPECT/CT com I-131 e PET/CT com FDG-F-18 revelou células linfomatosas e foi negativa para tecido tireoidiano e conteúdo de tireoglobulina. Os hemogramas sequenciais feitos rotineiramente após tratamento com radiações mostraram uma acentuada queda até retorno aos valores normais de leucócitos e de linfócitos (absolutos e relativos), que continuavam normais no último controle 19 meses após a administração do radioiodo. Tomografia computadorizada de tórax mostrou uma redução em tamanho de linfonodos axilares e para-aorticos. Por imunohistoquímica, as células da linhagem linfoide B decresceram de 52% antes da radioiodoterapia para 5% depois do procedimento. Os autores conjeturam sobre uma possível expressão de symporter de iodeto de sódio pelas células deste linfoma, à semelhança de outros tumores não tireoidianos, tais como células de câncer da mama.

Linfoma; Contagem de linfócitos; Leucemia; Neoplasias da glândula tireóide/terapia; Radioisótopos do iodo/uso terapêutico; Relatos de casos


The authors report the case of a 70-year-old male patient with chronic lymphoid leukemia who presented subsequently a papillary carcinoma of the thyroid with metastases to regional lymph nodes. The patient was treated with surgical thyroidectomy with regional and cervical lymph node excision and radioiodine therapy (I-131). The protocolar control scintigraphy 4 days after the radioactive dose showed I-131 uptake in both axillae and even in the inguinal regions. PET/CT showed faint FDG-F-18 uptake in one lymph node of the left axilla. An ultrasound guided fine needle biopsy of this lymph node identified by I-131 SPECT/CT and FDG-F-18 PET/CT revealed lymphoma cells and was negative for thyroid tissue and thyroglobulin content. The sequential blood counts done routinely after radiation treatment showed a marked fall until return to normal values of leucocytes and lymphocytes (absolute and relative), which were still normal in the last control 19 months after the radioiodine administration. Chest computed tomography showed a decrease in size of axillary and para-aortic lymph nodes. By immunohistochemistry, cells of the lymphoid B lineage decreased from 52% before radioiodine therapy to 5% after the procedure. The authors speculate about a possible sodium iodide symporter expression by the cells of this lymphoma, similar to some other non-thyroid tumors, such as breast cancer cells.

Lymphoma; Lymphocyte count; Leukemia; Thyroid neoplasms/therapy; Iodine radioisotopes/therapeutic use; Case reports


INTRODUÇÃO

Sabe-se que a leucemia linfocítica crônica/linfoma linfocítico de pequenas células (LLC/LLPC) predispõe à ocorrência de neoplasias subsequentes, especialmente cânceres de rim e de pele.(11. Manusow D, Weinerman BH. Subsequent neoplasia in chronic lymphocytic leukemia. JAMA. 1975;232(3):267-9.

2. Travis LB, Curtis RE, Hankey BF, Fraumeni JF Jr. Second cancers in patients with chronic lymphocytic leukemia. J Natl Cancer Inst. 1992;84(18):1422-7.

3. Mellemgaard A, Geisler CH, Storm HH. Risk of kidney cancer and other second solid malignancies in patients with chronic lymphocytic leukemia. Eur J Haematol. 1994;53(4):218-22.

4. Nishikubo CY, Kunkel LA, Figlin R, Belldegrun A, Rosen P, Elashoff R et al. An association between renal cell carcinoma and lymphoid malignancies. A case series of eight patients. Cancer. 1996;78(11):2421-6.

5. Hisada M, Biggar RJ, Greene MH, Fraumeni JF Jr, Travis LB. Solid tumors after chronic lymphocytic leukemia. Blood. 2001;98(6):1979-81.

6. Dasanu CA, Alexandrescu DT. Risk for second nonlymphoid neoplasms in chronic lymphocytic leukemia. MedGenMed. 2007;9(4):35.Review.
-77. Royle JA, Baade PD, Joske D, Girschik J, Frischi L. Second cancer incidence and cancer mortality among chronic lymphocytic leukaemia patients: a population-based study. Br J Cancer. 2011;105(7):1076-81.) A associação com carcinoma da tireóide é extremamente rara, segundo a literatura médica.(88. Bocian A, Kopczynski J, Rieske P, Piaskowski S, Stuszniak J, Kupnicka D et al. Simultaneous occurrence of medullary and papillary carcinomas of the thyroid gland with metastases of papillary carcinoma to the cervical lymph nodes and the coinciding small B-cell lymphocytic lymphoma of the lymph nodes – a case report. Pol J Pathol. 2004:55(3):23-30., 99. Reid-Nicholson M, Moreira A, Ramalingam P. Cytologic features of mixed papillary carcinoma and chronic lymphocytic leukemia/small lymphocytic lymphoma of the thyroid gland. Diagn Cytopathol. 2008;36(11):813-7.)

Apresentamos o caso de um paciente com leucemia linfocítica crônica e um carcinoma papilífero da tireóide secundário, cuja neoplasia primária teve uma evolução pouco comum, após uma única dose terapêutica de I-131, administrada para ablação dos remanescentes da tireóide após a tiroidectomia total.

RELATO DE CASO

I.F., paciente masculino de 70 anos, teve diagnóstico de leucemia linfocítica crônica (LLC) em julho de 2009. Durante a fase inicial de estadiamento, foi descoberto, pela tomografia computadorizada (TC), um grande bócio multinodular subesternal, com um volume estimado de 82cm3. Uma biópsia por agulha fina guiada por ultrassom (US) de um dos nódulos mostrou-se sugestiva de câncer da tireóide. Esta suspeita foi reforçada por um valor sérico de tireoglobulina de 936,9ng/mL (imunoensaio por quimiluminescência), medido em outubro do mesmo ano.

Não havia sido recomendado nenhum tratamento específico para o LLC. Porém, em vista dos achados mencionados acima concernentes à tireóide, o paciente foi submetido à tireoidectomia total com ressecção de linfonodos (LN) regionais, em 5 de janeiro de 2010. Um total de 29 LN foram extirpados (5 paratraqueais direitos, 8 da cadeia VI, 5 da cadeia VII do lado direito, 7 da cadeia VI e 4 da cadeia VII do lado esquerdo).

O diagnóstico patológico do material extirpado relatou: “microcarcinoma papilífero variante folicular da tireóide, no lobo direito, confinado à glândula tireóide, medindo 1,2mm, sem comprometimento das margens cirúrgicas ou do tecido extra-tireóideo, sem invasão vascular; bócio multinodular com focos de tiroidite linfocítica”.

Foram encontradas metástases em 8 dos 29 LN: em todos os 5 paratraqueais direitos e em 3/8 dos LN da cadeia VI, do lado direito. Todos os demais estavam livres de doença.

O paciente foi encaminhado para radioterapia interna com I-131, a qual foi agendada para fevereiro de 2010, sendo precedida por cintilografia de corpo inteiro (PCI) uma semana antes. O preparo para a PCI e para o tratamento subsequente foi instituído durante um mês, segundo as diretrizes internacionais. O paciente estava sem reposição hormonal desde a cirurgia.

Nesse ínterim foram realizados os exames de controle, listados a seguir com os respectivos resultados:

– Raios-X de tórax: normal.

– US da região cervical: LN aumentados nas cadeias I, II, e VI bilateralmente, compatíveis com reação inflamatória.

– CT de tórax e abdome: LN axilares e retroperitoneais aumentados, sem ulterior investigação, atribuídos à leucemia linfocítica subjacente.

Por essa data (27 de janeiro), o hemograma completo mostrava 4,74x106 eritrócitos, 19.200 leucócitos, dos quais 13.958 (72,7%) eram linfócitos, e 265.000 plaquetas.

Os valores séricos obtidos em 23 de janeiro foram: TSH: 63mUI/L; tireoglobulina: 93,4ng/mL (963,9ng/mL antes da cirurgia); anticorpos anti-tireoglobulina: ausentes.

A PCI com I-131, feita em 27 de janeiro de 2010, detectou pequenos remanescentes de tecido concentrador de iodo na região cervical anterior, com captação de 24 horas de I-131<1% da dose traçadora. Nenhuma outra captação definitiva foi observada, à exceção de uma fraca e dúbia maior concentração em ambas as regiões axilares, que não foi levada em consideração (Figura 1 A).

Figura 1
. Cintilografia de corpo inteiro antes (1A) e 4 dias (1B) depois da dose terapêutica de I-131. Uma captação nas axilas é interrogada na cintilografia pré-dose, mas fica evidente na varredura após a dose. Observe também a captação nas regiões inguinais

Uma dose terapêutica de 7.400MBq (200mCi) de I-131 foi administrada em 2 de fevereiro de 2010.

Na PCI pós-terapêutica de rotina feita em 6 de fevereiro, além da captação esperada nos remanescentes cervicais, houve captação definitiva em ambas as regiões axilares e mesmo em pequenas estruturas nas regiões inguinais (Figura 1B). As cintilografias planas foram complementadas com um estudo de SPECT/CT do tórax, que evidenciou claramente concentração de radioiodo nos linfonodos axilares. Pelo menos um linfonodo aumentado na axila esquerda conseguiu ser precisamente identificado (Figura 2 ).

Figura 2
. SPECT/CT realizado 4 dias após a terapia com I-131. Além da concentração de iodo radioativo nos remanescentes cirúrgicos da tireoidectomia, detecta-se captação significativa nos linfonodos axilares, principalmente na axila esquerda

A disseminação metastática do carcinoma da tireóide para as cadeias linfáticas axilares é uma situação muito rara e, segundo a literatura,(1010. Koike K, Fujii T, Yanaga H, Nakagawa S, Yokoyama G, Yahara T, et al. Axillary lymph node recurrence of papillary thyroid microcarcinoma: report of a case. Surg Today. 2004;34(5):440-3.

11. Ers V, Galant C, Malaise J, Rahier J, Daumerie C. Axillary lymph node metastasis in recurrence of papillary thyroid carcinoma: a case report. Wien Klin Wochenschrift. 2006;118(3-4):124-7.

12. Nakayama H, Wada N, Masudo Y, Rino Y. Axillary lymph node metastasis from papillary thyroid carcinoma: report of a case. Surg Today. 2007;37(4):311-5.
-1313. Kepenekci I, Demirkan A, Cakmac A, Tug T, Ekinci S. Axillary lymph node metastasis as a late manifestation of papillary thyroid carcinoma. Thyroid. 2009;19(4):417-9.) geralmente relacionada à doença avançada, que não era o caso de nosso paciente. Outro potencial mecanismo mencionado na literatura é uma drenagem linfática anômala causada por uma cirurgia complexa,(1010. Koike K, Fujii T, Yanaga H, Nakagawa S, Yokoyama G, Yahara T, et al. Axillary lymph node recurrence of papillary thyroid microcarcinoma: report of a case. Surg Today. 2004;34(5):440-3.) o que poderia ter sido possível nesse caso.

Por outro lado, o aumento difuso moderado e bilateral dos linfonodos ao exame clínico era mais compatível com linfoma. O diagnóstico diferencial se impunha para a tomada de decisão entre tratamento cirúrgico ou conservador.

Um exame de PET/CT com FDG-F-18 revelou apenas fraca atividade metabólica em ambas as axilas, discretamente mais pronunciada (SUVmax 1,3) em um nódulo à esquerda, presumido como sendo o mesmo que apresentara a captação mais elevada de radioiodo.

Como o paciente recusou a biópsia aberta, foi feita uma biópsia por aspiração com agulha fina, guiada por SPECT/CT, PET/CT e ultrassom, do linfonodo bem definido da axila esquerda. O material aspirado foi submetido à citologia, à citometria de fluxo e às dosagens de tireoglobulina e anticorpos anti-tireoglobulina.

A análise citológica mencionou ausência de células epiteliais e de calcificação e foi consistente com LLC/LLPC.

O perfil imunofenotípico por citometria de fluxo mostrou células CD19+ com co-expressão de CD5, CD20, CD23, e cadeia kappa leve, sendo também consistente com LLC/LLPC.

Tireoglobulina e anticorpos anti-tireoglobulina, medidos no tecido da biópsia por imunoensaio de quimiluminescência, foram indetectáveis.

Com base nestes resultados, as metástases do carcinoma da tireóide foram excluídas, aceitando-se a adenomegalia por LLC/LLPC.

Como parte do protocolo de seguimento do tratamento com radioiodo, foram feitas contagens sanguíneas sequenciais a cada semana, entre a 3ª e a 6ª semanas, e eventualmente, em datas posteriores após a dose radioativa. Embora sempre ocorra uma queda transitória de leucócitos e em particular de linfócitos após radioterapia, verificou-se, neste paciente, uma redução incomum no número de leucócitos principalmente em função da queda dos linfócitos. Houve uma acentuada redução nas contagens absoluta e relativa de linfócitos, que retornaram a valores normais e assim permaneceram por até 19 meses (setembro de 2011). Em 24 de janeiro de 2012, a contagem de leucócitos foi 8.590/mm3 (100%) e de linfócitos 3.800/mm3 (44%), mostrando um pequeno aumento na contagem relativa acima do limite superior normal de 40% (Tabela 1, Figura 3).

Tabela 1
. Contagens de eritrócitos, leucócitos totais, linfócitos e plaquetas em hemogramas sequenciais desde imediatamente antes da radioiodoterapia até 19 meses após o tratamento

Figura 3
. Representação gráfica da contagem sequencial de leucócitos e linfócitos antes e por 19 meses depois da radioterapia interna com I-131

Uma citometria de fluxo do sangue periférico fora realizada em 8 de setembro de 2009 (antes da cirurgia) foi repetida em 15 de abril de 2010 (2 meses após I-131). As células da linhagem linfoide B (células linfoides B) diminuíram de 52% para 5%, respectivamente.

A TC do tórax de controle, também feita no dia 15 de abril de 2010, comparada ao mesmo estudo de 8 de setembro de 2009, reportou um decréscimo no número e nas dimensões dos linfonodos axilares (Figura 4), como também a ausência de linfoadenomegalia mediastinal e hilar.

Figura 4
. Tomografia computadorizada antes (4A) e 9 semanas depois (4B) da terapia com I-131. Observe a marcante redução dos linfonodos na axila esquerda

Uma PCI com I-131 sob TSH recombinante (rhTSH) foi repetida para controle em 3 de fevereiro de 2011 e foi negativa para tecidos ávidos por iodo. Os valores séricos de TSH, tireoglobulina e anticorpos anti-tireoglobulina medidos antes da primeira e 48 horas depois da segunda dose de rhTSH forneceram, respectivamente, os seguintes resultados: TSH <0,05mUI/L e 306mUI/L; tireoglobulina indetectável em ambas medições; anticorpos anti-tireoglobulina <5U/mL em ambas medições.

DISCUSSÃO

A ocorrência de tumores secundários em pacientes com leucemia linfocítica crônica não é incomum e está bem documentada. Segundo a literatura, os mais frequentes são câncer renal(33. Mellemgaard A, Geisler CH, Storm HH. Risk of kidney cancer and other second solid malignancies in patients with chronic lymphocytic leukemia. Eur J Haematol. 1994;53(4):218-22.,44. Nishikubo CY, Kunkel LA, Figlin R, Belldegrun A, Rosen P, Elashoff R et al. An association between renal cell carcinoma and lymphoid malignancies. A case series of eight patients. Cancer. 1996;78(11):2421-6.) e melanoma, dentre outros. Os tumores secundários da tireóide parecem ser raros, pois são encontrados na literatura apenas como relatos de caso.(88. Bocian A, Kopczynski J, Rieske P, Piaskowski S, Stuszniak J, Kupnicka D et al. Simultaneous occurrence of medullary and papillary carcinomas of the thyroid gland with metastases of papillary carcinoma to the cervical lymph nodes and the coinciding small B-cell lymphocytic lymphoma of the lymph nodes – a case report. Pol J Pathol. 2004:55(3):23-30., 99. Reid-Nicholson M, Moreira A, Ramalingam P. Cytologic features of mixed papillary carcinoma and chronic lymphocytic leukemia/small lymphocytic lymphoma of the thyroid gland. Diagn Cytopathol. 2008;36(11):813-7.)

Nosso paciente apresentou um microcarcinoma papilífero variante folicular bem diferenciado, secundário a (ou concomitante com) uma leucemia linfocítica crônica, com metástases para os LN regionais.

O achado de captação de radioiodo nos linfonodos axilares foi intrigante, já que esta região normalmente não tem conexão anatômica com os vasos que saem da região da tireóide. As referências a respeito de metástases em LN axilares de tumores da tireóide são igualmente limitadas a relatos de caso, em geral de pacientes com doença avançada.(1010. Koike K, Fujii T, Yanaga H, Nakagawa S, Yokoyama G, Yahara T, et al. Axillary lymph node recurrence of papillary thyroid microcarcinoma: report of a case. Surg Today. 2004;34(5):440-3.

11. Ers V, Galant C, Malaise J, Rahier J, Daumerie C. Axillary lymph node metastasis in recurrence of papillary thyroid carcinoma: a case report. Wien Klin Wochenschrift. 2006;118(3-4):124-7.

12. Nakayama H, Wada N, Masudo Y, Rino Y. Axillary lymph node metastasis from papillary thyroid carcinoma: report of a case. Surg Today. 2007;37(4):311-5.
-1313. Kepenekci I, Demirkan A, Cakmac A, Tug T, Ekinci S. Axillary lymph node metastasis as a late manifestation of papillary thyroid carcinoma. Thyroid. 2009;19(4):417-9.) Uma possível causa desta dispersão inusitada poderia ter sido a grande cirurgia para a retirada do bócio intratorácico, como já mencionado.

A rigor, o exame de PET/CT com FDG-F-18 não teve indicação apropriada para o diagnóstico diferencial, uma vez que ambos os tipos de tumores (LLC/LLPC e carcinoma papilífero da tireóide) têm atividade metabólica relativamente baixa. Ele apenas excluiu um processo mais agressivo.

O procedimento ideal teria sido uma biópsia aberta com histologia da amostra. Bocian et al.(88. Bocian A, Kopczynski J, Rieske P, Piaskowski S, Stuszniak J, Kupnicka D et al. Simultaneous occurrence of medullary and papillary carcinomas of the thyroid gland with metastases of papillary carcinoma to the cervical lymph nodes and the coinciding small B-cell lymphocytic lymphoma of the lymph nodes – a case report. Pol J Pathol. 2004:55(3):23-30.) publicaram um caso de metástases coincidentes de carcinoma papilífero e de LLPC em linfonodos cervicais. Reid-Nicholson et al.(99. Reid-Nicholson M, Moreira A, Ramalingam P. Cytologic features of mixed papillary carcinoma and chronic lymphocytic leukemia/small lymphocytic lymphoma of the thyroid gland. Diagn Cytopathol. 2008;36(11):813-7.) relataram o achado de um carcinoma papilífero da tireóide concomitante com LLC/LLPC em um nódulo tireoidiano. Uma concomitância similar poderia explicar a captação de radioiodo no LN axilar do nosso paciente. Mas parece lícito aceitar que a biópsia com aspiração por agulha fina foi informativa, pelo fato de ter confirmado a presença de células de linfoma por histologia e imunohistoquímica e de ter sido inteiramente negativa para células da linhagem tireóidea, como também para substâncias relacionadas às células tireoidianas.

Além do conteúdo do material da biópsia por aspiração, retirado de um LN que havia concentrado o isótopo radioativo, pode-se considerar que houve, de fato, uma captação de radioiodo pelas células do linfoma e uma consequente ação radioterapêutica em função de três observações adicionais: a drástica queda na contagem de células sanguíneas brancas, em particular dos linfócitos, que haviam retornado a valores normais no controle da sexta semana após a dose terapêutica de radioiodo e permaneceram normais por até 19 meses, vindo a ter uma elevação apenas mínima após 24 meses; a redução em tamanho dos linfonodos axilares e mediastinais documentada por TC antes e depois da administração de radioiodo, e a imunohistoquímica sanguínea comparada.

Células de linfoma são sensíveis à energia da emissão beta do I-131.(1414. Kaminski MS, Zelenetz AD, Press OW, Saleh M, Leonard J, Fehrenbacher L, et al. Pivotal study of iodine I 131 tositumomab for chemotherapy-refractory low-grade or transformed low-grade B-Cell non-Hodgkin’s lymphomas. J Clin Oncol. 2001;19(19):3918-28.) Esta é a base da radioimunoterapia, em que o anticorpo é o transportador do radioisótopo. Mas nenhuma referência foi encontrada na literatura sobre captação de radioiodo livre por células de linfomas.

A captação de iodeto pelas células foliculares tireoidianas e pelas células do carcinoma diferenciado da tireóide é mediada pelo co-transportador de sódio e iodeto (NIS), que é responsável por um mecanismo ativo de co-transporte do íon através da membrana basolateral.(1515. Dohán O, De la Vieja A, Paroder V, Riedel C, Artani M, Reed M, et al. The sodium/iodide Symporter (NIS): characterization, regulation and medical significance. Endocr Rev. 2003;24(1):48-77.)

NIS é sabidamente também expresso por células de câncer de mama(1616. Renier C, Yao C, Goris M, Grosh M, Katznelson L, Noless K, et al. Endogenous NIS expression in triple-negative breast cancers. Ann Surg Oncol. 2009;16(4):962-8.) e por células tumorais de glioma.(1717. Carlin S, Akabani G, Zalutsky MR. In vitro cytotoxicity of (211) at-astatide and (131) I-iodide to glioma tumor cells expressing the sodium/iodide symporter. J Nucl Med. 2003;44(11):1827-38.) Pode-se especular que células de linfoma eventualmente sejam também capazes de expressar NIS, o que, talvez, tenha ocorrido com nosso paciente.

A documentação deste caso é limitada pela ausência da histologia do LN axilar que havia concentrado o agente radioativo. Não obstante, a normalização da contagem das células brancas e a redução do tamanho dos linfonodos axilares e para-aórticos após a dose terapêutica de I-131 sugerem que houve, de fato, um efeito radioterapêutico do radioiodo sobre as células do linfoma. Esta observação pode vir a ser um tema para ulteriores pesquisas.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2014

Histórico

  • Recebido
    3 Dez 2012
  • Aceito
    5 Dez 2013
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