Acessibilidade / Reportar erro

Adaptação cultural e validação da reprodutibilidade da versão em português (Brasil) da escala de dor Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD-Brasil) em pacientes adultos não comunicantes

Resumos

Objetivos

Realizar adaptação semântica e cultural para o português do Brasil da escala Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD), e avaliar suas propriedades psicométricas (validade, viabilidade, concordância interavaliadores e utilidade clínica).

Métodos

Estudo descritivo, transversal e retrospectivo, que ocorreu em duas fases: validação semântica e cultural da versão portuguesa da escala e estudo de suas propriedades psicométricas (validade, fiabilidade e utilidade clínica). A amostra foi constituída por 63 pacientes internados com défice neurológicos incapazes de realizarem o autorrelato de sua dor.

Resultados

O processo de validação semântica e cultural dessa escala foi facilmente obtido. Os indicadores da escala mais usados pelos enfermeiros para avaliar a dor foram a “Expressão facial”, a “Linguagem corporal” e “Consolabilidade”. A versão portuguesa da escala revelou ser válida, precisa e teve concordância interavaliadores, que garantiu sua reprodutibilidade.

Conclusão

A escala revelou ser útil para ser utilizada de forma rotineira na prática de cuidados diários com doentes adultos e idosos internados em serviços hospitalares, nas mais diversas situações clínicas. Requereu pouco tempo de aplicação, foi fácil de usar, suas instruções eram claras e o treino requerido para sua aplicação era simples. No entanto, recomenda-se uma atenção particular na interpretação da expressão facial e da consolabilidade a realizar em ações de formação sobre avaliação de dor com o uso dessa escala.

Medição da dor; Escalas; Idoso; Demência


Objective

To adapt the Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD) scale to Brazilian Portuguese with respect to semantic equivalence and cultural aspects, and to evaluate the respective psychometric properties (validity, feasibility, clinical utility and inter-rater agreement).

Methods

Two-stage descriptive, cross-sectional retrospective study involving cultural and semantic validation of the Brazilian Portuguese version of the scale, and investigation of its psychometric properties (validity, reliability and clinical utility). The sample consisted of 63 inpatients presenting with neurological deficits and unable to self-report pain.

Results

Semantic and cultural validation of the PAINAD scale was easily achieved. The scale indicators most commonly used by nurses to assess pain were “Facial expression”, “Body language” and “Consolability”. The Brazilian Portuguese version of the scale has proved to be valid and accurate; good levels of inter-rater agreement assured reproducibility.

Conclusion

The scale has proved to be useful in daily routine care of hospitalized adult and elderly patients in a variety of clinical settings. Short application time, ease of use, clear instructions and the simplicity of training required for application were emphasized. However, interpretation of facial expression and consolability should be given special attention during pain assessment training.

Pain measurement; Scales; Aged; Dementia


INTRODUÇÃO

Segundo a International Association for the Study of Pain (IASP) dor é definida como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada a um dano tecidual atual ou potencial.(1Classification of chronic pain. Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. Prepared by the International Association for the Study of Pain, Subcommittee on Taxonomy. Pain. 1986; 3:S1-226.) Atualmente, pode ser interpretada como uma evidência de comprometimento da integridade física e/ou emocional do indivíduo, representando uma eficiente via de informação dos diversos segmentos corporais com a consciência.(2Barr JO. Controle conservador da dor no paciente idoso. In: Guccione AA. Fisioterapia geriátrica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 333-56.)

O processo do envelhecimento vem acompanhado do aumento na prevalência da dor crônica,(3Crook J, Rideout E, Browne G. The prevalence of pain complaints in a general population. Pain. 1984;18(3):299-314.) dor articular e fibromialgia.(4Badley EM, Tennant A. Changing profile of joint disorders with age: findings from a postal survey of the population of Calderdale, West Yorkshire, United Kingdom. Ann Rheum Dis. 1992;51(3):366-71.)

Entre os idosos, a dor crônica representa a principal queixa ambulatorial e o sintoma mais frequente nas anamneses, ocorrendo em 25 a 50% dos indivíduos.(2Barr JO. Controle conservador da dor no paciente idoso. In: Guccione AA. Fisioterapia geriátrica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 333-56.,5Brummel-Smith K, London MR, Drew N, Krulewitch H, Singer C, Hanson L. Outcomes of pain in frail older adults with dementia. J Am Geriatr Soc. 2002;50(11):1847-51.) Cerca de 45 a 80% dos idosos institucionalizados manifestam pelo menos um tipo de dor, sendo que, em 34% desses casos, os sintomas são referidos como contínuos.(2Barr JO. Controle conservador da dor no paciente idoso. In: Guccione AA. Fisioterapia geriátrica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 333-56.,5Brummel-Smith K, London MR, Drew N, Krulewitch H, Singer C, Hanson L. Outcomes of pain in frail older adults with dementia. J Am Geriatr Soc. 2002;50(11):1847-51.,6Lipton RB, Pfeffer D, Newman LC, Solomon S. Headaches in the elderly. J Pain Symptom Manage. 1993;8(2):87-97. Review.) Dentre as doenças que podem estar associadas com a dor crônica, destacam-se a osteoartrite, as neuropatias periféricas, a osteoporose e o câncer.(7Fisher SE, Burgio LD, Thorn BE, Allen-Burge R, Gerstle J, Roth DL, et al. Pain assessment and management in cognitively impaired nursing home residents: association of certified nursing assistant pain report, Minimum Data Set pain report, and analgesic medication use. J Am Geriatr Soc. 2002;50(1):152-6.)

Dor crônica é uma experiência multidimensional com componentes sensoriais, afetivos e cognitivo-avaliativos, que se interagem e contribuem para a resposta dolorosa final.(8Loeser JD, Melzack R. Pain: an overview. Lancet. 1999;353(9164):1607-9. Review.,9Melzack R. Pain--an overview. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43(9):880-4. Review.) Alterações características do processo de envelhecimento sobre cada um desses componentes podem interferir na experiência da dor, dificultando a realização de uma avaliação adequada.(1010 Augusto CC, Soares CP, Resende MA, Pereira LS. Avaliação da dor em idosos com doença de Alzheimer: uma revisão bibliográfica. Textos Envelhecimento. 2004;7(1):89-104.) Enfim, a dor é uma experiência altamente individual, moldada pelo contexto e pela percepção de seu significado.(7Fisher SE, Burgio LD, Thorn BE, Allen-Burge R, Gerstle J, Roth DL, et al. Pain assessment and management in cognitively impaired nursing home residents: association of certified nursing assistant pain report, Minimum Data Set pain report, and analgesic medication use. J Am Geriatr Soc. 2002;50(1):152-6.,1111 Gloth FM 3rd. Geriatric pain. Factors that limit pain relief and increase complications. Geriatrics. 2000;55(10):46-8, 51-4. Review.)

Considerando a avaliação como parte inicial do gerenciamento da dor, faz-se necessário identificar o perfil dos pacientes, para que seja aplicado o instrumento de avaliação o mais adequado possível. No entanto, a demência pode complicar a avaliação da dor, porque prejudica o julgamento, a memória e a comunicação verbal. Isso porque a demência está associada com alterações do sistema nervoso central, que alteram a tolerância à dor.(1212 Benedetti F, Vighetti S, Ricco C, Lagna E, Bergamasco B, Pinessi L, et al. Pain threshold and tolerance in Alzheimer’s disease. Pain. 1999;80(1-2):377-82.,1313 Huffman JC, Kunick ME. Assessment and understanding of pain in patients with dementia. Gerontologist. 2000;40(5):574-81. Review.) Contudo, não há evidência de que as pessoas com demência sentem fisiologicamente menos dor, mas sim que elas parecem ser menos capazes de reconhecer e comunicar a presença de dor.(1414 Bachino C, Snow AL, Kumik M, Cody M, Wristers K. Principles of pain assessment and treatment in non-communicative demented patients. Clin Gerontol. 2001;23(3-4):97-115.)

Nesse sentido, a avaliação da dor, nessa população, é um desafio, pois pessoas com demência, cuidadores de saúde e especialistas reconhecem que o autorrelato de dor, por si só, é insuficiente e que são necessárias estratégias de avaliação da dor por meio de observação.(1515 Fisher SE, Burgio LD, Thorn BE, Allen-Burge R, Gerstle J, Roth DL, et al. Pain assessment and management in cognitively impaired nursing home residents: association of certified nursing assistant pain report, Minimum Data Set pain report, and analgesic medication use. J Am Geriatr Soc. 2002;50(1):152-6.,1616 Pautex S, Michon A, Guedira M, Emond H, Le Lous P, Samaras D, et al. Pain in severe dementia: self-assessment or observational scales. J Am Geriatr Soc. 2006;54(7):1040-5.) Em 2002, a American Geriatrics Society (AGS) estabeleceu diretrizes abrangentes para avaliação de indicadores comportamentais de dor.(1717 AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002 Jun;50(6 Suppl):S205-24. Review.) Mais recentemente, a American Pain Society (APS) realizou uma força-tarefa de gerenciamento de Enfermagem em dor para avaliação do paciente não verbal (incluindo as pessoas com demência) na qual recomendou-se uma abordagem abrangente e hierárquica, que integrasse o autorrelato e as observações de comportamentos de dor.(1818 Herr K, Coyne PJ, Key T, Manworren R, McCaffery M, Merkel S, Pelosi-Kelly J, Wild L; American Society for Pain Management Nursing. Pain assessment in the nonverbal patient: position statement with clinical practice recommendations. Pain Manage Nurs. 2006;7(2):44-52.)

Na literatura, identificamos 12 escalas de heteroavaliação da dor para pessoas não comunicantes. De sua análise psicométrica, concluiu-se que a maioria apresentava fragilidades em sua validade, confiabilidade e utilidade clínica. No entanto, a Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD), a Pain Assessment Checklist for Seniors with Limited Ability to Communicate (PACSLAC) e a Doloplus-2 mostraram qualidades promissoras.(1919 Zwakhalen SM, Hamers JP, Berger MP. The psychometric quality and clinical usefulness of three pain assessment tools for elderly people with dementia. Pain. 2006;126(1-3):210-20.)

A escala PAINAD foi concebida em 2003 a partir de uma adaptação da escala Discomfort Scale-Dementia of the Alzheimer’s Type (DS-DAT)(2020 Warden V, Hurley AC, Volicer L. Development and psychometric evaluation of the Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD) scale. J Am Med Dir Assoc. 2003;4(1):9-15.,2121 Hurley AC, Volicer BJ, Hanrahan PA, Volicer L, Houde S. Assessment of discomfort in advanced Alzheimer patients. Res Nurs Health. 1992;15(5):369-77.) e da escala pediátrica Face, Legs, Activity, Cry, Consolability (FLACC), com o propósito de permitir uma fácil quantificação da dor em idosos, numa escala métrica de zero a 10 pontos. A escala é composta pelos indicadores “Respiração independente de vocalização”, “Vocalização negativa”, “Expressão facial”, “Linguagem corporal” e “Consolo”, cada um pontuado de zero a 2 pontos.(2222 Merkel SI, Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S. The FLACC: a behavioral scale for scoring postoperative pain in young children. Pediatr Nurs. 1997; 23(3):293-7.) Os valores mais altos indicam maior intensidade de dor. Essa escala abrange apenas três categorias de comportamentos não verbais de dor e três verbais, que são “Expressão facial”, verbalizações/vocalizações e “Linguagem corporal”.(1919 Zwakhalen SM, Hamers JP, Berger MP. The psychometric quality and clinical usefulness of three pain assessment tools for elderly people with dementia. Pain. 2006;126(1-3):210-20.) A escala PAINAD foi validada em pessoas idosas sob cuidados agudos e de longa duração.(2323 Bjoro K, Bergen K, Herr K. Tools for pain assessment in older adults with end-stage dementia. AAHPM Bull. 2008;9(3):2-4.) Os resultados revelaram uma boa concordância interavaliadores e consistência interna,(2424 Costardi D, Rozzini L, Costanzi C, Ghianda D, Franzoni S, Padovani A, et al. The Italian version of the pain assessment in advanced dementia (PAINAD) scale. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):175-80.,1919 Zwakhalen SM, Hamers JP, Berger MP. The psychometric quality and clinical usefulness of three pain assessment tools for elderly people with dementia. Pain. 2006;126(1-3):210-20.) sendo o indicador respiração aquele com a menor associação entre os cinco indicadores.(2424 Costardi D, Rozzini L, Costanzi C, Ghianda D, Franzoni S, Padovani A, et al. The Italian version of the pain assessment in advanced dementia (PAINAD) scale. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):175-80.,2525 Lin PC, Li CL, Shyu YI, Hua MS. Chinese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale: initial psychometric evaluation. J Adv Nurs. 2010;66(10):2360-8.) Os profissionais referiram que a escala era de fácil de uso e que requeria menos de 5 minutos para seu preenchimento.(2323 Bjoro K, Bergen K, Herr K. Tools for pain assessment in older adults with end-stage dementia. AAHPM Bull. 2008;9(3):2-4.)

A escala PAINAD já foi traduzida e validada em Singapura, Bélgica, Itália, Países Baixos, Alemanha e Estados Unidos. As limitações apontadas nesses trabalhos foram as reduzidas dimensões das amostras, sua aplicação em situações não dolorosas (versões alemã e italiana) e a não explicitação da formação efetuada por quem aplicou a escala.(2525 Lin PC, Li CL, Shyu YI, Hua MS. Chinese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale: initial psychometric evaluation. J Adv Nurs. 2010;66(10):2360-8.)

Os estudos que avaliaram as propriedades psicométricas e a utilidade clínica das escalas para uso em pessoas incapazes de se autoavaliarem são ainda escassos.(2626 Jordan A, Hughes J, Pakresi M, Hepburn S, O’Brien J. The utility of PAINAD in assessing pain in a UK population with severe dementia. Int J Geriatr Psychiatry. 2011;26(2):118-26.) Por essa razão, urge encontrar uma escala que avalie a dor nessas pessoas, que tenha boas propriedades psicométricas e que seja de fácil uso clínico. A escala PAINAD parece reunir tais requisitos.

OBJETIVO

Realizar a tradução e adaptação cultural para o português do Brasil da escala Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD), e avaliar as propriedades psicométricas de validade e confiabilidade, bem como a concordância interavaliadores.

MÉTODOS

Estudo metodológico que ocorreu em dois momentos: tradução e adaptação cultural da versão em português da escala PAINAD e estudo de suas propriedades psicométricas.

O estudo foi realizado com pacientes internados em unidades hospitalares que possuem défice cognitivo. A amostra foi constituída por 66 pacientes internados com défices neurológicos incapazes de fazerem o autorrelato de sua dor nas unidades de geriatria, neurologia e de pacientes crônicos. Para participar do estudo, os pacientes deveriam estar internados, ter mais de 18 anos, não estar sedados e nem em ventilação mecânica, e ser incapazes de autorrelatar sua dor.

Para coleta de dados, foi utilizado um formulário estruturado com os dados de caracterização da amostra e a escala PAINAD, para ser aplicada aos pacientes com as características acima.

O projeto de pesquisa foi encaminhado para o Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), com parecer 113.603, CAAE: 05079212.0.0000.0071, após sua aprovação por meio do Termo de Compromisso do Pesquisador e de autorizações para coleta de dados na instituição.

Inicialmente, após autorização dos autores da escala e por recomendação dos mesmos, foi sugerido o contato com Batalha et al.,(2727 Batalha LM, Figueiredo AM, Marques M, Bizarro V. Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão Portuguesa da escala Behavioral Pain Scale – Intubated Patient (BPS-IP/PT). Rev Enf Ref. 2013;9(3):7-16.) autores que estavam traduzindo a mesma escala para o português de Portugal, para uso da mesma metodologia para o português do Brasil.

O estudo teve a seguinte sequência: tradução da escala por duas tradutoras de forma independente. Com base nessas duas traduções, foi realizado um consenso com profissionais da área (seis enfermeiros e um fisioterapeuta, além de docente da língua portuguesa), que avaliaram semântica e culturalmente uma versão de consenso. Essa versão de consenso foi posteriormente retrovertida para o inglês, de forma independente, por duas tradutoras (inglês nativo: americano e canadense). A versão final utilizada nesse estudo é apresentada no quadro 1.

Quadro 1
Versão Brasileira da escala Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD-Brasil)

Após a definição de consenso da escala a ser aplicada aos pacientes idosos com défice cognitivo, foi reunido o grupo de enfermeiros que iriam aplicar a escala aos pacientes, e realizado um curso de orientação sobre os critérios de elegibilidade dos pacientes participantes da amostra, orientação e aplicação do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido ao responsável pelo paciente, além de ter sido disponibilizado treinamento explorando cada item da escala e de que forma seria sua participação nesse estudo. A aplicação da escala foi realizada por três examinadores simultaneamente, no mesmo paciente, sem troca de informações entre eles. A coleta dos dados decorreu entre novembro de 2011 a fevereiro de 2012.

A análise descritiva das variáveis categóricas foi feita por meio do teste Kolmogorov-Smirnov. A avaliação da validade de constructo da versão brasileira da PAINAD foi feita pela análise dos componentes principais com rotação de varimax. O teste Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) foi usado para aferir a adequação da análise fatorial. Para a análise da confiabilidade, calcularam-se a consistência interna e a concordância interavaliadores. Considerou-se a consistência interna aceitável para um valor de alfa de Cronbach <0,7, boa entre 0,7 e 0,8, e excelente ≥0,9.(2828 George D, Mallery P. SPSS for Windows step by step: a simple guide and reference, 11.0 update. 4th ed. Boston: Allyn & Bacon; 2002.) A concordância entre os três enfermeiros (interavaliadores) foi avaliada por meio do coeficiente de Kappa de Cohen para as variáveis ordinais. Os valores entre 0,41 e 0,60 foram considerados moderados; entre 0,61 e 0,80, substanciais; e entre 0,81 e 1,0, excelentes.(2929 Landis RJ, Koch GG. The measurement of agreement for categorical data. Biometrics. 1997;33(1):159-74.) O coeficiente de correlação intraclasse (ICC) foi usado para quantificar a concordância da pontuação total da escala. Admitiu-se uma boa concordância para valores >0,75.(3030 Krammer MS, Feinstein AR. Clinical biostatistics. LIV. The biostatistics of concordance. Clin Pharmacol Ther. 1981;29(1):111-23.)

Os dados foram analisados com o uso do software Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) versão 17.0 for Windows®.

RESULTADOS

Dos 66 pacientes que participaram no estudo, 42 (63,6%) eram do sexo feminino, com idade entre os 20 e 104 anos, e mediana de 87 anos. Os motivos das internações desses doentes foram: demência avançada (n=24; 36%), problemas respiratórios (n=17; 26%), afecções neurológicas (n=10; 15%), infecções diversas (n=6; 9,5%), traumas (n=4; 6%) e ainda outros problemas de saúde (n=5; 7,5%). O tempo de internação variou entre 1 e 165 dias, estando pelo menos metade internada há 9 dias.

O item com maior classificação de dor (escores 1 e 2) pelos três avaliadores foi “Expressão facial”, com 18,2% de respostas. Chama a atenção o descritor “Respiração independente de vocalização”, citado em 15,2% dos casos pelos avaliadores, e ainda “Linguagem corporal”, com 16,7%. A descrição de todos os itens encontra-se na tabela 1.

Tabela 1
Descrição dos resultados obtidos pelos três avaliadores em relação a frequência dos descritores

Da análise dos componentes principais, apurou-se a presença de um fator com valor próprio >1 (valor próprio=2,326) com variância explicada de 46,51%. A vocalização foi o indicador da escala com maior correlação com o fator (0,796) e a respiração com a menor correlação (0,393) (Tabela 2). O teste KMO foi usado para aferir a adequação da análise fatorial, apresentando valor 0,719.

Tabela 2
Análise de componentes principais da Pain Assessment Advanced Dementia (PAINAD-Brasil)

A escala apresentou consistência interna aceitável, com alfa de Cronbach de 0,654. O indicador “Vocalização negativa” foi o que melhor se correlacionou com total da escala (0,524) e o que mais contribuiu para a coerência interna da escala (0,556). Em sentido contrário, o item respiração foi o que menos se correlacionou com o total da escala (0,230) e o que menos contribuiu para a coerência interna da mesma (0,711) (Tabela 3).

Tabela 3
Consistência interna da escala Pain Assessment Advanced Dementia (PAINAD-Brasil)

O nível de concordância entre os três enfermeiros variou entre 0,329, na “Expressão facial”, e 0,512, na respiração. A correlação apurada entre os enfermeiros foi de 0,786, com intervalo de confiança a 95% (IC95%) de 0,679 a 0,862 (Tabela 4).

Tabela 4
Reprodutibilidade da escala Pain Assessment Advanced Dementia (PAINAD-Brasil)

DISCUSSÃO

Na retroversão consensual da PAINAD para língua portuguesa do Brasil, não foram encontradas divergências e foram observadas equivalência semântica com a versão original do instrumento.

Tal como tem acontecido em estudos anteriores, o sexo feminino predominou, porém acreditamos que essa variável não influencia nas propriedades psicométricas da escala. A intensidade da dor não difere de forma significativa quanto ao sexo.

O motivo de internação e/ou as patologias associadas na amostra de observação foram as esperadas entre os mais idosos, infecções e acidentes vasculares cerebrais.

A heterogeneidade das situações clínicas e a amplitude das idades dos doentes observados (20 aos 104 anos) asseguraram a versatilidade da escala em relação a essa população.

Das categorias de comportamento identificadas como típicas em pessoas idosas pela AGS e que fazem parte da PAINAD, apenas a verbalização/vocalização não foi das mais usadas pelos enfermeiros na avaliação da dor. A consolabilidade foi considerada a categoria da escala mais difícil de avaliar, mas, das mais utilizadas (pontuadas) pelos enfermeiros, foi a que maior correlação teve com os outros indicadores e a que mais contribuiu para avaliar a dor e coerência interna da escala. Esses comportamentos são extremamente úteis na avaliação da dor na população idosa, mas requerem experiência e formação específica em sua interpretação.(1919 Zwakhalen SM, Hamers JP, Berger MP. The psychometric quality and clinical usefulness of three pain assessment tools for elderly people with dementia. Pain. 2006;126(1-3):210-20.)

Na versão brasileira da escala PAINAD, os resultados foram semelhantes aos da escala original(2525 Lin PC, Li CL, Shyu YI, Hua MS. Chinese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale: initial psychometric evaluation. J Adv Nurs. 2010;66(10):2360-8.) e da escala PAINAD de Portugal.(3131 Batalha LM, Duarte CI, Rosario RA, Costa MF, Pereira VJ, Morgado TM. Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala Pain Assessment in Advanced Dementia. Rev Enf Ref. 2012; 8(3):7-16.) A respiração por ser o indicador que menos se correlacionou com o fator, fez com que seu uso na avaliação da dor em pessoas idosas fosse questionado.(3232 DeWaters T, Faut-Callahan M, McCann JJ, Paice JA, Fogg L, Hollinger-Smith L, et al. Comparison of self-reported pain and the PAINAD scale in hospitalized cognitively impaired and intact older adults after hip fracture surgery. Orthop Nurs. 2008;27(1):21-8.) A versão original e a chinesa da escala revelaram um segundo fator com a qual o indicador respiração se correlaciona.

O nível de concordância para as categorias da escala foi considerado substancial.(3030 Krammer MS, Feinstein AR. Clinical biostatistics. LIV. The biostatistics of concordance. Clin Pharmacol Ther. 1981;29(1):111-23.) A menor concordância verificou-se na “Expressão facial”, que paradoxalmente é a categoria habitualmente referida como a mais importante e a mais utilizada na prática clínica para avaliar a dor.

A concordância entre os três enfermeiros entre as categorias da escala foi boa e coincidente com a de outros estudos.(2424 Costardi D, Rozzini L, Costanzi C, Ghianda D, Franzoni S, Padovani A, et al. The Italian version of the pain assessment in advanced dementia (PAINAD) scale. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):175-80.,2525 Lin PC, Li CL, Shyu YI, Hua MS. Chinese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale: initial psychometric evaluation. J Adv Nurs. 2010;66(10):2360-8.,3131 Batalha LM, Duarte CI, Rosario RA, Costa MF, Pereira VJ, Morgado TM. Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala Pain Assessment in Advanced Dementia. Rev Enf Ref. 2012; 8(3):7-16.) Parece, assim, assegurada a reprodutibilidade da PAINAD-Brasil. As autoras da escala PAINAD aconselham um treino mínimo de 15 a 120 minutos(2020 Warden V, Hurley AC, Volicer L. Development and psychometric evaluation of the Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD) scale. J Am Med Dir Assoc. 2003;4(1):9-15.) para os profissionais que utilizarão essa escala.

Existem outras escalas de avaliação da dor que podem ser usadas em adultos e idosos incapazes de se autoavaliarem. Comparativamente a essas, a PAINAD requer um tempo de aplicação mais curto, fato constatado e salientado pelos enfermeiros avaliadores.(3232 DeWaters T, Faut-Callahan M, McCann JJ, Paice JA, Fogg L, Hollinger-Smith L, et al. Comparison of self-reported pain and the PAINAD scale in hospitalized cognitively impaired and intact older adults after hip fracture surgery. Orthop Nurs. 2008;27(1):21-8.) Por outro lado, consideraram-na fácil de usar, que as suas instruções eram claras e o treino requerido para sua aplicação foi simples.

A população com défice cognitivo está crescendo e há poucos estudos sobre dor entre idosos. A demência é uma das maiores causas de dependência funcional e de prejuízos na qualidade de vida dos idosos. Embora a queixa de dor nessa população seja pouco frequente, realmente isso não indica que a dor seja rara nos idosos.

Dentre os instrumentos multidimensionais de avaliação de dor, pouquíssimos foram adaptados e validados para a população brasileira, como o questionário de dor de McGill, que foi traduzido e adaptado para o Brasil. No entanto, este não é específico para a população idosa, e o Geriatric Pain Measure (GPM), que também foi traduzido e adaptado para o Brasil para população idosa, avalia depressão em população idosa não demenciada.

CONCLUSÃO

A tradução e a adaptação da escala PAINAD para língua portuguesa brasileira foram desenvolvidas com êxito, seguindo o rigor metodológico para esse estudo. A versão mostrou boa confiabilidade e validade, assim como teve aceitável consistência interna e boa concordância interavaliadores.

Os indicadores da escala mais usados pelos enfermeiros para avaliar a dor foram a “Expressão facial”, a “Linguagem corporal” e “Consolo”. A versão brasileira da escala revelou ser válida e ter uma concordância interavaliadores que garantiu a sua reprodutibilidade.

REFERENCES

  • 1
    Classification of chronic pain. Descriptions of chronic pain syndromes and definitions of pain terms. Prepared by the International Association for the Study of Pain, Subcommittee on Taxonomy. Pain. 1986; 3:S1-226.
  • 2
    Barr JO. Controle conservador da dor no paciente idoso. In: Guccione AA. Fisioterapia geriátrica. 2 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 333-56.
  • 3
    Crook J, Rideout E, Browne G. The prevalence of pain complaints in a general population. Pain. 1984;18(3):299-314.
  • 4
    Badley EM, Tennant A. Changing profile of joint disorders with age: findings from a postal survey of the population of Calderdale, West Yorkshire, United Kingdom. Ann Rheum Dis. 1992;51(3):366-71.
  • 5
    Brummel-Smith K, London MR, Drew N, Krulewitch H, Singer C, Hanson L. Outcomes of pain in frail older adults with dementia. J Am Geriatr Soc. 2002;50(11):1847-51.
  • 6
    Lipton RB, Pfeffer D, Newman LC, Solomon S. Headaches in the elderly. J Pain Symptom Manage. 1993;8(2):87-97. Review.
  • 7
    Fisher SE, Burgio LD, Thorn BE, Allen-Burge R, Gerstle J, Roth DL, et al. Pain assessment and management in cognitively impaired nursing home residents: association of certified nursing assistant pain report, Minimum Data Set pain report, and analgesic medication use. J Am Geriatr Soc. 2002;50(1):152-6.
  • 8
    Loeser JD, Melzack R. Pain: an overview. Lancet. 1999;353(9164):1607-9. Review.
  • 9
    Melzack R. Pain--an overview. Acta Anaesthesiol Scand. 1999;43(9):880-4. Review.
  • 10
    Augusto CC, Soares CP, Resende MA, Pereira LS. Avaliação da dor em idosos com doença de Alzheimer: uma revisão bibliográfica. Textos Envelhecimento. 2004;7(1):89-104.
  • 11
    Gloth FM 3rd. Geriatric pain. Factors that limit pain relief and increase complications. Geriatrics. 2000;55(10):46-8, 51-4. Review.
  • 12
    Benedetti F, Vighetti S, Ricco C, Lagna E, Bergamasco B, Pinessi L, et al. Pain threshold and tolerance in Alzheimer’s disease. Pain. 1999;80(1-2):377-82.
  • 13
    Huffman JC, Kunick ME. Assessment and understanding of pain in patients with dementia. Gerontologist. 2000;40(5):574-81. Review.
  • 14
    Bachino C, Snow AL, Kumik M, Cody M, Wristers K. Principles of pain assessment and treatment in non-communicative demented patients. Clin Gerontol. 2001;23(3-4):97-115.
  • 15
    Fisher SE, Burgio LD, Thorn BE, Allen-Burge R, Gerstle J, Roth DL, et al. Pain assessment and management in cognitively impaired nursing home residents: association of certified nursing assistant pain report, Minimum Data Set pain report, and analgesic medication use. J Am Geriatr Soc. 2002;50(1):152-6.
  • 16
    Pautex S, Michon A, Guedira M, Emond H, Le Lous P, Samaras D, et al. Pain in severe dementia: self-assessment or observational scales. J Am Geriatr Soc. 2006;54(7):1040-5.
  • 17
    AGS Panel on Persistent Pain in Older Persons. The management of persistent pain in older persons. J Am Geriatr Soc. 2002 Jun;50(6 Suppl):S205-24. Review.
  • 18
    Herr K, Coyne PJ, Key T, Manworren R, McCaffery M, Merkel S, Pelosi-Kelly J, Wild L; American Society for Pain Management Nursing. Pain assessment in the nonverbal patient: position statement with clinical practice recommendations. Pain Manage Nurs. 2006;7(2):44-52.
  • 19
    Zwakhalen SM, Hamers JP, Berger MP. The psychometric quality and clinical usefulness of three pain assessment tools for elderly people with dementia. Pain. 2006;126(1-3):210-20.
  • 20
    Warden V, Hurley AC, Volicer L. Development and psychometric evaluation of the Pain Assessment in Advanced Dementia (PAINAD) scale. J Am Med Dir Assoc. 2003;4(1):9-15.
  • 21
    Hurley AC, Volicer BJ, Hanrahan PA, Volicer L, Houde S. Assessment of discomfort in advanced Alzheimer patients. Res Nurs Health. 1992;15(5):369-77.
  • 22
    Merkel SI, Voepel-Lewis T, Shayevitz JR, Malviya S. The FLACC: a behavioral scale for scoring postoperative pain in young children. Pediatr Nurs. 1997; 23(3):293-7.
  • 23
    Bjoro K, Bergen K, Herr K. Tools for pain assessment in older adults with end-stage dementia. AAHPM Bull. 2008;9(3):2-4.
  • 24
    Costardi D, Rozzini L, Costanzi C, Ghianda D, Franzoni S, Padovani A, et al. The Italian version of the pain assessment in advanced dementia (PAINAD) scale. Arch Gerontol Geriatr. 2007;44(2):175-80.
  • 25
    Lin PC, Li CL, Shyu YI, Hua MS. Chinese version of the Pain Assessment in Advanced Dementia Scale: initial psychometric evaluation. J Adv Nurs. 2010;66(10):2360-8.
  • 26
    Jordan A, Hughes J, Pakresi M, Hepburn S, O’Brien J. The utility of PAINAD in assessing pain in a UK population with severe dementia. Int J Geriatr Psychiatry. 2011;26(2):118-26.
  • 27
    Batalha LM, Figueiredo AM, Marques M, Bizarro V. Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão Portuguesa da escala Behavioral Pain Scale – Intubated Patient (BPS-IP/PT). Rev Enf Ref. 2013;9(3):7-16.
  • 28
    George D, Mallery P. SPSS for Windows step by step: a simple guide and reference, 11.0 update. 4th ed. Boston: Allyn & Bacon; 2002.
  • 29
    Landis RJ, Koch GG. The measurement of agreement for categorical data. Biometrics. 1997;33(1):159-74.
  • 30
    Krammer MS, Feinstein AR. Clinical biostatistics. LIV. The biostatistics of concordance. Clin Pharmacol Ther. 1981;29(1):111-23.
  • 31
    Batalha LM, Duarte CI, Rosario RA, Costa MF, Pereira VJ, Morgado TM. Adaptação cultural e propriedades psicométricas da versão portuguesa da escala Pain Assessment in Advanced Dementia. Rev Enf Ref. 2012; 8(3):7-16.
  • 32
    DeWaters T, Faut-Callahan M, McCann JJ, Paice JA, Fogg L, Hollinger-Smith L, et al. Comparison of self-reported pain and the PAINAD scale in hospitalized cognitively impaired and intact older adults after hip fracture surgery. Orthop Nurs. 2008;27(1):21-8.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Mar 2015

Histórico

  • Recebido
    29 Jan 2014
  • Aceito
    7 Out 2014
Instituto Israelita de Ensino e Pesquisa Albert Einstein Avenida Albert Einstein, 627/701 , 05651-901 São Paulo - SP, Tel.: (55 11) 2151 0904 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@einstein.br