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DO ARQUIVO À MONTAGEM: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO E USOS DE IMAGENS PÚBLICAS E DOMÉSTICAS DOS ANOS DA DITADURA MILITAR NO BRASIL

From archive to film editing: an analysis of the production and uses of public and domestic images from the years of the military dictatorship in Brazil

Del archivo al montaje: un análisis de la producción y los usos de imágenes públicas y particulares de los años de la dictadura militar en Brasil

RESUMO

Este artigo reflete sobre as relações entre a iniciativa de constituir um arquivo pessoal com imagens e documentos públicos e privados, as possibilidades de remontar esse material e as maneiras de enfrentar as políticas de silenciamento do período pós-Ditadura Militar brasileira a partir do cinema documentário. Nesse processo, cartas e imagens domésticas são usadas como fontes para narrativas femininas historicamente invisibilizadas. Propomos analisar o contexto de produção, usos e sentidos que ganham imagens públicas e domésticas em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, discorrendo sobre a história dessas imagens de arquivo, analisando como elas ganham o espaço público e de que forma contribuem para a constituição de uma memória coletiva. Outro interesse é compreender um movimento contrário: como e quando imagens públicas ganham um caráter memorialístico, familiar e afetivo.

PALAVRAS-CHAVE:
Arquivos privados; Ditadura militar; Documentário; Montagem

ABSTRACT

This article reflects on the relations between the initiative of constituting a personal archive with images and public and private documents, the possibilities of reassembling this material and the ways of confronting the silencing policies of the Brazilian post-military dictatorship period with documentary cinema. In this process, letters and domestic images are used as sources for female narratives historically made invisible. We propose to analyze the context of production, uses, and meanings that are given to public and domestic images in Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, discussing the history of these archival images, analyzing how they gain the public space and how they contribute to the constitution of a collective memory. Another interest is to understand an opposite movement: how and when public images gain a memorialistic, familiar, and affective character.

KEYWORDS:
Private archives; Military dictatorship; Documentary; Film editing

RESUMEN

Este artículo reflexiona sobre las relaciones entre la iniciativa de constituir un archivo particular con imágenes y documentos público-privados, las posibilidades de remontar ese material y las formas de enfrentar las políticas silenciadoras del período pos dictadura militar brasileña desde el cine documental. En este proceso, las cartas y las imágenes particulares se utilizan como fuentes de narrativas femeninas históricamente invisibilizadas. Se propone analizar el contexto de producción, usos y significados que ganan imágenes públicas y particulares en Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, discutiendo la historia de estas imágenes de archivo, analizando cómo ganan espacio público y de qué forma contribuyen a la constitución de una memoria colectiva. Además, se busca comprender un movimiento contrario: cómo y cuándo las imágenes públicas adquieren un carácter memorial, familiar y afectivo.

PALABRAS CLAVE:
Archivos privados; Dictadura militar; Documental; Montaje

SILENCIAMENTOS PESSOAIS E HISTÓRICOS

O ano é 1979. Na imagem colorida, filmada pelo cinegrafista Ramon Alvarado com uma câmera Arriflex 35 mm 1 1 A imagem foi feita para o filme Lá dentro, lá fora, de José Carlos Asberg e Rubem Corveto. , vemos uma multidão que ocupa as escadarias e a frente do Palácio Pedro Ernesto, então sede da Câmara Municipal do Rio de Janeiro. No ato público, programado pelo Comitê Brasileiro pela Anistia (CBA), a sociedade civil organizada volta a recuperar o espaço político da cidade depois de anos de severa repressão promovida pelos agentes da Ditadura (que começa com o golpe militar em abril de 1964). No registro, os olhos e a atenção dos participantes do evento voltam-se para uma mulher que, em cima do capô de um fusca, usa o megafone para reivindicar a aprovação da anistia ampla, geral e irrestrita, a soltura de presos políticos, o desmantelamento do aparelho repressivo e a punição dos torturadores. Essa imagem, retomada em 2019 no filme Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, é uma imagem-síntese de Iramaya Benjamin, avó da diretora Carol Benjamin que ficou conhecida no país como mãe-coragem depois de lutar pela libertação e anistia de dois filhos e de outros presos políticos.

A Lei da Anistia, sancionada naquele mesmo ano pelo então Presidente João Batista Figueiredo, trouxe de forma implícita a ideia de um pacto civilizatório que privilegiou o esquecimento e a redenção. Como destaca o historiador Daniel Araão Reis ( 2000REIS, D. A. Ditadura Militar, esquerda e sociedade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.: 71), para a boa coesão e harmonias sociais, ao promover a abertura política depois de quase duas décadas de ditadura havia o interesse dos agentes do Estado em “construir o esquecimento”. No entanto, apesar da conivência de boa parte da sociedade brasileira com essa construção, houve aqueles para quem só restaria uma possibilidade: “a de prosseguir exercitando a memória” ( MEZAROBBA, 2003MEZAROBBA, G. Um acerto de contas com o futuro: a anistia e suas consequências – um estudo de caso brasileiro. 2003. Dissertação (Mestrado em Ciência Política) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2003.: 56). Foi o caminho traçado por Iramaya Benjamin.

Além da ocupação dos espaços públicos em manifestações de rua e das ações no CBA, Iramaya exercitou a memória concedendo entrevistas, reunindo documentos e construindo o seu próprio arquivo. Desde a perseguição e a prisão de dois filhos 2 2 Cid Benjamin foi preso em 1970 depois de participar do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick e teve liberdade negociada, deixando o Brasil para se exilar na Argélia. Só retornou do exílio em 1979. César Benjamin, o filho mais novo, viveu na clandestinidade desde os treze anos e foi preso aos 17 anos, sem ter sido processado. Contaremos essa história com mais detalhes ao longo do artigo. , ela recolhia tudo que era publicado na imprensa sobre a família e organizava o material em diferentes pastas junto a cartas e fotografias privadas ( FRANÇA; MACHADO; CUNEGUNDES, 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.). É desse arquivo que parte a neta Carol Benjamin para realizar um filme sobre o pai e a avó, o qual aborda os efeitos irremediáveis do período da repressão em diferentes gerações da própria família. No início do processo de pesquisa para o documentário, Carol teve acesso ainda a um outro arquivo pessoal, constituído de dezenas de cartas enviadas ao longo de décadas por Iramaya à amiga Marianne Ayre, que trabalhava na Anistia Internacional na Suécia. Além das denúncias da violência praticada contra o filho César na prisão brasileira e da saga percorrida para sua libertação, os textos redigidos por Iramaya em tom confessional mostravam as transformações pelas quais ela passava ao deixar a vida doméstica para se tornar uma figura pública ao lutar pelos direitos dos presos políticos no Brasil 3 3 Iramaya Benjamin foi uma das fundadoras do CBA e estampou várias reportagens de jornais que tratavam do tema da Ditadura no país. . A mulher frágil e solitária que se apresentava nas cartas era uma versão da “mãe coragem” desconhecida pela neta e por aqueles que conviviam com ela no cotidiano.

Nosso interesse neste artigo é refletir sobre as relações entre a iniciativa de constituir um arquivo pessoal com imagens e documentos públicos e privados, as possibilidades de remontar esse material em um filme e as maneiras de enfrentar as políticas de silenciamento do pós-Ditadura Militar brasileira a partir do cinema. Para tanto, damos continuidade às reflexões desenvolvidas em artigo recente ( LINS; MACHADO, 2013LINS, C; MACHADO, P. Archives, Memory and Essay Film in Brazil. In: CONDE, M.; PROCOPIO, G. (Ed.) The oxford handbook of brazilian cinema. Oxford University Press, 2013. No prelo.), no qual nosso interesse se voltava para a análise de iniciativas de cineastas em investigar em fotografias e filmes de família, cartas, arquivos policiais, midiáticos e públicos para narrar o que foi silenciado por traumas pessoais ou pelos agentes do Estado, como torturas, assassinatos e exílios. Em um mapeamento do cinema ensaístico brasileiro contemporâneo, mostramos como a expressão da subjetividade tem sido uma opção constante de jovens cineastas nesse processo que demanda a busca e o exame de imagens e documentos recolhidos sobre acontecimentos pessoais e históricos do período da Ditadura. Entendemos que cineastas como Flávia Castro, Petra Costa, Carol Benjamin, Maria Clara Escobar, entre outras, quando se engajam nessa via subjetiva do documentário “lançam mão da combinação entre a retomada de imagens preexistentes e a narração em voz over para revigorar o que chamamos de uma ‘linha menor’ do documentário brasileiro, presente na nossa cinematografia desde os anos 1960” ( LINS; MACHADO, 2013LINS, C; MACHADO, P. Archives, Memory and Essay Film in Brazil. In: CONDE, M.; PROCOPIO, G. (Ed.) The oxford handbook of brazilian cinema. Oxford University Press, 2013. No prelo.).

Neste artigo, o intuito é concentrar-se em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, um filme estratégico para pensar na importância que ganham as imagens e os documentos de arquivo em procedimentos cinematográficos que lidam com silenciamentos pessoais e históricos. O filme mostra que, como consequência do processo de anistia, configuram-se dois tipos de silêncio: o dos torturadores e assassinos, que destruíram documentos, não revelaram o que sabiam e não foram punidos pelos atos que cometeram, e o das vítimas da tortura, que enfrentaram dificuldades de narrar o que passou por conta do trauma. Foi o caso do pai da cineasta, César Benjamin, que preso sem julgamento ainda na adolescência viveu anos terríveis entre a prisão solitária e a vida no exílio 4 4 Forma especial de punição onde o detento é encarcerado numa cela individual e de dimensões minúsculas, permanecendo isolado de qualquer contato humano. . Recorrer ao acervo pessoal de Iramaya, junto a outros acervos públicos e privados, foi o caminho encontrado por Carol Benjamin para investigar o passado familiar, já que a avó havia falecido e o pai se recusou a dar entrevista para a filha. É sobre a constituição e a característica do acervo, além dos contextos de produção, usos e os sentidos que ganham essas imagens e documentos de arquivo que pretendemos nos deter neste artigo.

Nossa proposta é compreender, ainda, as relações entre a organização desse arquivo privado e as condições criadas para que, a partir da retomada dessas imagens pelo cinema, mulheres possam narrar sua própria história. Recorreremos às propostas da historiadora Michelle Perrot ( 2019PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2019.: 21) de reconhecer a importância de fontes como cartas, diários e fotografias familiares — objetos de interesse do cotidiano feminino — na medida em que “há um déficit, uma falta de vestígios” que historicamente dificulta a escrita da história por mulheres, cuja frequência é frequentemente apagada.

As fotografias e filmes de família são, portanto, importante objeto de análise: compreender quando essas imagens irrompem o espaço público e que sentido produzem ao serem usadas no filme colabora para refletirmos sobre a relação entre a história do cotidiano de sujeitos anônimos e a memória do país. O que contam essas imagens a partir de seu uso público? Como contribuem para a constituição de uma memória coletiva? Outro interesse é compreender um movimento contrário: quando imagens públicas ganham um caráter memorialístico e afetivo? Como essas imagens ajudam a dar voz para dores e traumas que foram silenciados?

Perseguiremos, assim, a história sobre o contexto de produção e de circulação das imagens de arquivo usadas no filme, levando em conta que elas são resultado das tomadas realizadas em diferentes tempos e lugares. Essas imagens são, portanto, materiais preciosos, fontes testemunhais que não encerram sentidos em si, mas abrem caminhos para buscarmos opacidades, invisibilidades e interditos a partir de questões colocadas a elas no momento da realização do filme. Estamos sugerindo que o interesse pela investigação da origem do material filmado suscita a possibilidade de perseguir a história das imagens e dos sujeitos filmados — e até mesmo de imaginá-la ( HARTMAN, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020.; LISSOVSKY, 2018LISSOVSKY, M. Monumentos à deriva: imagens e memória da Ditadura no cinquentenário do golpe militar de 1964. In: FRANÇA, M.; MACHADO, P.; SICILIANO, T. (Ed.). Imagens em disputa: cinema, video, fotografia e monumento em tempo de ditaduras. Rio de Janeiro: 7Letras, 2018.). Novos e variados sentidos podem ser descobertos ou produzidos mobilizando esses fragmentos de imagens do passado a partir, por exemplo, do processo de montagem do documentário.

IRAMAYA, OS ARQUIVOS E A HISTÓRIA DAS MULHERES

“Ela foi a narradora da história dele”. Essa é a conclusão de Carol Benjamim ( 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.: 193) ao comentar a reportagem exibida em 1975 pela TV sueca (Sveriges Television AB), que escolhe retomar na abertura de seu filme Fico te devendo uma carta sobre o Brasil: “essa reportagem foi detonada a partir do discurso da minha avó, gritando aos quatro vAZOULAYentos — Olha aqui, olha o caso do meu filho. O discurso dela fez a Anistia adotar o caso do meu pai”. Enquanto no Brasil a política de silenciamento imposta pelos militares — com censura e perseguição a jornalistas — dificultava o trabalho da imprensa em compreender e divulgar o que acontecia com os presos políticos no país, a reportagem exibida no exterior fazia uma dura crítica à Ditadura Militar brasileira e trazia como um exemplo das práticas autoritárias e violentas dos agentes do Estado o caso de César Benjamin. Preso em 1971, aos dezessete anos de idade, ele havia vivido em uma solitária por três anos e meio e condenado a treze anos de prisão sem ao menos ser processado.

A realização e exibição da reportagem é possível por conta da troca de informações e documentos entre a Anistia Internacional e Iramaya, que disponibilizou para a TV sueca materiais do acervo pessoal construído para ser usado na elaboração de um discurso em defesa do filho. Para ilustrar a narração que resume a trajetória de César, a reportagem tem acesso a uma fotografia de lembrança familiar que tornou-se o último registro que a mãe guardava do filho antes que, aos treze anos de idade, ele entrasse para a clandestinidade para lutar contra a Ditadura. Na imagem, o menino uniformizado posa para a câmera junto aos amigos e às amigas de escola. A imagem do rosto jovem e inocente, produzida para se transformar em recordação familiar, assume uma nova missão quando acompanhada do relato que contextualiza o que aconteceu com aquele menino a partir dali: a de denúncia e de pedido de socorro aos organismos internacionais. Adiante, vamos explorar mais a fundo os usos públicos de imagens familiares no filme. Por enquanto, interessa pensar nas características desse acervo onde são organizadas essas e outras imagens de diferentes naturezas.

O arquivo pessoal que Iramaya organizou ao longo da vida contém fotografias familiares, além de imagens públicas veiculadas na imprensa, anexadas a documentos jurídicos e da polícia política sobre os dois filhos que foram perseguidos, presos e exilados durante a Ditadura. O intuito de buscar, reunir e organizar esse material não era o de armazenar lembranças familiares para que ficassem restritas ao espaço privado como objetos de memória, como normalmente fazemos com álbuns de fotografias familiares. Havia no gesto de Iramaya o desejo de possibilitar a circulação dessas imagens, de torná-las públicas para que fossem produzidos ao menos dois efeitos. O primeiro efeito seria de ordem prática e urgente: comover a opinião pública e mobilizar as autoridades internacionais para pressionar o governo brasileiro a libertar César. O segundo, de caráter processual e mais demorado, seria acompanhar passo a passo do que era produzido sobre a família para constituir um acervo que pudesse ser acessado para a elaboração de uma memória pública, que fosse usado para narrar a história dos filhos no futuro.

Para aprofundar essa reflexão, é importante entender o que chamamos de arquivo e de que modo o movimento de Iramaya em criar o seu próprio nos ajuda a ampliar esse conceito. Arquivos são reconhecidos como espaços de construção de memórias públicas e sociais, mas também como produto de um julgamento, o resultado do poder de uma autoridade. As práticas de constituição de um arquivo envolvem atos de discriminação e seleção ( MBEMBE, 2012MBEMBE, A. The Power of the Archive and Its Limits. In: HAMILTON, C. et al. (Ed.). Refiguring the archive. Dordrecht: Springer Science and Business Media, 2012.: 20) na medida em que demandam a escolha do que é considerado arquivável — o que deve ser preservado, catalogado e colocado à disposição para pesquisa —, e do que deve ser descartado. Pensadores que têm se dedicado à reflexão sobre as construções dos arquivos, e de suas omissões, chamam a atenção para sua violência constitutiva, já que pressupõem uma neutralidade que só é celebrada “depois que outras modalidades de arquivo são obliteradas” ( AZOULAY, 2013AZOULAY, A. Potential History: Thinking Through Violence. Critical Inquiry, Chicago, v. 39, n. 3, p. 548-574, 2013.: 79).

Para ampliar a importância de práticas de resistência à autoridade do arquivo, podemos incluir na atividade arquivística aquelas ações cotidianas de quem, mobilizado por assuntos de força afetiva, preserva documentos, fotografias, diários e gravações a fim de desenvolver seus próprios arquivos. Nesse sentido, no processo de constituir seu próprio arquivo, Iramaya tem a consciência da importância que esse material poderia adquirir como fonte histórica e que, em diferentes momentos, estaria disponível para ser retrabalhado, para elaborar memórias que articulassem o pessoal e o coletivo, o interesse privado e o interesse público.

Importante destacar que, nesse movimento, além de buscar forças para construir a história do filho, Iramaya também constitui sua própria história, uma prática que permitia sua existência no cotidiano. Trata-se do que o historiador Phillipe Ariès ( 1998ARIÈS, P. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11 n. 21, p. 9-34, 1998.) chamou de “arquivamento do eu”, ou seja, um conjunto de práticas que inclui como dois de seus aspectos fundamentais o processo de arquivar histórias pessoais e uma forte intenção autobiográfica: “Arquivar a própria vida é se pôr no espelho, é contrapor a imagem social a imagem íntima de si próprio, e nesse sentido o arquivamento do eu é uma prática de construção de si mesmo e de resistência” ( ARIÈS, 1998ARIÈS, P. Arquivar a própria vida. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 11 n. 21, p. 9-34, 1998.: 11). Existir e resistir são duas condições fundamentais para a luta travada por Iramaya Benjamin. É preciso ressaltar que seu cotidiano ganha interesse público na medida em que é bruscamente permeado pelas ações políticas do país: foi por conta da perseguição, da prisão e das ameaças dos agentes da Ditadura aos filhos que ela deixa de lado uma vida pacata de dona de casa para mergulhar na luta pelos direitos dos presos políticos no Brasil.

As práticas do arquivamento do eu realizadas por Iramaya assumem a dimensão de um problema historiográfico à medida em que retiram da opacidade relatos e histórias fadados ao esquecimento, quando permitem que mulheres possam narrar suas próprias histórias e as de outros ao seu redor. Como mostra a historiadora Michele Perrot ( 2019PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2019.: 21), durante muito tempo a falta de fontes, documentos e vestígios dificultou a escrita da história por mulheres: “sua presença é frequentemente apagada, seus vestígios, desfeitos, seus arquivos, destruídos. Há um déficit, uma falta de vestígios”. Ao negligenciar os arquivos particulares e privados, instituições que coordenam acervos públicos colaboraram para retirar as mulheres do relato histórico, para impedir que soubéssemos como elas viam, pensavam e sentiam os tempos que viveram.

Para Perrot ( 2019PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2019.: 25), essa perspectiva começa a mudar a partir dos anos 1970 e do interesse coletivo de diferentes disciplinas e instituições pelos arquivos privados, que passariam a oferecer mais chances de encontrar vestígios das mulheres e “ouvir suas vozes diretamente”. Com essa nova forma de visibilidade para o que não era considerado importante, outras fontes históricas passariam a despertar o interesse público, como a autobiografia, o diário íntimo e a correspondência. “Esses diversos tipos de escritos são infinitamente preciosos porque autorizam a afirmação de um eu. É graças a eles que se ouve o eu, a voz das mulheres” ( PERROT, 2019PERROT, M. Minha história das mulheres. São Paulo: Contexto, 2019.: 30).

Partindo desse princípio, as cartas trocadas entre Iramaya e a amiga Marianne, que constituem a espinha dorsal do filme de Carol Benjamin, permitem que a cineasta use esses vestígios para dar visibilidade para diferentes experiências de pessoas que sofreram diretamente a consequência da Ditadura em suas vidas cotidianas. São objetos de memória que trazem, além de informações, uma dimensão emocional e afetiva importante para pensar em como a tragédia de César Benjamin, por exemplo, intercede nas relações e vidas de gerações da mesma família. Desse modo, uma forte carga dramática está presente mesmo nas cartas escritas por Iramaya que utilizam um tom mais formal, como a carta pública destinada para a Seção Sueca da Anistia Internacional, que enfatiza um apelo:

É uma mãe que escreve para vocês, a mãe de um menino de 17 anos que precisa da sua ajuda. Meu filho Cesar Benjamin… Não se esqueçam que aqui no Brasil há um menino, sozinho em sua cela, correndo o risco de ser assassinado e, desta forma, precisando muito de sua ajuda…

Para além da informação oferecida, o texto traz o lamento de uma mãe, as marcas da luta travada por ela, as denúncias de práticas ilegais dos agentes da Ditadura brasileira e a urgência em conseguir ajuda para salvar a vida do filho. Ao longo dos anos, Iramaya escreveu detalhadamente sobre as diferentes sentenças e julgamentos do caso de César e narrou em detalhes todos os encontros com militares de altas patentes. Descrevia a rotina, as recusas, a ida às prisões, o que levava na bolsa para o filho, as frustrações. Anunciava, ainda, o que sentia como mãe vivenciando tudo aquilo.

Ao longo do tempo, e com a partida de César para o exílio, as cartas deixam de ser enviadas para a Anistia Internacional e seguem diretamente para Mariane. A partir da troca de confidências, é criado um elo que reforça a empatia entre essas duas mulheres comuns cujas vidas foram atravessadas pelos acontecimentos políticos do Brasil. A amizade cresce, Marianne aprende o português para que Iramaya pudesse se expressar melhor quando escrevesse e a escrita passa a revelar diferentes consequências da repressão na vida de uma mulher diretamente afetada pela política de segredos, mentiras e ilegalidades de um governo autoritário.

No processo de montagem do filme, Carol Benjamin se transforma na narradora da história do pai e da avó colocando perguntas e trabalhando emoções a partir dos procedimentos técnicos, como fusões, reenquadramentos, desacelerações e repetições dos planos cinematográficos — que colaboram para que essas imagens sejam experimentadas com intensidades diferentes. A dimensão afetiva é destacada pelo modo como é trabalhada a materialidade das imagens, a caligrafia impressa nas cartas, a textura e as cores dos papéis guardados durante décadas no armário. Como resultado desses procedimentos, percebemos que no papel amarelado não interessa apenas a verdade do que está redigido, mas a sensação de experimentar a passagem do tempo e a materialidade daquela lembrança. Quando o plano se demora na fotografia do rosto de César originalmente retirada do arquivo da polícia política, o que se busca não é a evidência da verdade daquela prisão, mas a textura da pele, a força do olhar e algum tipo de empatia por aquele que foi retratado. Quando a fotografia de Iramaya na praia é sobreposta ao texto que redigiu, o espectador é convidado a mergulhar e experimentar as tensões entre liberdade, alegria, medo e angústia que são disparados pelos relatos narrados Figura 1.

Figura 1
Fusão entre a fotografia de Iramaya e a carta enviada a Marianne.

Tanto no processo de leitura das cartas quanto na montagem do filme, a cineasta descobre uma faceta da avó desconhecida até então: a solidão, a tristeza e o vazio vividos mesmo depois que os filhos são libertos. “Éramos tão próximas, mas eu não conheci o seu avesso. Não conhecia a solidão que se escondida por trás daquela mulher forte e guerreira. É o que as cartas me revelaram de forma bela e cruel, quando eu mesma já era mãe também”, elabora a cineasta em narração em primeira pessoa em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil. Quando a Ditadura interfere diretamente na vida das famílias e a política autoritária invade o espaço privado, os arquivos pessoais como cartas e fotografias familiares podem ganhar importância e sentidos renovados: ao serem retomados no filme, articulados na montagem a outros documentos e contextualizados pelas legendas e narração, esses arquivos podem calibrar a relação entre história e memória ( MAUAD, 2017MAUAD, A. Imagens que faltam, imagens que sobram: práticas visuais e cotidiano em regimes de exceção 1960-1980. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 397-413, 2017.: 404).

OS SENTIDOS QUE GANHAM AS IMAGENS DOMÉSTICAS RETOMADAS NO FILME

Estimulada pelas cartas da avó, Carol Benjamin decide investir nas relações possíveis entre o público e o privado para criar articulações entre passado e presente, memória e história na montagem do filme. A cineasta conta que na noite de eleição do presidente Jair Bolsonaro, em 2018, começou a escrever uma carta para os próprios filhos com a intenção de deixar um testemunho do que vivia ( FRANÇA; MACHADO; CUNEGUNDES, 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.). Para Carol, a eleição de um homem que elogiou publicamente um torturador da Ditadura militar era um sinal evidente dos efeitos sociais do silenciamento do pós-anistia que evidenciava a necessidade de um longo trabalho a ser feito para desnudar os acontecimentos do período. A partir daquele momento, decide se colocar como personagem do filme que realizava e fazer a passagem do lugar de filha e neta para o de agente de uma busca.

Em vez de usar a narração em primeira pessoa nos moldes de uma carta para o pai — como havia pensado inicialmente — a cineasta opta por colocar perguntas, manifestar dúvidas, se posicionar e colaborar para a articulação de suas próprias imagens familiares com imagens públicas da história do Brasil na montagem do filme. Para tanto, investe na pesquisa de imagens do período de abertura política no Brasil e recupera filmes antigos gravados em câmeras VHS e Super-8, como festas de infância, a gravidez e o nascimento do primeiro filho.

Peguei um material de arquivo meu, que filmei sem pensar pro filme, porque tive a felicidade de ter uma Super 8 no nascimento do meu primeiro filho. Tinha em casa rolinhos que revelei anos depois. E aí essa terceira parte do filme foi a última coisa que construí. Eu retomei uma pesquisa de arquivos já não com a premissa de trabalhar só com materiais que traziam os personagens da minha família, mas que buscavam os discursos oficiais que se referiam à lei da anistia, a escolha pela promulgação da lei pelo [ex-presidente João] Figueiredo, onde ele fala da política de silenciamento, depois a promulgação da constituição e depois a abertura da Comissão [Nacional] da Verdade. Foi essa camada de arquivos que chegou nesse último momento, quando entendi que esse não era um filme dirigido ao meu pai ( FRANÇA; MACHADO; CUNEGUNDES, 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.: 185).

Para compreender a dimensão política que ganha uma imagem doméstica no processo de montagem cinematográfica, é importante levar em conta a natureza desse material e nos modos como ele pode “nos fazer acessar novos pontos de vista sobre a memória e sobre a história, coletiva e individual” ( BLANK, 2020BLANK, T. Cinema doméstico brasileiro (1920-1965). Rio de Janeiro: Appris, 2020.: 55). O álbum e o filme de família são em sua origem depositários da memória familiar e de histórias de vida. De modo geral, há uma espécie de protocolo social do que deve constar desses registros: o cotidiano de felicidade e alegria que deveriam ser eternizados, como os primeiros passos do bebê, a festa de aniversário, o ritual do casamento, a viagem de família.

Essas são características analisadas em trabalhos contemporâneos sobre as imagens amadoras e domésticas no campo do cinema. No Brasil, o tema da preservação e da retomada de imagens domésticas vem ganhando importância nas últimas duas décadas. O foco das análises gira em torno do interesse arquivístico por esse material, como mostrados por Lila Foster ( 2010FOSTER, L. Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. Dissertação (Mestrado em Imagem e Som) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.) e Thais Blank ( 2020BLANK, T. Cinema doméstico brasileiro (1920-1965). Rio de Janeiro: Appris, 2020.) em pesquisas sobre a institucionalização das imagens domésticas quando chegam em acervos como o da Cinemateca Brasileira. Em Foster ( 2010FOSTER, L. Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. Dissertação (Mestrado em Imagem e Som) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.), há o exercício primeiro de historicizar e mapear o chamado cinema amador brasileiro desde o início do século XX. Já na pesquisa de Blank ( 2020BLANK, T. Cinema doméstico brasileiro (1920-1965). Rio de Janeiro: Appris, 2020.), para além da história dos acervos, o trabalho da montagem cinematográfica é considerado elemento fundamental para a ressignificação desse material íntimo que, em muitos casos, ganha interesse político. É dessa premissa que partimos para a análise do filme aqui proposto, tentando pensar não somente a partir de imagens que se institucionalizaram quando ganharam espaço nos acervos, mas também em materiais que circulam por acervos e ambientes públicos e privados.

Para essa reflexão, é importante antes destacar como essas imagens começaram a ser produzidas. É ainda no começo dos anos 1920 no Brasil que a venda de câmeras e equipamentos de projeção para o cineasta familiar era incentivado por uma forte campanha de marketing: “em todas as campanhas publicitárias, a família era o alvo principal para a produção de filmes de preservação da memória” ( FOSTER, 2010FOSTER, L. Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. Dissertação (Mestrado em Imagem e Som) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.: 42). Um exemplo é o anúncio da câmera Pathé Baby na revista Cinearte, em 1928, que prometia a qualquer pessoa “filmar […] os pitorescos aspectos que geralmente se apresentam no banho de mar” ( apud FOSTER, 2010FOSTER, L. Filmes domésticos: uma abordagem a partir do acervo da Cinemateca Brasileira. 2010. Dissertação (Mestrado em Imagem e Som) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2010.). Ao projetar essas imagens, o anúncio prometia que recordações felizes seriam produzidas para toda a família e já evidenciava as diretrizes do que e como deveria ser registrado.

Para a historiadora Ana Mauad ( 2017MAUAD, A. Imagens que faltam, imagens que sobram: práticas visuais e cotidiano em regimes de exceção 1960-1980. Estudos Ibero-Americanos, Porto Alegre, v. 43, n. 2, p. 397-413, 2017.: 407), as fotografias e filmes familiares que replicam cenas, poses e vivências instituem uma espécie de memória enclausurada. No entanto, quando a imagem se torna pública, a redoma criada nesse modo doméstico de comunicação fratura-se: “o trânsito de imagens familiares para o espaço virtual público tornou-se uma estratégia política plasmada no trabalho de memória de cada geração”. Nos documentários, é no processo de montagem que as imagens da esfera familiar ganham o mundo, estabelecendo “com o espectador relações mais amplas e mais complexas do que o prazer voyeurístico de assistir à intimidade alheia” ( BLANK; LINS, 2012BLANK, T.; LINS, C. Filmes de família, cinema amador e a memória do mundo. Significação: Revista de Cultura Audiovisual, São Paulo, v. 39, n. 37, p. 52-74, 2012.: 64). É quando o pessoal se torna político.

Em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, é retomada uma imagem desgastada, filmada com uma câmera VHS, em que Carol brinca na sua festa de um ano de vida: vestida de princesa, posicionada no centro da mesa do bolo, ela está cercada pelos pais e convidados no ambiente cheio de balões coloridos. Esse registro familiar, feito para ser guardado como objeto de lembrança, é articulado no filme com imagens de arquivo da televisão que mostram a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 em que Ulysses Guimarães anuncia “temos ódio e nojo à ditadura”. Esses dois registros foram produzidos no mesmo ano e, quando conectados, carregam a imagem doméstica para o espaço público oferecendo à história da vida privada uma importância coletiva: ao narrar essa sequência, a cineasta relaciona o próprio nascimento e infância ao período de abertura política brasileira, uma época de produção de esquecimentos. Contextualizar essas imagens e fazer as conexões no processo de montagem permite que a imagem privada se torne pública, que seja usada tanto para expressar a dor quanto para evocar a necessidade de reparação, tornando-se um antídoto ao silenciamento familiar e social.

O desafio da realizadora consiste em perturbar e manipular as imagens, em usar os arquivos incompletos e lacunares para evocar o que não foi dito ou o que não pode ser visto . Nesse caminho , assim como a imagem doméstica fratura a redoma familiar e ganha interesse público, há ainda imagens amadoras ou públicas que, no processo da montagem, recebem camadas de afeto e convocam emoções da esfera da intimidade e do ambiente doméstico. Perseguir a história dessas imagens de sujeitos que tiveram direitos sequestrados, explicitar as vivências do contexto da produção e os sentidos que ganham quando retomadas é o nosso objetivo a seguir.

QUANDO O ARQUIVO PÚBLICO EVOCA A EXPERIÊNCIA PESSOAL

Em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil, a experiência mais difícil de ser comunicada — a das torturas sofridas na prisão por César Benjamin — é trabalhada na montagem a partir dos arquivos audiovisuais de entrevistas gravadas ao longo da vida por Iramaya e dos relatos contidos nas cartas que ela escrevia a Anistia Internacional. Em uma das entrevistas usadas no filme, Iramaya denuncia a crueldade e o cinismo de militares que escondiam informações sobre o filho nos tempos em que ele vivia em uma cela solitária: “O coronel Mello Matos era um cavaleiro, ele beijava a minha mão, mas saía dali e ia torturar o César. Eu não sabia o que fazer, afinal das contas ele tinha meu filho nas mãos e naquele tempo se matava muito”. Como narradora da história de César, Iramaya descreve nas correspondências trocadas com a amiga Marianne o cotidiano do filho na prisão: os desafios enfrentados na solitária para manter a sanidade, os choros durante a visita e os detalhes das estratégias de sobrevivência, como observar o dia a dia de um casal de lagartixas que se transformaram em companheiras de cela.

Na montagem dessas sequências no documentário, os relatos de Iramaya são articulados a imagens quase abstratas de um presídio desativado. São registros em preto e branco de grades, cantos de cela, corredores esvaziados. Não é possível distinguir que lugar é aquele e em que tempo foi filmado, mas experimentamos uma certa tensão e incômodo com o processo de desaceleração das imagens e adição do som na montagem. Ouvimos o ranger dos portões de ferro e uma trilha sonora que remete a um ambiente solitário, fantasmagórico e angustiante. Passamos não apenas a saber o que se passava com César, mas experimentamos o clima do ambiente em que ele vivia.

Essas imagens experimentais foram realizadas pela própria cineasta e substituem encenações ou registros realizadas de atos de tortura. Durante o processo de montagem do filme, Carol Benjamin registrou frestas, buracos, muros, “coisas que sentia falta pra cobrir essa parte mais pesada das cartas que falava do período que [minha] avó esteve sem contato com o meu pai na prisão” ( FRANÇA; MACHADO; CUNEGUNDES, 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.: 192). Quando segura a câmera e percorre esses espaços desabitados, a cineasta exercita sua necessidade de descrever as formas de violência sem “replicar a gramática da violência” ( HARTMAN, 2020HARTMAN, S. Vênus em dois atos. Revista Eco-Pós, Rio de Janeiro, v. 23, n. 3, p. 12-33, 2020.: 18), de tomar para si a produção das imagens e da memória e de iluminar a experiência do pai a partir do que ela compreende na relação que cria com os arquivos guardados pela avó.

Há ainda no filme outras imagens usadas para tratar do período que César passou em celas coletivas. São registros históricos filmados em película, imagens granuladas em preto e branco de áreas externas e internas de um presídio. Nelas, vemos de longe guardas, vestidos com uniformes dos anos 1960, em uma torre de vigilância. Eles não percebem a presença da câmera. A pessoa que segura a câmera entra no presídio e caminha pelos corredores e celas. Há uma certa intimidade entre quem filma e os homens que são filmados: eles limpam o ambiente com vassouras, perambulam pelos corredores ou se exercitam sem olhar para o equipamento. São corpos que ocupam um espaço como aquele ocupado por César. Apesar de não estar presente nas imagens, imaginamos que ele tivesse passado por ali. A única inscrição no filme que revela as origens desse material informa: “Imagens realizadas por um prisioneiro político no mesmo presídio para o qual César foi transferido” Figura 2.

Figura 2
Imagens realizadas no Presídio Frei Caneca no período da greve de fome de presos políticos e retomadas em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil.

Fomos em busca de informações sobre o contexto de produção desse material a fim de compreender a multiplicidade de sentidos históricos e afetivos que ele mobiliza quando remontado. Em 1979, quando havia uma grande movimentação coletiva que pedia a Anistia ampla, geral e irrestrita no país, mais de cinquenta presos políticos, em diferentes lugares do Brasil, realizaram a histórica Greve Nacional de Fome dos Presos Políticos pela Anistia, que duraria 32 dias e só se encerraria com a aprovação da lei.

Na época, Stella Valadão, filha do ator Jece Valadão 5 5 Jece Valadão era conhecido por interpretar papéis de torturadores e policiais durante a Ditadura Militar. As informações sobre a origem dessas imagens foram oferecidas por Stella em entrevista realizada por telefone, em janeiro de 2022. e então esposa de Paulo Jabur — preso político que chegou a ser companheiro de César na prisão —, conseguiu entrar com uma câmera 16 mm no Presídio Frei Caneca, um dos que participava da greve. A câmera foi emprestada pelo cineasta Luiz Carlos Barreto e permaneceu no presídio sem que os guardas a notassem. Paulo filmou, com certa liberdade, corredores, celas e a rotina dos presos políticos. O material foi usado para a montagem do filme Água, açúcar e sal, dirigido por apoiadores dos presos políticos 5 5 Jece Valadão era conhecido por interpretar papéis de torturadores e policiais durante a Ditadura Militar. As informações sobre a origem dessas imagens foram oferecidas por Stella em entrevista realizada por telefone, em janeiro de 2022. , que seria usado para denunciar as prisões. Na época, Iramaya ajudou a divulgar o filme enviando-o para a Anistia Internacional, entidade com a qual mantinha estreito contato.

Os trechos do filme escolhidos por Carol e retomados em Fico te devendo uma carta sobre o Brasil privilegiam a relação entre o espaço e os corpos dos presos em atividades cotidianas, talvez um modo de imaginar o cotidiano do próprio pai, como ele ocupava seu tempo na prisão, com quem convivia, o que estava ao alcance do seu olhar. A imagem de arquivo clandestina e amadora, realizada com a função de circular por espaços públicos para anunciar a greve de fome e denunciar o encarceramento dos presos políticos, é retomada no documentário como um ativador da fabulação, de uma memória não vivida, mas imaginada pela cineasta a partir da fala da avó, dos arquivos que ela deixou gravado e das cartas que escreveu.

No filme, o espaço da fabulação é acionado quando não há registros que inscrevam o que se passou. Sobre os tempos da prisão e da solitária, faltam imagens. Carol filma um presídio desativado, produz imagens sensoriais e quase abstratas e recupera um filme amador praticamente desconhecido no Brasil para lidar com a ausência das imagens históricas, com o que não é possível descrever, respeitando os limites colocados pelos arquivos. Foi preciso realizar um trabalho de invenção na articulação entre imagens lacunares e de diferentes procedências — familiares, públicas, oficiais — para compreender que elas nunca representam exatamente o que se passou, mas estão como vestígios a serem trabalhados para a elaboração do passado a partir de perguntas colocadas no presente.

QUANDO O ARQUIVO PÚBLICO TORNA-SE PESSOAL

Como parte das mobilizações da Anistia Internacional para a libertação de César Benjamin, algumas reportagens foram realizadas e exibidas na televisão pública sueca. Cid Benjamin, irmão de César, vivia no país como exilado depois de ter participado do sequestro do embaixador americano no Brasil, em 1969. Era para o exílio na Suécia que César também seria levado após ser liberto. Um dos momentos mais fortes de Fico te devendo uma carta sobre o Brasil é o que mostra o encontro dos irmãos, assim que César chega a Estocolmo, em 1976 Figura 3. Trata-se de um longo plano sequência que dura cerca de três minutos.

Figura 3
Os irmãos Cid e César se abraçam nas imagens realizadas pela TV Sueca.

Nele, vemos a câmera focada em Cid Benjamin, ao lado da esposa e da filha pequena, aguardando o avião. Vivemos com ele à espera e à ansiedade do momento na medida em que o cinegrafista mantém o equipamento firme focado em seu rosto. Juntos, quem filma e quem é filmado aguardam com expectativa. O cinegrafista está atento e acompanha Cid quando avista o irmão e corre em direção a ele. No caminho, a imagem treme, borra, a câmera se direciona para o chão, perdemos Cid de vista, mas o reencontramos no forte abraço que ele dá em César. A câmera então rodopia em volta dos corpos abraçados, enquadra cada um dos rostos durante o choro emocionado. Trata-se de uma câmera que age, que se movimenta, que participa da ação e que realiza uma espécie de performance na relação que estabelece entre quem filma e aqueles que são filmados. Não sabemos quem é o cinegrafista, mas entendemos que quando a câmera treme traz com ela camadas de afeto, pois assinala “a manifestação de uma fragilidade, de uma marca de subjetividade” ( LEANDRO, 2010LEANDRO, A. O tremor das imagens: notas sobre cinema militante. Devires, Belo Horizonte, v. 7, n. 2, p. 98-117, 2010.: 101) e talvez da emoção de quem presencia aquele reencontro, mesmo que não seja íntimo dos envolvidos.

Além do respeito do tempo de duração do plano original e da ausência de cortes, nenhum som extra diegético é adicionado no processo de retomada dessa imagem na montagem do filme. Não é preciso acrescentar nada além do que já existe no material, a começar pela sua longa temporalidade que evidencia o tempo da espera em que nada acontece. Para compreender melhor a intensificação da emoção desse momento no filme, levamos em conta o modo como esse plano foi articulado dentro da sequência que o introduz. Na primeira imagem da sequência, a manchete do jornal informa: “Libertado, Benjamin viaja — uma ordem direta do presidente Geisel determinou a soltura”. A seguir, surge uma tela negra e ouvimos a voz de Iramaya, que revela detalhes escondidos da notícia do jornal:

No dia da saída do César, embrulharam César num tapete, botaram no fundo de uma caminhonete veraneio e foram cinco caminhonetes com metralhadoras e tal. Afinal, César entrou no avião e eu fui embora. Aí fiquei pensando: agora eu acho que vou descansar.

Com uma trilha instrumental e tensa ao fundo, Iramaya surge então sorrindo em fotografia tirada no dia da libertação do filho. Essa informação é destacada quando a câmera enquadra o texto à caneta no verso da fotografia. No processo de fusão da montagem, a imagem de Iramaya desaparece para dar lugar ao plano de chegada de César a Estocolmo. A mãe fica no Brasil e o filho segue o seu caminho rumo à liberdade. A trilha é cortada e destaca-se o silêncio. O estado de suspensão sonora é como um sinal de alerta para que o espectador se prepare e experimente em toda a sua intensidade o plano sequência que está por vir.

Essa imagem realizada por uma emissora no estrangeiro e guardada como material bruto é um registro raro e carregado de um intenso sentido histórico e político. Dentro da narrativa do filme, entendemos que ela traz as marcas e as inscrições da violência do Estado brasileiro nos corpos de quem é filmado. É o registro do encontro, depois de anos, de dois irmãos submetidos à tortura, à prisão e ao exílio. Os repórteres ao redor e a atenção da imprensa sueca demonstram o interesse em divulgar o que era escondido e silenciado na imprensa brasileira, o terror promovido pela Ditadura Militar e pelos agentes do Estado que agiam desrespeitando a lei, que separavam famílias e puniam militantes com as próprias regras que criavam. A princípio indecifrável para quem não conhece as pessoas filmadas, esse material bruto retomado por Carol ganha sentido renovado quando entendemos o que estava em jogo na libertação de um jovem que viveu isolado em uma solitária e mantido preso ilegalmente por importantes anos de juventude e amadurecimento.

Esse plano também pode ser pensado a partir da duplicidade de sentidos que carrega: a imagem de arquivo pública quando retomada ganha a importância afetiva de um filme de família, do registro afetuoso do encontro entre irmãos. Essa imagem transforma-se em um souvenir para a cineasta:

Eu sempre assisti a essa imagem. Essa imagem, costumo dizer, é fundante do filme. Por quê? […] Não tenho nenhuma foto dele jovem porque meu pai saiu de casa com 13 anos para a clandestinidade. E na clandestinidade ninguém se fotografa ou se filma. A volta dos exilados foi intensamente registrada, já tinha o CBA [Comitê Brasileiro da Anistia] acompanhando, mas meu pai voltou antes da lei da anistia, uma confusão. Porque meu pai não era um caso de exilado oficial. E aí tinha essa [fita] VHS antiga que, quando eu ia pra casa do meu pai, assistia. Era um material horrível, sem som, mas era o meu pai jovem. Era a única imagem que tinha dele jovem ( FRANÇA; MACHADO; CUNEGUNDES, 2022FRANÇA, A.; MACHADO, P.; CUNEGUNDES, P. Te devo uma carta sobre o Brasil e este sonho: entrevista com Carol Benjamin. Imagofagia, Buenos Aires, n. 25, p. 185-203, 2022.).

Se ao migrar para o espaço público uma imagem de família pode ser usada para expressar a dor e a necessidade de reparação, como sugerimos neste artigo, uma imagem pública pode ganhar o status de um souvenir familiar ao recuperar dimensões de afeto. Sem negar a política e a importância pública do registro do encontro de dois irmãos no exílio em um momento em que era urgente denunciar o que acontecia na Ditadura Militar do Brasil, a imagem que resta do pai de Carol na juventude é retomada no filme para multiplicar e não encerrar sentidos. Trata-se de uma imagem de esperança e de continuidade, uma lembrança para uma geração de filhos e netos que estavam por vir, uma imagem do passado que olha para o futuro convocando que essa história seja lembrada e contada.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo propomos refletir sobre silenciamentos familiares, históricos e políticos a partir de Fico te devendo uma carta sobre o Brasil. Mobilizando histórias e arquivos públicos e pessoais, o filme colabora para uma reflexão sobre as relações entre a memória e a história do país que viveu vinte anos de Ditadura Militar. Compreendemos como três pessoas de diferentes gerações da mesma família sofreram de várias maneiras as consequências do processo de apagamento realizado pela Anistia — que não puniu torturadores e assassinados que representavam o governo brasileiro — e trouxe consequências que ainda estão presentes no país. Quando recupera o arquivo com a fala do ex-presidente João Figueiredo afirmando que “o ideário da revolução de 1964 continuará vivo através das gerações”, a realizadora mostra que o terror dos tempos de repressão é uma ameaça constante no presente. É preciso destacar que durante o governo do presidente Jair Bolsonaro (2019-2022), vimos crescer o número de pessoas que passaram a defender publicamente a volta da Ditadura, a negar os crimes cometidos pelos agentes do Estado e a exaltar a figura dos torturadores.

No percurso do artigo vimos a importância que ganham acervos privados que se transformam em fontes para a narrativa de acontecimentos que não foram tornados públicos. Compreendemos como cartas, diários, fotografias e filmes de família trazem a perspectiva, os sentimentos e as vivências de mulheres para o centro dos relatos históricos. Destacamos também a importância que as imagens privadas ganham quando recebem utilidade pública: antes restritas ao espaço doméstico, fotografias e filmes podem servir para denunciar crimes e atrocidades, além de elaborar uma memória coletiva. Por outro lado, imagens públicas podem ganhar camadas de afetos e se tornar souvenirs familiares de passados apagados.

Para lidar com o não dito, com os silêncios e o trauma familiar, a realizadora recupera imagens de arquivo e documentos do passado, mas compreende que eles não constituem a prova ou o registro exato do que se passou. Além da escassez de registros visuais e sonoros da época da Ditadura, o filme sugere que não há imagem e som que consiga dar conta de traduzir dores, injustiças e apagamentos. O trabalho de mobilização dos arquivos sonoros e visuais exige um investimento na interpretação do que existe e na imaginação do que não foi dito ou mostrado. Trata-se de construir pontes entre passado e presente propondo uma abertura para o futuro sem esquecer as inscrições, a historicidade e a presença do que restou.

Partindo de uma perspectiva subjetiva e pessoal, Fico te devendo uma carta sobre o Brasil elabora a imaginação coletiva sobre um período sombrio que precisa ser conhecido, esmiuçado e relembrado para que não se repita. Recuperar arquivos públicos e privados que tragam vestígios da violência dos agentes do estado e da interferência da política autoritária nas vidas privadas é uma forma de dar visibilidade para histórias e sujeitos comuns colocados à margem e contrariar versões da história oficial que negligenciam aqueles que não tiveram direito à memória.

REFERÊNCIAS

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NOTAS

  • *
    Professora do Programa de Pós-Graduação e da Graduação em Comunicação da Pontifícia Universidade Católica do Rio De Janeiro (PUC‑Rio) (patricia.furtado.machado@gmail.com) https://orcid.org/0000-0003-2377-3789
  • 1
    A imagem foi feita para o filme Lá dentro, lá fora, de José Carlos Asberg e Rubem Corveto.
  • 2
    Cid Benjamin foi preso em 1970 depois de participar do sequestro do embaixador americano Charles Elbrick e teve liberdade negociada, deixando o Brasil para se exilar na Argélia. Só retornou do exílio em 1979. César Benjamin, o filho mais novo, viveu na clandestinidade desde os treze anos e foi preso aos 17 anos, sem ter sido processado. Contaremos essa história com mais detalhes ao longo do artigo.
  • 3
    Iramaya Benjamin foi uma das fundadoras do CBA e estampou várias reportagens de jornais que tratavam do tema da Ditadura no país.
  • 4
    Forma especial de punição onde o detento é encarcerado numa cela individual e de dimensões minúsculas, permanecendo isolado de qualquer contato humano.
  • 5
    Jece Valadão era conhecido por interpretar papéis de torturadores e policiais durante a Ditadura Militar. As informações sobre a origem dessas imagens foram oferecidas por Stella em entrevista realizada por telefone, em janeiro de 2022.
  • 6
    O rolo original está guardado desde 2011 no acervo do Arquivo Nacional e espera tratamento para ser digitalizado.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    18 Jan 2023
  • Aceito
    06 Mar 2023
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