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Forjar patrimônio em campo: deslocamentos e missões no Brasil e na África

Forging heritage in fieldwork: travels and missions in Brazil and Africa

Resumo

O artigo analisa a viagem como etapa organizadora e estruturante das visões sobre o patrimônio em duas situações: as viagens de arquitetos do IPHAN no Brasil e as campanhas na África de antropólogos portugueses do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos, nos anos 1950-60. Ambas pretendiam conhecer e proteger um patrimônio ameaçado de perda pela intensa modernização, apresentada como responsável por sua destruição. São abordadas rotinas de trabalho estabelecidas em torno dessas viagens, que foram também produtoras de métodos científicos de ver e recolher (registros e materiais), para fazer existir e consagrar coisas ou práticas como patrimônio cultural.

Palavras-chave:
patrimônio cultural no Brasil; museu etnográfico em Portugal; artefatos africanos; via-gens e trabalho de campo; lusotropicalismo

Abstract

The article analyzes travelling as a way to organize and structure visions about heritage in two situations: the IPHAN architects' missions in Brazil and the Portuguese anthropologists' campaigns in Africa for the Institute of Overseas Studies, during the 1950s and 1960s. Both were intended to get to know and protect heritage from threats of loss, given the intense modernization presented at the time as responsible for its destruction. Some work routines established during these trips produced scientific methods that are presented here. They are methods employed to see and collect (records and materials), to assure existence and consecrate things or practices as cultural heritage.

Keywords:
cultural heritage in Brazil; ethnographic museum in Portugal; African artifacts; travelling and fieldwork; lusotropicalism

Résumé

L'article analyse le voyage comme étape qui organise et structure les visions du patrimoine culturel dans deux situations: les voyages des architectes de l'IPHAN au Brésil et les campagnes en Afrique des anthropologues portugais de l'Institut Supérieur d'Outr-Mer aux années 1950-60. Tous deux avaient l'intention de connaître et de protéger un patrimoine menacé par la modernisation intense, presentée comme responsable de sa destruction. Les routines de travail établies autour de ces voyages, qui ont également produit des méthodes scientifiques de voir et de recueillir (dossiers et matériaux), d'exister et de consacrer des choses ou des pratiques comme patrimoine culturel seront discutées.

Mots-clés:
patrimoine culturel au Brésil; musée éthnographique au Portugal; artefacts africains; voyage et travail sur le terrain; lusotropicalisme

Nas rotinas de trabalho das instituições que implementaram políticas de patrimônio cultural, a viagem foi etapa organizadora e estruturante das visões sobre o patrimônio. Viagem técnica, campanha, missão, trabalho de campo: há imensa diversidade nas denominações dessas viagens e também nas suas finalidades e formas de execução. Neste artigo são explorados dois modos de produzir patrimônio, a proteção in loco de bens arquitetônicos por meio do tombamento e a musealização de objetos recolhidos em campo, em duas situações distintas: as viagens de trabalho de arquitetos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) no Brasil e as campanhas do antropólogo português Jorge Dias e sua equipe na África. Ambas se caracterizam pela constituição de coleções de objetos por meio de deslocamentos de especialistas de um centro civilizador - na perspectiva das próprias instituições do Estado - em direção ao objeto de investigação relativamente distante e desconhecido.

A temática das políticas de patrimonialização tem produção expressiva como campo de investigação interdisciplinar consolidado no Brasil e internacionalmente. Do mesmo modo, o tema da viagem já foi exaustivamente explorado especialmente pela literatura, mas também no campo da Antropologia, da História ou da História das Ciências, entre outras abordagens. Não conhecemos, contudo, trabalhos que privilegiem uma abordagem dos processos de patrimonialização sob a perspectiva da viagem como prática imprescindível para a sua construção, tal como propomos neste artigo. Em trabalhos anteriores, buscamos evidenciar as restaurações arquitetônicas como momentos privilegiados para a construção do patrimônio nacional no Brasil (Chuva, 2009CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.; 2012CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.), pois que as escolhas referentes aos traços materiais a serem conservados construíram uma estética nacional. Vimos, por exemplo, a Ouro Preto colonial renascer na arquitetura vernacular e também religiosa por meio de restaurações e tornar-se referência de brasilidade.As marcas do século XIX e início do XX presentes nos imóveis que se adaptavam aos novos gostos e modos de morar foram recorrentemente apagadas, em favor de uma estética colonial vista como o traço autêntico e genuíno das origens da nação. Essa prática se reproduziu em diversas restaurações realizadas pelo IPHAN, como analisado por Andrade (1993)ANDRADE, Antonio. Um estado completo que pode jamais ter existido. São Paulo, Tese (Doutorado em Arquitetura), FAUUSP, 1993., inclusive na Bahia - região sobre a qual nos debruçamos. Verificamos que tais processos resultaram de lutas de classificação1 1 Conforme Pierre Bourdieu (1996), entendemos as lutas de classificação como uma espécie de concorrência num campo em que as disputas visam a alcançar hegemonia e consenso. travadas no interior do IPHAN pela definição do patrimônio representativo da identidade nacional. Tais lutas, de natureza simbólica, se processavam por meio de rotinas de trabalho, das quais fazia parte a viagem.

As práticas de recolha científica dos pesquisadores portugueses na África também são aqui relacionadas com a construção de um patrimônio nacional, no caso o português. Elas consistiram em missões oficiais para constituição da coleção do primeiro museu etnográfico organizado por uma agência do Estado preocupada com a integração nacional e dedicada ao ultramar (Gonçalves, 1968GONÇALVES, José Julio (coord.). Criação e reorganizações do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1906-1961). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1968.). No projeto original, essa agência seria o "Museu do Homem Português ou do Povo Português", no qual seriam incluídas as populações do Ultramar.2 2 Segundo o Decreto 46.253 de 19 de março de 1965, de criação do Museu de Etnologia do Ultramar, seu programa ficaria reduzido ao Ultramar, como indicava o próprio nome.

Provocamos nesse artigo a aproximação de duas situações produtoras de patrimônios que demonstram ter mais diferenças que similitudes. As semelhanças dizem respeito a aspectos teóricos, observados dentro da lógica da colonialidade,3 3 Estudos pós-coloniais utilizam o conceito de colonialidade para sintetizar a histórica relação entre o colonialismo e a modernidade, como chave de leitura hegemônica a ser superada. Ver Mignolo (2005) e Quijano (2005). a começar pelas estratégias de justificação dessas práticas como operações científicas e não políticas. Analisar as duas experiências de invenção de patrimônios nacionais envolvendo a realização de viagens como práticas reprodutoras de relações coloniais é, portanto, um dos desafios deste artigo.

Falar em colonialismo no seio do território nacional não é novidade, quando tratamos de questões indígenas no Brasil, por exemplo. Remeter esse debate para o campo de estudos das políticas de patrimônio cultural, no entanto, pode gerar estranhamentos ou mesmo desconfortos. Não ignoramos a longa trajetória de intelectuais e políticas públicas no Brasil voltadas pra a proteção e salvaguarda de um patrimônio cultural. Nosso objetivo, contudo, é avançar da desconstrução de cânones forjados no paradigma europeu moderno ocidental, que subalterniza outros modelos epistêmicos. Seguindo a trilha de James Clifford (2003)CLIFFORD, James. Museologia e contra-história: viagens pela costa Noroeste dos Estados Unidos. In: ABREU, R. e CHAGAS, M. (orgs.). Memória e patrimônio: ensaios contemporâneos. Rio de Janeiro: DP&A, 2003., João Pacheco de Oliveira (2007)OLIVEIRA, João Pacheco de. O retrato de um menino Bororo: narrativas sobre o destino dos índios e o horizonte político dos museus, séculos XIX e XXI. Revista Tempo. Niterói, n.23/2007. e Ricardo Roque (2013)ROQUE, Ricardo. A circulação de histórias e coleções nos impérios coloniais. In: JERÓNIMO, M. B. (org.). O império Colonial em questão (XIX-XX). Poderes, saberes, e instituições. Lisboa: Edições 70, 2013, pp.455-485., acreditamos na pertinência de conduzirmos reflexões sobre temas e objetos já exaustivamente explorados - como as relações entre colonialismo e museus etnográficos e nacionalismo e instituições de patrimônio, a fim de produzir descentramentos e gerar práticas emancipadoras nesses universos de ação política e produção de conhecimento.

A aproximação entre as duas situações analisadas é dada pela experiência da viagem. São viagens de descoberta e reconhecimento, que passam a fazer parte das rotinas de trabalho daqueles profissionais. Para lidar com experiências tão distintas, operamos com uma noção alargada de viagem, que desde o Romantismo ampliou significativamente seus sentidos (Vierne, 1972VIERNE, Simone. Le voyage iniciatique. Romantisme, n.6, 1972. p.37-44. Acessível em http://www.persee.fr/ doc/roman_0048-8593_1972_num_2_4_5402 (consultado em 10/01/2016).
http://www.persee.fr/ doc/roman_0048-859...
). Nossa intenção é conhecer processos de produção de patrimônios que tiveram na viagem uma rotina de trabalho e um dos meios para a instauração de interpretações sobre o Outro por elas mesmas forjado ou de reconhecimento e reafirmação de leituras sobre bens e práticas culturais como patrimônio. Nos casos em análise, tais interpretações ganham formas de relatórios de viagem, cartas, artigos acadêmicos, plantas e desenhos, fotografias e também objetos recolhidos. Esses materiais produzidos por antropólogos, arquitetos, engenheiros, fotógrafos e bacharéis conectam escrita, imagem e forma que resultaram da experiência da viagem.

As distâncias entre os agentes, suas experiências, formação, trajetórias e viagens são evidentes e não pretendemos apagá-las. São distintas as motivações dos deslocamentos, os roteiros realizados e os sujeitos envolvidos: tratamos especialmente de viagens de arquitetos brasileiros no interior de seu próprio país, e de etnógrafos portugueses nas colônias da África. Em comum, contudo, destacamos o fato de ambos expressarem a vontade de descobrir um patrimônio que se encontraria em risco de perder-se, e protegê-lo da destruição. Podemos ainda vislumbrar algumas aproximações entre eles pelo modo como seus deslocamentos espaciais se ligam a tentativas ambivalentes de afastamentos e identificações em relação à Europa, pela presença de certo modelo de civilização moderna em seus conteúdos que se tornou dominante na colonialidade, quer em contextos intranacionais ou coloniais.

Esses modos de produção de conhecimento, marcados pela medição, quantificação e interiorização (ou objetivação) do que é cognoscível foram reproduzidos pelas práticas científicas e seus postulados como modelo de progresso e de crescimento (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005.). Eles estão presentes nas práticas de recolha, seleção e atribuição de valor de patrimônio e também nos métodos adotados para o conhecimento dos bens culturais a serem patrimonializados para compor uma coleção nacional. Interessa, pois, conhecer alguns dos mecanismos de descoberta desse patrimônio e os limites que essa descoberta encerra.

Para Vidal (2008)VIDAL, Laurent. Mazagão. A cidade que atravessou o Atlântico. 1769-1783. São Paulo: Martins Fontes, 2008., a viagem antes de sua realização também pode ser considerada como parte do objeto de investigação. Podemos refletir sobre esse tempo de espera como parte desses mecanismos, como um lugar de antecipação, por meio das leituras que mediam o acesso ao destino imaginado e também como um lugar de construção de consensos em torno da própria necessidade de realização da viagem.

Hartog (2014)HARTOG, F. O espelho de Heródoto. Ensaio sobre a representação do outro. Belo Horizontes: UFMG, 2014. ressalta que História e Antropologia estabelecem relações entre viajar, ver, conhecer e (re)conhecer, tendo em vista a capacidade de convencimento e a autoridade daquele que viu e ouviu de perto. Os modos de operar desses especialistas, as concepções que os orientavam e as rotinas de trabalho estabelecidas em torno dessas viagens foram também produtoras de métodos científicos de ver e recolher (registros e materiais), para fazer existir e consagrar coisas como patrimônio nacional. Privilegiamos a análise sistemática e crítica de material empírico diversificado relativo às duas situações históricas para a compreensão dos padrões dessas viagens e de alguns de seus efeitos.

As duas situações referem-se a experiências ocorridas nos anos 1950-1960 - contexto em que as questões de patrimônio ganhavam dimensão global nas ações da Unesco contra a perda iminente dos vestígios de culturas passadas ou em processo de transformação veloz no pós-guerra, ou ainda pela temática das identidades com o surgimento de novas nações (Leal, 2009LEAL, Cláudia (org.). Consultores da Unesco no Brasil: Michel Parent. Rio de Janeiro: IPHAN, 2009.). As diferenças efetivas entre as condições das viagens e os contextos históricos aos quais elas estão atreladas, bem como as distâncias existentes entre os pressupostos que orientam as análises desses viajantes privilegiados não impedem que sejam percebidas similitudes. A metrópole portuguesa funciona como elo entre terras distantes nas interpretações de Gilberto Freyre, que inspiraram direta ou indiretamente tanto os intelectuais portugueses quanto os brasileiros no contexto histórico aqui recortado, como buscaremos evidenciar.

Os dois casos aqui em análise acentuam o caráter técnico e científico das viagens, em lugar dos aspectos políticos que também as conformam. O contexto político em que tais viagens se realizaram, quer nas injunções do órgão nacional de patrimônio no Brasil, quer nas complexas questões que envolvem o Estado Novo português, suas inflexões e reordenamentos políticos nos anos 1960, fica subsumido aos imperativos de um conhecimento científico. As viagens dos pesquisadores às colônias portuguesas na África tiveram início em meados dos anos 1950 e se proliferaram especialmente nos anos 1960. Chama atenção, no material analisado, o silêncio em relação à conjuntura política portuguesa e africana, tendo em vista tratar-se de viagens realizadas no contexto explosivo das descolonizações em África e da guerra colonial.

Nossa análise, portanto, parte do pressuposto que a experiência da viagem como rotina de trabalho nos processos de invenção do patrimônio, provoca reconhecimentos e percepção de alteridades, não como expressões dicotômicas inconciliáveis, mas como lugar de contradições e ambiguidades.

Viagens de trabalho: os arquitetos do IPHAN em campo

O IPHAN foi criado em 1937 no Brasil com a função de selecionar e proteger aquilo que deveria se tornar patrimônio histórico e artístico nacional. O Decreto-Lei nº 25/1937 criou o instrumento jurídico do Tombamento e os procedimentos para a ação institucional.4 4 Sobre o tombamento e os processos de patrimoniliazação a partir do IPHAN ver Gonçalves (1996); Santos (1996); Fonseca (1997) e Chuva (2009).

Até o início dos anos 1950, já haviam sido tombados cerca de 40% dos bens protegidos pelo IPHAN até 2000, ano em que foi instituído o Programa Nacional de Patrimônio Imaterial. O Decreto nº 3551/2000 criou o instrumento jurídico do Registro, para a salvaguarda dos bens de natureza imaterial. A partir de então, o Conselho Consultivo do IPHAN ampliou suas atribuições e tornou-se responsável também pela análise e decisão final dos dossiês de Registro de bens de natureza imaterial, além dos processos de tombamento de bens de natureza material, mantidos no escopo das políticas de proteção ao patrimônio cultural brasileiro.

No período em foco neste artigo, para a concretização dos tombamentos, era preciso o conhecimento in loco, por meio de viagens de técnicos da área central do Instituto, situada na capital federal (então o Rio de Janeiro), e dos cinco escritórios regionais a ela subordinados (Bahia, Pernambuco, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande do Sul).

Na área central encontrava-se o diretor do IPHAN, Rodrigo Melo Franco de Andrade, e uma pequena equipe de arquitetos liderada por Lucio Costa. Este congregava os papéis de liderança do movimento da arquitetura moderna no Brasil e de mentor do campo do patrimônio histórico e artístico, como um dos fundadores da "Academia SPHAN" (Santos, 1996SANTOS, Mariza. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 24. Rio de Janeiro, 1996.). A força do seu pensamento e sua influência nas ações institucionais podem ser notadas em artigos seminais de sua autoria publicados na Revista do Patrimônio e em seus pareceres contidos na documentação institucional (Pessôa, 1999PESSÔA, José (org.). Lucio Costa: documentos de trabalho. Rio de Janeiro: IPHAN , 1999.; Costa, 1937 e 1941). A arte e a arquitetura colonial representavam para os intelectuais do IPHAN "a força de um Brasil mestiço, fonte de compreensão dos brasileiros a partir da dinâmica que se estabeleceu no processo de construção da nação" (Motta, 2003MOTTA, Lia. O patrimônio das cidades. In: SANTOS, A. (org.). Museus e cidades: livro do Seminário Internacional. Rio de Janeiro: MHN, 2003, p. 123- 152.: 128). Isso pode ser verificado nas ideias de Lucio Costa, para quem a arquitetura popular brasileira (colonial) era o resultado do "amolecimento" e da "simplificação das construções que eram feitas na Metrópole", primeira expressão "autenticamente" brasileira (Costa, 1937COSTA, Lucio. Documentação necessária. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 1, Rio de Janeiro, 1937.).

A direção do IPHAN recomendava a elaboração de um inventário sumário das obras de arquitetura do período colonial.As viagens para a realização de tais inventários, estudos de tombamento ou ainda restaurações em bens tombados produziram uma farta correspondência do diretor e sua equipe com os escritórios regionais do IPHAN. Elas compuseram uma teia de relações, compromissos e cumplicidade fortalecida pela amizade constituída no cotidiano da lida com o patrimônio e pela memória de experiências pretéritas compartilhadas ainda nos anos 1920, nas viagens em busca do colonial, do vernacular, das manifestações de folclore.5 5 Sobre as viagens dos modernistas, ver Amaral (1997). Os registros em imagens, textos e objetos e as trocas entre amigos de geração forjaram memórias que seriam atualizadas nas viagens dos arquitetos do IPHAN.

Esses intelectuais imaginaram a nação em suas viagens. Como especialistas, dispunham de um arsenal de conceitos que orientavam seu olhar a indicar o que podiam ver e o que deviam ignorar: olhar treinado, capaz de forjar traços, vestígios excepcionais que edificassem as origens da nação. Por meio desse olhar, uma arte barroca brasileira foi imaginada, identificada, estudada e considerada integrante da linha evolutiva da arte universal, capaz de fazer o Brasil figurar entre as nações civilizadas por meio da arte (Chuva, 2009CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009.; Santos, 1996SANTOS, Mariza. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 24. Rio de Janeiro, 1996.).

As rotinas de trabalho do IPHAN se fizeram nas ações recorrentes e repetitivas que, nos anos 1950, buscaram padronizar, como se pode ver na correspondência do diretor com o chefe do escritório regional do IPHAN na Bahia, Godofredo Filho.6 6 6 Ofício nº 671, de 1 de julho de 1954 (Arquivo Central do IPHAN). Nos detalhes dessa orientação, vários itens eram exigidos sobre aspectos relativos à materialidade do bem: sua localização exata; descrição sumária do ponto de vista arquitetônico, com metragem da edificação e indicação precisa da área a ser abrangida pelo tombamento; fotografias do exterior, nos diferentes lados, e do interior, com pormenores dos aspectos principais; levantamento em desenho, com pormenores dos aspectos principais; aspectos legais sobre a propriedade (nome dos proprietários etc.) e dados históricos sobre sua construção. Tudo isso indica aquilo que importava saber e também o controle sobre o olhar, por meio de criteriosos procedimentos entendidos como técnicos e objetivos. Não bastavam informações vagas e passadas, extraídas da literatura ou de relatos de terceiros: era necessário deslocar-se de um ponto a outro e radiografar o bem indicado para compor a coleção do patrimônio nacional. Não bastava tampouco um relato textual no retorno da viagem a campo. Era preciso ver e comprovar o que se via, por meio de mapas, plantas e registros fotográficos.

Nesses processos de trabalho, o registro fotográfico produzido nas viagens foi uma ferramenta fundamental para a produção de conhecimento sobre a arquitetura tradicional brasileira, tendo sido essa prática também disciplinarizada. De acordo com as exigências da direção do Instituto, pretendia-se evitar que imagens artísticas tomassem o lugar daquelas de natureza técnica (Portaria nº 03, de 1948). Por meio das fotografias, os arquitetos da equipe liderada por Lucio Costa, da área central do IPHAN, entravam em contato com a materialidade do bem, com a fé na fotografia como documento do real, com a crença no conhecimento científico baseado na oposição entre arte e ciência, uma só verdade.

As viagens ocorriam em função dos estudos para tombamento e principalmente para acompanhamento de obras de restauração, pois toda obra realizada deveria ser autorizada pela direção do IPHAN por meio da visita de um arquiteto da área central do Instituto, com o objetivo de garantir o acompanhamento das ações de restauração. A execução das obras ficava a cargo dos técnicos locais com base nas orientações dadas, num complexo sistema de controle instaurado por meio de viagens, relatórios, cartas e fotografias.

Na Bahia, como em outras regiões do país, o IPHAN promoveu obras para conter a degradação dos monumentos coloniais, e desde o início de suas atividades localizamos relatos dessas viagens, no Arquivo Central do IPHAN e no Arquivo da Superintendência Regional do IPHAN na Bahia.7 7 O trabalho de levantamento dessa correspondência foi realizado por Ana Mattos, funcionária do IPHAN na Bahia (Mattos, 2014). A referida documentação varia entre telegramas, cartas e aerogramas, em sua maioria trocados entre Godofredo Filho e Rodrigo Melo Franco de Andrade, e encontra-se no Arquivo Técnico IPHAN/ BA e no Arquivo Central do IPHAN, no Rio de Janeiro. Nos anos 1950 e 1960, permanecia o procedimento de realização de viagens dos arquitetos da área central e do diretor do órgão à Bahia, verificando a execução de inúmeras obras e seus resultados, para avaliar a instrução do pedido de tombamento da cidade de Salvador ou, ainda, para a realização de levantamento cadastral das casas do Largo do Pelourinho.

Com relação ao controle desse grupo central sobre o desenvolvimento das obras, foram produzidos modelos de apontamentos de obras diários, quinzenais e mensais, enviados pelo arquiteto José Souza Reis para Godofredo Filho (Mattos, 2014MATTOS, Ana. Nem português, nem mineiro... baiano e nacional, com todo respeito: a atuação da Bahia na construção do campo do patrimônio brasileiro. Rio de Janeiro: Dissertação Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural do IPHAN, 2014.). Nada podia escapar ao controle e crivo dessa equipe, desde os levantamentos, pesquisas, inventários, registros fotográficos, planos de trabalho, até os projetos e obras de restauração.

Isso pode ser visto no farto material que acompanha a documentação relativa às obras da Casa dos Sete Candeeiros, de Salvador. Quando havia dúvidas em relação às soluções adotadas, intensificava-se a correspondência trocada e novas visitas ao local ocorriam, como a viagem de Lucio Costa para verificar os resultados da restauração e adaptação desse imóvel para tornar-se sede do IPHAN em Salvador.8 8 Casa dos Sete Candeeiros. Salvador/BA. Série Obras (Arquivo Central do IPHAN). Nessa visita, ele estabeleceu parâmetros para o assentamento da Casa dos Sete Candeeiros conforme teria sido originalmente, no seu entendimento.

As condições materiais dessas viagens eram precárias, quer pelas distâncias - do Rio de Janeiro até a Bahia deveriam vencer uma distância de cerca de 1.600 km por terra -, quer pelas precárias instalações de hospedagem à época.

As obras de restauração eram demoradas pela escassez de verbas e pela necessidade de os arquitetos vencerem longas distâncias para seu acompanhamento. Ainda assim, as via-gens desses técnicos não eram dispensadas, dando lugar a uma rotina exaustiva para olhos treinados num sentido de modernidade, desde as viagens ao interior do Brasil feitas nos anos de juventude por aquela intelectualidade modernista que se engajou no IPHAN.9 9 Sobre as solidariedades constituídas na juventude por essa intelectualidade e as redes de poder, ver Miceli (1979) e Bomeny (1994).

Para aqueles intelectuais, sua própria interpretação sobre a cultura brasileira era libertadora em relação ao padrão estético europeu, por identificarem nos vestígios materiais dos tempos coloniais uma produção artística nova e genuinamente brasileira que denominaram barroco, identificando-a ao mesmo tempo com a linha evolutiva da história da arte ocidental, tal como desenvolvido por Lucio Costa no número 5 da Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, publicado em 1941______. Arquitetura dos jesuítas no Brasil. Revista do SPHAN nº 5. Rio de Janeiro, 1941.. Na perspectiva dos estudos pós-coloniais, por sua vez, é a subordinação à racionalidade europeia (Quijano, 2005QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005.), seu modo de refletir sobre a arte e sua percepção sobre o belo que é colocada em destaque nessa interpretação.

O olhar do especialista que se deslocava do centro para conhecer e fiscalizar forjava uma verdade produzida por quem detinha a legitimidade do conhecimento científico, capaz de civilizar o Brasil. No retorno ao centro um só projeto civilizador se impunha e revigorava a tese defendida por Lucio Costa de que o Brasil teria sido modelado a um só tempo em uma mesma forma (Costa, 1937COSTA, Lucio. Documentação necessária. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, n. 1, Rio de Janeiro, 1937.). Verdade sustentada com a legitimidade alcançada por esse grupo que construiu consensos acerca do que viria a ser definido como patrimônio. Como observou Mattos (2014)MATTOS, Ana. Nem português, nem mineiro... baiano e nacional, com todo respeito: a atuação da Bahia na construção do campo do patrimônio brasileiro. Rio de Janeiro: Dissertação Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural do IPHAN, 2014. ao estudar o IPHAN da Bahia nos anos 1950, tais processos resultaram das lutas de classificação travadas no interior do IPHAN acerca da participação da Bahia nos processos de construção de uma identidade nacional.

O evento da viagem produzia um deslocamento do olhar, que poderia também se surpreender ao encontrar a diferença no contato com as especificidades culturais dos locais fora do centro civilizador do qual partiram. Foi o que ocorreu com Rodrigo Melo Franco de Andrade ao conhecer a "coleção de arte negra" do acervo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia.10 10 Carta de Godofredo Filho a Rodrigo Melo Franco de Andrade - 14/10/1939 (Arquivo Central do IPHAN). Por influência de Godofredo Filho, decidiu adquirir excepcionalmente algumas peças para integrar a Casa dos Sete Candeeiros, que haviam restaurado para se tornar a sede do IPHAN na Bahia.11 11 Ver Casa dos Sete Candeeiros - Processo de Tombamento 0124-T-38 (Arquivo Central do IPHAN).

As peças africanas foram vistas pela lente da modernidade como arte primitiva e, nessa condição, descoladas de outros documentos que pudessem reconstituir suas histórias, suas biografias. Percebidas desse modo, elas conectavam o Brasil com um passado remoto e originário. Na memória edificada da nação, forjada em relatórios de viagens e fotografias, cartas, tombamentos e restaurações, o que predominava era a herança material portuguesa. Esse predomínio foi favorecido pela sombra que as teses da mestiçagem acabaram por produzir sobre as contradições de um país recém-saído da escravidão, que mal lidava com seu espólio material e simbólico. Oscilavam assim entre a libertação de um modelo uniformizador e excludente de inspiração europeia (e não português) e o enquadramento em outro modelo civilizacional alternativo, ancorado na mestiçagem, tal como trabalhadas por Gilberto Freyre. Importante colaborador do IPHAN em Pernambuco, ele foi o primeiro autor da série Publicações do SPHAN, com o livro Mocambos do Nordeste (Freyre, 1937FREYRE, Gilberto. Mocambos do Nordeste. Publicações do SPHAN, n 1. Rio de Janeiro, 1937.). No prefácio dessa publicação, Rodrigo Melo Franco de Andrade falava do "imerecido descaso" que sofria tal temática na bibliografia em geral, que costumava tratar somente da história da arquitetura sob influência dos estilos eruditos europeus, faltando estudos sobre "os traços da arte popular ibérica muito mais frequentes e felizes em nossas edificações que quaisquer outros" (Andrade, 1937ANDRADE, Rodrigo Melo Franco de. Prefácio. In FREYRE, Gilberto. Mocambos do Nordeste. Publicações do SPHAN, nº 1, 1937.).

Como analisou Peixoto (2015)PEIXOTO, Fernanda. A viagem como vocação. Itinerários, parcerias e formas de conhecimento. São Paulo: Fapesp / Edusp, 2015., a simbiose luso-brasileira analisada por Freyre nos anos 1930 transformava-se no "complexo sociológico lusotropical" a partir da experiência da viagem que fez em 1951-2 a Portugal e suas colônias do Ultramar, a convite do governo de Salazar.12 12 Ver os relatos e impressões dessa viagem em Freyre (1953). Para reflexões sobre essa experiência ver Peixoto (2015). Sobre o lusotropicalismo ver Castelo (1998) e Thomaz (2001 e 2007). Nessa concepção, a colonização portuguesa teria sido mais humana (entenda-se, menos cruel) se comparada à de outros povos colonizadores, dando condições para a realização do lusotropicalismo, que tem origem na ação assimiladora e no caráter plástico português, cuja ocorrência só pode se dar nos trópicos definidos como mestiços (Freyre, 1953______. Aventura e rotina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.).

O luso tropicalismo de Gilberto Freyre ganhou notoriedade e informou fortemente a perspectiva de Jorge Dias na África, como veremos a seguir, e a própria Antropologia Cultural em Portugal.

Campanhas na África: Jorge Dias e as missões de recolha etnográfica

Em 1956 o antropólogo português Jorge Dias foi convidado para lecionar em Lisboa, no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos - ISEU,13 13 Sobre a história institucional do ISEU, desde seus antecedentes com o surgimento da Escola Superior Colonial até sua transformação em Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas do Ultramar - ISCSPU, ver Gonçalves (1968). vinculado à Junta de Investigações do Ultramar, do Ministério do Ultramar. Reconhecidamente o grande responsável pela introdução e consolidação da Antropologia Cultural no país, Jorge Dias estava ligado à Universidade do Porto desde 1949, no Centro de Estudos de Etnologia Peninsular. Em 1952 tornou-se professor na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se manteria até 1956, ano em que foi convidado a lecionar em Lisboa, na Faculdade de Letras e no Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (Pereira, 2005PEREIRA, Rui. Conhecer para dominar. O desenvolvimento do conhecimento antropológico na Política colonial portuguesa em Moçambique, 1926-1959. Tese de Doutoramento em Antropologia. Lisboa: FCSH/UNL, 2005.). Naquele ano de 1956, já havia percorrido Portugal num levantamento exaustivo relativamente inédito sobre a cultura popular e tradicional do país, a partir do Centro de Estudos de Etnologia Peninsular da Universidade do Porto, e numa perspectiva crítica em relação aos estudos folclóricos, desenvolvera densa etnografia sobre o mundo rural português. Em pouco tempo, a equipe que atuava com ele no Porto mudou-se também para Lisboa: além de sua mulher Margot Dias, Ernesto Veiga de Oliveira, Benjamim Pereira e Fernando Galhano, aos quais se juntaram ainda Manuel Viegas Guerreiro e Antonio Carreira, entre outros (Oliveira, 1973OLIVEIRA, Ernesto Veiga de. Professor Jorge Dias: biografia e bibliografia, Lisboa, ISCSPU, 1973.; Castelo, 2014______. À conversa com Benjamim: memórias do Centro de Estudos de Antropologia Cultural e do Museu de Etnologia. In: SARAIVA, Clara et alii (orgs.). Caminhos e diálogos da Antropologia Portuguesa. Homenagem a Benjamim Pereira. Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2014.). Também em torno dessa equipe, à semelhança do que vimos anteriormente, havia fortes laços de amizade que moldaram visões de mundo por ela compartilhadas, especialmente na experiência do trabalho de campo e suas viagens.

Ministrar aulas no ISEU significava a ampliação do seu olhar e atuação para o âmbito do Ultramar, até então distante de seus horizontes. Significava também um lugar diferenciado como professor. Deveria agora, afinal, formar quadros para as Colônias, treinar os olhares dos futuros administradores coloniais. Com a sua chegada ao Instituto, foi criada a Missão de Estudos das Minorias Étnicas do Ultramar Português, que funcionou até 1961, sob sua chefia.14 14 Portaria nº 16 159, de 6 de fevereiro de 1957. Sobre a Missão de Estudos das Minorias Étnicas no Ultramar ver Pereira (2005).

Os objetivos da Missão eram de natureza etnológica. Segundo Pereira, em referência à Antropologia biológica fortemente desenvolvida em Portugal, "não se tratava agora, em 1957, de medir índices cranianos ou avaliar provas de esforço físico; tratava-se de conhecer a disposição social e cultural das populações africanas" (Pereira, 2005: 402) a partir de viagens ao mundo ultramarino português, em especial a suas colônias na África.

Conhecemos a Missão por meio dos quatro relatórios produzidos para o ISEU relativos às campanhas realizadas entre 1956 e 1960. Tais relatórios são peças documentais riquíssimas e, no escopo deste artigo, serão explorados com o limitado intuito de evidenciar a guinada de Jorge Dias no sentido de uma reflexão global sobre o papel de Portugal no mundo, a partir de seu redirecionamento como investigador no ultramar.

Segundo tais relatórios, as viagens de Jorge Dias no âmbito da referida Missão de Estudos visaram à realização de um diagnóstico social das populações indígenas e das minorias étnicas presentes nas colônias portuguesas, com o intuito de conhecer as relações entre colonos e indígenas na África para verificar as ameaças à soberania portuguesa na região, que colocavam em risco a própria manutenção do Império Português.Visavam também à realização de pesquisa etnográfica junto ao grupo étnico dos Maconde, do norte de Moçambique. Lamentavam o curto tempo de duração das viagens, realizadas nos períodos das férias escolares em Portugal. Manuel Viegas Guerreiro e Margot Dias foram os assistentes de Jorge Dias nas campanhas da Missão, e foram inúmeras as formas de registro que utilizaram: além dos referidos relatórios, foram produzidos filmes, fotografias, narrativas etnográficas e também a coleta de peças para o museu escolar, projeto pedagógico de Jorge Dias para os alunos do ISEU. Percebemos uma expressiva mudança de perspectiva do primeiro para o quarto e último relatório da Missão de Estudos (Relatório, 1961Relatório da Campanha de 1960 - Moçambique e Angola (1961 - Jorge Dias). Junta de Investigação do Ultramar.). Fruto da experiência da viagem (deslocamento do seu lugar central; condições materiais; sobrevivência dentro de contexto distinto e muitas vezes inóspito; experiência de contato com outras realidades e práticas culturais; compromisso com os sentidos da sua Missão etc.), tais relatórios evidenciam a passagem de um olhar geral, superficial e abstrato acerca dos povos com que estabelecia contatos no ultramar e crente na "boa fé" lusotropical do colono português em África, para um olhar ressabiado e questionador, olhar que apurou especialmente da experiência com os Maconde. A transformação do olhar ocorria principalmente em relação ao português, ao passo que se "descobriam" os comportamentos dos grupos ou minorias. A inspiração nas teses freyreanas do lusotropicalismo, acerca de um modo próprio de colonização do português, caracterizado pela ação assimiladora, pela capacidade do homem português de se adaptar e se misturar com os nativos, contudo, não parecia abalada, ao se destacar as diferenças que caracterizavam a colonização portuguesa. Acreditava Dias que a miscigenação cedo ou tarde tornaria o mestiço categoria dominante nas regiões da África portuguesa (Relatório, 1957).15 15 Sobre a penetração do lusotropicalismo entre intelectuais portugueses, em especial, Jorge Dias, ver Thomaz (2001), Macgno (2002). Sugeria, contudo, que os "portugueses atuais" que viviam na África poderiam vir a destruir um projeto de integração que ainda parecia promissor:

O facto do português ter uma atitude mais humana para com o indígena, do que outros povos europeus há muito industrializados e por consequência inclinados a sobrepor à concepção humana da vida outra mais utilitária e quantitativa, tem-nos garantido até hoje um domínio mais perfeito e menos sujeito a convulsões e conflitos graves do que sucede noutras regiões africanas. Mas convém vigiar de perto a situação, pois infelizmente o português está-se a tornar muito mais racista do que era. (Relatório, 1956Relatório datilografado, 18 de outubro de 1956 (Jorge Dias). Junta de Investigação do Ultramar.: 15).

Jorge Dias passava a refletir sobre o lugar de Portugal no mundo a partir do Ultramar (e não mais da cultura local portuguesa e tradicional). Refletia sobre a natureza do português, com um "temperamento menos rígido e abstrato do que o de outros povos ocidentais" e via que as populações dos subúrbios nas grandes cidades portuguesas na África, como Luana e Lourenço Marques (atual Maputo), "foram-se impregnando dessa bonomia e cordialidade própria da nossa gente" (Dias, 1966DIAS, Jorge. O indivíduo e a sociedade. ISCSPU. Separata de Estudos Políticos Sociais. Vol. IV, nº I, 1966.: 6). Essas populações foram classificadas por Dias como compostas por "negros assimilados, brancos menos favorecidos pela fortuna e constituindo famílias mistas, e ainda por mestiços, fruto da antiga miscigenação entre os dois grupos raciais" (Dias, 1966DIAS, Jorge. O indivíduo e a sociedade. ISCSPU. Separata de Estudos Políticos Sociais. Vol. IV, nº I, 1966.: 7). Na percepção de Dias, esse era um diferencial português no mundo.

A oportunidade de recolha de peças etnográficas no terreno levou-o a projetar um museu escolar, com o intuito de aproximar os futuros administradores coloniais da realidade que os aguardava, por meio do contato direto com as peças, que objetificavam a cultura nativa. Desse modo, a recolha de peças em África para compor o referido museu ganhava protagonismo nas viagens da Missão de Estudos das Minorias Étnicas. Ainda que a dimensão da recolha pudesse ser vista como secundária na perspectiva dos interesses diretos do Ministério do Ultramar, se observada pelo prisma das suas construções simbólicas - também reais e capazes de forjar realidade - tornava-se parte importante do mesmo projeto.

No Relatório da Campanha de 1958, as recolhas informais que já alimentavam as prateleiras do museu escolar ganharam destaque: "A Missão, reconhecendo que pouco se sabe em Portugal da vida indígena, e que não existe um museu de etnografia africana, resolveu adquirir algumas peças que tenciona expor este ano em Lisboa..." (Relatório, 1958Relatório da Campanha de 1958 - Moçambique e Angola (1959 -Jorge Dias e Manuel Guerreiro). Junta de Investigação do Ultramar.).

Estava ali o embrião do Museu de Etnologia do Ultramar criado pelo Ministério do Ultramar, que por sua vez deu origem ao atual Museu Nacional de Etnologia de Lisboa. Nesse ousado projeto, pretendia-se, por um lado, promover uma atualização cultural para o pleno pertencimento de Portugal ao mundo civilizado, constituindo sua própria coleção etnográfica, ainda que tardiamente, e por outro, cumprir um papel final nesse processo, salvar e fazer registros daquela riqueza e diversidade que estava a se perder, segundo Dias, resultado inexorável do progresso e da civilização (Dias, 1971______. Estudos do caráter nacional português. O caráter nacional português. In Estudos de Antropologia Cultural, n.7. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, [1950], 1971.; 1971a______. Estudos do caráter nacional português. O caráter nacional português. In Estudos de Antropologia Cultural, n.7. Lisboa: Junta de Investigações do Ultramar, [1950], 1971.). Dias afirmava que o Museu deveria se voltar para "a afirmação pública da unidade nacional", traduzindo "o caso singular do universalismo e da fraternidade ecuménica portuguesa" (Relatório, 1958Relatório da Campanha de 1958 - Moçambique e Angola (1959 -Jorge Dias e Manuel Guerreiro). Junta de Investigação do Ultramar.).

Em entrevista concedida ao Diário de Lisboa, em 1968, Jorge Dias afirmava a missão de salvamento a que se destinava o Museu, que seria feito daquilo que se estava perdendo, chegando ao fim. Tratava-se pelo seu prisma de uma recolha de emergência:

E nós, afrontando dificuldades que são quase insuperáveis, resolvemos meter ombros à tarefa, e, apoiados pelo Ministério [do Ultramar], ver se conseguíamos ainda, no limiar das últimas possibilidades - todas as culturas originais estão a acabar por toda parte - criar um Museu que salvasse o País da deprimente situação em que nesse campo se encontrava.16 16 Uma série de três reportagens foi publicada no Diário de Lisboa nos dias 4, 5 e 7 de março de 1968, incluída a citada entrevista de Jorge Dias.

Esse foi um dos modos como a cultura colonial, com suas lentes civilizadoras, seu olhar treinado, técnico, científico e objetivo produziu culturas nativas, instituiu leituras a respeito dos grupos locais, que se consagraram por meio de práticas museológicas.

A Missão de Estudos de Minorias Étnicas do Ultramar foi encerrada em 1961. Isso não impediu, contudo, que as viagens ao Ultramar português para a coleta de peças tivessem continuidade. Em 16 anos, entre 1956 e 1972, foram realizadas 23 viagens à África, sendo 19 delas a partir de 1961, especificamente voltadas para a recolha de objetos para o museu.

Um compósito de objetos e documentos constituiu o trabalho historiográfico de inúmeros agentes coloniais (Roque, 2013ROQUE, Ricardo. A circulação de histórias e coleções nos impérios coloniais. In: JERÓNIMO, M. B. (org.). O império Colonial em questão (XIX-XX). Poderes, saberes, e instituições. Lisboa: Edições 70, 2013, pp.455-485.). No caso dessas viagens, esse compósito está por ser recomposto, reunidos todos os fragmentos de uma construção cujas conexões são desconhecidas, já que relatórios e demais documentos relacionados às viagens de recolha dos anos 1960 não se encontram disponíveis para pesquisa. Os registros, as evidências, as provas materiais do ver - produzidos no contexto - são, nesse caso, os próprios objetos recolhidos. Pouco se sabe sobre os processos de recolha, descoberta e aquisição dessas peças. Sabemos que foram recolhidas em campanhas com essa finalidade (Museu, 1972), contudo, uma série de interrogações persiste: Os pesquisadores em campo trabalhavam com informantes? Procuravam coisas específicas? Os objetos foram feitos para eles ou foram extraídos do seu uso? Encomendavam objetos? Conheceram seus artesãos?

Para acessar informações sobre essas viagens, privilegiamos a pesquisa nos livros, catálogos e folhetos das exposições realizadas no período, pois a realidade dessas viagens, as dificuldades logísticas e políticas para a sua realização são ainda desconhecidas.

Nos catálogos analisados, publicados entre 1968 em 1972, há um vazio acerca da realidade dos museus que existiam nas colônias. Sobre o assunto, encontramos apenas o relatório da viagem de Ernesto Veiga de Oliveira e Benjamim Pereira, realizada entre maio e junho de 1971______. Museus e coleções de etnografia de Angola. Separata da Garcia de Orta. Revista da Junta de Investigações do Ultramar, vol. 19. Lisboa, 1971., para conhecer os museus de Angola. No relatório sobre essa viagem, Ernesto Veiga de Oliveira propõe:

(...) que o Museu de Lisboa, como museu nacional central de etnologia geral, se articule no topo da pirâmide do sistema dos próprios museus provinciais. (...) Recomenda-se o estabelecimento de relações de intercâmbio entre o Museu de Etnologia do Ultramar e os museus angolanos, dentro desse mesmo espírito unitário de cooperação e solidariedade (Oliveira, 1971______. Museus e coleções de etnografia de Angola. Separata da Garcia de Orta. Revista da Junta de Investigações do Ultramar, vol. 19. Lisboa, 1971.).

Portugal deveria assumir o papel de coordenador desse sistema - ideias essas concebidas em plena guerra, que, surpreendentemente, não deixou vestígios no referido relatório.

A criação de museus etnográficos foi uma prática recorrente na Europa no século XIX. Portugal vai implementá-la tardiamente na segunda metade do século XX, quando já era alvo de forte pressão anticolonial mundial.A prática da viagem de recolha era, então, surpreendente e anacrônica, somada ao fato de ocorrer em pleno contexto de guerra colonial, no alvorecer das independências. Ainda assim, aquele grupo de investigadores se viu obrigado a executar a tarefa tardia de "corrigir a posição de Portugal nesse tema", forjando ali o patrimônio etnográfico do Museu do Ultramar.17 17 Segundo o inventário realizado, 5.723 peças do MEU foram recolhidas nas viagens aqui indicadas (Museu, 1972)

A montagem dessas coleções africanas resultou das percepções de alteridade produzidas nas viagens. Aquele grupo não se via como parte das práticas colonialistas de caça a tesouros, tão criticados naquele contexto. Ao ver, escolher e consagrar no espaço museológico os objetos recolhidos sem explicitar seus processos de seleção em campo e valorizando uma suposta pureza e originalidade inerente a eles (Museu, 1968; 1972), aquele complexo de ações bem intencionadas tornava-se mais uma entre as várias estratégias de dominação colonial postas em ação. Na entrevista que Benjamim Pereira concedeu à Cláudia Castelo, mantém-se o silêncio em favor do impacto que aquela experiência teve em suas vidas (Castelo, 2014______. À conversa com Benjamim: memórias do Centro de Estudos de Antropologia Cultural e do Museu de Etnologia. In: SARAIVA, Clara et alii (orgs.). Caminhos e diálogos da Antropologia Portuguesa. Homenagem a Benjamim Pereira. Câmara Municipal de Viana do Castelo, 2014.).

Por uma historicização radical do patrimônio

Colocamos aqui lado a lado duas experiências bastante diferentes de produção de patrimônios por meio de viagens, por vislumbrar nessas práticas alguns elementos que podem suscitar aproximações e favorecer a compreensão do caráter civilizador e pedagógico de diversos processos de patrimonialização ocorridos ao longo do século XX.

Curiosamente, as duas realidades foram protagonizadas por equipes de investigadores que se entregaram de corpo e alma, por vezes com enormes sacrifícios pessoais, à missão pública e civilizadora de proteção de bens culturais em risco de extinção, em função do devir do progresso.

A viagem foi decisiva para a materialização de um patrimônio, para a definição de sua forma e dos seus conteúdos. Ao promoverem deslocamentos, essas viagens ofereciam novos ângulos de observação, novas relações estabelecidas a partir da experiência do contato, impressões de viagens, memórias. Vimos que tais viagens disciplinaram padrões de observação e circunscreveram olhares. Os modos de operar daqueles especialistas estabeleciam rotinas de trabalho, como métodos científicos de ver e recolher (registros fotográficos, audiovisuais ou objetos tridimensionais) para fazer existir e consagrar coisas ou práticas como patrimônio cultural, sob a perspectiva dominante de um processo civilizador inexorável.

Aqueles intelectuais dedicaram a vida à causa do patrimônio e da ciência, conferindo valor, consagrando patrimônios conforme suas crenças, ideologias e visões de mundo. Nas duas situações, os intelectuais mobilizaram uma série de operações, como ver, desenhar, fotografar, escrever, para formular interpretações no seio de parcerias afetivas, partilhas e conversas entre amigos, para destacar, como Peixoto (2009), a amizade como mais um valor presente e constituinte dessas viagens.

Por meio da viagem e da experiência do contato, a patrimonialização construiu identidades e pertenças e, nos dois casos, integrou processos que forjaram uma ideia de nação e silenciaram identidades. Ao exibir essas coleções, uma cultura nativa é objetivada e protegida da destruição, tendo à vista o predomínio da civilização portuguesa nos trópicos mestiços.

As narrativas de modernidade fundaram as nações e com elas surgiram práticas que forjaram os patrimônios nacionais, os museus nacionais, as recolhas para a composição de coleções universais que representariam o longo e contínuo percurso de aperfeiçoamento da humanidade centrada no mundo europeu ocidental.A afirmação do nacional se fez historicamente pela dominação colonial e a imposição de um processo civilizatório, quer no interior de estados nacionais, como no Brasil em relação aos povos indígenas e outros diferentes, quer em áreas de expansão colonial, como no caso de Portugal sobre a África. Na forma de uma violência simbólica, valores e uma imaginação da nação de impuseram. No caso brasileiro, pela ênfase na arte colonial e na invenção de um barroco brasileiro projetado em restaurações consagrou-se o predomínio da presença portuguesa na cultura material e o tratamento da herança africana como resto de um passado desconectado do presente; no caso português, pela construção de uma coleção de arte primitiva de valor universal, objetivou-se a cultura nativa e assim projetou-se a nação na Europa, nivelando-se aos demais países no cenário civilizado ocidental.

Para lidar, na atualidade, com as coleções constituídas em contextos coloniais, Oliveira (2007)OLIVEIRA, João Pacheco de. O retrato de um menino Bororo: narrativas sobre o destino dos índios e o horizonte político dos museus, séculos XIX e XXI. Revista Tempo. Niterói, n.23/2007. e Roque (2013)ROQUE, Ricardo. A circulação de histórias e coleções nos impérios coloniais. In: JERÓNIMO, M. B. (org.). O império Colonial em questão (XIX-XX). Poderes, saberes, e instituições. Lisboa: Edições 70, 2013, pp.455-485. coincidem ao propor uma historicização radical dessas coleções, considerando os processos de recolha e também seus modos de exibição como compósitos de objetos e documentos, que podem revelar sentidos e a multiplicidade de atores a eles relacionados. Acrescentamos a necessidade de historicização das categorias fundadoras do campo do patrimônio, como identidade nacional e autenticidade, entre outras. Para superar a colonialidade não basta ampliar a diversidade de bens e práticas culturais reconhecidos como patrimônio cultural da nação. É preciso mudar os modos de operar as escolhas daquilo a ser consagrado como patrimônio, trazendo à fala os sujeitos envolvidos nessa operação histórica, desde os processos de seleção ou recolha em campo, até os modos de fruição e exibição em museus ou espaços da cidade.

  • 1
    Conforme Pierre Bourdieu (1996)BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas linguísticas. São Paulo: EDUSP, 1996., entendemos as lutas de classificação como uma espécie de concorrência num campo em que as disputas visam a alcançar hegemonia e consenso.
  • 2
    Segundo o Decreto 46.253 de 19 de março de 1965, de criação do Museu de Etnologia do Ultramar, seu programa ficaria reduzido ao Ultramar, como indicava o próprio nome.
  • 3
    Estudos pós-coloniais utilizam o conceito de colonialidade para sintetizar a histórica relação entre o colonialismo e a modernidade, como chave de leitura hegemônica a ser superada. Ver Mignolo (2005)MIGNOLO, Walter. A colonialidade de cabo a rabo: o hemisfério ocidental no horizonte conceitual da modernidade. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO, 2005. e Quijano (2005)QUIJANO, Aníbal. Colonialidade do poder, eurocentrismo e América Latina. In: LANDER, E. (org). A colonialidade do saber: eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas latinoamericanas. Buenos Aires: CLACSO , 2005..
  • 4
    Sobre o tombamento e os processos de patrimoniliazação a partir do IPHAN ver Gonçalves (1996)GONÇALVES, José Reginaldo. A retórica da perda. Rio de Janeiro: IPHAN/UFRJ, 1996.; Santos (1996)SANTOS, Mariza. Nasce a Academia SPHAN. Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional nº 24. Rio de Janeiro, 1996.; Fonseca (1997)FONSECA, Cecília Londres. O patrimônio em processo. Rio de Janeiro: UFRJ /IPHAN, 1997. e Chuva (2009)CHUVA, Márcia. Os arquitetos da memória: sociogênese das práticas de preservação do patrimônio cultural no Brasil (1930-1940). Rio de Janeiro: UFRJ, 2009..
  • 5
    Sobre as viagens dos modernistas, ver Amaral (1997)AMARAL, Aracy. Blaise Cendrars no Brasil dos modernistas. São Paulo: Editora 34, [1970] 1997..
  • 6
    6 Ofício nº 671, de 1 de julho de 1954 (Arquivo Central do IPHAN).
  • 7
    O trabalho de levantamento dessa correspondência foi realizado por Ana Mattos, funcionária do IPHAN na Bahia (Mattos, 2014MATTOS, Ana. Nem português, nem mineiro... baiano e nacional, com todo respeito: a atuação da Bahia na construção do campo do patrimônio brasileiro. Rio de Janeiro: Dissertação Mestrado Profissional em Patrimônio Cultural do IPHAN, 2014.). A referida documentação varia entre telegramas, cartas e aerogramas, em sua maioria trocados entre Godofredo Filho e Rodrigo Melo Franco de Andrade, e encontra-se no Arquivo Técnico IPHAN/ BA e no Arquivo Central do IPHAN, no Rio de Janeiro.
  • 8
    Casa dos Sete Candeeiros. Salvador/BA. Série Obras (Arquivo Central do IPHAN).
  • 9
    Sobre as solidariedades constituídas na juventude por essa intelectualidade e as redes de poder, ver Miceli (1979)MICELI, Sérgio. Intelectuais e classe dirigente no Brasil (1920-1945). São Paulo: DIFEL, 1979. e Bomeny (1994)BOMENY, Helena. Guardiães da razão. Modernistas mineiros. Rio de Janeiro: UFRJ/Tempo Brasileiro, 1994..
  • 10
    Carta de Godofredo Filho a Rodrigo Melo Franco de Andrade - 14/10/1939 (Arquivo Central do IPHAN).
  • 11
    Ver Casa dos Sete Candeeiros - Processo de Tombamento 0124-T-38 (Arquivo Central do IPHAN).
  • 12
    Ver os relatos e impressões dessa viagem em Freyre (1953)______. Aventura e rotina. Rio de Janeiro: José Olympio, 1953.. Para reflexões sobre essa experiência ver Peixoto (2015)PEIXOTO, Fernanda. A viagem como vocação. Itinerários, parcerias e formas de conhecimento. São Paulo: Fapesp / Edusp, 2015.. Sobre o lusotropicalismo ver Castelo (1998)CASTELO, Cláudia. O modo português de estar no mundo. O lusotropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Afrontamento, 1998. e Thomaz (2001THOMAZ, Omar. "O bom povo português": usos e costumes d'Aquém e d'Além-mar. Mana, vol. 7, n.1, pp. 55-87, 2001. e 2007)______. Ecos do Atlântico Sul. Rio de Janeiro: UFRJ, 2002..
  • 13
    Sobre a história institucional do ISEU, desde seus antecedentes com o surgimento da Escola Superior Colonial até sua transformação em Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas do Ultramar - ISCSPU, ver Gonçalves (1968)GONÇALVES, José Julio (coord.). Criação e reorganizações do Instituto Superior de Estudos Ultramarinos (1906-1961). Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1968..
  • 14
    Portaria nº 16 159, de 6 de fevereiro de 1957. Sobre a Missão de Estudos das Minorias Étnicas no Ultramar ver Pereira (2005)PEREIRA, Rui. Conhecer para dominar. O desenvolvimento do conhecimento antropológico na Política colonial portuguesa em Moçambique, 1926-1959. Tese de Doutoramento em Antropologia. Lisboa: FCSH/UNL, 2005..
  • 15
    Sobre a penetração do lusotropicalismo entre intelectuais portugueses, em especial, Jorge Dias, ver Thomaz (2001)THOMAZ, Omar. "O bom povo português": usos e costumes d'Aquém e d'Além-mar. Mana, vol. 7, n.1, pp. 55-87, 2001., Macgno (2002)MACGNO, Lorenzo. Lusotropicalismo e nostalgia etnográfica: Jorge Dias entre Portugal e Moçambique. Afro-Ásia, n.28, pp. 97-124. Salvador, 2002..
  • 16
    Uma série de três reportagens foi publicada no Diário de Lisboa nos dias 4, 5 e 7 de março de 1968, incluída a citada entrevista de Jorge Dias.
  • 17
    Segundo o inventário realizado, 5.723 peças do MEU foram recolhidas nas viagens aqui indicadas (Museu, 1972)

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2016
  • Aceito
    01 Abr 2016
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