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Fundo de Participação dos Municípios: antigos problemas e novas propostas inspiradas nos programas de equalização fiscal internacionais e na experiência do ICMS do Ceará

Equalizing federal transfers to Brazilian municipalities: old problems and new proposals based on the experiences of fiscal equalization programs in OECD countries and results-based fiscal transfers in the State of Ceará

Resumo

Instituídos pelo governo militar e mantidos essencialmente intactos pelos governos civis subsequentes, os critérios de distribuição do Fundo de Participação dos Municípios são claramente anacrônicos e injustificáveis. O texto propõe novos critérios a partir da experiência dos programas de equalização fiscal em países da OCDE e da experiência do estado do Ceará com a distribuição do ICMS.

Palavras-chave
Equalização fiscal; Federalismo fiscal; Fundo de Participação dos Municípios; Transferências federativas; Equidade fiscal

Abstract

Put in place by military governments, the set of rules that guide equalizing federal transfers to Brazilian municipalities is clearly anacronic and very difficult to justify. The text proposes new criteria based on the experience of fiscal equalization programs in OECD countries and results-based fiscal transfers in the Brazilian State of Ceará.

Keywords
Fiscal equalization; Fiscal equity; Fiscal federalism; Federal transfers; Brazilian municipalities

1 Introdução

Instituído pela Emenda Constitucional de 18 de dezembro de 19651 1 Embora a Constituição de 1946 já previsse que parcela da arrecadação do Imposto de Renda deveria ser repassada pela União aos municípios – em partes iguais, sujeitas à restrição de que metade dos recursos deveria ser necessariamente aplicada em “benefícios de ordem rural”. e mantido nas Constituições Federais de 19672 2 Em seu livro de memórias, o ex-ministro Roberto Campos (1994, p.1198) nota que os “dispositivos fiscais e orçamentários” da Constituição de 1967 foram “(…) sugeridos em sua quase totalidade por Octávio Bulhões, ministro da Fazenda, e por mim próprio, como ministro do Planejamento”. Resta claro, portanto, que a equipe econômica da época teve papel de liderança no processo de instituição do FPM. e 1988, o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) é a maior transferência corrente federal de municípios brasileiros, tendo atingido em 2022 a casa dos R$ 183 bilhões3 3 O número acima é bruto de transferências do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto no artigo 212-A da Constituição Federal. Registre-se que os dados oficiais da Secretaria do Tesouro Nacional são líquidos das referidas transferências. Embora úteis para vários fins, os dados líquidos podem enviesar um pouco análises históricas porque as deduções do Fundeb foram mudando ao longo dos anos. , ou 1,85% do PIB estimado daquele ano, segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional e do IBGE.

Os critérios de distribuição do FPM – instituídos pelo Código Tributário Nacional (Lei n. 5.172 de 25 de outubro de 1966)4 4 Que regulamentou a supracitada Emenda Constitucional n. 18/1965. , atualizados pelo Decreto-Lei n. 1.881 de agosto de 1981 e mantidos com mínimas modificações no período pós-1985 – são, entretanto, amplamente reconhecidos como problemáticos (Moraes, 2006MORAES, D. P. Arrecadação Tributária Municipal: esforço fiscal, transferências e Lei de Responsabilidade Fiscal. Dissertação (Mestrado)–Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 2006.; Mendes, Miranda e Cossio, 2008MENDES, M.; MIRANDA, R. B.; COSSIO, F.B. Transferências intergovernamentais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008. (Texto para Discussão, n. 40).; Rocha, 2013ROCHA, C. A. O FPM é constitucional? Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, Mar. 2013. (Textos para Discussão, n. 124).; Costa, 2020COSTA, N. L. S. F. Distribuição dos recursos fiscais: uma análise do Fundo de Participação dos Municípios. Dissertação (Mestrado)–Escola Brasileira de Economia e Finanças, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2020. , inter allia). Criado com o objetivo explícito de “promover o equilíbrio socioeconômico entre (…) municípios”5 5 Vide artigo 161 da Constituição Federal. A intenção é mais antiga, entretanto. De acordo com a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda da Fundação Getúlio Vargas (CRMF-FGV) contratada nos anos 1960 para assessorar as decisões do referido ministério, “A Reforma Tributária Nacional (…) [instituída pela Emenda 18/1965] constitui (…) a etapa inicial de novo ciclo. (…) O ciclo novo, que ora se inicia, (…) procura corrigir (…) as desigualdades de capacidade contributiva de cada unidade de governo, na esfera estadual e municipal (…). O mecanismo de atenuação dos desníveis de capacidade contributiva consiste em dois fundos especiais, extremamente flexíveis em seus aspectos administrativos: o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios.” (CRMF-FGV, 1967, v. 26, p. XIII e XIV). , o FPM claramente beneficia cidades pequenas, mesmo que relativamente ricas, em prejuízo de cidades maiores, mesmo que relativamente pobres6 6 Por exemplo, de acordos com dados da Secretaria do Tesouro Nacional em 2021 os municípios de Santana da Ponte Pensa-SP (IDH 2010 = 0,773, 1.669 habitantes), Montauri-RS (IDH 2010 = 0,764, 1.495 habitantes) e Guabiju-RS (IDH 2010=0,758, 1.396 habitantes) receberam do FPM respectivamente R$ 6421, R$ 6321 e R$ 6113 por habitante em 2021, enquanto que os municípios de Porto da Moz-PA (IDH 2010 = 0,503, 40.709 habitantes), Augusto Corrêa-PA (IDH 2010 = 0,520, 43.691 habitantes) e Lago da Pedra-MA (IDH 2010=0,589, 44.422 habitantes) receberam respectivamente R$558,2, R$ 557,9 e R$ 563,3 por habitante do fundo no mesmo ano. Todos os dados acima são líquidos de deduções do Fundeb. . Pensado como “extremamente flexível” do ponto de vista administrativo7 7 Ver CRMF-FGV (1967, v. 26, p. XIV). , o FPM utiliza até hoje percentuais fixados em 1989 como marco de referência dos valores a serem repassados aos municípios de diferentes unidades da federação. Desde 1988, três emendas constitucionais – a saber, as emendas constitucionais 55/2007, 84/2014, e 112/2021 – foram aprovadas com o objetivo de aumentar o montante a ser distribuído pelo FPM. Nenhuma delas teve nada a dizer sobre os problemas supracitados.

Este texto tem dois objetivos principais. O primeiro é revisitar os conhecidos problemas do FPM a partir de conceitos propostos nos programas de “equalização fiscal” adotados em países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) (Bloschlinger; Charbit, 2008BLOSCHLINGER, H.; CHARBIT, C. Fiscal equalization. OECD Journal: Economic Studies, Dec. 2008). O uso da estrutura conceitual dos referidos programas se deve ao fato de terem objetivo similar ao do FPM – vale dizer, “transferir recursos fiscais entre os entes federados com o objetivo de reduzir as diferenças nas respectivas capacidades de gerar receitas e nos custos de provisão dos serviços públicos” (ibid, p. 2) – e de serem mais bem sucedidos do que o FPM neste propósito. O segundo objetivo é apresentar resultados de simulações de reformas do FPM inspiradas nos referidos programas e na bem-sucedida experiência do estado do Ceará com a definição das cotas-partes ICMS8 8 A sigla significa “Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”. com base em índices de qualidade na educação (Lautharte, Oliveira e Loureiro, 2021LAUTHARTE, Ildo; DE OLIVEIRA, Victor Hugo; LOUREIRO, Andre. Incentives for mayors to improve learning: evidence from state reforms in Ceará, Brazil. Washington, DC: World Bank, 2021. (Policy Research Working Paper, n. 9509). Available at: https://openknowledge.worldbank.org/entities/publication/033a2576-9464-5267-b33f-9726d231e3be.
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). Antecipando as conclusões das seções subsequentes, os dados e cálculos apresentados neste texto sugerem que (i) reformas no FPM podem mitigar consideravelmente, ao longo das próximas três décadas, a desigualdade de recursos públicos disponíveis por habitante existente nos municípios brasileiros; e (ii) o custo em termos de redução de desigualdades de incentivos em linha com o caso cearense tende a ser pequenos.

Tendo em vista estes objetivos, optou-se por dividir o texto em oito seções. Seguem-se à introdução breves discussões sobre: (i) as ideias básicas subjacentes aos programas de equalização fiscal internacionais (seção 2); (ii) os notórios problemas do desenho atual do FPM (seção 3); e (iii) a experiência cearense com a definição de cotas partes do ICMS do estado (seção 4). Os principais fatos sobre a dinâmica das finanças públicas municipais e do FPM nos últimos 20 anos são então apresentados na seção 5, a fim de contextualizar as simulações apresentadas nas seções subsequentes. Na seção 6, simulam-se mudanças na regra de distribuição do FPM com o objetivo de fazer com que as receitas municipais por habitante dos municípios mais pobres do país gradualmente atinjam a marca de 85% da média nacional. Na seção 7, a simulação da seção 6 é modificada para premiar – na margem – municípios com melhores resultados educacionais medidos pelo Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) calculado pelo Ministério da Educação. Por fim, a seção 8 resume as principais conclusões do estudo.

2 Programas de equalização fiscal nos países da OCDE: lições para o Brasil

Políticas de equalização fiscal são comuns em países da OCDE (Blochlinger e Charbit, 2008). Tais políticas têm como “principal objetivo” “(…) permitir aos governos subnacionais prover os cidadãos de serviços públicos similares a um mesmo nível de tributação, mesmo se as rendas de diferentes regiões sejam consideravelmente diferentes” (ibid, p. 2, tradução do autor). Para isso, idealmente é necessário ter claros tanto a “capacidade fiscal” de cada ente subnacional, isto é, o potencial de arrecadação tributária de cada ente, como as “necessidades de gastos” de cada em, ou seja, o “custo potencial para cada ente prover um determinado conjunto de serviços públicos” (ibid, p. 3). O resultado da subtração da capacidade fiscal pelas necessidades de gastos é usualmente chamado de “hiato fiscal” de cada ente e essa é, teoricamente, a variável que se quer equalizar, seja pela via da equalização das receitas seja pela via de compensações por diferenças nos custos de prestação de serviços. Na experiência dos países da OCDE, tal equalização é feita tanto por meio de transferências “verticais” (isto é, do governo central para os entes subnacionais, tal como ocorre no caso do FPM), como por meio de transferências “horizontais” (isto é, de transferências de recursos dos entes federados mais ricos para os mais pobres, tal como ocorre no caso do Fundeb9 9 Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto no artigo 212-A da Constituição Federal. ). Como o foco deste texto é no FPM – uma transferência dita “vertical” – desconsideraremos no restante deste texto a possibilidade de equalização pela via de transferências horizontais.

Claro está que, como aponta Costa (2020, p.70)COSTA, N. L. S. F. Distribuição dos recursos fiscais: uma análise do Fundo de Participação dos Municípios. Dissertação (Mestrado)–Escola Brasileira de Economia e Finanças, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2020. , idealmente a implementação de programas de equalização fiscal “(…) exige um conjunto de dados estatísticos e procedimentos complexos de alta sofisticação técnica, que nem sempre fazem parte da realidade de países em desenvolvimento”10 10 Sobre este ponto ver também Ahmad e Searle (2005, p. 21-23). . Na prática, entretanto, os esquemas de equalização fiscal mesmo nos países da OCDE são variados, esquemas teoricamente “puros” praticamente não existem (Blochlinger; Charbit, 2008BLOSCHLINGER, H.; CHARBIT, C. Fiscal equalization. OECD Journal: Economic Studies, Dec. 2008, p. 6) e aproximações imperfeitas das variáveis teoricamente relevantes são utilizadas em um número significativo de países. Para os nossos propósitos imediatos importa registrar em particular que não é incomum que as receitas tributárias efetivas dos entes subnacionais sejam utilizadas para aproximar as respectivas capacidades fiscais (ibid, p. 9).

A Tabela 1 exemplifica as disparidades de capacidades fiscais dos municípios brasileiros medidas – de modo admitidamente imperfeito11 11 Por desconsiderar diferenças de esforço de arrecadação dos municípios. – pela receita própria por habitante12 12 O conceito de “receita própria” utilizado aqui é dado pelas receitas totais dos municípios (brutas de deduções e líquidas de receitas intraorçamentárias), exclusive transferências correntes e de capital recebidas – tal como medidas nos dados das contas anuais do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) da Secretaria do Tesouro Nacional. dos respectivos municípios, por faixa populacional e unidade da federação em 2021. Os dados em cada célula da Tabela 1 são medianas. Por exemplo, o valor de R$ 426 registrado para os municípios mineiros até 5 mil habitantes é a mediana dos valores registrados em 202113 13 Transformada para preços de abril de 2023 pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo, IPCA, do IBGE. para os 254 municípios mineiros nesta faixa populacional com valores disponíveis nas “contas anuais” do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) (Tabela 2)14 14 Considerando, para fins de classificação dos municípios nas faixas populacionais, as prévias dos dados coletados pelo Censo de 2022. . Os números da Tabela 1 devem, portanto, ser analisados com cuidado. Em primeiro lugar, porque o número de municípios em cada faixa populacional pode variar significativamente por unidade da federação (Tabela 2)15 15 Por exemplo, o valor mediano de R$ 1309 reportado para os municípios de mais de 500 mil habitantes de Alagoas reflete os dados de apenas um município, Maceió-AL, enquanto o valor mediano de R$ 426 para os municípios de 0 a 5 mil habitantes de Minas Gerais reflete os dados de 254 municípios. , em segundo lugar, porque a base da STN não é completa e está sujeita a erros de preenchimento por parte dos municípios16 16 Como apontado na Tabela 2, em 2021 apenas 5519 municípios reportaram dados sobre as respectivas receitas para a STN. Em 214 destes casos, entretanto, os valores (brutos) reportados pelos municípios para as receitas com o FPM foram mais do que 5% maiores ou menores do que os reportados pela STN para os repasses do FPM (ajustados para brutos) aos respectivos municípios. Nestes casos, o valor da STN foi utilizado e os dados (brutos) de receitas dos municípios em questão, recalculados. . Mesmo levando em conta estas limitações, os dados da Tabela 1 indicam claramente a existência de forte correlação positiva entre os tamanhos das populações dos municípios brasileiros e as respectivas capacidades de geração de receitas próprias. Indicam, ademais, que municípios da mesma faixa populacional de unidades da federação diferentes podem ter realidades fiscais bem distintas.

Tabela 1
Valor mediano das receitas próprias (brutas de deduções, líquidas de receitas intraorçamentárias) por habitante em 2021 (a preços de abril de 2023, IPCA) dos municípios brasileiros por faixa populacional e unidade da federação (*) (*) O Distrito Federal não está incluído na Tabela 1 porque pode arrecadar também com tributos típicos de estados, como o ICMS e o Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA).

Supondo, apenas por simplicidade, que os custos de provisão de serviços públicos sejam exatamente os mesmos em todos os municípios brasileiros17 17 Tal hipótese é admitidamente irrealista. Por outro lado, como apontam Dougherty e Forman (2021, p.16) “análises do impacto da equalização de custos implicam desafios únicos porque seus efeitos não podem ser capturados por medidas diretas”. , poder-se-ia pensar, à luz dos programas de equalização fiscal nos países da OCDE, que o FPM deveria, em princípio, ter como objetivo equalizar as desigualdades entre as “capacidades fiscais” ilustradas na Tabela 1 acima. Na prática, entretanto, o FPM é apenas uma transferência federativa dentre várias outras recebidas pelos municípios, tanto dos estados (incluindo, por exemplo, cotas partes do ICMS e do IPVA) quanto da União (incluindo, por exemplo, além do FPM, royalties de vários tipos, Fundeb, transferências do Sistema Único de Saúde – SUS –, entre outros). A Tabela 3 – com dados medianos das receitas primárias totais18 18 As receitas primárias dos municípios foram calculadas neste texto subtraindo-se das receitas totais (brutas de deduções e líquidas de receitas intraorçamentárias) as receitas com amortizações, empréstimos e valores mobiliários líquidos de dividendos e participações. dos municípios exclusive o FPM – é provavelmente um marco de referência melhor para a equalização fiscal, porque resume os recursos efetivamente à disposição dos prefeitos com exceção do FPM – incluindo, portanto, além das receitas próprias, também as transferências federativas estaduais e federais outras que não o FPM.

Tabela 2
Quantidade de municípios por faixa populacional e unidade da federação com dados de receitas disponíveis nas “Contas Anuais” do Siconfi-STN em 2021

A Tabela 3 mostra-nos um quadro de fortes desigualdades. Sem o FPM, municípios entre 20 mil e 500 mil habitantes de estados como Paraíba, Pernambuco e Sergipe disporiam de aproximadamente R$ 2500 por habitante para as políticas públicas – ou seja, de três ou quatro vezes menos recursos do que municípios pequenos de estados como Rio de Janeiro, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Com efeito, estima-se que a média da receita primária por habitante dos municípios brasileiros, exclusive FPM, em 2021 tenha sido de R$ 4109, e que 2566 municípios tenham apresentado receitas primárias inferiores a 85% deste valor (ou R$ 3493 por habitante) no mesmo ano – com todos os valores supracitados medidos a preços de abril de 2023. Registre-se que o limiar de 85% da média nacional é o objetivo explícito da política de equalização fiscal suíça para os recursos disponíveis por cada cantão (unidade federativa com funções semelhantes aos estados brasileiros) daquele país (Confederação Suiça, 2012). Com efeito, é comum que programas de equalização fiscal se contentem em limitar, por oposição, e eliminar as disparidades fiscais entre os vários governos subnacionais (e.g. Canada, 2011CANADÁ. Department of Finance. Equalization Program. 2011. Available at: https://www.canada.ca/en/department-finance/programs/federal-transfers/equalization.html. Acesso em: abr. 2023.
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), e essa também é a intenção das reformas simuladas nas seções 6 e 7 deste texto.

Tabela 3
Valor mediano das receitas primárias, exclusive FPM, por habitante (brutas de deduções, líquidas de receitas intraorçamentárias, medidas a preços de abril de 2023, IPCA) dos municípios brasileiros por faixa populacional e unidade da federação (*) (*) O Distrito Federal não está incluído na Tabela porque pode arrecadar também com tributos típicos de estados, como o ICMS e o IPVA.

É fato que quando acrescentamos as receitas do FPM nas receitas primárias dos municípios (Tabela 4) o grau de concentração das referidas receitas medido pelo índice de Gini (ponderado pela população dos municípios) diminui 4 pontos percentuais – de 0,236 sem as receitas do FPM para 0,195 com estas últimas receitas. Trata-se, entretanto, de uma redução muito pequena quando comparada às verificadas nos países da OCDE, nos quais, de acordo com Blochlinger e Charbit (2008, p.7)BLOSCHLINGER, H.; CHARBIT, C. Fiscal equalization. OECD Journal: Economic Studies, Dec. 2008, o índice de Gini cai em média dois terços após a equalização. Em particular, os referidos autores (ibid, p.9) citam três países com índices de Gini prévios à equalização similares ao – ou maiores do que o – verificado no Brasil19 19 O leitor deve ter em mente, entretanto, que as estruturas federativas dos países citados por Blöchliger e Charbit variam entre si e são diferentes da brasileira. . No caso da Itália, o Gini prévio à equalização é de 0,21 e cai para 0,10 após a equalização. No caso da Turquia o Gini prévio à equalização é de 0,22 e cai para 0,06 depois. Finalmente, em Portugal o Gini prévio à equalização é de 0,34 e cai para 0,14.

Tabela 4
Valor mediano das receitas primárias totais por habitante (brutas de deduções, líquidas de receitas intraorçamentárias a preços de abril de 2023, IPCA) dos municípios brasileiros por faixa populacional e unidade da federação (*) (*) O Distrito Federal não está incluído na Tabela porque pode arrecadar também com tributos típicos de estados, como o ICMS e o IPVA.

Em suma, do que foi discutido acima parece lícito concluir que: (i) os critérios atuais do FPM não são suficientes para reduzir decisivamente a desigualdade de capacidades fiscais dos municípios brasileiros; e (ii) os países desenvolvidos, em geral, conseguem resultados consideravelmente melhores do que os obtidos pelo FPM, que claramente privilegia cidades pequenas em relação a cidades grandes e algumas unidades da federação (por exemplo, Alagoas e Bahia) em detrimento de outras (por exemplo, o Pará e o Acre), como evidenciado na Tabela 5.

Tabela 5
Valor mediano dos repasses do FPM por habitante (brutos de deduções, medidos a preços de abril de 2023, IPCA) dos municípios brasileiros por faixa populacional e unidade da federação (*) (*) O Distrito Federal não está incluído na Tabela porque pode arrecadar também com tributos típicos de estados, como o ICMS e o IPVA.

3 Por que o FPM não equaliza as capacidades fiscais dos municípios brasileiros?

Os resultados da seção anterior não são por acaso. O FPM não equaliza as capacidades fiscais dos municípios brasileiros porque para a grande maioria dos municípios os critérios de partilha do fundo levam em consideração apenas a população. Com efeito, 86,4% dos recursos do FPM são destinados ao chamado “FPM Interior” que é distribuído entre todos os municípios com exceção das capitais com base nas duas Tabelas abaixo:

Tabela 6
Coeficientes do “FPM Interior” dos municípios por faixa populacional
Tabela 7
Coeficientes do “FPM Interior” dos municípios por faixa populacional (*) (*) O Distrito Federal não tem municípios, de modo que está excluído da Tabela 7.
Tabela 8
Detalhamento do cálculo teórico e dos valores efetivos do “FPM Interior” para o caso dos municípios do estado do Acre em 2021

O cálculo do valor – teórico, pelo menos – preciso do “FPM Interior” a ser entregue a cada município é feito em quatro passos. O primeiro, mais simples, é definir o montante total a ser dividido em cada estado. Isso é feito multiplicando o montante do “FPM Interior” – ou 86,4% do valor total do FPM – pelos pesos da Tabela 7 (divididos por 100). Por exemplo, em 2021 o valor (bruto) total nominal do FPM foi de R$ 144,9 bilhões, de modo que o valor a ser distribuído pelo “FPM Interior” foi de R$ 125,2 bilhões. Deriva daí que a parcela do “FPM Interior” distribuída entre os municípios, por exemplo, do Acre em 2021 foi de R$ 329,3 milhões (ou 0,263% de R$ 125,2 bilhões), que a parcela distribuída entre os municípios de Alagoas foi de R$ 2,61 bilhões (ou 2,0883% de R$ 125,2 bilhões) e assim sucessivamente. A Tabela 8 exemplifica os três passos subsequentes para o caso dos municípios do Acre. Primeiramente, identifica-se, a partir de estimativas populacionais produzidas pelo IBGE, o coeficiente populacional de cada município (colunas A e B), em seguida soma-se os coeficientes de todos os municípios do estado, exclusive a capital. Por fim, calcula-se a parcela de cada município no total a ser distribuído no estado dividindo-se o coeficiente do município pelo total dos coeficientes do estado, exclusive a capital (coluna C)20 20 No caso do Acre em 2021 este total foi 25 (vide coluna B). .

O adjetivo “teórico” é utilizado acima porque as estimativas anuais do IBGE não raro são postas em dúvida e contestadas judicialmente, levando a revisões dos valores efetivamente distribuídos a municípios específicos. Dúvidas sobre a precisão das estimativas populacionais anuais do IBGE embasaram também a Lei Complementar n. 165 de 2019 que proibiu reduções nos coeficientes dos municípios em relação aos valores verificados em 2018 até que sejam divulgados os dados do novo censo demográfico. Nenhum município do Acre foi afetado pela Lei Complementar n. 165 de 2019, entretanto, de modo que os valores efetivos da Tabela 8 “batem” exatamente com os “teóricos”.

Seja como for, resta claro que a fórmula de cálculo acima desconsidera as questões que têm pautado o debate internacional sobre equalização fiscal. Primeiro, porque, por construção, ignora completamente fatores outros que não a população na determinação das capacidades fiscais/necessidades de gastos dos municípios – de modo a fazer com que um município que, por exemplo, receba grandes montantes em royalties da União seja tratado da exata mesma forma do que outro que não os receba, caso façam parte de um mesmo estado e estejam na mesma faixa populacional21 21 O caso de Canaã dos Carajás-PA, que recebeu R$ 1,18 bilhão em royalties em 2021, serve para exemplificar o problema. Com efeito, em 2021 o município recebeu os mesmos R$ 23,33 milhões do FPM recebidos por Muaná-PA, cuja receita total com royalties naquele ano foi de R$ 4 milhões. . Segundo, porque privilegia arbitrariamente alguns estados em detrimento de outros – por exemplo, Alagoas recebe 2,09% dos recursos do “FPM Interior”, mas de acordo com a contagem preliminar do Censo de 2022 tem apenas 1,36% da população brasileira exclusive capitais, enquanto o Pará recebe 3,29% dos recursos do “FPM Interior”, mas tem 4,45% da população brasileira exclusive capitais. Terceiro, porque introduz descontinuidades indesejáveis na distribuição dos recursos dentro de um mesmo estado – por exemplo, dois municípios iguais exceto pela população receberiam do “FPM Interior” recursos por habitante significativamente diferentes caso um deles tenha 10.187 habitantes e outro 10.189 habitantes em um dado ano. Quarto, porque pune claramente municípios com populações muito maiores do que 156 mil habitantes e que não são capitais – fato este, aliás, reconhecido quando da criação, em 1981, do chamado “FPM Reserva”, que distribui 3,6% dos recursos totais do FPM apenas para municípios populosos, exclusive capitais.

Antes de entender o “FPM Reserva”, e porque este último não resolve o viés do FPM contra os municípios populosos exclusive capitais, vale notar que 10% dos recursos totais do FPM são direcionados aos municípios capitais de estados e ao Distrito Federal, e que o cálculo dos valores do “FPM Capitais” a ser recebido por cada município é significativamente diferente do cálculo análogo do “FPM Interior”, por incluir, além do “fator população”, também um fator relativo à renda per capita dos estados e do Distrito Federal. As Tabelas 9 e 10 ajudam a entender os detalhes da distribuição dos recursos do “FPM Capitais”, ilustrado para o ano de 2022 na Tabela 11.

Tabela 9
Coeficientes do “fator população” do “FPM Capitais”
Tabela 10
Coeficientes do “fator renda per capita” do “FPM Capitais”

O cálculo do “fator população” do “FPM Capitais” (Tabela 9) é simples. Por exemplo, em julho de 2021 o IBGE estimou a população de Manaus-AM em 2.255.903 habitantes enquanto a população total das capitais estaduais e do Distrito Federal foi estimada em 50.864.239 de habitantes (Tabela 11). Como 2.255.903 é 4,44% de 50.864.239, o “fator população” de Manaus no “FPM Capitais” de 2022 foi 4,5 (Tabela 11)22 22 Porque 4,44% está contido no intervalo entre 4,0% e 4,5%. . O cálculo do “fator renda per capita” é mais complexo. O primeiro passo é a estimação pelo IBGE da renda per capita das unidades da federação (Tabela 11, coluna C). Em seguida deve-se calcular a renda per capita de cada unidade da federação como proporção da renda per capita do país como um todo, assumindo que esta última variável tem o valor de 100. Por exemplo, a renda per capita do Acre em 2019 (R$ 17.722) correspondeu a 50,4% da renda per capita do Brasil como um todo (R$ 35.162), logo, o valor da renda per capita ajustada (isto é, assumindo a renda per capita nacional igual a 100) do Acre é 50,4. O próximo passo, então, é calcular o resultado da divisão de 1 pela renda per capita ajustada de cada UF (i.e. o “inverso do índice relativo à renda per capita”). Por exemplo, no caso do Acre o resultado do cálculo é 0,0198 (isto é, 1/50,4). É este último o valor que deve ser cotejado com os valores da Tabela 10. Como 0,0198 está contido no intervalo entre 0,0190 e 0,0220, o fator renda per capita do Acre é igual a 2 (Tabela 11).

Por fim, o coeficiente do FPM de cada capital é dado pelo produto dos respectivos “fatores renda per capita e população” (Tabela 11, coluna D), enquanto a participação de cada capital no total do “FPM Capitais” é dada pelo resultado da divisão do respectivo coeficiente do FPM capitais pelo somatório dos coeficientes de todas as capitais (Tabela 11, coluna E). Comparado ao “FPM Interior”, o “FPM Capitais” tem, portanto, a vantagem de que os coeficientes de cada unidade da federação são variáveis no tempo – posto que dependem das respectivas rendas per capita. Vale dizer, a capital de um estado relativamente dinâmico do ponto de vista econômico tende a ser menos beneficiada ao longo do tempo pelo “FPM Capitais” do que a capital de um estado relativamente estagnado. Como apontado anteriormente, entretanto, isso não ocorre no “FPM Interior” – muito maior, distribuindo 8,6 vezes mais recursos do que o “FPM Capitais”.

Tabela 11
Cálculo dos coeficientes do “FPM Capitais” em 2022

Voltando-nos ao “FPM Reserva”, vale ressaltar que o cálculo deste último é exatamente o mesmo do “FPM Capitais”, beneficiando, entretanto, apenas os municípios, exclusive capitais, com populações superiores a 142.632 habitantes23 23 A partir da Lei Complementar n. 91 de dezembro de 1997. . Como apontado anteriormente, o “FPM Reserva” foi pensado para ser uma compensação para os municípios populosos, exclusive capitais. O problema é que o ele é pequeno em relação ao tamanho do viés que pretende resolver. No ano de 2021, dos R$144,9 bilhões distribuídos pelo FPM como um todo, o “FPM Reserva” distribuiu apenas R$ 5,2 bilhões, para uma população estimada em 57,4 milhões de pessoas pelo IBGE – ou seja, menos de R$ 91 por pessoa. Basta uma rápida olhada na Tabela 5 para perceber que os referidos valores estão bem abaixo do que seria requerido para corrigir o viés do FPM em favor dos municípios menos populosos.

4 A experiência do ICMS do Ceará

Mesmo que o FPM fosse tão bem-sucedido em mitigar as disparidades de capacidades fiscais dos municípios brasileiros quanto os mecanismos de equalização fiscal vigentes nos países desenvolvidos caberia, ainda, notar que um efeito colateral da equalização fiscal pode ser a diminuição do esforço fiscal dos entes subnacionais (Rao, 2020RAO, M. G. Fiscal decentralization in Indian Federalism. Bangalore: Institute for Social and Economic Change, 2000.; Taiwo, 2020TAIWO, K. Intergovernmental transfers and own revenues of subnational governments in Nigeria. Hacienda Pública Española / Review of Public Economics, v. 240, n. 1, p. 31-59, 2022. DOI: https://dx.doi.org/10.7866/HPE-RPE.22.1.2.
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). Como apontam Blöchliger e Charbit, (2008, p.9)BLOSCHLINGER, H.; CHARBIT, C. Fiscal equalization. OECD Journal: Economic Studies, Dec. 2008, em arranjos do tipo frequentemente “(…) governos subnacionais têm incentivos (…) para reduzir as bases de incidência dos respectivos impostos de modo a obter mais recursos a título de equalização”. Uma possível forma de mitigar esse último problema é fazer com que a distribuição de parte dos recursos a serem transferidos dependa do “esforço individual” de cada administração municipal – tal como medido, por exemplo, pelo “potencial de arrecadação tributária” previsto no artigo 212-A da Constituição Federal. Mas medidas do tipo não são fáceis de calcular, posto que diferentes municípios têm diferentes fontes de recursos próprios (para além, naturalmente, da arrecadação conjunta do ISSQN, ITBI, IPTU e do IR24 24 As siglas significam respectivamente “Imposto sobre serviços de qualquer natureza”, “Imposto sobre a transmissão de bens imóveis”, “Imposto predial territorial urbano” e “Imposto de renda”. dos servidores municipais25 25 Como aponta Shah (2017, p. 3) no contexto da discussão da experiência de equalização fiscal australiana. ). Uma forma alternativa de garantir contrapartida em termos de esforço dos municípios recebedores de transferências é a bem-sucedida experiência do estado do Ceará com a definição, a partir de 2007, das cotas-partes do ICMS do estado com base em indicadores de qualidade de gestão municipal (Lautharte; de Oliveira; Cruz, 2021LAUTHARTE, Ildo; DE OLIVEIRA, Victor Hugo; LOUREIRO, Andre. Incentives for mayors to improve learning: evidence from state reforms in Ceará, Brazil. Washington, DC: World Bank, 2021. (Policy Research Working Paper, n. 9509). Available at: https://openknowledge.worldbank.org/entities/publication/033a2576-9464-5267-b33f-9726d231e3be.
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).

O sucesso da experiência cearense em aumentar o desempenho educacional da rede pública municipal do estado é amplamente reconhecido (Costa Holanda et al. 2020COSTA HOLANDA, Marcos; PONTE BARBOSA, Marcelo; BOARI, Louisee Rodrigues da Cruz; LOUREIRO, Andre. Implementing a results-based financing mechanism for subnational governments to improve education outcomes: an implementation guide inspired by the case of Ceara, Brazil (English). Washington, D.C: World Bank Group, 2020. Available at: http://documents.worldbank.org/curated/en/561471606111232725/Implementing-a-Results-Based-Financing-Mechanism-for-Subnational-Governments-to-Improve-Education-Outcomes-An-Implementation-Guide-Inspired-by-the-Case-of-Ceara-Brazil.
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), tendo inclusive embasado a revisão do artigo 158 da Constituição Federal pela Emenda Constitucional n. 108, de 2020. Desde a referida emenda, todas as unidades da federação passaram a ser obrigadas a distribuir “(…) no mínimo, 10 (dez) pontos percentuais [dos respectivos recursos do ICMS a serem repassados aos municípios] com base em indicadores de melhoria nos resultados de aprendizagem e de aumento da equidade, considerado o nível socioeconômico dos educandos.”. A mecânica precisa do sistema cearense é complexa, entretanto, envolvendo a utilização de múltiplos índices de qualidade na gestão pública municipal para a definição da distribuição [de 35%26 26 A partir da Lei Estadual n. 17.320 de 23 de outubro de 2020. ] dos recursos do ICMS a serem distribuídos aos municípios do estado – a saber, os índices de qualidade na educação, saúde e meio ambiente, sendo que o índice de qualidade em educação é calculado a partir de outros específicos para a alfabetização e ensino fundamental. Mais precisamente, tem-se que

CotaICMSc =(0,18*IQEc + 0,15*IQSc + 0,02*IQMAc)*0,35*Arrecadação total do ICMS e IQEc = [0,50 x IQAc] + [0,45 x IQFc] + [0,05 x APRVc],

onde

CotaICMSc é o total dos recursos do ICMS direcionados ao município C; IQEc, IQSc, e IQMAc são respectivamente os índices de qualidade de educação, saúde e meio ambiente do município C; IQAc e IQFc são respectivamente os índices de qualidade da alfabetização e do ensino fundamental do município C e APRVc é a taxa média de aprovação do município C do primeiro ao quinto ano da educação fundamental.

A simulação dos resultados da replicação dos parâmetros precisos da “experiência cearense” para o resto dos municípios brasileiros não é possível neste texto por pelo menos dois motivos. O primeiro, mais simples, é o fato de que o cálculo de vários dos índices supracitados depende de resultados de provas aplicadas unicamente no estado do Ceará. Não existem, portanto, dados análogos para os demais estados. O segundo, mais complexo, é o fato de que, embora importantes na estratégia cearense, os mecanismos de partilha do ICMS fazem parte de um todo maior – a saber, de um conjunto de políticas que inclui investimentos em formação profissional de docentes, assistência técnica prestada pela secretaria de educação estadual às redes municipais, avaliações periódicas etc. – que não é possível de ser simulado. Ainda assim, os aspectos centrais da experiência cearense podem perfeitamente nortear reformas também no FPM, pelos mesmos motivos que ensejaram a revisão do artigo 158 da Constituição pela Emenda Constitucional n. 108/2020. Simulações preliminares nesta direção são apresentadas na sétima seção deste texto – levando em consideração o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), divulgado pelo Ministério da Educação para as redes públicas municipais da educação fundamental como aproximação do IQE cearense27 27 Paiva (2019) aponta que os índices de qualidade na educação cearenses são positivamente correlacionados com os resultados do Ideb. e desconsiderando, por falta de dados, os demais índices de qualidade da gestão pública municipal utilizados no Ceará.

5 A dinâmica das finanças públicas municipais e do FPM no período 2002-2021

Apesar da grita recorrente dos municípios por mais recursos do FPM, os números disponíveis apontam que as últimas duas décadas foram marcadas por forte aumento real da receita municipal total (157% entre 2021 e 2002) – aumento este mais de três vezes maior do que o crescimento do índice de volume do PIB (49% entre 2021 e 2002) e oito vezes maior do que o crescimento da população (19% entre 2022 e 2002). Isso também é verdade, ainda que em escala menor, para a arrecadação conjunta do Imposto de Renda (IR) e do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), a base de cálculo do FPM, que cresceu 95% entre 2002 e 2021 e 141% entre 2022 e 2003 (Gráfico 2). Não surpreendentemente, portanto, os recursos distribuídos pelo FPM também cresceram bem mais rapidamente do que o PIB e a população no período em questão, ainda que um pouco menos rapidamente do que as receitas totais dos municípios (Gráfico 3). Com efeito, os repasses do FPM cresceram 114% entre 2021 e 2002 e 142% entre 2022 e 200228 28 Os repasses do FPM crescem mais rapidamente do que a arrecadação conjunta do IR e do IPI no período analisado neste texto por conta dos efeitos das Emendas Constitucionais n. 55/2007, n. 84/2014, e n. 112/2021. .

Como de hábito, vale lembrar ao leitor que os dados primários utilizados neste texto sobre as receitas municipais são os declarados pelos próprios municípios à Secretaria do Tesouro Nacional e divulgados, por esta última, nas bases “Contas anuais” do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) a partir de 2013 e antes disto na base Finbra (acrônimo para “Finanças do Brasil”). Dados faltantes, mudanças na forma de apresentação/cálculo dos dados ao longo dos anos e erros puros e simples são, portanto, comuns nos dados primários. As estimativas das receitas totais dos municípios apresentadas no Gráfico 1 foram construídas (i) substituindo os valores das receitas do FPM (brutas de deduções) reportadas pelos municípios pelos mesmos valores reportados pela Secretaria do Tesouro Nacional (ajustados para brutos de deduções) em casos nos quais as divergências entre os dois valores foram significativas29 29 Os dados reportados pelos municípios foram tidos como consistentes se as discrepâncias se limitaram a 5% ou menos para cima ou para baixo do valor reportado pela STN. Inconsistências ocorrem em cerca de 10% das observações. ; (ii) imputando os dados dos municípios com informações faltantes dividindo o valor do FPM repassado ao município (reportado pela STN para todos os municípios em todos os anos) pela razão média entre esta última variável e a receita bruta total dos municípios (sempre que reportada na base Siconfi-Finbra)30 30 Os dados faltantes representam cerca de 2% do total dos dados relevantes. Métodos de imputação de dados municipais faltantes são discutidos, por exemplo, em Orair et al. (2011) e Motta, Santos e de Faria (2020). O procedimento adotado neste texto tem a vantagem da simplicidade e de ser baseado em dados oficiais da própria União (no caso os valores dos repasses do FPM reportados pela Secretaria do Tesouro Nacional). Naturalmente, nenhum método de imputação é perfeito e as imputações feitas nos dados do Gráfico 1 são passiveis de refinamentos. ; e (iii) assumindo heroicamente que as receitas intraorçamentárias foram negligíveis entre 2002 e 200631 31 Isso porque nestes anos é impossível calcular dados “líquidos de receitas intraorçamentárias”. Na prática, tais receitas são próximas de zero na maior parte dos municípios brasileiros. Elas são maiores que zero, entretanto, nos municípios maiores, notadamente nos que têm Regimes Próprios de Previdência Social ativos, de modo que os dados das receitas dos municípios entre 2002 e 2006, apresentados no Gráfico 1, estão ligeiramente superestimados. . Embora admitidamente imperfeitas, é extremamente improvável que as estimativas reportadas no Gráfico 1 estejam erradas a ponto de mudar qualquer resultado qualitativo deste texto.

Gráfico 1
Receita total dos municípios (brutas de deduções, líquidas de receitas intraorçamentárias e medidas em R$ bilhões de abril de 2023, IPCA) e PIB (R$ bilhões de 1995, índice de volume do PIB) 2002-2021
Gráfico 2
Arrecadação do Imposto de Renda e do Imposto sobre Produtos Industrializados (Em R$ bilhões de abril de 2023)
Gráfico 3
Recursos brutos distribuídos pelo FPM (em R$ bilhões de abril de 2023). Em vermelho os anos em que foram aprovadas emendas constitucionais aumentando o bolo do fundo.

É fato, entretanto, que os dois últimos anos das séries históricas das receitas municipais totais e dos repasses do FPM foram particularmente positivos e que ambas as variáveis passaram por períodos de estagnação na segunda década deste século. Os recursos do FPM, em particular, permaneceram relativamente estagnados ao longo de praticamente todo o período 2011-2020, enquanto as receitas totais dos municípios declinaram ligeiramente em 2015, levando até 2018 para recuperar os níveis atingidos em 2014. É verdade ainda que municípios de alguns estados foram mais beneficiados do que os de outros no período em análise – tanto em geral (Gráfico 4) como no que toca o FPM em particular (Gráfico 5). Isso porque tanto o crescimento do PIB quanto o crescimento populacional variaram significativamente por estado no período em questão (Gráficos 6 e 7). No caso específico do FPM, as dinâmicas populacionais desiguais entre as unidades da federação (Gráfico 6) foram determinantes para a evolução da distribuição dos recursos do fundo (Gráfico 5), posto que os coeficientes de distribuição por estado são os mesmos desde 198932 32 Em segundo lugar, mas bem menos importante, há ainda as constatações de que (i) municípios de diferentes estados entraram na “reserva”– isto é, ultrapassaram a casa dos habitantes fazendo, portanto, jus a um adicional do FPM – de modo desigual; e (ii) a evolução das rendas per capita das capitais dos estados também foi desigual fazendo com que diferentes estados perdessem ou ganhassem posições relativas no FPM capitais. .

Gráfico 4
Taxas de crescimento anualizadas das receitas totais municipais por habitante dos estados brasileiros entre 2002 e 2021. Em vermelho o estado mediano
Gráfico 5
Taxas de crescimento anualizadas dos recursos por habitante distribuídos pelo FPM para os municípios dos diferentes estados brasileiros entre 2002 e 2021. Em vermelho o estado mediano

É lícito supor que estados como Rondônia e Maranhão, com crescimentos (i) da atividade econômica acima da média nacional (Gráfico 7); e (ii) da população abaixo da média nacional (Gráfico 6), tiveram maiores aumentos das receitas municipais por habitante do que estados como São Paulo e Espírito Santo, nos quais o PIB cresceu abaixo e a população acima da mediana nacional. E isto, de fato, ocorre na prática (Gráfico 4).

Para os propósitos deste texto, cabe ressaltar, entretanto, que os critérios de distribuição atuais do FPM não ajudam a compensar eventuais perdas de recursos por habitante dos municípios de estados que tiveram grande aumento de população. Com efeito, a comparação dos Gráficos 5 e 6 deixa claro que os municípios de estados cujas populações cresceram mais (menos) rapidamente do que a média nacional, tendem a ser relativamente menos (mais) favorecidos pelo FPM ao longo do tempo, o que evidentemente é um despropósito. Este último fato é particularmente visível quando se analisa, de um lado, os casos de Roraima, Mato Grosso e Amapá, cujas populações cresceram bem acima da média nacional nas últimas duas décadas, e, de outro, os casos do Rio Grande do Sul, Piauí e Bahia, cujas populações cresceram bem abaixo da média no período em questão. Com efeito, Roraima, Mato Grosso e Amapá estão entre os estados cujos recursos advindos de repasses do FPM por habitante menos cresceram nas últimas duas décadas e Rio Grande do Sul, Piauí e Bahia estão entre os estados cujos recursos advindos de repasses do FPM mais cresceram no período em questão. É verdade que a correlação positiva existente entre as dinâmicas do PIB e da população nos estados atenua o problema em alguns casos. Por exemplo, no caso do Mato Grosso, o alto crescimento do PIB (Gráfico 6) compensa, em alguma medida, a perda de recursos do FPM por conta do alto crescimento populacional, de modo que as receitas dos municípios do estado estão entre as de maior crescimento do país (Gráfico 4). Mas a referida correlação não é perfeita. No caso do Acre, por exemplo, cuja população também cresceu acima da média nacional, a compensação não ocorre na mesma proporção.

Gráfico 6
Taxas de crescimento anualizadas da população dos estados brasileiros entre 2002 e 2022. Em vermelho o estado mediano
Gráfico 7
Taxas de crescimento anualizadas do PIB dos estados brasileiros 2002-2020. Em vermelho o estado mediano

O reconhecimento de que dinâmicas econômicas e populacionais distintas dentro do território podem impor mudanças significativas tanto nas capacidades fiscais quanto nas necessidades de gastos dos entes subnacionais faz com que os programas de equalização fiscal nos países desenvolvidos prevejam avaliações recorrentes levando, eventualmente, a correções de rumo. No caso do programa suíço, por exemplo, as avaliações são feitas a cada quatro anos (Confederação Suíça, 2012CONFEDERAÇÃO SUIÇA. Federal Department of Finance. National fiscal equalization Strengthening federalismo. Berna: Federal Department of Finance, 2012. Available at: https://www.efv.admin.ch/dam/efv/en/dokumente/finanzausgleich/Finanzausgleich_A5_web_e.pdf.download.pdf/Finanzausgleich_A5_web_e.pdf.
https://www.efv.admin.ch/dam/efv/en/doku...
, p.18). O contraste com a rigidez olímpica das regras do FPM é evidente.

6 Resultados de simulações baseadas na convergência de todos os municípios para o limiar de 85% da média nacional das receitas totais por habitante

As seções anteriores tiveram como objetivo informar o leitor sobre as linhas gerais do debate internacional sobre equalização fiscal e sobre a possibilidade de se utilizar transferências federativas como indutoras de desenvolvimento. Tentou-se, ademais, resumir os resultados práticos produzidos pelo formato atual FPM, que de resto é amplamente reconhecido como problemático (Mendes; Miranda; Cossio, 2008MENDES, M.; MIRANDA, R. B.; COSSIO, F.B. Transferências intergovernamentais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008. (Texto para Discussão, n. 40).; Monasterio, 2014; Rocha; Freitas, 2019ROCHA, C. A.; FREITAS, P. S. O rateio do FPM vis à vis a Lei Complementar 165/2019. Boletim Legislativo, Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, n. 74, jan. 2019. ; dentre vários outros). Acreditamos que o leitor concordará que, à luz dos referidos resultados práticos e ideias, parece lícito concluir que mudanças no FPM no sentido de ampliar sua capacidade de equalização fiscal seriam bem-vindas. Esta seção e a próxima têm como objetivo precípuo iluminar os “limites do possível” em reformas do FPM alinhadas com as melhores práticas internacionais e nacionais. Não se trata aqui de defender os detalhes dos cenários propostos, mas de antecipar alguns dos resultados qualitativos que se espera robustos a futuros (e bem-vindos) refinamentos dos dados e diagnósticos ora disponíveis com o objetivo de fomentar a discussão – acadêmica e política – sobre o tema.

Neste contexto, uma primeira consideração a fazer é que, como aponta Shah (2017, p. 3, tradução do autor)SHAH, A. Horizontal fiscal equalization in Australia: peering inside the black box. Melbourne e Canberra: Australian Government Productivity Commission, 2017., “todas reformas fiscais criam vencedores e perdedores e os perdedores potenciais tentam bloquear as reformas”. Para superar essa oposição, ainda de acordo com Shah (ibid) é importante assegurar que todos os entes recebedores de transferências recebam, pelo menos, o que recebiam antes da reforma. Nas simulações desta seção, portanto, garante-se que nenhum município receberá menos do que teria direito em um ano de referência qualquer.

O objetivo do exercício ora proposto é que, partindo-se do ano de referência X, se chegue eventualmente à uma situação na qual nenhum município terá receita primária por habitante inferior à 85% da média nacional, sujeito à supracitada restrição de que nenhum município receba em nenhum ano recursos do FPM inferiores aos que teria direito no ano de referência. A reforma se concentra, portanto, na redistribuição das parcelas do FPM que excederem, ao longo do tempo, o valor (a preços constantes) do fundo no ano de referência. A ideia é que metade destes valores excedentes irão exclusivamente para os municípios com menores receitas primárias “básicas” por habitante (isto é, menores somas das receitas primárias por habitante, exclusive FPM, com as receitas recebidas do FPM por habitante no ano de referência). Mais precisamente, os recursos irão inicialmente para o município último colocado no ranking das receitas primárias “básicas” até que este atinja os valores do penúltimo colocado. Em seguida, os recursos são alocados para os dois últimos colocados até que os valores de ambos atinjam os valores do antepenúltimo colocado e assim por diante, até que os recursos acabem. Já a metade restante dos valores adicionais será distribuída a todos os municípios de modo que recebam os mesmos recursos por habitante. O propósito da distribuição desta segunda metade é garantir que mesmo os municípios mais bem aquinhoados no ano de referência continuem tendo aumentos reais nos recursos recebidos do FPM ao longo do tempo, de modo a diminuir as resistências políticas à reforma.

Finalizado no início de abril de 2023, este texto não pôde contar com os dados das receitas municipais em 2022. Para os nossos propósitos será útil, portanto, escolher o ano de 2021 como referência. Supor-se-á, ademais, nas simulações que as variáveis crescerão entre 2021 e 2031 o mesmo tanto que cresceram entre 2011 e 2021, mas que o referido crescimento será constante ao longo do tempo, por oposição à alternância de momentos de alto crescimento e queda/estagnação verificada na última década.

A base utilizada nas simulações é um pouco diferente da discutida nas seções anteriores porque trabalha com as receitas líquidas de deduções – dado o objetivo de analisar o impacto do FPM sobre as receitas disponíveis para os prefeitos. Interessa, portanto, notar que a estimativa em 2021, a preços de 2023 (IPCA), era de que (i) a receita primária municipal média líquida por habitante tenha sido de R$ 5228,66; (ii) que houvesse 2721 municípios com receitas primárias municipais por habitante inferiores a 85% da média nacional (isto é, R$ 4444,37); (iii) que seriam necessários R$ 137 bilhões (em repasses adicionais) aos supracitados 2721 municípios para garantir que nenhum deles ficasse abaixo do limiar supracitado; (iv) que a receita primaria total dos municípios tenha sido de R$ 927 bilhões; e, por fim, (v) que o FPM tenha atingido 158,4 bilhões (ou 17,1% das receitas primárias totais dos municípios). Em 2011, por seu turno, os mesmos números (também a preços de fevereiro de 2023) foram (i) R$ 4327 para a receita primária média por habitante; (ii) 2647 municípios abaixo do limiar de 85% da receita primária média por habitante; (iii) R$ 93,1 bilhões em repasses requeridos para garantir que o referido limiar fosse atendido; (iv) R$ 688 bilhões para as receitas primárias totais; e (v) R$ 125,3 bilhões para os repasses do FPM (ou 18,2% das receitas primárias totais municipais). De acordo com o IBGE, em 2011 a população dos 5568 municípios brasileiros era de 189,7 milhões de pessoas, enquanto a população dos mesmos municípios em 2021 era de 208,7 milhões de pessoas, implicando crescimento de cerca de 10% em 10 anos.

Percebe-se, assim, que entre 2011 e 2021 os repasses do FPM cresceram menos rapidamente do que as receitas primárias dos municípios (26% contra 35%), o que implica que as receitas primárias, exclusive repasses do FPM, cresceram ainda mais rapidamente (36,3%) do que as receitas primárias totais (35%) no período em questão. Como as receitas, exclusive repasses do FPM, são mais concentradas que os repasses do FPM propriamente ditos, isto significa que a concentração das receitas primárias municiais por habitante aumentou na última década. Não surpreendentemente, estima-se que os repasses requeridos para que todos os municípios disponham do limiar mínimo de 85% da receita primária por habitante na média nacional subiram 47,6%.

Na simulação que se segue as hipóteses adotadas são as seguintes: (i) receitas primárias exclusive FPM de todos os municípios crescem 3,05% ao ano (ou 35% em 10 anos); (ii) os repasses totais do FPM crescem 2,34% ao ano (ou 26% em 10 anos); e (iii) as populações de todos os municípios crescerão 0,96% ao ano (ou 10% em 10 anos). Supõe-se, portanto, que em 10 anos, os repasses do FPM atingirão a casa dos R$ 199,6 bilhões e que as receitas primárias municipais, exceto o FPM, atingirão R$ 1,03 trilhão, de modo que as receitas primárias totais municipais atingirão a casa de R$ 1,24 trilhão. Supõe-se, ademais, que a população dos 5568 municípios em 2031 será de 229,6 milhões de pessoas.

Embora admitidamente irrealistas – porque certamente as receitas e as populações de diferentes municípios evoluirão de modos bastante distintos na próxima década –, as hipóteses acima tomadas em conjunto proporcionam um bom marco de referência para a ordem de grandeza das melhorias possíveis na equalização fiscal a partir de reformas graduais do FPM. Elas iluminam, em particular, o que ocorreria em um contexto no qual as posições relativas dos municípios no ano de referência permanecessem constantes, o que, por seu turno, é um primeiro passo para a análise (posterior, quando mais informações ficarem disponíveis) de mudanças nas referidas posições relativas.

Mas o que diz a nossa simulação benchmark? Diz que a adoção da “reforma” proposta acima – isto é, congelamento dos repasses do FPM recebidos em 2021 –, mais novos recursos do fundo sendo distribuídos meio a meio entre os municípios com menores receitas primárias por habitante, e entre todos os municípios de modo igualitário por habitante, faz com que já em 2031 as receitas primárias por habitante de 687 municípios sejam equalizadas em um mínimo equivalente a 60,4% da média nacional, números esses que sobem para 1194 municípios e 66,7% da média nacional em 2041, e 1595 municípios e 70,1% da média nacional em 2051.

Ou seja, embora partam de hipóteses irrealistas, os números da simulação permitem concluir que o processo de equalização proposto levará várias décadas mesmo na melhor das hipóteses – o custo, em última análise, da relativa suavidade das regras de transição propostas. Naturalmente, tal demora pode ser ainda maior caso, por exemplo, as receitas, exclusive FPM dos municípios mais ricos, cresça mais rapidamente do que as dos municípios mais pobres – o que parece plausível a priori.

7 Considerações sobre a implantação de regras inspiradas pela partilha do ICMS do Ceará

Mesmo muito gradual, o cenário da reforma do FPM discutida na seção anterior implica que já em 2031 perto de 25% dos recursos do FPM serão divididos por 687 municípios mais diretamente afetados pela equalização fiscal proposta. Em 181 casos, a equalização envolve aumentos das receitas primárias por habitante superiores a 20%. Em linha com a literatura discutida nas seções anteriores deste texto cabe analisar formas de garantir que estes recursos adicionais não sejam vistos pelas populações em questão como o proverbial maná caído do céu.

Uma possibilidade seria impor condicionalidades – possivelmente associadas ao alcance de metas pré-definidas de gestão – ao recebimento dos recursos da equalização. Embora esta abordagem, caso de implantação viável, tenha méritos, não foi essa a opção do Ceará discutida na quarta seção deste texto. Com efeito, a opção cearense não foi pelo bloqueio de repasses a município em virtude do não cumprimento de metas, mas a de promover a competição entre os municípios de tal modo que os mais bem geridos ganham mais recursos.

Um ponto importante a considerar neste contexto é que fórmulas de cálculo dos índices cearenses de qualidade da alfabetização e da educação fundamental (e, por esta via, do índice de qualidade da educação como um todo) dependem tanto do desempenho relativo do município em relação aos demais em um dado momento do tempo quanto da evolução do referido desempenho ao longo do tempo. Deste modo, municípios com maus resultados iniciais são duplamente incentivados a melhorar os respectivos desempenhos – dada a perspectiva de auferirem tanto os benefícios advindos de um índice de qualidade maior per se quanto os advindos de grandes aumentos do referido índice. A ponderação dos dois componentes variou ao longo do tempo no Ceará. Neste texto, por simplicidade, atribui-se pesos iguais a ambos os componentes.

Um segundo ponto a se considerar é que, como apontado anteriormente, os índices cearenses não são passíveis de cálculo nos demais estados da federação – posto que dependem de aplicação de provas específicas do estado –, de modo que os cálculos exploratórios apresentados nesta seção são baseados nos dados do Ideb disponibilizados pelo Ministério da Educação33 33 Paiva (2019) aponta que os índices de qualidade na educação cearenses são positivamente correlacionados com os resultados do Ideb. .

Por fim, importa considerar que – de modo semelhante ao que também ocorre nos programas de equalização fiscal de países como Suíça, Austrália e Canadá – os resultados obtidos no Ceará são acompanhados continuamente por equipes técnicas, de modo a permitir revisões contínuas nos parâmetros do programa, em claro contraste, como apontado anteriormente, com a rigidez das regras presentes do FPM.

Seja como for, a experiência cearense sugere que faria sentido propor um refinamento do experimento proposto na quinta seção deste texto. No referido experimento, metade dos recursos adicionais do FPM em relação ao ano de referência são distribuídos aos municípios pelo número de habitantes – de modo que se o município A tem o dobro da população do município B receberá o dobro dos recursos [desta modalidade] direcionados a este último. Em linha com a experiência cearense talvez se pudesse limitar a distribuição dos recursos adicionais por habitante a 25% dos recursos adicionais do FPM, fazendo a distribuição dos demais recursos com base no desempenho educacional dos municípios tal como medido pelo Ideb.

Cenários para a evolução de indicadores educacionais por município são ainda mais difíceis de fazer – e menos críveis – do que cenários para as finanças públicas por município, de modo que para a análise do possível peso do desempenho educacional sobre as distribuições do FPM talvez seja útil retroagir no tempo e supor que uma reforma do tipo proposto aqui foi implementada em 2012. Qual seria, neste caso, o impacto sobre a distribuição do FPM em 2021?

Para responder essa pergunta interessa recordar que entre 2011 e 2021 os repasses totais do FPM cresceram de R$ 125,3 bilhões para R$ 158,4 bilhões, ou seja, R$ 33,1 bilhões. Seguindo a lógica da reforma ora proposta, metade deste último valor (ou seja, R$ 16,55 bilhões) seria destinada apenas aos municípios com menores receitas primárias “básicas” por habitante – medidas pela soma das receitas primárias por habitante, exclusive repasses do FPM, mais os repasses do FPM por habitante no ano de referência, no caso 2011. Os demais R$ 16,55 bilhões seriam divididos em outras duas metades. A primeira metade (R$ 8,275 bilhões) seria dividida de tal modo que todos os municípios recebessem os exatos mesmos valores por habitante. Os demais R$ 8,275 bilhões seriam divididos a partir de um índice de qualidade da educação simplificado (IQEs) dado pela seguinte fórmula:

IQEs do município i = 0,5*IRC + 0,5*IET

Onde IRC significa “índice de resultado contemporâneo” e IET significa “índice de evolução do resultado no tempo”. Formalmente,

IRCi = Ideb2019 do município i/soma de todos os IDEBs 2019 de todos os municípios com dados disponíveis (municípios com dados indisponíveis têm peso zero),

IETi = [(VTi)/(0,5*desvio padrão dos VTs de todos os municípios)] / [(soma de todas as VTs de todos os municípios)/(0,5*desvio padrão dos VTs de todos os municípios)], e

VTi =Variação no tempo do município i = Ideb 2019 do município i – Ideb 2011 do município i.

O que dizem então os resultados da referida simulação? Primeiramente, as simulações da reforma com Ideb levam a um coeficiente de Gini para as receitas primárias municipais por habitante um pouco maior (0,198) do que as simulações da reforma sem esse índice (0,196) – ainda que os coeficientes verificados em ambos os casos sejam bem menores do que o registrado nos dados observados na prática em 2021 (0,201). Isto era esperado. É normal que a inclusão de aspectos meritocráticos em mecanismos de distribuição impliquem em alguma perda de equidade – e no caso uma pequena perda. Mais interessante é a conclusão de que a inclusão do desempenho do Ideb implica ganhos de até 2% de recursos para alguns estados e perdas de quase 1% para outros tantos (Gráfico 8), impactando de modo significativo, portanto, a distribuição de recursos do fundo entre unidades da federação.

Gráfico 8
Estados ganhadores e perdedores no período 2012-2021 quando o desempenho do Ideb é incluído na reforma

Notas finais à guisa de conclusão

Ao longo deste trabalho tentou-se inicialmente apresentar ao leitor as principais informações factuais sobre (i) os resultados práticos da sistemática atual de distribuição do FPM; (ii) o desenho dos programas de equalização fiscal levados a cabo nos países desenvolvidos; e (iii) a racionalidade da sistemática cearense de distribuição de recursos do ICMS a partir de resultados educacionais dos municípios. Argumentou-se, ademais, que as regras atuais fazem com o que o FPM tenha um poder redistributivo muito menor do que as suas contrapartes nos países desenvolvidos – em grande medida por conta do viés do fundo em desfavor de cidades relativamente pobres e populosas – e que, portanto, como já apontado por variados autores (Mendes, Miranda e Blanco, 2008MENDES, M.; MIRANDA, R. B.; COSSIO, F.B. Transferências intergovernamentais no Brasil: diagnóstico e proposta de reforma. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2008. (Texto para Discussão, n. 40).; Rocha e Freitas, 2019ROCHA, C. A.; FREITAS, P. S. O rateio do FPM vis à vis a Lei Complementar 165/2019. Boletim Legislativo, Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa, n. 74, jan. 2019. ; e Costa, 2020COSTA, N. L. S. F. Distribuição dos recursos fiscais: uma análise do Fundo de Participação dos Municípios. Dissertação (Mestrado)–Escola Brasileira de Economia e Finanças, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2020. ), reformas nas regras de distribuição do fundo são desejáveis.

Uma primeira proposta de reforma foi então discutida. Inspirada no programa de equalização fiscal da Confederação Suiça (2012)CONFEDERAÇÃO SUIÇA. Federal Department of Finance. National fiscal equalization Strengthening federalismo. Berna: Federal Department of Finance, 2012. Available at: https://www.efv.admin.ch/dam/efv/en/dokumente/finanzausgleich/Finanzausgleich_A5_web_e.pdf.download.pdf/Finanzausgleich_A5_web_e.pdf.
https://www.efv.admin.ch/dam/efv/en/doku...
, tal reforma teria como objetivo fazer com que as receitas primárias por habitante de todos os municípios brasileiros convergissem para um mínimo igual a 85% da média nacional a partir de regras de transição “generosas”, formatadas com o objetivo de minimizar a resistência a uma eventual reforma, vale dizer (i) nenhum município recebe menos em valor absoluto do que recebeu no ano de referência; (ii) metade dos valores dos repasses do FPM que ultrapassarem os do ano de referência é distribuída com o objetivo de aumentar o piso das receitas primárias “básicas” (isto é, a soma das receitas, exclusive FPM por habitante, e do FPM por habitante do ano de referência) dos municípios mais pobres; e (iii) a outra metade dos valores excedentes do FPM em relação ao ano de referência é distribuída de tal modo que os recursos por habitante recebidos por cada município é o mesmo. Uma simulação foi apresentada, na qual – sob as hipóteses heroicas de crescimento homogêneo das receitas primárias, exclusive FPM, e da população de todos os municípios – o número de municípios equalizados para o mínimo passa de 687 em 2031 para 1595 em 2051, com o referido mínimo atingindo respectivamente 60,4% e 70,3% da receita primária média nacional em 2031 e 2051. Mesmo nesse cenário róseo, a convergência para o objetivo suíço com as regras de transição propostas levará várias décadas – o que sublinha sua generosidade.

Programas de equalização do tipo discutido neste texto invariavelmente envolvem vultosas redistribuições de recursos e é natural que se tente garantir que os recursos redistribuídos não sejam vistos como um maná originado dos céus. Uma possibilidade neste sentido, discutida neste texto, é a adaptação para o caso do FPM da bem-sucedida experiência cearense de distribuição das cotas-partes do ICMS do estado com base em resultados de gestão entregues pelas várias administrações públicas. Cálculos preliminares com base nos dados do Ideb dos primeiros anos da educação fundamental indicam que tal procedimento pode, a um custo distributivo mínimo e gerando incentivos corretos, fixar a distribuição dos repasses do FPM por estado de uma maneira muito mais justa – porque baseada no mérito administrativo das gestões municipais – do que os atuais coeficientes fixos do FPM do “interior”, cuja racionalidade é difícil de defender.

Pensados como insumos adicionais à reflexão acadêmica e “de política” sobre reformas no FPM, os resultados apresentados neste trabalho não se pretendem “finais”. Com efeito, a experiência internacional deixa clara a necessidade de acompanhamento sistemático das finanças públicas subnacionais por órgãos técnicos com vistas à calibragem de alto nível de políticas de equalização a partir de indicadores ora indisponíveis e, portanto, negligenciados neste estudo. Mais e melhores dados34 34 Por exemplo, estimativas do esforço fiscal e das “necessidades de gastos” dos municípios. certamente nos levariam a conclusões mais refinadas e seria obviamente desejável que estivessem disponíveis e pudessem ser utilizados o quanto antes – idealmente com a implantação do Conselho de Gestão Fiscal previsto na Lei de Responsabilidade Fiscal que poderia e deveria realizar o referido acompanhamento sistemático e propor a supracitada calibragem35 35 Embora o atraso institucional do país na área quando comparado aos países da OCDE seja evidente, importa notar que uma instituição-chave na superação do referido atraso já estava prevista em uma lei aprovada no ano 2000. . Dito isto, as duas principais conclusões deste texto – quais sejam, que (i) reformas politicamente “amigáveis” do FPM com fins de equalização fiscal certamente levarão várias décadas para atingirem objetivos respeitáveis; e (ii) a distribuição de parte dos recursos com base em resultados educacionais pode gerar significativas mudanças na distribuição por estado dos repasses do FPM ao longo do anos – parecem robustas a refinamentos, sendo portanto desejável que suas implicações sejam consideradas seriamente pelos formuladores de política na área.

Registre-se, por fim, que, ainda que este estudo tenha se concentrado apenas no FPM, o leitor não deve perder de vista que o fundo é apenas uma parte (ainda que importante) do quebra-cabeças maior das partilhas federativas brasileiras. Muito do que se disse aqui vale também para o Fundo de Participação dos Estados (FPE), por exemplo, e se relaciona diretamente com discussões prévias sobre a melhor maneira de distribuir recursos do ICMS. Mesmo que admitidamente parciais neste sentido – basicamente por motivos de espaço e foco – espera-se que as considerações feitas neste texto sobre o FPM possam ser úteis em futuras análises da articulação do fundo com as demais partilhas federativas do país com o objetivo de tornar a federação brasileira mais equilibrada e racional.

  • 1
    Embora a Constituição de 1946 já previsse que parcela da arrecadação do Imposto de Renda deveria ser repassada pela União aos municípios – em partes iguais, sujeitas à restrição de que metade dos recursos deveria ser necessariamente aplicada em “benefícios de ordem rural”.
  • 2
    Em seu livro de memórias, o ex-ministro Roberto Campos (1994, p.1198)CAMPOS, R. A lanterna na popa: Memórias. Rio de Janeiro: Topbooks. 1994 nota que os “dispositivos fiscais e orçamentários” da Constituição de 1967 foram “(…) sugeridos em sua quase totalidade por Octávio Bulhões, ministro da Fazenda, e por mim próprio, como ministro do Planejamento”. Resta claro, portanto, que a equipe econômica da época teve papel de liderança no processo de instituição do FPM.
  • 3
    O número acima é bruto de transferências do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto no artigo 212-A da Constituição Federal. Registre-se que os dados oficiais da Secretaria do Tesouro Nacional são líquidos das referidas transferências. Embora úteis para vários fins, os dados líquidos podem enviesar um pouco análises históricas porque as deduções do Fundeb foram mudando ao longo dos anos.
  • 4
    Que regulamentou a supracitada Emenda Constitucional n. 18/1965.
  • 5
    Vide artigo 161 da Constituição Federal. A intenção é mais antiga, entretanto. De acordo com a Comissão de Reforma do Ministério da Fazenda da Fundação Getúlio Vargas (CRMF-FGV) contratada nos anos 1960 para assessorar as decisões do referido ministério, “A Reforma Tributária Nacional (…) [instituída pela Emenda 18/1965] constitui (…) a etapa inicial de novo ciclo. (…) O ciclo novo, que ora se inicia, (…) procura corrigir (…) as desigualdades de capacidade contributiva de cada unidade de governo, na esfera estadual e municipal (…). O mecanismo de atenuação dos desníveis de capacidade contributiva consiste em dois fundos especiais, extremamente flexíveis em seus aspectos administrativos: o Fundo de Participação dos Estados e do Distrito Federal e o Fundo de Participação dos Municípios.” (CRMF-FGV, 1967, v. 26, p. XIII e XIV).
  • 6
    Por exemplo, de acordos com dados da Secretaria do Tesouro Nacional em 2021 os municípios de Santana da Ponte Pensa-SP (IDH 2010 = 0,773, 1.669 habitantes), Montauri-RS (IDH 2010 = 0,764, 1.495 habitantes) e Guabiju-RS (IDH 2010=0,758, 1.396 habitantes) receberam do FPM respectivamente R$ 6421, R$ 6321 e R$ 6113 por habitante em 2021, enquanto que os municípios de Porto da Moz-PA (IDH 2010 = 0,503, 40.709 habitantes), Augusto Corrêa-PA (IDH 2010 = 0,520, 43.691 habitantes) e Lago da Pedra-MA (IDH 2010=0,589, 44.422 habitantes) receberam respectivamente R$558,2, R$ 557,9 e R$ 563,3 por habitante do fundo no mesmo ano. Todos os dados acima são líquidos de deduções do Fundeb.
  • 7
    Ver CRMF-FGV (1967, v. 26, p. XIV)FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS: Comissão para Reforma do Ministério da Fazenda. Sistema Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas. 1967.
  • 8
    A sigla significa “Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação”.
  • 9
    Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb), previsto no artigo 212-A da Constituição Federal.
  • 10
    Sobre este ponto ver também Ahmad e Searle (2005, p. 21-23)AHMAD, E; SEARLE, B. On the implementation of transfers to subnational governments. Washington: IMF. Fiscal Affairs Department, 2005. (IMF Working Paper 05/130)..
  • 11
    Por desconsiderar diferenças de esforço de arrecadação dos municípios.
  • 12
    O conceito de “receita própria” utilizado aqui é dado pelas receitas totais dos municípios (brutas de deduções e líquidas de receitas intraorçamentárias), exclusive transferências correntes e de capital recebidas – tal como medidas nos dados das contas anuais do Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público Brasileiro (Siconfi) da Secretaria do Tesouro Nacional.
  • 13
    Transformada para preços de abril de 2023 pelo Índice Nacional de Preço ao Consumidor Amplo, IPCA, do IBGE.
  • 14
    Considerando, para fins de classificação dos municípios nas faixas populacionais, as prévias dos dados coletados pelo Censo de 2022.
  • 15
    Por exemplo, o valor mediano de R$ 1309 reportado para os municípios de mais de 500 mil habitantes de Alagoas reflete os dados de apenas um município, Maceió-AL, enquanto o valor mediano de R$ 426 para os municípios de 0 a 5 mil habitantes de Minas Gerais reflete os dados de 254 municípios.
  • 16
    Como apontado na Tabela 2, em 2021 apenas 5519 municípios reportaram dados sobre as respectivas receitas para a STN. Em 214 destes casos, entretanto, os valores (brutos) reportados pelos municípios para as receitas com o FPM foram mais do que 5% maiores ou menores do que os reportados pela STN para os repasses do FPM (ajustados para brutos) aos respectivos municípios. Nestes casos, o valor da STN foi utilizado e os dados (brutos) de receitas dos municípios em questão, recalculados.
  • 17
    Tal hipótese é admitidamente irrealista. Por outro lado, como apontam Dougherty e Forman (2021, p.16)DOUGHERTY, S.; FORMAN, K. Evaluating fiscal equalisation: finding the right balance. Paris: OECD, May 2021. (OECD Working Papers on Fiscal Federalism, n. 36). “análises do impacto da equalização de custos implicam desafios únicos porque seus efeitos não podem ser capturados por medidas diretas”.
  • 18
    As receitas primárias dos municípios foram calculadas neste texto subtraindo-se das receitas totais (brutas de deduções e líquidas de receitas intraorçamentárias) as receitas com amortizações, empréstimos e valores mobiliários líquidos de dividendos e participações.
  • 19
    O leitor deve ter em mente, entretanto, que as estruturas federativas dos países citados por Blöchliger e Charbit variam entre si e são diferentes da brasileira.
  • 20
    No caso do Acre em 2021 este total foi 25 (vide coluna B).
  • 21
    O caso de Canaã dos Carajás-PA, que recebeu R$ 1,18 bilhão em royalties em 2021, serve para exemplificar o problema. Com efeito, em 2021 o município recebeu os mesmos R$ 23,33 milhões do FPM recebidos por Muaná-PA, cuja receita total com royalties naquele ano foi de R$ 4 milhões.
  • 22
    Porque 4,44% está contido no intervalo entre 4,0% e 4,5%.
  • 23
    A partir da Lei Complementar n. 91 de dezembro de 1997.
  • 24
    As siglas significam respectivamente “Imposto sobre serviços de qualquer natureza”, “Imposto sobre a transmissão de bens imóveis”, “Imposto predial territorial urbano” e “Imposto de renda”.
  • 25
    Como aponta Shah (2017, p. 3)SHAH, A. Horizontal fiscal equalization in Australia: peering inside the black box. Melbourne e Canberra: Australian Government Productivity Commission, 2017. no contexto da discussão da experiência de equalização fiscal australiana.
  • 26
    A partir da Lei Estadual n. 17.320 de 23 de outubro de 2020.
  • 27
    Paiva (2019)PAIVA, W. Cota parte do ICSM e o Índice de Qualidade na Educação. Apresentação feita no I Workshop Rio Grande do Sul e Ceará de Boas Práticas na Gestão Pública. 2019. Disponível em: https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2020/09/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_ICMS_RS_Ago2019.pdf.
    https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/u...
    aponta que os índices de qualidade na educação cearenses são positivamente correlacionados com os resultados do Ideb.
  • 28
    Os repasses do FPM crescem mais rapidamente do que a arrecadação conjunta do IR e do IPI no período analisado neste texto por conta dos efeitos das Emendas Constitucionais n. 55/2007, n. 84/2014, e n. 112/2021.
  • 29
    Os dados reportados pelos municípios foram tidos como consistentes se as discrepâncias se limitaram a 5% ou menos para cima ou para baixo do valor reportado pela STN. Inconsistências ocorrem em cerca de 10% das observações.
  • 30
    Os dados faltantes representam cerca de 2% do total dos dados relevantes. Métodos de imputação de dados municipais faltantes são discutidos, por exemplo, em Orair et al. (2011)ORAIR, R. et. al. Uma metodologia de construção de séries de alta frequência das finanças municipais no Brasil com aplicação para o IPTU e o ISS: 2004-2010. Pesquisa e Planejamento Econômico, v. 41, n. 3, dez. 2011. e Motta, Santos e de Faria (2020)MOTTA, A. C. V.; SANTOS, C. H. M.; DE FARIA, M. E. Plataforma de análise e imputação de painéis de informações municipais. Monografia Premiada no XXV Prêmio do Tesouro Nacional. Brasília: Secretaria do Tesouro Nacional, 2020.. O procedimento adotado neste texto tem a vantagem da simplicidade e de ser baseado em dados oficiais da própria União (no caso os valores dos repasses do FPM reportados pela Secretaria do Tesouro Nacional). Naturalmente, nenhum método de imputação é perfeito e as imputações feitas nos dados do Gráfico 1 são passiveis de refinamentos.
  • 31
    Isso porque nestes anos é impossível calcular dados “líquidos de receitas intraorçamentárias”. Na prática, tais receitas são próximas de zero na maior parte dos municípios brasileiros. Elas são maiores que zero, entretanto, nos municípios maiores, notadamente nos que têm Regimes Próprios de Previdência Social ativos, de modo que os dados das receitas dos municípios entre 2002 e 2006, apresentados no Gráfico 1, estão ligeiramente superestimados.
  • 32
    Em segundo lugar, mas bem menos importante, há ainda as constatações de que (i) municípios de diferentes estados entraram na “reserva”– isto é, ultrapassaram a casa dos habitantes fazendo, portanto, jus a um adicional do FPM – de modo desigual; e (ii) a evolução das rendas per capita das capitais dos estados também foi desigual fazendo com que diferentes estados perdessem ou ganhassem posições relativas no FPM capitais.
  • 33
    Paiva (2019)PAIVA, W. Cota parte do ICSM e o Índice de Qualidade na Educação. Apresentação feita no I Workshop Rio Grande do Sul e Ceará de Boas Práticas na Gestão Pública. 2019. Disponível em: https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2020/09/Apresenta%C3%A7%C3%A3o_ICMS_RS_Ago2019.pdf.
    https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/u...
    aponta que os índices de qualidade na educação cearenses são positivamente correlacionados com os resultados do Ideb.
  • 34
    Por exemplo, estimativas do esforço fiscal e das “necessidades de gastos” dos municípios.
  • 35
    Embora o atraso institucional do país na área quando comparado aos países da OCDE seja evidente, importa notar que uma instituição-chave na superação do referido atraso já estava prevista em uma lei aprovada no ano 2000.
  • JEL: H70, H71, H77.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2023
  • Aceito
    12 Set 2023
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