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18 anos de política fiscal no Brasil: 1991/2008

Resumos

O objetivo deste trabalho é permitir um conhecimento acurado das contas do setor público brasileiro. Este artigo apresenta a trajetória da política fiscal brasileira desde quando existem indicadores "acima da linha", desenvolvidos para acompanhar receitas e despesas, em 1991. Nesse período de quase 20 anos, o gasto primário do governo central passou de menos de 14% do PIB em 1991, para uma estimativa de mais de 22% do PIB em 2008. Nesse mesmo período, a receita do governo central escalou de menos de 15% do PIB para 25% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 36% do PIB. Apesar disso, o investimento público tem sido inferior ao que era nos anos de 1980. O artigo apresenta uma gama de indicadores fiscais, com o fim de documentar um período de transformações importantes. O trabalho esmiúça a evolução detalhada das variáveis; sintetiza as grandes tendências do período, e apresenta um diagnóstico das mudanças ocorridas e dos problemas que devem ser enfrentados nos próximos anos. Ele conclui que os gastos públicos que mais aumentaram no período 1991/2008 foram aqueles considerados como "gastos sociais", e que tanto a tese acerca da irrelevância de novas reformas como a de que poderemos assistir no futuro próximo a uma grande crise fiscal podem se revelar equivocadas, se a economia tiver um crescimento da ordem de 4% a 5% a.a.

gasto público; déficit público; dívida pública


The purpose of this paper is to allow a precise knowledge about the Brazilian public sector fiscal accounts. The article shows the trajectory of the Brazilian fiscal policy since the beginning of the "above the line" indicators, developed to follow the evolution of revenues and expenditures, in 1991. In this period of almost 20 years, the primary expenditures of the Central Government increased from less than 14% of GDP in 1991, to an estimation of more than 22% of GDP in 2008. In the same period, revenues of Central Government escalated from less than 15% to 25% of GDP and the tax burden from 24% to around 36% of GDP. In spite of this, public investment has been lower than in the 80s. The article presents a set of fiscal indicators, with the purpose of register a period of important transformations. The paper deeply analyzes the detailed evolution of the variables; syntetizes the most relevant trends of the period; and presents a diagnosis of the changes occurred and the problems that should be faced in the next years. The conclusion is that the public expenditures that leaded the growth in the 1991/2008 period were that considered as "social expenditures". Another important conclusion is that the thesis regarding the irrelevancy of new reforms, and also the one that we can see a next big fiscal crisis, could both be wrong, if the economy has a yearly growth rate of around 4% or 5%.

expenditures; public deficit; public debt


ARTIGOS

Do BNDES. Endereço para contato: BNDES - Av. Chile, 100 - 14º andar - sala 1405. CEP: 20031-917 - Rio de Janeiro - RJ. E-mail: f.giambia@bndes.gov.br

RESUMO

O objetivo deste trabalho é permitir um conhecimento acurado das contas do setor público brasileiro. Este artigo apresenta a trajetória da política fiscal brasileira desde quando existem indicadores "acima da linha", desenvolvidos para acompanhar receitas e despesas, em 1991. Nesse período de quase 20 anos, o gasto primário do governo central passou de menos de 14% do PIB em 1991, para uma estimativa de mais de 22% do PIB em 2008. Nesse mesmo período, a receita do governo central escalou de menos de 15% do PIB para 25% do PIB e a carga tributária de 24% para aproximadamente 36% do PIB. Apesar disso, o investimento público tem sido inferior ao que era nos anos de 1980. O artigo apresenta uma gama de indicadores fiscais, com o fim de documentar um período de transformações importantes. O trabalho esmiúça a evolução detalhada das variáveis; sintetiza as grandes tendências do período, e apresenta um diagnóstico das mudanças ocorridas e dos problemas que devem ser enfrentados nos próximos anos. Ele conclui que os gastos públicos que mais aumentaram no período 1991/2008 foram aqueles considerados como "gastos sociais", e que tanto a tese acerca da irrelevância de novas reformas como a de que poderemos assistir no futuro próximo a uma grande crise fiscal podem se revelar equivocadas, se a economia tiver um crescimento da ordem de 4% a 5% a.a.

Palavras-chave: gasto público, déficit público, dívida pública.

ABSTRACT

The purpose of this paper is to allow a precise knowledge about the Brazilian public sector fiscal accounts. The article shows the trajectory of the Brazilian fiscal policy since the beginning of the "above the line" indicators, developed to follow the evolution of revenues and expenditures, in 1991. In this period of almost 20 years, the primary expenditures of the Central Government increased from less than 14% of GDP in 1991, to an estimation of more than 22% of GDP in 2008. In the same period, revenues of Central Government escalated from less than 15% to 25% of GDP and the tax burden from 24% to around 36% of GDP. In spite of this, public investment has been lower than in the 80s. The article presents a set of fiscal indicators, with the purpose of register a period of important transformations. The paper deeply analyzes the detailed evolution of the variables; syntetizes the most relevant trends of the period; and presents a diagnosis of the changes occurred and the problems that should be faced in the next years. The conclusion is that the public expenditures that leaded the growth in the 1991/2008 period were that considered as "social expenditures". Another important conclusion is that the thesis regarding the irrelevancy of new reforms, and also the one that we can see a next big fiscal crisis, could both be wrong, if the economy has a yearly growth rate of around 4% or 5%.

Keywords: expenditures, public deficit, public debt.

JEL classification: H50, H60, H62.

1 INTRODUÇÃO

Em 2004, no editorial do seu Boletim de Conjuntura, fazendo uma reflexão inspirada no que tinha acontecido nos processos de consolidação em outros países, inspirada em análise do FMI (2001), o IPEA registrava que

...o País poderá estar ingressando ... na fase do tão almejado círculo virtuoso, verificado em outros países que passaram por processos de ajustamento fiscal no passado, mais especificamente nos anos de 1990, com destaque para alguns casos da Europa Ocidental que atingiram níveis de dívida pública [elevados]. Nesses casos nacionais, em que pesem as diferenças e nuanças entre os países, observou-se um padrão, ao qual a experiência do Brasil dos últimos anos não foi alheia. No que se poderia denominar Fase 1 desse processo, o resultado primário das contas públicas era modesto ou até mesmo deficitário e, devido aos juros, a dívida pública era crescente, quadro esse que se encaixa como uma luva na situação do Brasil até 1998. Na Fase 2, que correspondeu aos primeiros anos do ajustamento, houve um forte ajuste primário e o setor público passou a gerar superávits primários que, com o tempo, foram superiores a 4% a 5% do PIB mas, devido à presença de desconfianças acerca da sustentação do ajuste no tempo, as taxas de juros eram ainda altas e, conseqüentemente, uma carga de juros e de déficits elevados ainda pressionava a dívida pública. Isso espelha exatamente o que aconteceu no Brasil de 1999 até agora. Se colocadas em um gráfico mostrando a dívida pública e o superávit primário ... como proporção do PIB, as duas variáveis mostram uma trajetória clara: na primeira fase, resultados primários modestos ou negativos relativamente estáveis convivem com uma dívida pública crescente, enquanto na segunda o superávit primário é claramente ascendente, mas a dívida pública também continua aumentando, em função das citas razões. Finalmente, na Fase 3, na qual pode ser que o Brasil ingresse entre 2004 e 2005, a persistência do ajustamento fiscal, ou seja, a manutenção de superávits primários robustos por um número considerável de anos, foi aos poucos consolidando a confiança entre os investidores. Isso ajudou a reduzir as taxas de juros e permitiu que, enquanto o superávit primário se manteve - em alguns casos até mesmo declinando ligeiramente - a queda da taxa de juros possibilitou uma diminuição significativa das despesas financeiras do governo e do déficit público, gerando, em conseqüência, uma trajetória declinante da relação Dívida pública/PIB. Esta queda pôde ser conservada ao longo do tempo, pelo efeito benéfico desse processo sobre a carga de juros, viabilizando novas reduções do coeficiente Juros/PIB. (IPEA, 2004, p. VII e VIII).

Este trabalho aborda esse processo, ao longo do qual, em quase 20 anos, a economia brasileira que, nos anos de 1990, vinha de um processo de deterioração da situação fiscal, passou a conviver, na década atual, com superávits primários elevados, mas com uma taxa de juros inicialmente ainda alta para, posteriormente, no rasto da redução dos juros, caminhar na direção do equilíbrio fiscal. Nesse processo, o País passou de um déficit operacional artificialmente reprimido pela inflação elevada, até meados dos anos de 1990, para um desequilíbrio agudo na segunda metade dos anos de 1990; um ajuste fiscal no final da década passada, mas coincidindo ainda com uma elevação da dívida pública até 2003, e uma redução da relação dívida/PIB a partir de 2004.

O objetivo do trabalho é apresentar uma visão ampla desse período de grandes transformações (1991/2008), de modo a permitir ao leitor um conhecimento acurado das contas públicas brasileiras, destacando em particular a dimensão do aumento da participação do Estado na economia, registrada nesse mesmo período. O trabalho se distingue de outros pelo detalhamento dos dados apresentados e pela amplitude do período tratado, uma vez que os trabalhos existentes com características similares não retroagem até o começo dos anos de 1990 ou não são tão recentes. É verdade que muitos dos dados aqui apresentados encontram-se disponíveis na internet. Porém, não só esse não é o caso dos indicadores para anos mais afastados no tempo - uma vez que diversos dados só estão disponíveis na Web a partir de final dos anos de 1990 - como também é importante mostrá-los de forma conjunta, para formar um quadro geral da situação.

Este, assumidamente, não é um artigo baseado em um esforço de modelagem ou em testes quantitativos para provar determinada tese. Por outro lado, entendemos que a amplitude do período tratado e o detalhamento dos dados apresentados justificam a tentativa de apresentar uma visão panorâmica dessas quase duas décadas da economia, em que o Estado brasileiro apresentou três transformações importantes: em primeiro lugar, passou por reformas relevantes; em segundo lugar, sofreu um ajuste fiscal significativo, ainda que baseado no aumento da receita, e, em terceiro lugar, receitas e despesas do governo aumentaram consideravelmente a sua importância relativa. O texto insere-se, assim, na linha de artigos da literatura que procuram identificar os traços dominantes de longo prazo da evolução da economia brasileira.1 1 Com espírito similar, porém mais focado nos temas ligados à seguridade social, ver o texto de Serra e Afonso (2007). Como exemplos de artigos conhecidos baseados nessa filosofia, podemos citar o texto de Fishlow (1986) acerca dos desequilíbrios externos na década de 1970; os trabalhos de Werneck (1986) e Villela (1991) sobre as contas públicas nas décadas de 1970 e 1980 (dos quais o presente trabalho é, de certa forma, uma continuidade para as duas décadas seguintes); ou a descrição do sistema tributário ao longo da segunda metade do século XX, feita em Varsano (1997).

O artigo se divide em seis partes. Após esta breve introdução, o trabalho apresenta uma tentativa de periodização do período 1991/2008, destacando os principais números fiscais das duas décadas. Na terceira seção, que representa o núcleo (core) do artigo, são detalhados exaustivamente os dados referentes ao governo central, à questão previdenciária e às contas estaduais/municipais e das empresas estatais. A quarta seção analisa as mudanças ocorridas nesse período com a dívida pública. A quinta discute quais são os principais desafios que o País tem pela frente na área fiscal. Por último, apresentam-se as conclusões.

2 OS GRANDES NÚMEROS

Nesta seção, a análise das últimas duas décadas é dividida entre os principais períodos, e descrevem-se sucintamente os traços gerais da política fiscal, com ênfase na evolução das Necessidades de Financiamento do Setor Público (NFSP), no resultado primário e na conta de juros.

2.1 Uma periodização de duas décadas

A década de 1980 finalizou no Brasil sob a égide de um processo hiperinflacionário aberto, em moldes que, grosso modo, se enquadravam no padrão descrito no artigo clássico de Cagan (1956).2 2 Para uma descrição das relações entre resultado fiscal, dívida pública e inflação no Brasil, nos anos de 1980 e primeira metade dos anos de 1990, ver Pastore (1995 e 1997). Para uma visão mais recente sobre as inter-relações entre essas questões, ver Blanchard (2004).

O grau de desordem das finanças públicas nos anos de 1980 naquele contexto institucional pode ser aferido pela leitura do capítulo 12 do livro do ex-Ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega (2005), em que, como participante ativo da tentativa de modernização das instituições monetárias e da contabilidade pública, ele relata um acontecimento que vivenciou como autoridade, nos anos de 1980: "No início de 1983, aconteceu um fato gravíssimo. Alguns dos novos governadores eleitos perceberam que seus bancos estaduais podiam fazer saques a descoberto no Banco do Brasil, que era o depositário das reservas bancárias, à ordem do BC. O que levava mais de um mês para chegar ao conhecimento do BC, via balancetes mensais do BB. Não existia um sistema de informações gerenciais, nem serviços em tempo real. O primeiro deles foi o governador do Rio de Janeiro. Depois fizeram o mesmo os governadores de Goiás, Santa Catarina e Paraíba. O governador deste último estado, Wilson Braga, teve a gentileza de me avisar no dia do saque, em atenção ao fato de eu ser seu amigo e paraibano. Alertei-o para a gravidade do ato, mas ele retrucou afirmando que precisava pagar o funcionalismo e por isso já havia efetuado o saque." (NÓBREGA, 2005, p. 295, grifos nossos). O fato - inimaginável no contexto atual - dá uma idéia de como os bancos estaduais tinham se convertido, na prática, em verdadeiras Casas da Moeda, sem maior controle por parte das autoridades federais.3 3 Por contraste, para uma avaliação dos avanços institucionais do Brasil em matéria fiscal, focada no período mais recente, ver Nakaguma e Bender (2006).

Comparativamente àquela situação, as transformações institucionais e/ou reais pelas quais passou o setor público brasileiro nas últimas duas décadas chamam a atenção pela sua magnitude. A rigor, o processo teve início ainda nos anos de 1980, com a criação do caixa único do Tesouro, através do sistema de controle estabelecido com o surgimento da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) em 1986, que passou a permitir uma apuração fidedigna do resultado fiscal "acima da linha" a partir do começo da década seguinte.4 4 O fim do que era conhecido como "orçamento monetário" e da chamada "conta-movimento do Banco do Brasil", que datam da mesma época, são parte desse mesmo processo de modernização iniciado na segunda metade dos anos de 1980. A esses marcos devem ser acrescentadas também a unificação orçamentária e a transferência da gestão da dívida pública, do Banco Central para o Tesouro Nacional. Já nos anos de 1990 e na primeira década do novo século, oito transformações merecem destaque:

  • a privatização de diversas empresas estatais, especialmente importante no que se refere às empresas estaduais, o que mudou significativamente o resultado primário das mesmas;

  • a venda de diversos bancos estaduais de propriedade estatal, o que acabou com um meca-nismo clássico de financiamento dos déficits públicos estaduais;

  • o Plano Real, de 1994, que, devido ao fim da altíssima inflação, contribuiu para ampliar muito a transparência das contas públicas, ao se poder aferir com maior precisão o verdadeiro significado das variáveis nominais, o que era impossível quando a inflação era de 3000% ou 4000% a.a.;

  • a realização de três reformas parciais do sistema previdenciário, duas delas no governo Fernando Henrique Cardoso (FHC) e uma no governo Lula;

  • a renegociação das dívidas estaduais em 1997/1998, processo que esteve na raiz do ajustamento fiscal pelo qual passaram os Estados e municípios a partir de 1999;

  • a adoção de um sistema de metas razoavelmente rígidas de resultado primário para o setor público consolidado, religiosamente cumpridas desde então, a partir de 1999;

  • as medidas de aumento da receita para viabilizar o ajuste fiscal em 1999, prática posteriormente repetida diversas vezes, e

  • a aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) no segundo mandato de FHC, consolidando o processo iniciado com a privatização dos bancos estaduais e continuado com a renegociação das dívidas estaduais e municipais, fruto de uma reflexão acerca da importância de definir regras formais, como parte de uma abordagem fiscal baseada na definição de novas instituições.

    5 5 Para uma reflexão acerca deste debate, baseada não no caso brasileiro e sim no que ocorria naqueles anos em outros países do mundo, ver Kopits (2001).

O fato de que algumas dessas medidas datem de épocas marcadas pela existência - e, em alguns casos, agravamento - de agudos desequilíbrios fiscais indica não o caráter estéril das mudanças e sim que regras e instituições "per se" podem não ser suficientes para atingir determinados resultados fiscais, se o conjunto das forças políticas dominantes do País não atua na mesma direção. Nesse sentido, a segunda metade das décadas de 1980 e de 1990, quando, ao mesmo tempo que se verificavam alguns dos avanços acima citados, a situação fiscal se deteriorava, são exemplos da importância que o comprometimento político dos governos com certos padrões de austeridade e/ou as condições políticas têm para a observação de um controle fiscal mais rigoroso.

Olhando especificamente para os resultados fiscais, o período 1991/2008 pode ser dividido claramente em quatro períodos, que correspondem exatamente aos governos Collor/Itamar Franco (de 1990/1994); aos dois governos FHC 1995/1998 e 1999/2002 (claramente distintos um do outro nesse aspecto), e ao governo Lula como um todo até a conclusão do presente artigo (2003/2008).

O período Collor/Itamar Franco pode ser definido como estando associado a um "déficit reprimido". Com efeito, em contraste com o governo Sarney (1995/1989), em cujos cinco anos as NFSP, no conceito operacional, foram de 5,1% do PIB, nos cinco anos de 1990/1994, elas foram, em média, estritamente "zeradas", graças a uma combinação de melhora do resultado primário e redução das despesas com juros reais expressas como proporção do PIB. Em parte, porém, essa melhora do resultado primário envolveu um componente algo espúrio, uma vez que a melhora foi baseada na facilidade que a alta inflação permitia para ajustar o valor das despesas reais em função dos objetivos fiscais do governo, em um contexto de receitas razoavelmente indexadas à inflação.

Em contraste a estes fatos, os anos do primeiro governo FHC (1995/1998) podem ser definidos como sendo de "déficit aberto". Com efeito, o resultado primário consolidado do setor público, que, na média de 1990/1994, fora de 2,8% do PIB, tornou-se um déficit de 0,2% do PIB na média de 1995/98. Isso, somado às despesas de juros - já expressas em termos nominais - de 6,0% do PIB, gerou um déficit nominal médio de 6,2% do PIB no período, em que pese a retórica de austeridade do governo na época. Nesse contexto, a dívida líquida do setor público que, no começo do Plano Real, em 1994, era de 30% do PIB, atingiu 39% do PIB quatro anos depois.6 6 Cabe registrar que, em 2007, o IBGE divulgou uma série revista do PIB para todo o período 1995/2006, com valores do PIB nominal de cada ano da ordem de 10% superiores aos da série original. Isso diminuiu a importância relativa de diversas variáveis. O que era, por exemplo, 30% do PIB na série original, tornou-se subitamente equivalente, aproximadamente, a 27% do PIB na nova série. Como o resultado decorreu de se captarem mais adequadamente uma série de fenômenos, é razoável inferir que, se o IBGE tivesse retroagido com o mesmo critério para os anos anteriores a 1995, teria sido observado algo similar. Entretanto, como não podemos inventar um valor fictício para o PIB dos anos 1991 a 1994, trabalhamos com o indicador de PIB oficial, o que significa que todas as tabelas com dados expressos em porcentual do PIB embutem uma distorção na passagem de 1994 para 1995. É importante que o leitor tenha isto em mente, embora, para comparações de longo prazo, isso perca relevância, uma vez que o efeito se dilui no conjunto das transformações verificadas na economia brasileira.

O segundo governo FHC (1999/2002) pode ser qualificado como sendo de "ajuste com endividamento", após o forte ajuste primário de 1999. Embora a menor despesa com juros reais e o ajustamento primário tenham diminuído as NFSP nominais do período para 4,0% do PIB, estas continuaram sendo importantes. Ao mesmo tempo, o expressivo aumento da importância relativa da dívida pública associada à taxa de câmbio e o reconhecimento de passivos contingentes acabaram elevando a dívida pública para mais de 50% do PIB no começo da atual década.

Já os anos Lula, de 2003 em diante, caracterizaram-se por uma fase de "controle do endividamento", com progressiva redução da importância relativa do endividamento público que, na última informação disponível, referente a abril de 2007, tinha sido reduzido para 41% do PIB.7 7 Em 2003, a relação dívida pública/PIB aumentou não por expressar um fenômeno real e sim pela forma em que o Banco Central apura esse coeficiente. Como, para comparar com a dívida no final do ano, ele calcula o PIB a preços de 31 de dezembro, multiplicando o PIB nominal pelo coeficiente índice de preços de final do ano/índice de preços médio, e ele faz essa conta usando o IGP (que aumentou muito acima dos demais índices de preço em 2002) o que ocorreu foi que essa metodologia, na prática, "achatou" artificialmente a relação dívida/PIB de dezembro de 2002, pela "supervalorização" do PIB em face do alto coeficiente IGP centrado em 31 de dezembro/IGP médio do ano em 2002. Em 2003, com os índices de preço a caminho da normalização, a relação preços de final do ano/preços médios foi moderada e, ao deixar de supervalorizar o PIB, o coeficiente oficial dívida/PIB captou, naquele ano, um fenômeno real que, na prática, tinha ocorrido no ano anterior. Em 2003, a dívida líquida em termos nominais aumentou apenas 3,6% em relação a dezembro de 2002, mas a dívida líquida passou de 50,6% para 52,4% do PIB, em que pese o fato de a inflação ter sido de quase 10% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2003, indicando redução do seu valor em termos reais. São esses grandes números que iremos agora analisar.

Cabe, por último, um registro importante a ser feito, para deixar constância da melhora na qualidade das estatísticas fiscais verificada no período, tema esse que é tratado em detalhes no ApêndiceApêndice.

2.2 As NFSP8 8 Os números para 2008 que constam das tabelas do trabalho representam uma estimativa do autor, feita com base nas tendências e nos dados divulgados até a conclusão do texto (meados de 2008).

As contas públicas passaram por grandes mudanças desde o final dos anos de 1980.9 9 Para uma análise sobre o começo dos anos de 1990, ver Barbosa e Giambiagi (1995). Para a evolução posterior à estabilização de 1994, até o começo da década atual, ver Giambiagi (2002). Conforme já foi salientado, nos primeiros anos da década de 1990, houve um esforço fiscal de geração de resultados primários de certa relevância, favorecidos pelo contexto de alta inflação, que permitia aos governantes acomodar as pressões por mais gasto, deixando-as serem depois parcialmente corroídas pela inflação. Em 1995, o mecanismo se exauriu e as falências no controle do gasto se fizeram notar com toda a sua intensidade, gerando resultados primários inclusive negativos em algumas oportunidades. Foi só a partir de 1999, com as medidas de ajuste implementadas naquele ano, que o superávit primário voltou a ser robusto (Tabela 1).

A Tabela 2 apresenta o impacto do resultado primário sobre o resultado fiscal. Os indicadores nominais de juros e NFSP só são expostos a partir de 1995, uma vez que, na época de alta inflação, não tinham nenhum significado econômico. Os resultados devem ser interpretados à luz da Tabela 3, que mostra as taxas de juros reais muito elevadas que vigoraram no Brasil no período, seja para dar sustentação à política cambial; como reflexo do risco país, ou para favorecer a convergência com taxas de inflação baixas.

Se considerarmos as estatísticas da segunda metade dos anos de 1980, desde quando elas são computadas agregadamente, e fizermos uma divisão por período de governo, chegaremos aos resultados médios da Tabela 4, dos quais podemos inferir algumas conclusões claras:

  • o resultado primário passou por grandes oscilações, sendo muito modesto na segunda metade dos anos de 1980; moderado na primeira metade dos anos de 1990; negativo (ou seja, houve déficit primário) no primeiro governo FHC, e relativamente alto desde então;

  • os juros nominais foram, em média, da ordem de 7% do PIB desde a estabilização de 1994;

  • para esse resultado, porém, contribuiu uma atualização monetária pela reposição da inflação ao capital - dado calculado pelo Banco Central e divulgado nas estatísticas oficiais - de, na média, mais de 2,5% do PIB no conjunto dos 14 anos 1995/2008;

  • a estatística de juros reais como proporção do PIB registra grandes oscilações ano a ano desde a estabilização, por conta das oscilações da inflação, indo de um mínimo de pouco mais de 1% do PIB em 2002 a um máximo de quase 7% do PIB em 1998. Na média dos 14 anos, porém, eles foram de 4,2% do PIB, ligeiramente abaixo dos 4,3% do PIB da média dos dez anos anteriores à estabilização 1985/1994;

  • na esteira das oscilações do resultado primário e dos juros reais, as NFSP operacionais - que determinam a dinâmica da relação dívida/PIB, sem considerar outras variações patrimoniais - oscilaram significativamente, mas de um modo geral, em média, foram de apenas 0,4% do PIB nos dez anos transcorridos desde 1999, após o ajuste fiscal daquele ano.

O custo da dívida pública foi, sem dúvida nenhuma, um ingrediente fundamental da explicação das contas públicas no período.10 10 Foge ao escopo do trabalho a discussão acerca de se o indicador fiscal mais relevante é representado pelas NFSP operacionais ou nominais, o que requer discutir que tratamento os indivíduos dão aos juros nominais que recebem e se distinguem ou não entre os componentes de "atualização monetária" e "juros reais". Para uma discussão sobre este ponto, anterior à estabilização, ver Cysne (1990). De qualquer forma, embora as taxas de juros reais no Brasil, depois de 1994, tenham sido inequivocamente muito elevadas, na comparação relativa do sacrifício envolvido no pagamento de juros e na geração de superávits primários, o Brasil deve ser comparado com países que também apresentaram processos de elevado endividamento, em alguns casos mais significativos do que o nosso (Tabela 5). Quando é feita essa comparação com os casos clássicos de dívida alta na Europa nos anos de 1980, vemos que nos anos de 1990 - antes do início físico da circulação do euro, que diminuiu muito as taxas de juros - a despesa média anual de juros naquela década foi de 11% do PIB na Grécia, 10% do PIB na Itália e 9% do PIB na Bélgica.11 11 Conforme os dados da OECD, a dívida pública bruta nos anos de 1990 atingiu 111% do PIB na Grécia, 135% do PIB na Itália e 144% do PIB na Bélgica. Tendo começado seus respectivos processos de ajustamento fiscal em épocas distintas, a velocidade de ajustamento dos países também foi diferente entre si. De um modo geral, porém, nos três casos citados houve uma redução gradual da relação dívida pública/PIB entre a segunda metade da década de 1990 e a situação atual. Na Bélgica, onde o processo foi mais acentuado, a dívida voltou a cair abaixo de 100% do PIB nos últimos anos. Nesses países, o superávit primário médio nesses 10 anos ficou entre 3% e 5% do PIB. Comparativamente a esses casos, a despesa nominal média de juros no Brasil, nos dez anos desde o ajuste de 1999 - incluindo a projeção para 2008 -, de 7,1% do PIB e o superávit primário médio de 3,8% do PIB não parecem excepcionais.12 12 Deve-se lembrar ainda que, além do componente implícito de "correção monetária" associada à compensação pela inflação que está embutida nos juros nominais, há também uma parcela importante de impostos. Adicionalmente, uma parcela não desprezível dos títulos públicos está em poder de instituições financeiras federais. Em outras palavras, se, da parcela atual estimada em aproximadamente 6,4% do PIB de juros nominais, retiram-se o componente de impostos - aproximadamente 20% do rendimento - e do restante aquilo que corresponde à inflação, tem-se um resíduo significativamente inferior ao valor do rendimento original. Por exemplo, em uma remuneração nominal de 12,25% como a taxa SELIC vigente no momento do fechamento deste artigo, o imposto de 20% gera como resultante uma taxa nominal líquida de 9,80%. Se disto se desconta uma inflação de 6,00%, a remuneração real líquida é de 3,58% - ou menos de 30% do rendimento bruto nominal. Para computar aquilo que resta nas mãos do setor privado, é necessário adicionalmente descontar, do total de juros, o fluxo do que é pago às instituições financeiras públicas - com predomínio das grandes instituições federais. Ou seja, o que fica efetivamente, em termos reais, de rendimento de juros na forma de acréscimo de patrimônio em mãos do setor privado, é bem menos do que aqueles 6,4% do PIB.

3 AS CONTAS DESAGREGADAS

Esta seção esmiúça a análise dos resultados fiscais, focando detalhadamente a situação das contas do governo central; a seguir, especificamente, da Previdência Social e, por último, das demais unidades do setor público (Estados e municípios e empresas estatais).

3.1 As contas do governo central

As informações referentes ao período 1991/1996, que constam desta seção, não estão disponíveis na internet no site da STN, resultando de um processo de apuração por parte do autor por ocasião da divulgação das estatísticas em cada um daqueles anos, adaptadas ao padrão das tabelas divulgadas atualmente em bases regulares por parte da STN. A Tabela 6 mostra as informações "acima da linha" para todo o período 1991/2008 que geram os resultados do governo central expostos anteriormente na Tabela 1. A forma de apresentar os dados nesta seção consistirá em mostrar, inicialmente, os principais agregados para, a partir disso, decompor sucessivamente as informações, facilitando focar os diversos aspectos da realidade fiscal.

A Tabela 6 apresenta as seguintes características mais marcantes:

  • entre 1991 e 2008, a receita bruta do governo central passou de 14,6% para 25,0% do PIB;

  • nesse mesmo período, as despesas primárias totais do governo central sofreram um incremento de 13,7% para 22,3% do PIB,

    13 13 Cabe lembrar que essas comparações padecem da distorção ligada à revisão do PIB de 1995 em diante, que não retroagiu até 1991, reduzindo os coeficientes em relação ao PIB entre 1994 e 1995. e

  • todas as grandes categorias de gasto (transferências a Estados e municípios, pessoal, bene-fícios do INSS e as outras despesas) tiveram aumentos importantes como fração do PIB entre 1991 e 2008.

A Tabela 7 mostra a desagregação das contas da Receita Federal. O dado se aproxima da receita não previdenciária da Tabela 6, mas apresenta algumas diferenças em relação à metodologia de apuração, ligadas à abrangência da estatística e ao critério contábil (caixa na Tabela 6 e competência na Tabela 7). De qualquer maneira, a tendência de aumento da carga tributária é similar. No conceito da Tabela 7, entre 1991 e a estimativa para 2008, a receita do governo federal passou de 10,1% do PIB em 1991, para os 18,1% do PIB estimados para 2008.14 14 A diferença, nos últimos anos, da ordem de 1% do PIB, entre a receita do Tesouro nas Tabelas 6 e 7, se deve à inclusão naquela de itens que não são captados pela estatística da Receita Federal, tais como o recebimento de dividendos por parte da União e a existência de receitas diretamente arrecadadas, que não transitam pela Receita Federal.

Os destaques desse processo foram:

  • a redução da receita de IPI, cuja importância relativa diminui em torno de 1/3, por conta do desinteresse do governo central em um imposto do qual mais da metade do que é arrecadado vai para os Fundos de Participação Estaduais e Municipais;

  • o aumento da receita do Imposto de Renda, fruto dos aperfeiçoamentos da máquina de arrecadação; do congelamento da Tabela do Imposto de Renda durante vários anos, e da maior tributação associada ao recolhimento de Imposto de Renda na Fonte sobre aplicações financeiras;

  • o fortalecimento das contribuições, isentas de partilha com os Estados e municípios, com destaque para: a) o surgimento e posterior extinção da CPMF, que chegou a arrecadar quase 1,5% do PIB; b) o reforço da Contribuição sobre o Lucro Líquido, que nada mais é do que um Imposto de Renda sobre as Pessoas Jurídicas, porém não compartilhado, criado no início dos anos de 1990 e que responde atualmente por uma receita da ordem de 1,5% do PIB; c) as sucessivas majorações da alíquota da COFINS (antigo FINSOCIAL) que fizeram mais do que triplicar o peso deste tributo no PIB entre 1991 e 2008, e d) a criação da CIDE em 2002, embora neste caso sujeita a uma pequena partilha.

A Tabela 8 mostra o crescimento real do gasto, usando o deflator do PIB, feita a ressalva de que, em 1995, isso pode implicar sérias distorções pela mudança metodológica feita na apuração do PIB. Para comparações entre anos distantes, a distorção afeta menos as taxas médias de crescimento. Os dados encontram-se agrupados por período na Tabela 9.15 15 Para uma avaliação sobre o tema da eficiência do gasto nesse período, ver a excelente coletânea organizada por Mendes (2006).

As conclusões mais importantes são as seguintes:

  • em todos os períodos considerados na

    Tabela 9, o gasto primário total cresceu em termos reais muito acima do crescimento da economia;

  • na média dos 17 anos, todas as categorias de gasto isoladamente consideradas cresceram em termos reais acima do PIB;

  • a despesa que mais cresceu em 17 anos foi a dos benefícios do INSS;

  • na primeira metade dos anos de 1990, em que pese o potencial da alta inflação para limitar a despesa, o gasto primário sofreu um forte aumento;

    16 16 Observe-se na Tabela 8 que esse potencial redutor da inflação até 1994 foi usado para controlar a evolução das "outras despesas". O boom da despesa total até 1994 esteve associado a dois fatores: a) a despesa com inativos da Administração Pública, após a regulamentação do capítulo previdenciário da Constituição, feita em 1991, e b) a dinâmica das despesas do INSS, que captam o aumento do estoque de aposentados rurais por idade de 1,9 milhões em 1991 para 3,8 milhões de pessoas três anos depois, e o aumento físico médio de 10,0% a.a. no período do estoque de aposentados por tempo de contribuição.

  • o destaque em cada período coube aos gastos com pessoal e INSS entre 1991 e 1994; ao aumento das "outras despesas" e à redução absoluta das despesas com pessoal no primeiro governo FHC, devido à erosão do salário real do funcionalismo no período; às transferências a Estados e municípios no segundo governo FHC; aos benefícios do INSS e às "outras despesas" (pelo aumento do LOAS e pelo Bolsa-Família) no primeiro governo Lula, e à generalização do aumento do gasto em 2007/2008, com exceção de certo arrefecimento das despesas do INSS, por conta da queda recente do volume de concessões de auxílio-doença.

Vejamos cada um dos grandes agregados de despesa em particular, com exceção das despesas previdenciárias, que, pela sua importância, merecem uma seção específica, em continuação desta. No caso da despesa com pessoal, embora ela tenha aumentado de 3,8% do PIB em 1991 para 4,6% do PIB atualmente, isso ocorreu devido ao aumento com inativos. Com efeito, a despesa com servidores ativos, que era de 2,7% do PIB em 1991, a rigor cedeu ligeiramente, em termos relativos, sendo de 2,5% do PIB em 2008. Esse fenômeno de perda de peso dos funcionários ativos concentrou-se no período pós-1994 e nos servidores civis do Poder Executivo.

No que tange às transferências constitucionais e legais aos Estados e municípios, elas passaram de 2,7% do PIB, em 1991, para 4,6% do PIB atualmente (Tabela 10). Isso se deu a partir de 1999, uma vez que, em 1998, essa despesa era ainda de 2,9% do PIB. Na raiz do processo, encontra-se um elemento de natureza política, relacionado com as concessões que FHC e Lula tiveram que fazer para evitar problemas com os governadores, que gerassem riscos para a governabilidade. No conjunto dos anos transcorridos desde 1998, porém, as transferências associadas à compensação da Lei Kandir - que exonerou parte das exportações de impostos estaduais, perda pelas quais os Estados demandaram ressarcimento - acabaram sendo corroídas pela inflação e, em termos relativos, pelo crescimento - ainda que modesto - da economia. Já no caso dos outros elementos, destacam-se: a) o aumento das transferências constitucionais, resultante do aumento da alíquota do Fundo de Participação dos municípios e do fato de que, no que se refere aos impostos sobre os quais incidem os Fundos de Participação, na Tabela 7, a perda de peso do IPI entre 1998 e 2008 foi muito menor que a variação da arrecadação do Imposto de Renda; b) a criação da CIDE - com receita compartilhada - na década atual, e c) as maiores transferências associadas ao FUNDEF.

Ficando para depois a análise das despesas previdenciárias e tendo comentado a evolução do gasto com pessoal e as transferências às unidades subnacionais, resta agora abordar o comportamento das "outras despesas" da Tabela 6. Estas eram de 3,9% do PIB em 1991 e devem atingir quase 6% do PIB em 2008. Neste ponto há um problema resultante do fato de que as estatísticas mais desagregadas acerca da composição deste item, com uma estrutura próxima às estatísticas atuais, só existem desde 1994. Isso não é um obstáculo, porém, ao bom entendimento da dinâmica desta rubrica no período, uma vez que foi justamente no período pós-estabilização que se deu o fenômeno do aumento desta rubrica, já que, em 1994, ela era ainda de 4,0% do PIB, praticamente o mesmo nível relativo que em 1991. Para entender o que aconteceu de 1995 em diante, é preciso observar a Tabela 11.

De um modo geral, o que houve no período foi um aumento importante das despesas caracterizadas como "sociais", análise essa já devidamente registrada em outros trabalhos e documentos (SPE, 2005; CASTRO et al., 2006, 2008). Uma nota especial cabe ao aumento das despesas do FAT de 0,3% do PIB entre 2003 e 2008, apesar da queda da taxa de desemprego no período, exemplo claro de como certos programas estão mal desenhados. As estatísticas foram enriquecidas pela incorporação, a partir de 1997, dos dados do item "subsídios e subvenções", que, a rigor, aparecia implicitamente antes nas demais despesas, e pelo surgimento das despesas com a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), as quais, a partir de 2004, incorporam também as despesas de Rendas Mensais Vitalícias (RMV) que, até 2003, eram registradas como despesas do INSS.17 17 No momento em que a estatística da RMV "migrou" de rubrica, ela correspondia a 0,10% do PIB. Isso explica o salto da conta do LOAS entre 2003 e 2004 na Tabela 11, já que, até 2003, essa despesa não aparecia nessa estatística. Na verdade, o aumento do gasto com LOAS entre 1994 e 2008 não tem exatamente a dimensão retratada na Tabela 11, uma vez que parte dele se explica pela substituição demográfica ocorrida, já que o benefício assistencial da RMV - que é um benefício em extinção - vai sendo gradualmente deixado de lado em função das concessões de LOAS para os novos indivíduos que formam a estatística de benefícios assistenciais. O problema para gerar uma estatística detalhada é que não há dados do Tesouro referentes especificamente às RMV para os anos anteriores.18 18 Uma estimativa pessoal do autor, feita a partir do número quantitativo de benefícios, gerou uma despesa de RMV de 0,15% do PIB em 1997, o que corresponderia a um total de benefícios assistenciais, somada com as despesas de LOAS, de 0,23% do PIB naquele ano. O aumento desde então até os 0,58% do PIB da Tabela 11, em 2008, se explica pelo elevado incremento real do salário mínimo nesses mais de dez anos e pelo aumento do número total de pessoas beneficiadas (soma de LOAS e RMV) de 1,8 milhões de indivíduos em 1997, para mais de 3,0 milhões de pessoas atualmente.

No caso das despesas com subsídios e subvenções, feito o devido reconhecimento quanto à importância da divulgação detalhada e transparente da informação desagregada dessa variável por parte do Tesouro Nacional, não há um padrão definido com uma tendência clara para a evolução da variável, que apresenta atualmente um peso próximo ao de 1997, decomposto em uma multiplicidade de programas de pequena monta, individualmente considerados (Tabela 12).

Resta por último mostrar a evolução do item "demais despesas" da Tabela 11, o que é feito na Tabela 13. O problema desta última estatística, embora ela seja bastante desagregada, é que: a) apresenta um histórico curto, já que se inicia apenas em 2003, deixando de captar o que ocorreu com a queda desse agregado entre 2002 e 2003 na mesma Tabela 11 (por outras estatísticas, porém, há fortes indicações de que a redução da despesa em 2003 se concentrou no investimento e nas despesas correntes dos ministérios não protegidos por vinculações), e b) contém um item "diversos", que representa um "pout-pourri" de despesas voláteis, cuja desagregação, por sua vez, só é feita a partir de 2005.

Feitas essas qualificações, porém, registre-se que, do aumento do total do gasto considerado na Tabela 13, de 1,0% do PIB entre 2003 e 2008, 0,6% do PIB decorre do incremento do investimento - recuperando-se da queda drástica que, como se sabe, ocorreu em 2003 - e o resto é fruto basicamente do salto verificado nas despesas com desenvolvimento social, em função da massificação do programa Bolsa-Família.

A Tabela 13, combinada com as anteriores, permite dimensionar melhor os dilemas com os quais se defronta o administrador público atualmente. Dada a rigidez dos gastos com transferências a Estados e municípios, pessoal e INSS, a "variável de ajuste" de um eventual programa de cortes é naturalmente o item "outras despesas" da Tabela 6, estimado em quase 6% do PIB em 2008. O problema é que, quando se desagrega esse dado, como é feito na Tabela 11, constata-se que, a rigor, o que sobra é o subitem "demais despesas" de 4,2% do PIB em 2008, já que as rubricas do FAT, LOAS e Banco Central são rígidas e os gastos com subsídios e subvenções têm para cada um dos programas um lobby de representação específica no Congresso Nacional no momento de votar o orçamento. Por sua vez, ao desagregar tais dados na Tabela 13, constata-se que, dada a impossibilidade de mudar as despesas com saúde, educação, Bolsa-Família e sentenças judiciais, e a dificuldade de reduzir as despesas com Legislativo e Judiciário, e sendo, a rigor, necessário aumentar o investimento público, a margem de incidência para a ação discricionária do Poder Executivo se limita a um montante da ordem de 1,0% do PIB - com o que, é bom lembrar, é necessário fazer o governo funcionar, uma vez que envolve recursos fragmentados de todos os ministérios.19 19 Na Tabela 13, isso corresponde à soma dos itens "custeio de outros órgãos" e "créditos extraordinários". Voltaremos a este ponto futuramente.

3.2 O problema previdenciário

A evolução das despesas previdenciárias merece uma seção exclusiva. O Brasil fez três reformas previdenciárias desde a estabilização de 1994, cada uma delas em um dos três períodos de governo de 1995 a 2006.20 20 Para uma defesa das reformas feitas nesse campo no governo FHC, ver Ornelas e Vieira (1999). Para uma análise minuciosa da reforma previdenciária do governo Lula, ver Zylberstajn et al. (2006).

A primeira delas, na forma de uma Emenda Constitucional, no primeiro governo FHC, basicamente, "desconstitucionalizou" a regra de cálculo dos benefícios do INSS e adotou o princípio da idade mínima de 60 anos para os homens e 55 anos para as mulheres para a aposentadoria por tempo de contribuição, no caso dos servidores públicos.

A segunda reforma, no segundo governo FHC, representada pela aprovação da chamada "lei do fator previdenciário", complementou a anterior e estabeleceu que: a) as aposentadorias por tempo de contribuição seriam calculadas não mais pela média dos últimos 36 salários de contribuição e sim por uma média ligada ao histórico contributivo do indivíduo, e b) a aposentadoria resultaria da multiplicação da média contributiva por um fator previdenciário diretamente proporcional à idade do indivíduo e ao seu tempo de contribuição, podendo tal fator ser significativamente inferior à unidade no caso de aposentadorias especialmente precoces.

Finalmente, a reforma constitucional de Lula antecipou a vigência da idade mínima para a aposentadoria dos servidores que estavam na ativa, ampliou as exigências de permanência no cargo para fazer jus à aposentadoria integral e instituiu uma contribuição de 11% sobre o valor das aposentadorias e pensões excedente ao teto de aposentadoria do INSS. Tais medidas são válidas exclusivamente para os servidores. Além disso, a reforma aumentou o teto do INSS, com o intuito de ampliar a arrecadação no curto prazo.

A realidade representada por uma diferença entre despesas e contribuições previdenciárias que, tanto para os servidores públicos federais como para o INSS, se situa em torno de 1,5% do PIB, somada ao fato de que, em um caso, isso financia aposentadorias para 1 milhão de servidores e, no outro, se paga benefícios a mais de 20 milhões de pessoas, tende a gerar naturalmente a percepção de que o nó principal a desatar localiza-se no regime de aposentadoria dos servidores. Entretanto, há três elementos a considerar. O primeiro é que, embora de fato a despesa com servidores inativos tenha aumentado de 0,9% do PIB em 1991 para 2,1% do PIB em 1995, desde então essa rubrica se manteve relativamente controlada em torno de 2% do PIB, em contraste com a despesa do INSS que, entre 1995 e 2008, aumentou 2,6% do PIB (Tabelas 6 e 14 ).21 21 O peso das despesas do INSS no PIB cedeu ligeiramente em 2008 em relação a 2007, pelo fato de que, em 2007, metade dos aposentados e pensionistas que recebem benefícios de um salário mínimo teve adiantado a partir de dezembro daquele ano o seu pagamento, do início do mês seguinte, para o final do mês de competência, gerando, portanto, o pagamento de uma folha a mais naquele ano, enquanto que, em 2008, o número de folhas pagas voltou a ser o normal. Adicionalmente, em 2007/2008 houve um forte crescimento da economia, contribuindo para estabilizar a relação entre as despesas do INSS e o PIB, ao invés de se aproveitar o boom da economia para, justamente, diminuir esse coeficiente.

O segundo elemento a considerar é que o problema dos inativos do serviço público vem se convertendo em um problema ligado ao regime dos militares, o que requer uma disposição para enfrentar a questão que nenhum governo até agora se manifestou disposto a assumir. Para cada R$ que se gasta com uma pessoa na ativa entre os servidores civis, gastam-se 60 centavos com um inativo civil, proporção essa que, no caso dos militares, é de R$ 1,73 com inativos para cada R$ 1 gasto na ativa. O resultado é que os militares, sendo 15% da despesa total com ativos civis e militares dos três Poderes, respondem por 34% da despesa com inativos (Tabela 15).

O terceiro elemento a considerar é que a reforma previdenciária de 2003 de Lula já completou aproximadamente o estoque de medidas restritivas a tomar no caso dos requisitos de aposentadoria dos servidores civis. Além de estabelecer a idade mínima, tornou mais rígidas as regras para a concessão de aposentadoria integral e taxou os inativos. Portanto, o regime previdenciário dos servidores continua sendo muito deficitário, por conta da sustentação de um contingente elevado de inativos que se aposentaram muito precocemente no passado, mas as regras para os mais jovens já são bastante mais razoáveis que as regras permissivas de aposentadoria que vigoraram durante décadas.

Já as razões para o aumento das despesas do INSS de 3,4% do PIB em 1991, até os atuais 7,2% do PIB, se prendem a três causas. A primeira é o "efeito denominador" relacionado com o crescimento médio do PIB de apenas 3,0% a.a. nesse período de 17 anos. A segunda é a benevolência da legislação, que gerou impactos importantes no contingente de beneficiados. E a terceira foi a política de aumentos reais do salário mínimo.

No que se refere à benevolência da legislação, três aspectos se destacam (Tabela 16). Na primeira metade da década de 1990, houve um boom de aposentadorias rurais, em função dos efeitos defasados da Constituição de 1988 referentes ao meio rural, acompanhado de uma velocidade expressiva das aposentadorias por tempo de contribuição a idades particularmente precoces. Este segundo efeito prevaleceu até 1998, já que depois foi afetado pelas medidas aprovadas no governo FHC, acima explicadas. O terceiro aspecto em destaque foi a explosão do auxílio-doença - incluído em "outros" na Tabela 16 -, reflexo da combinação de falhas gerenciais e de incentivos perversos existentes na legislação. O número de pessoas beneficiadas pelo auxílio-doença passou de menos de 500 mil indivíduos/mês em 2000, para mais de 1,5 milhões de pessoas em 2005, quando o governo começou a adotar medidas administrativas de controle da evolução da variável, que geraram efeito nos anos posteriores.

A dinâmica das despesas do INSS foi também influenciada pelo aumento real do salário mínimo que, pela Constituição, representa o piso dos benefícios previdenciários - bem como dos assistenciais - e que, desde 1994, terá alcançado uma variação real acumulada expressiva de 107% até 2008, inclusive (Tabela 17).22 22 O crescimento real citado é afetado parcialmente pela diferença entre o índice de preços ao consumidor e o deflator implícito do PIB. Deixando de lado 1994 - ano para o qual a comparação, em termos de médias anuais, fica prejudicada pela adoção do novo índice de preços em reais, na transição do início do plano de estabilização - e tomando 1995 como ano-base, supondo para 2008 uma variação média do IPCA de 5,5% e do deflator implícito de 6,0%, tem-se uma variação acumulada, entre as médias de 1995 e de 2008, de 147% do IPCA e de 177% do deflator implícito do PIB.

Como 2 de cada 3 benefícios do INSS são iguais ao piso e indexados ao salário mínimo, e o valor da folha do INSS gasta com aqueles que recebem o piso representa aproximadamente 35% da despesa do INSS, um aumento de 5% do salário mínimo implica uma despesa extra equivalente a 1,8%, aproximadamente, que se soma ao incremento físico que ocorre todos os anos, por razões demográficas, no estoque de aposentadorias e pensões.

Cabe registrar que, nos últimos anos, especificamente, um novo elemento passou a formar parte da dinâmica da despesa do INSS: as sentenças judiciais, resultantes de sucessivos pagamentos "once and for all", porém escalonados ao longo do tempo para diferentes indivíduos, como resultado de decisões obrigando o governo a pagar uma diferença retroativa referente à conversão das aposentadorias por ocasião da mudança de moeda no lançamento do Plano Real em 1994. Essas despesas, que eram irrelevantes em 2002, foram aumentando seu peso e têm sido de 0,2% do PIB nos últimos anos (Tabela 18). Nos próximos anos, é razoável supor que elas poderão tender a zero, uma vez que todos os atrasados já estarão pagos. Isso permitiria uma folga para aumentos reais do salário mínimo até o final da década atual, sem elevar a despesa total na mesma velocidade que nos últimos anos, uma vez que o gasto a mais com as aposentadorias e pensões no valor do piso poderá ser compensado pela redução dos desembolsos associados ao pagamento de despesas judiciais pelo INSS.

3.3 As outras esferas do setor público

No que se refere às contas de Estados e municípios, não se pode apresentar evidências acerca da evolução desagregada dos indicadores de receita e despesa como foi feito para o governo central, por inexistirem dados compilados dessa forma "acima da linha" para os governos subnacionais. Os indicadores parciais desse tipo que existem, apresentados no site do Tesouro Nacional, não têm séries muito antigas; sofrem do problema do aumento da cobertura com o passar dos anos, o que significa que o universo de unidades de um ano não é o mesmo que em anos anteriores, e são disponibilizados com grande defasagem. O que se pode comentar é o que ocorreu com o resultado fiscal "abaixo da linha" apurado pelo Banco Central e mostrado na Tabela 1, e com alguns indicadores específicos de receita.

Nesse sentido, sem tirar o mérito das administrações estaduais depois de 1999, no esforço de geração de superávits primários no conjunto do setor público, a Tabela 4 é útil para fazer algumas qualificações necessárias. Embora o deslocamento da posição primária de Estados e municípios nos últimos anos em relação à média de 1995/1998 tenha sido significativo, o indicador chama menos a atenção quando se comparam os resultados atuais com o dos anos imediatamente anteriores à estabilização. Com efeito, a média de superávit primário de Estados e municípios de 1999/2002 foi, por coincidência, a mesma que no período de 1990/1994 (0,6% do PIB). O fato sugere que o resultado de 1995/1998 foi particularmente negativo em função dos aumentos nominais iniciais concedidos em 1995 ao funcionalismo, com expressivos efeitos reais posteriores, no contexto de uma inflação muito mais modesta do que anteriormente. Isso contrasta fortemente com o que acontecia na época de alta inflação, quando aumentos nominais elevados eram rapidamente compensados pela elevação dos preços.

De qualquer forma, no final da década de 1990, houve inequivocamente um ponto de inflexão no relacionamento entre o governo federal e as unidades subnacionais, representado pela combinação dos acordos de renegociação das dívidas estaduais e municipais, seguido da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Os acordos de renegociação implicaram a federalização das dívidas, em troca de que os Estados e municípios beneficiados se tornassem devedores da União, de tal modo que esta fosse ressarcida ao longo de 30 anos, mediante pagamento de prestações mensais com um juro real implícito de 6%, na forma de uma Tabela Price, sujeitas a um teto de 13% da receita das unidades devedoras. O contrato foi feito de tal modo que, em caso de inadimplência, a União pudesse ser compensada por meio da retenção de transferências e, no limite, da apropriação do ICMS no circuito bancário, o que praticamente impedia o devedor de aplicar um default. Quem tentou isso, por vias transversas, foi o governador de Minas Gerais, Itamar Franco, em 1999, e rapidamente foi levado a perceber que o que o Estado deixava de pagar por um lado, lhe era retirado por outro, o que acabou gerando um clearing das operações alguns meses depois.

Adicionalmente, a Lei de Responsabilidade Fiscal, por meio do seu Artigo 35, proibiu posteriormente de forma explícita a renegociação das dívidas com outras entidades, anulando conseqüentemente a possibilidade de novas revisões posteriores dos acordos já assinados e pondo fim a um histórico de décadas de casos de moral hazard em que, quando chegava o momento de um Estado honrar a sua dívida, ela era novamente renegociada, sem que houvesse um pagamento efetivo da mesma.

Por outro lado, em que pese a mudança institucional profunda representada pelo binômio acordos de renegociação/LRF, a verdade é que, para melhorar a sua situação, os Estados e municípios se beneficiaram significativamente do aumento da receita verificado depois de 1998. Em parte, porque a arrecadação do ICMS se viu positivamente afetada por alguns efeitos específicos sobre os produtos nos quais a incidência de alíquotas é maior, tais como a majoração das alíquotas sobre telefonia em vários Estados ou os aumentos reais dos preços dos derivados de petróleo, e, em parte, pelo já citado incremento das transferências a Estados e municípios. Observe-se, na Tabela 19, que a receita de ICMS elevou-se em nada menos que 1,3% do PIB entre 1998 e 2008, o que se soma ao plus das transferências da União de 1,6% do PIB também entre 1998 e 2008, já explicitado na Tabela 10. O "delta" de receita de quase 3% do PIB entre esses dois anos explica, naturalmente, a passagem do resultado primário de Estados e municípios de um déficit de 0,2% do PIB em 1998, para um superávit previsto de 1,1% do PIB em 2008, na Tabela 1.

Já no caso das empresas estatais, a Tabela 4 aponta também para a natureza algo anômala dos resultados particularmente negativos do período 1995/1998 e a retomada aproximada, a partir de 1999, do nível de superávit primário expresso como proporção do PIB verificado, em média, nos dez anos 1985/1994. O destaque, no caso, cabe ao ocorrido no âmbito das empresas estatais estaduais e municipais - especialmente as primeiras - que, no conjunto, apresentaram um déficit primário de 0,4% do PIB em 1995 e de uma média de 0,2% do PIB nos quatro anos 1995/1998 e que, nos dez anos 1999/2008, tiveram um superávit primário de 0,1% do PIB. Isso foi em parte reflexo da privatização de empresas estaduais deficitárias no governo FHC e da melhora operacional das estatais remanescentes sob controle estadual. Já as estatais federais tiveram superávit primário médio de 0,2% do PIB durante 1995/1998, ampliado para uma média de 0,6% do PIB nos dez anos 1999/2008 (Tabela 1). A explicação para isso esteve ligada, parcialmente, ao novo choque do petróleo do período e aos excelentes resultados da Petrobras. Como esta se tornou auto-suficiente na década atual e praticou uma política pela qual, grosso modo, seus preços acompanham, ainda que com alguma defasagem, os internacionais, a majoração das tarifas dos derivados de petróleo a partir dos sucessivos aumentos dos preços do barril, somada ao amadurecimento das melhoras de gestão introduzidas na empresa após o fim do monopólio do petróleo em 1995, gerou lucros expressivos. Esses se refletiram no superávit primário da empresa, cuja dinâmica domina amplamente a trajetória do resultado primário das empresas estatais federais.

4 A TRAJETÓRIA DA DÍVIDA PÚBLICA23 23 Sobre as tendências históricas da evolução da dívida pública brasileira antes do período aqui analisado, ver Rocha (1997).

A dívida líquida do setor público - oficial, incluindo a base monetária - no Brasil começou a ser apurada, no conceito atual, no início da década de 1980, quando era de pouco mais de 20% do PIB.24 24 Há diversos analistas que sustentam que, a exemplo de muitos países desenvolvidos, o indicador por excelência de endividamento público deveria ser a dívida bruta. A controvérsia é interessante, porém, dada a maior tradição no uso do indicador líquido no Brasil e considerando as mudanças metodológicas introduzidas recentemente pelo Banco Central nas estatísticas de dívida bruta - alterando inclusive a série retrospectivamente -, é ainda difícil adotar esse conceito, enquanto ele não se firma mais entre os especialistas no tema. A partir de então, escalou até um máximo de 56% do PIB em meados daquela década, quando ela era predominantemente externa e foi afetada pela desvalorização real de 1983. Nos anos seguintes, sucessivos casos de subindexação da dívida fizeram com que, apesar da existência de déficits públicos elevados, a dívida perdesse peso relativo, processo esse que se acentuou na primeira metade dos anos de 1990, quando, na prática, a combinação de um déficit operacional nulo, conjuntamente com uma senhoriagem elevada associada à existência de alta inflação, encolheram a dívida para 30% do PIB em 1994. Com a nova série do PIB nominal, ela alcançou um vale de 28% do PIB em 1995, ano esse a partir do qual aumentou durante oito anos consecutivos, até 52% do PIB em 2003. A consciência de que o setor público estava flertando com o default, acentuada pelo fato de que, com a série antiga do PIB conhecida na época, a dívida tinha chegado a ser da ordem de 60% do PIB - alguns anos antes da revisão do PIB nominal - parece ter introjetado no comportamento tanto do mercado como do governo - o anterior, de FHC, e o de Lula - um comportamento que se assemelha à "intolerância à dívida" (debt intolerance) de Reinhart et al. (2003), no sentido de fornecer apoio à estratégia fiscal que fosse necessária para evitar o risco de inadimplência. Desde 2003, então, a dívida passou a cair como proporção do PIB e hoje é de 41% do PIB (Tabela 20).

Neste processo, destacaram-se os seguintes aspectos:

  • as mudanças radicais na composição da dívida pública ao longo do tempo: a dívida externa líquida chegou a ser quase irrelevante até 1996, tornou-se crescentemente importante até 2002 e voltou a perder peso daí em diante, a ponto de, atualmente, o setor público brasileiro ser credor líquido do exterior (dívida negativa);

  • o aumento perigoso, por outro lado, da importância relativa da dívida mobiliária federal que, em 1991, - mesmo incluindo os NCZ$ então bloqueados do Plano Collor - era de apenas 5% do PIB, já alcançara 12% do PIB em 1994, no começo do Plano Real; escalou até 34% do PIB no final do governo FHC em 2002, e atinge 42% do PIB hoje, como contrapartida do processo de acumulação de reservas internacionais, que reduziu a dívida externa líquida do setor público, mas aumentou a interna;

  • as mudanças na evolução da dívida renegociada, que representa um crédito da União e um débito dos Estados e municípios, crescente até 2003 por causa da forte influência do IGP - que aumentou mais do que o deflator do PIB -, mas lentamente declinante a partir de então, e

  • a importância decisiva dos "ajustamentos patrimoniais", ou seja, de fenômenos "abaixo da linha", desvinculados da evolução do fluxo das NFSP e associados aos efeitos cambiais sobre a dívida pública e ao reconhecimento de passivos contingentes, conhecidos como "esqueletos".

    25 25 Atualmente, porém, não há grandes ajustes remanescentes que perdurem como "esqueletos" potenciais para reconhecimento futuro. Indício dessa tendência é a queda recente da relação "Demais efeitos/PIB" na última linha da Tabela 20, fruto da virtual ausência de novos reconhecimentos relevantes de dívidas antigas na década atual, combinados com o aumento do denominador (o PIB). Nos últimos anos, antigos "esqueletos", como os precatórios ou as sentenças judiciais do INSS, têm afetado diretamente os fluxos do resultado primário, gerando a cada ano certo volume de gastos na composição da despesa total. Embora conceitualmente eles correspondam ao reconhecimento, ano a ano, de dívidas antigas, não há estatísticas fidedignas disponíveis acerca do montante desses estoques de endividamento.

Este último aspecto é crucial para entender a evolução da dívida pública desde 1998. Até então, esses ajustamentos tinham adicionado apenas 1% do PIB à dívida líquida. Entre 1998 e 2002, porém, eles impactaram a dívida em mais 17% do PIB, o que explica por que, apesar do ajustamento fiscal de 1999/2002, a dívida pública continuou aumentando.26 26 Em parte, isso se deve ao impacto da desvalorização cambial de 1999/2002 sobre o peso relativo da dívida interna indexada ao dólar. Essa dívida era responsável por parte não desprezível da dívida mobiliária e, em 1998, correspondia a 7% do PIB. Com a desvalorização, aumentou para 9% do PIB em 1999 e a combinação de maiores emissões desses títulos, com novas desvalorizações, levou essa dívida a ser de 13% do PIB em 2002. Nos anos seguintes, com a apreciação cambial verificada e o fim do interesse por esses papéis, essa dívida desapareceu, sendo substituída por outras modalidades de endividamento interno. Já nos anos posteriores a 2002, os ajustamentos patrimoniais jogaram a favor e diminuíram a dívida líquida. Já o estoque da "dívida fiscal" das estatísticas do Banco Central caiu apenas 2% do PIB entre 2002 e 2008.

Embora a evolução da dívida interna inspire cuidados e impeça afirmar que a crise fiscal foi totalmente superada, além da queda da relação dívida pública/PIB, há outros três elementos que merecem destaque na evolução da dívida pública nos últimos anos. O primeiro deles foi a redução paulatina não só da dívida interna indexada ao câmbio, como também da parcela vinculada à taxa SELIC (LFT), que chegou a ser de 69% da dívida em 1998 (Tabela 21). Conjuntamente com a dívida indexada ao câmbio, eram nada menos que 75% da dívida em 2002. Já de 2003 em diante, a parcela de títulos prefixados e indexados a índices de preço, portanto em ambos os casos com juros não associados à taxa SELIC, foi em linhas gerais aumentando progressivamente - ainda que com pequenas oscilações - de apenas 13% da dívida mobiliária federal em 2002, até 51% atualmente, ao mesmo tempo em que a dívida cambial desapareceu e a dívida ligada à SELIC caiu para 32% do total.

O segundo elemento a merecer destaque é o aumento da participação de títulos prefixados longos na parcela dos prefixados. Trata-se das NTN-Fs, títulos de até dez anos, que têm sido lançados em proporção crescente vis-à-vis os tradicionais títulos prefixados de curto prazo (LTNs). As NTN-Fs respondiam por apenas 1% do estoque de títulos prefixados em 2003 e são responsáveis por 28% dos prefixados atualmente, com isso contribuindo para o aumento expressivo do prazo médio da dívida prefixada, que era de apenas três meses em 2002 e hoje é de aproximadamente um ano e meio (Tabela 22). O prazo médio da dívida total não tem muito significado porque o Tesouro pode emitir LFTs longas, que em caso de aumento da taxa dos juros afetarão imediatamente todo o estoque da dívida associado à taxa SELIC. Nesse sentido, o aumento do prazo médio da dívida prefixada é um indicador de confiança muito maior no futuro da economia que o prazo da dívida total.

O terceiro elemento que merece ser citado é a redução dos juros associados aos títulos de longo prazo. Como envolvem uma considerável dose de incerteza, ligada ao comportamento futuro de uma economia como a brasileira, com uma instabilidade inflacionária histórica, o risco de carregar esses títulos em carteira é elevado e, portanto, a evolução das suas taxas é um indicador importante de confiança no futuro. A esse respeito, vale dizer que, ainda em 2006, o governo lançava NTN-s (títulos prefixados) de médio prazo, na época para 2012 (seis anos) com juros nominais de até 17%. Já em 2007, chegou a fazer leilões de NTN-Fs pagando taxas nominais de apenas 10%. Nos últimos meses, diante da perspectiva de um ciclo temporário de alta dos juros e da pressão inflacionária, as taxas voltaram a ser de quase 14%, esperando-se que, se a inflação ceder, elas possam cair novamente, a partir do final de 2009.

Em linhas gerais, pode-se dizer que, para um País caracterizado por muitos anos por ter uma dívida pública: a) crescente; b) com taxas de juros muito elevadas; c) fortemente suscetível ao impacto dos juros do overnight, e d) concentrada no curto prazo, o Brasil está caminhando gradualmente no sentido de ter uma estrutura de dívida mais madura e, além de ter uma dívida pública declinante, exibe taxas de juros reais menores que no passado; tem uma dívida menos ligada aos juros da SELIC, e vem progressivamente alongando a maturidade dos vencimentos dos papéis.

5 OS DESAFIOS A ENFRENTAR

Decorridos 14 anos da estabilização, nove desde o ajuste fiscal iniciado em 1999 e cinco desde o começo do declínio da relação dívida pública/PIB depois de 2003, a situação é propícia para que se faça um balanço dos novos desafios a serem enfrentados na área fiscal.

Algumas das afirmações feitas nesta seção se apóiam no que se poderia denominar genericamente de "saber convencional", embora se possa aceitar a crítica de que elas não se derivam de evidências empíricas econométricas. Identificar com precisão tais relações causais pode ser um bom objeto de pesquisa futura, que vai além do escopo deste trabalho, suficientemente extenso a ponto de inibir novas áreas de expansão. Não seria adequado, porém, após a descrição feita de quase vinte anos de política fiscal, concluir o artigo sem algumas recomendações de política que nos parecem bastante relevantes como saldo da análise feita.

Seis desafios parecem particularmente relevantes. Um dos mais importantes dentre eles é o aumento do investimento público.27 27 Para uma análise exaustiva desta questão específica, ver Afonso e Biasoto (2007). Embora seja razoável julgar que, após as privatizações dos anos de 1990 e de fenômenos como as concessões - em particular, na área rodoviária -, as exigências de investimento por parte do setor público não têm por que serem as mesmas que nos anos de 1970, é praticamente consensual entre as diversas correntes de pensamento que o baixo investimento público das últimas duas décadas é um dos responsáveis pelo fato de o País não ter tido uma taxa de crescimento maior da sua economia no período. Há setores onde a presença do Estado continuará sendo fundamental, a exemplo do que se verifica mesmo em países onde o setor privado opera sem restrições e a regulação setorial é adequada. A Tabela 23 dá uma idéia de quão longe o País está dos níveis de investimento público registrados em épocas mais distantes, o que exigirá uma maior atuação do governo e um aumento desse tipo de despesa.28 28 A Tabela 23 não é afetada pela privatização de empresas como a Telebrás ou a Vale do Rio Doce, cujos montantes do investimento afetavam naturalmente as estatísticas das empresas estatais, mas não as do governo e da Eletrobrás, que aparecem na tabela citada.

O segundo grande desafio é diminuir a carga tributária. Embora a reversão ao passado seja provavelmente utópica, uma vez que muitos dos fatores que geraram a necessidade de financiar novos gastos mediante uma maior pressão tributária são irreversíveis - como o efeito do aumento do salário mínimo sobre as despesas previdenciárias e assistenciais -, o fato é que, assumindo que a carga tributária elevada atue como um elemento negativo para o crescimento econômico, o País poderia, uma vez superada a emergência fiscal das últimas duas décadas, desfazer parcialmente o aumento da carga impositiva observado desde meados dos anos de 1990 (Gráfico 1). Ainda que retornar a uma carga de 25% do PIB seja irrealista, em um contexto de redução da despesa de juros e menor superávit primário, uma carga tributária mais próxima de 30% do PIB poderia ser um objetivo viável para daqui a 15 ou 20 anos. Isso poderia contribuir, assim como o maior investimento, para alavancar as taxas de crescimento do PIB.


O terceiro desafio é conter a expansão das dívidas interna e mobiliária. Embora a dívida líquida do setor público esteja em queda, a mudança de composição tem feito que a dívida interna, que era de 22% do PIB em 1994 e atingira 38% do PIB em 2002, tenha aumentado até 51% do PIB atualmente. Ao mesmo tempo, a dívida mobiliária federal passou de 12% do PIB em 1994, para 34% do PIB em 2002 e 42% do PIB atualmente. Ainda que tais fenômenos sejam em parte a contrapartida da transformação recente do setor público em um credor externo líquido, a continuidade desse processo é indesejável, sendo recomendável, no futuro, reduzir o coeficiente de ambas dívidas - a interna e a mobiliária - em relação ao PIB.

O quarto desafio - ligado ao anterior - para a próxima década, é perseguir superávits nominais, em moldes similares aos adotados há vários anos pelo Chile.29 29 Sobre a política fiscal no Chile, ver OECD (2005). Há alguns anos, isso seria irrealista, pois com a carga de juros que o País pagava, implicaria ter superávits primários impossíveis de atingir. Com a queda dos juros, porém, o desafio é persistir gerando superávits primários importantes ainda por alguns anos, de tal forma que, no limite, em algum momento a despesa de juros ceda a ponto de ser menor que o esforço primário, implicando reduções sucessivas da dívida pública mesmo em termos nominais, supondo que a geração de "esqueletos" tenda a desaparecer no futuro. Atingir superávits nominais, ou seja, NFSP nominais negativas, é um propósito que tem uma lógica clara, associada ao efeito favorável que isso teria sobre: a) a dinâmica da dívida interna que, na presença de superávits nominais, poderia vir a cair; b) a expansão de crédito, e c) a melhora de rating do País pela queda rápida da relação dívida/PIB. Entretanto, alcançar o objetivo não será tarefa fácil, por não depender apenas da redução da SELIC. Repare o leitor que, na Tabela 2, entre 2005 e 2007, a carga de juros nominais cedeu apenas de 7,3% para 6,2% do PIB, em que pese o fato de a SELIC, como se pode ver na Tabela 24, ter diminuído muito mais, em termos relativos. A explicação para esse descompasso se encontra ligada a dois fenômenos. Por um lado, ao aumento das reservas internacionais, cuja contrapartida é uma elevação da dívida interna (Tabela 20) sobre a qual incidem juros maiores que os que são recebidos na aplicação daquelas. Por outro, à mudança na composição da dívida, uma vez que o alongamento de prazos tem um custo. Em 2007, por exemplo, a SELIC janeiro/dezembro foi de 11,9%, mas o estoque de NTN-Fs (títulos de longo prazo prefixados) no mesmo período teve um custo médio maior, de 13,0%, por conta de títulos emitidos em épocas anteriores, com juros elevados, mas com prazo longo e que, portanto, afetarão a dívida até seu vencimento. Esses dois fatores amorteceram o efeito da redução da SELIC sobre a taxa de juros implícita da dívida líquida do setor público, taxa essa que vem caindo, porém muito suavemente.

O quinto grande objetivo pode, a rigor, ser considerado o primeiro, uma vez que é o requisito necessário para viabilizar os outros. Ora, se o que se quer é: i) aumentar o investimento público; ii) diminuir a carga tributária e, ao mesmo tempo; iii) obter superávits nominais para diminuir a dívida pública, a queda da taxa de juros pode não ser suficiente para permitir esses efeitos simultâneos, o que significa que o quarto objetivo deve ser o de conter a expansão do gasto corrente. Mostramos, na Tabela 9, que o gasto primário do governo central terá se expandido a uma média real de 6% a.a. nos 17 anos de 1991 a 2008 (inclusive) equivalente ao dobro do crescimento anual da economia no período. Sabendo que essa expansão do gasto foi centrada no gasto corrente, uma vez que o investimento público se deteriorou no período, é preciso agora viabilizar o oposto do que ocorreu nesses anos e alcançar um crescimento do gasto corrente que, embora positivo - por uma série de pressões políticas e sociais que não será possível evitar, como as ligadas à demografia -, seja inferior ao crescimento do PIB. Uma conta simples ajuda a entender o potencial disso: partindo de uma despesa corrente do governo central - excluindo transferências a Estados e municípios - da ordem de 17% do PIB, se, quando o PIB cresce 4,5%, a despesa corrente aumenta 3,5%, em um ano, a relação gasto/PIB diminuirá apenas 0,16% do PIB, mas em dez anos, a redução pode ser substancial, alcançando 1,56% do PIB - mais do que se arrecadou com a CPMF em 2007.

O sexto desafio é repensar as estatísticas fiscais. Chegou o momento de avaliar até que ponto um sistema de estatísticas montado há aproximadamente 25 anos é o mais adequado para a realidade atual. Quando, em 1983, o Brasil iniciou o sistema de apuração das NFSP e da dívida pública - retroativos até 1981, ainda que com dados precários -, a realidade fiscal era marcada pelo predomínio notório do problema do elevado endividamento das empresas estatais. Não levar isso em consideração teria gerado, portanto, um diagnóstico falso acerca dos problemas da época. Nas atuais circunstâncias, porém, a realidade é completamente diferente, a ponto de as empresas estatais serem credoras líquidas (Tabela 25).

No caso das empresas estatais federais, especificamente, a Tabela 26 mostra os efeitos de sucessivos superávits primários na geração de caixa dessas empresas, com destaque para a Petrobras. Ainda em 1998, elas eram, no conjunto, responsáveis por uma dívida líquida de 0,5% do PIB, transformada em um crédito líquido de 2,7% do PIB em 2007. A pergunta-chave é se faz sentido, do ponto de vista empresarial das estatais, continuar acumulando ativos financeiros que diminuem a dívida líquida, apenas pelo fato de que, se estes se transformarem em investimentos, serão captados pela estatística fiscal como uma redução do superávit primário consolidado.

Para perceber os problemas conceituais que a forma de apuração atual pode gerar, imagine-se, para facilitar o raciocínio, que o setor estatal se limite à Petrobras e que esta seja de propriedade do Tesouro na proporção de 50% mais uma ação. Se o governo vender duas ações, formalmente a empresa se tornaria privada e deixaria de fazer parte das estatísticas fiscais. Ora, é óbvio, porém, que os efeitos macroeconômicos de a Petrobras investir mais ou menos ou praticar os preços X ou Y serão exatamente os mesmos antes ou depois da venda das duas ações. Considerando que o que se deseja com o cálculo do resultado fiscal é apurar o impacto da atuação do governo sobre a demanda agregada, o Brasil deveria progressivamente migrar para um sistema similar ao adotado na maioria dos países avançados e em muitas economias emergentes, onde o indicador fiscal por excelência é o resultado do governo central ou, alternativamente, do governo geral (incluindo as unidades subnacionais), mas sem considerar as empresas estatais. Na prática, até agora isso tem sido difícil de viabilizar, diante da necessidade de mostrar um superávit primário próximo a 4% do PIB e em face da contribuição decisiva que para tal vem sendo dada pelas estatais. Entretanto, a caminho de uma situação em que, a partir de algum momento da próxima década, já com a dívida pública em franco declínio, o superávit primário possa diminuir, a exclusão do resultado das estatais - ou, pelo menos, daquelas não dependentes do Tesouro, como a Petrobras - do cômputo do resultado fiscal pode ser um tema que entre progressivamente na agenda fiscal futura.

Com o mesmo objetivo de adequar as nossas estatísticas ao padrão de outros países, deve-se pensar também em excluir a base monetária da dívida pública, algo que representa uma raridade no conjunto dos países. Embora isso deva ser muito bem explicado, uma vez que se trata de um passivo de 5% do PIB, a atitude se justifica, uma vez que ela não gera juros. A medida poderia ser adotada simultaneamente com a exclusão das estatais das estatísticas - que gera um efeito oposto, aumentando a dívida pública líquida total, já que, atualmente, elas são credoras líquidas. Para evitar a acusação de perda de transparência, pode-se pensar em continuar a divulgar as estatísticas das estatais em separado, no site do Banco Central, como é feito hoje para as estatísticas do resultado operacional, mesmo quando o resultado fiscal oficial é dado com base no conceito nominal. A base monetária continuaria a ser divulgada, de qualquer forma, como parte das estatísticas monetárias.

6 CONCLUSÕES

O objetivo deste trabalho foi permitir ao leitor ter um quadro ao mesmo tempo retrospectivo e relativamente detalhado das contas públicas no Brasil, na década de 1990 e na década atual. Entre 1991 e 2008, mesmo ignorando a distorção metodológica que resulta de comparar dados atuais a partir da nova série do PIB com dados até 1994, calculados com a antiga metodologia (que subestimava o PIB e portanto superestimava os coeficientes de certas variáveis expressas como fração do produto), a receita bruta do governo central, apurada atualmente nas estatísticas regulares da STN, terá passado de 14,6% para 25,0% do PIB. Nesses mesmos 17 anos, o gasto primário do governo central terá aumentado de 13,7% para 22,3% do PIB. As variações que esses números representam correspondem, em média, a um "delta" a cada ano de 0,6% do PIB de receita adicional na comparação com o ano imediatamente anterior, e a um "delta" de gasto primário de 0,5% a mais a cada ano, na mesma comparação. Trata-se de uma política que pode muito bem ser qualificada como spend-and-tax policy (BICALHO, 2005).

Não houve inflexões relevantes nesse período. Considerando que outros indícios referentes a indicadores mais antigos no tempo apontam para um fenômeno similar na comparação do que ocorreu com o advento da Nova República em relação aos anos pré-1985, trata-se de uma realidade que, longe de marcar um governo específico, caracterizou um longo período histórico de quase 25 anos.

No que se refere aos dados anteriores a este trabalho, como se pode ver na Tabela 27, Ricardo Varsano mostra, com base nos dados do IBGE, que a soma dos itens "salários e encargos sociais", "outras despesas correntes", "assistência e previdência social" e "subsídios" nas Contas Nacionais, que, na média do período 1981/1985, tinha sido de 20,8% do PIB, aumentou para 23,8% do PIB na média de 1986/1990 e para 27,2% do PIB na média de 1991/1994 (VARSANO, 1996).

A tendência ao aumento da despesa como proporção do PIB, de fato iniciada no governo Sarney (1985/1989), percorre a administração Collor/Itamar Franco (de 1990/1994); intensifica-se nos oito anos do governo FHC (1995/2002), ainda que atenuada pela mudança metodológica que aumentou o PIB na nova metodologia do IBGE a partir de 1995, e consolida-se nos dois governos de Lula, de 2003 em diante. Em todos os casos, cada presidente entregou o País no final do mandato com uma despesa maior, como fração do PIB, do que no final da gestão anterior.

Nos debates acerca da situação fiscal brasileira, costuma aflorar recorrentemente a idéia de que uma estratégia adequada seria combinar a redução do peso relativo do gasto, com um aumento do dispêndio entendido como "social". Implícita nessa proposta, está a idéia de que, sendo as despesas sociais vistas pela opinião pública como "corretas" e havendo um repúdio à carga tributária e, por extensão, ao gasto público lato sensu maior que ela financia, as fontes de pressão sobre a despesa observadas nas últimas duas décadas seriam passíveis de uma correção, sem prejuízo do atendimento dos objetivos ligados à ampliação do gasto social.

A Tabela 28 sugere que essa visão não parece se coadunar com os fatos. Enquanto a Tabela 6 mostra que, entre 1991 e 2008, houve uma expansão da despesa primária da ordem de 8,5% do PIB, a Tabela 28 sugere, com as qualificações que se pode fazer para dados mais antigos, que praticamente toda a variação do gasto público do governo central explica-se por gastos geralmente rotulados como "sociais", somados ao aumento das transferências a Estados e municípios que resulta da maior carga tributária federal necessária para financiar o incremento do gasto - parte da qual, pelo mecanismo da distribuição de recursos com as unidades subnacionais, acaba redundando em nova despesa.30 30 Para os dados de 1994 como porcentual do PIB, usados em alguns casos como proxy para o dado de 1991, na ausência de informação específica, ver Além e Giambiagi (1999).

À luz de tais fatos, é importante que a agenda de reformas, defendida no início do governo Lula em documento oficial (SPE, 2003) e por diversos participantes do debate, seja retomada para melhorar a qualidade do ajuste implementado nos últimos dez anos.31 31 Sobre propostas de reformas tributária, ver Varsano e Afonso (2004). Sobre a conveniência de reduzir a rigidez orçamentária associada às vinculações, ver Velloso (2005). Em particular, paralelamente a uma reforma tributária que diminua as distorções atuais, que são um dos obstáculos a uma intensificação maior do ritmo de crescimento, seria conveniente aprovar medidas que permitam modificar as regras que regem o sistema de aposentadorias e pensões; estabelecer limites ao crescimento do gasto corrente, e ter uma redução do grau de vinculações orçamentárias, como forma de abrir espaço para um aumento do investimento público.

A importância de uma agenda de reformas torna-se mais clara quando se analisa a composição do gasto público - exposta de forma desagregada ao longo de diversas tabelas do trabalho - na Tabela 29, com os números previstos para 2008. Com uma despesa primária de mais de 22% do PIB, pode parecer intuitivamente razoável promover um corte do gasto público da ordem de 1% do PIB, por exemplo - ou seja, de menos de 5% do total. Entretanto, ao decompor as despesas, nota-se que a combinação de fatores legais ou constitucionais - como a proibição de demissão d]paralisar o governo e a inviabilizar a sua capacidade de articulação política no Congresso Nacional. Daí por que é importante aprovar, em particular, medidas de redução das vinculações e de controle do gasto corrente - que permitam diminuir gradativamente a relação gasto/PIB, ao fazer com que o numerador aumente menos que o denominador - além de uma reforma previdenciária que idealmente leve a diminuir o peso relativo da despesa do INSS ao longo do tempo.

Os dados apresentados no trabalho nos permitem destacar seis grandes conclusões:

  • nos últimos 17 anos, o gasto primário do governo central cresceu a uma taxa média real anual de 6%, correspondente a duas vezes o crescimento médio da economia (

    Tabela 9);

  • todas as quatro grandes rubricas de gasto tiveram uma expansão maior que a do PIB, com destaque para as despesas do INSS;

  • depois de duas décadas de forte expansão do gasto público, é importante conter o ritmo de crescimento do gasto público corrente, como forma de ampliar o espaço para o aumento do investimento público e reduzir a carga tributária;

  • por outro lado, a idéia de que, na ausência de grandes reformas, as contas públicas poderão marchar para um colapso no horizonte dos próximos anos, poderá se revelar equivocada, se a economia tiver uma expansão da ordem de 4% a 5% a.a.;

  • a coordenação entre as políticas monetária e fiscal continua a ser um dos maiores desafios a serem enfrentados pelas autoridades econômicas no futuro, uma vez que, desde o lançamento do plano de estabilização em 1994, tem havido um peso excessivo do ônus da política sobre o Banco Central, ao mesmo tempo em que o gasto público tem se expandido fortemente, contribuindo assim negativamente para a política antiinflacionária, e

  • embora a redução da dívida pública observada nos últimos anos deva ser comemorada, o fato de a dívida interna líquida ter passado de 14% do PIB em 1991, para 22% do PIB em 1994; 33% do PIB em 1998; 38% do PIB em 2002; 47% do PIB em 2006, e 51% do PIB atualmente, é um indicador preocupante e que deve ser monitorado com cuidado nos próximos anos.

É importante, por último, estabelecer algumas precisões acerca do terceiro e quarto pontos. A realização de novas reformas, conforme ficou claro no texto, seria importante para conter o ritmo de expansão da despesa corrente e abrir assim mais espaço para a realização de novos investimentos. Daí a importância de reformar a Previdência Social, diminuir o grau de vinculações e limitar o crescimento da despesa corrente. Por outro lado, é preciso enfatizar que parte do aumento do gasto ocorrido nos últimos 4 ou 5 anos decorreu de efeitos once and for all (incremento do auxílio-doença, aumento dos gastos do INSS com dispêndios judiciais, etc.), de decisões discricionárias (como, por exemplo, os aumentos do salário mínimo) ou que não irão se repetir com a mesma intensidade nos próximos anos (como o alargamento do espaço do Bolsa-Família). Portanto, a idéia de que, na ausência de reformas estruturais, o País poderá enfrentar um colapso das contas públicas no horizonte dos próximos anos, poderá se revelar equivocada, se a economia tiver um crescimento da ordem de 4% a 5% a.a. A Previdência é um desafio maiúsculo, mas é um problema associado ao longo prazo; a despesa com pessoal deverá crescer a um ritmo menor no futuro imediato, após os aumentos de 2006 a 2008; o cumprimento das metas do Bolsa-Família deverá naturalmente arrefecer a expansão das outras despesas de custeio, e, finalmente, a despesa de juros deverá ser menor que nos últimos anos. Problemas importantes, porém, deverão aflorar caso a economia tenha um crescimento modesto, uma vez que, nesse caso, a combinação de um crescimento vegetativo forte do gasto - como aquele, por exemplo, causado pela Previdência Social, em função de fatores demográficos -, com um menor crescimento do PIB, elevaria a relação gasto/PIB, exatamente quando a receita passaria a crescer a um ritmo menor.

O risco de não fazer novas reformas não é tanto o de causar uma explosão do gasto no futuro próximo e sim o de não abrir espaço fiscal para a realização das obras de infra-estrutura que o País tanto precisa e que devem, em parte, implicar uma participação importante do governo. Nesse sentido, a médio prazo, se o gasto corrente não for contido no futuro, o preço a pagar pode não ser o default da dívida pública, mas sim a frustração da expectativa de um crescimento econômico sustentável maior, mais próximo dos 5% a.a.

Recebido em setembro de 2007.

Aceito para publicação em julho de 2008.

Um dos avanços mais importantes ocorridos no Brasil nas últimas duas décadas em termos fiscais foi o da evolução das estatísticas. Os marcos desses avanços foram os seguintes:

  • 1991. Início da apuração das estatísticas "acima da linha" do governo central, da forma em que são divulgadas atualmente. Elas eram, na época, coletadas pela Secretaria de Política Econômica (SPE) com a metodologia posteriormente adotada a partir de 1997 pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN).

  • 1995. Início da divulgação do resultado fiscal "abaixo da linha" pelo Banco Central em bases periódicas (mensais) referentes ao mês (t-2) através da "nota para a imprensa", em substituição ao antigo "Brasil-Programa Econômico", onde a divulgação era feita irregularmente e com grande defasagem. Desagregação do resultado das empresas estatais entre estatais federais, estaduais e municipais. Na

    Tabela 1 do trabalho, este dado aparece já em 1994, por conta de uma inferência do autor. Para 1994, o dado das estatais federais corresponde à informação apurada pela antiga Secretaria Especial de Controle das Empresas Estatais (SEST). O dado das empresas estaduais foi calculado por diferença, dado o resultado consolidado das estatais apurado pelo Banco Central e supondo, a partir do dado registrado em 1995, que o resultado primário das estatais municipais fosse irrelevante, sendo assumido, por hipótese, como nulo.

  • 1997. Redução da defasagem da divulgação dos dados do Banco Central de dois meses para um mês, passando a divulgação do resultado fiscal a se referir ao mês (t-1). Substituição do conceito das necessidades de financiamento "operacionais" pelas "nominais" como indicador do desempenho fiscal por excelência, o mesmo ocorrendo com os juros. Início da divulgação do resultado "acima da linha" do governo central pela STN em bases regulares (mensais).

  • 1998. Desagregação do resultado das unidades subnacionais entre Estados por um lado e municípios por outro. Adoção do critério de "gasto efetivo" para as informações de gasto "acima da linha" do Tesouro Nacional. Até 1997, os dados da despesa do Tesouro eram apurados com base na liberação dos recursos por parte deste às unidades gestoras. A partir de 1998, o dispêndio da STN passou a computar o que é efetivamente liberado na ponta pelos órgãos responsáveis pela execução da despesa.

  • 2004. Desagregação, na divulgação dos dados da STN, retroativa a 2003, dos dados "acima da linha" das "outras despesas de custeio e capital" (OCC), mostrando o gasto de cada órgão (Ministério) dividido entre despesas de consumo por um lado e investimento, por outro.

O resultado desse conjunto de inovações representa um contraste expressivo em relação ao quadro das estatísticas existente até o final dos anos de 1980. Naquelas circunstâncias, os dados fiscais "abaixo da linha" do Banco Central eram: a) divulgados irregularmente; b) disponibilizados apenas através de papel; c) conhecidos com grande defasagem de tempo; d) sujeitos a grandes revisões posteriores; e) muito agregados; f) desacompanhados da divulgação correspondente aos dados "acima da linha" do governo central, e g) apenas parcialmente confiáveis, em virtude dos problemas citados. Por contraste, as estatísticas atuais são: a) divulgadas mensalmente; b) lançadas na internet; c) conhecidas no máximo 30 dias após o encerramento do mês; d) raramente sujeitas a revisões importantes; e) muito desagregadas; f) antecedidas 24 horas antes pela divulgação dos dados do governo central por parte da Secretaria do Tesouro Nacional, e g) plenamente confiáveis.

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Apêndice

  • 18 anos de política fiscal no Brasil: 1991/2008

    Fabio Giambiagi
  • 1
    Com espírito similar, porém mais focado nos temas ligados à seguridade social, ver o texto de Serra e Afonso (2007).
  • 2
    Para uma descrição das relações entre resultado fiscal, dívida pública e inflação no Brasil, nos anos de 1980 e primeira metade dos anos de 1990, ver Pastore (1995 e 1997). Para uma visão mais recente sobre as inter-relações entre essas questões, ver Blanchard (2004).
  • 3
    Por contraste, para uma avaliação dos avanços institucionais do Brasil em matéria fiscal, focada no período mais recente, ver Nakaguma e Bender (2006).
  • 4
    O fim do que era conhecido como "orçamento monetário" e da chamada "conta-movimento do Banco do Brasil", que datam da mesma época, são parte desse mesmo processo de modernização iniciado na segunda metade dos anos de 1980. A esses marcos devem ser acrescentadas também a unificação orçamentária e a transferência da gestão da dívida pública, do Banco Central para o Tesouro Nacional.
  • 5
    Para uma reflexão acerca deste debate, baseada não no caso brasileiro e sim no que ocorria naqueles anos em outros países do mundo, ver Kopits (2001).
  • 6
    Cabe registrar que, em 2007, o IBGE divulgou uma série revista do PIB para todo o período 1995/2006, com valores do PIB nominal de cada ano da ordem de 10% superiores aos da série original. Isso diminuiu a importância relativa de diversas variáveis. O que era, por exemplo, 30% do PIB na série original, tornou-se subitamente equivalente, aproximadamente, a 27% do PIB na nova série. Como o resultado decorreu de se captarem mais adequadamente uma série de fenômenos, é razoável inferir que, se o IBGE tivesse retroagido com o mesmo critério para os anos anteriores a 1995, teria sido observado algo similar. Entretanto, como não podemos inventar um valor fictício para o PIB dos anos 1991 a 1994, trabalhamos com o indicador de PIB oficial, o que significa que todas as tabelas com dados expressos em porcentual do PIB embutem uma distorção na passagem de 1994 para 1995. É importante que o leitor tenha isto em mente, embora, para comparações de longo prazo, isso perca relevância, uma vez que o efeito se dilui no conjunto das transformações verificadas na economia brasileira.
  • 7
    Em 2003, a relação dívida pública/PIB aumentou não por expressar um fenômeno real e sim pela forma em que o Banco Central apura esse coeficiente. Como, para comparar com a dívida no final do ano, ele calcula o PIB a preços de 31 de dezembro, multiplicando o PIB nominal pelo coeficiente índice de preços de final do ano/índice de preços médio, e ele faz essa conta usando o IGP (que aumentou muito acima dos demais índices de preço em 2002) o que ocorreu foi que essa metodologia, na prática, "achatou" artificialmente a relação dívida/PIB de dezembro de 2002, pela "supervalorização" do PIB em face do alto coeficiente IGP centrado em 31 de dezembro/IGP médio do ano em 2002. Em 2003, com os índices de preço a caminho da normalização, a relação preços de final do ano/preços médios foi moderada e, ao deixar de supervalorizar o PIB, o coeficiente oficial dívida/PIB captou, naquele ano, um fenômeno real que, na prática, tinha ocorrido no ano anterior. Em 2003, a dívida líquida em termos nominais aumentou apenas 3,6% em relação a dezembro de 2002, mas a dívida líquida passou de 50,6% para 52,4% do PIB, em que pese o fato de a inflação ter sido de quase 10% entre dezembro de 2002 e dezembro de 2003, indicando redução do seu valor em termos reais.
  • 8
    Os números para 2008 que constam das tabelas do trabalho representam uma estimativa do autor, feita com base nas tendências e nos dados divulgados até a conclusão do texto (meados de 2008).
  • 9
    Para uma análise sobre o começo dos anos de 1990, ver Barbosa e Giambiagi (1995). Para a evolução posterior à estabilização de 1994, até o começo da década atual, ver Giambiagi (2002).
  • 10
    Foge ao escopo do trabalho a discussão acerca de se o indicador fiscal mais relevante é representado pelas NFSP operacionais ou nominais, o que requer discutir que tratamento os indivíduos dão aos juros nominais que recebem e se distinguem ou não entre os componentes de "atualização monetária" e "juros reais". Para uma discussão sobre este ponto, anterior à estabilização, ver Cysne (1990).
  • 11
    Conforme os dados da OECD, a dívida pública bruta nos anos de 1990 atingiu 111% do PIB na Grécia, 135% do PIB na Itália e 144% do PIB na Bélgica. Tendo começado seus respectivos processos de ajustamento fiscal em épocas distintas, a velocidade de ajustamento dos países também foi diferente entre si. De um modo geral, porém, nos três casos citados houve uma redução gradual da relação dívida pública/PIB entre a segunda metade da década de 1990 e a situação atual. Na Bélgica, onde o processo foi mais acentuado, a dívida voltou a cair abaixo de 100% do PIB nos últimos anos.
  • 12
    Deve-se lembrar ainda que, além do componente implícito de "correção monetária" associada à compensação pela inflação que está embutida nos juros nominais, há também uma parcela importante de impostos. Adicionalmente, uma parcela não desprezível dos títulos públicos está em poder de instituições financeiras federais. Em outras palavras, se, da parcela atual estimada em aproximadamente 6,4% do PIB de juros nominais, retiram-se o componente de impostos - aproximadamente 20% do rendimento - e do restante aquilo que corresponde à inflação, tem-se um resíduo significativamente inferior ao valor do rendimento original. Por exemplo, em uma remuneração nominal de 12,25% como a taxa SELIC vigente no momento do fechamento deste artigo, o imposto de 20% gera como resultante uma taxa nominal líquida de 9,80%. Se disto se desconta uma inflação de 6,00%, a remuneração real líquida é de 3,58% - ou menos de 30% do rendimento bruto nominal. Para computar aquilo que resta nas mãos do setor privado, é necessário adicionalmente descontar, do total de juros, o fluxo do que é pago às instituições financeiras públicas - com predomínio das grandes instituições federais. Ou seja, o que fica efetivamente, em termos reais, de rendimento de juros na forma de acréscimo de patrimônio em mãos do setor privado, é bem menos do que aqueles 6,4% do PIB.
  • 13
    Cabe lembrar que essas comparações padecem da distorção ligada à revisão do PIB de 1995 em diante, que não retroagiu até 1991, reduzindo os coeficientes em relação ao PIB entre 1994 e 1995.
  • 14
    A diferença, nos últimos anos, da ordem de 1% do PIB, entre a receita do Tesouro nas
    7, se deve à inclusão naquela de itens que não são captados pela estatística da Receita Federal, tais como o recebimento de dividendos por parte da União e a existência de receitas diretamente arrecadadas, que não transitam pela Receita Federal.
  • 15
    Para uma avaliação sobre o tema da eficiência do gasto nesse período, ver a excelente coletânea organizada por Mendes (2006).
  • 16
    Observe-se na
    Tabela 8 que esse potencial redutor da inflação até 1994 foi usado para controlar a evolução das "outras despesas". O
    boom da despesa total até 1994 esteve associado a dois fatores: a) a despesa com inativos da Administração Pública, após a regulamentação do capítulo previdenciário da Constituição, feita em 1991, e b) a dinâmica das despesas do INSS, que captam o aumento do estoque de aposentados rurais por idade de 1,9 milhões em 1991 para 3,8 milhões de pessoas três anos depois, e o aumento físico médio de 10,0% a.a. no período do estoque de aposentados por tempo de contribuição.
  • 17
    No momento em que a estatística da RMV "migrou" de rubrica, ela correspondia a 0,10% do PIB. Isso explica o salto da conta do LOAS entre 2003 e 2004 na
    Tabela 11, já que, até 2003, essa despesa não aparecia nessa estatística.
  • 18
    Uma estimativa pessoal do autor, feita a partir do número quantitativo de benefícios, gerou uma despesa de RMV de 0,15% do PIB em 1997, o que corresponderia a um total de benefícios assistenciais, somada com as despesas de LOAS, de 0,23% do PIB naquele ano. O aumento desde então até os 0,58% do PIB da
    Tabela 11, em 2008, se explica pelo elevado incremento real do salário mínimo nesses mais de dez anos e pelo aumento do número total de pessoas beneficiadas (soma de LOAS e RMV) de 1,8 milhões de indivíduos em 1997, para mais de 3,0 milhões de pessoas atualmente.
  • 19
    Na
    Tabela 13, isso corresponde à soma dos itens "custeio de outros órgãos" e "créditos extraordinários".
  • 20
    Para uma defesa das reformas feitas nesse campo no governo FHC, ver Ornelas e Vieira (1999). Para uma análise minuciosa da reforma previdenciária do governo Lula, ver Zylberstajn
    et al. (2006).
  • 21
    O peso das despesas do INSS no PIB cedeu ligeiramente em 2008 em relação a 2007, pelo fato de que, em 2007, metade dos aposentados e pensionistas que recebem benefícios de um salário mínimo teve adiantado a partir de dezembro daquele ano o seu pagamento, do início do mês seguinte, para o final do mês de competência, gerando, portanto, o pagamento de uma folha a mais naquele ano, enquanto que, em 2008, o número de folhas pagas voltou a ser o normal. Adicionalmente, em 2007/2008 houve um forte crescimento da economia, contribuindo para estabilizar a relação entre as despesas do INSS e o PIB, ao invés de se aproveitar o
    boom da economia para, justamente, diminuir esse coeficiente.
  • 22
    O crescimento real citado é afetado parcialmente pela diferença entre o índice de preços ao consumidor e o deflator implícito do PIB. Deixando de lado 1994 - ano para o qual a comparação, em termos de médias anuais, fica prejudicada pela adoção do novo índice de preços em reais, na transição do início do plano de estabilização - e tomando 1995 como ano-base, supondo para 2008 uma variação média do IPCA de 5,5% e do deflator implícito de 6,0%, tem-se uma variação acumulada, entre as médias de 1995 e de 2008, de 147% do IPCA e de 177% do deflator implícito do PIB.
  • 23
    Sobre as tendências históricas da evolução da dívida pública brasileira antes do período aqui analisado, ver Rocha (1997).
  • 24
    Há diversos analistas que sustentam que, a exemplo de muitos países desenvolvidos, o indicador por excelência de endividamento público deveria ser a dívida bruta. A controvérsia é interessante, porém, dada a maior tradição no uso do indicador líquido no Brasil e considerando as mudanças metodológicas introduzidas recentemente pelo Banco Central nas estatísticas de dívida bruta - alterando inclusive a série retrospectivamente -, é ainda difícil adotar esse conceito, enquanto ele não se firma mais entre os especialistas no tema.
  • 25
    Atualmente, porém, não há grandes ajustes remanescentes que perdurem como "esqueletos" potenciais para reconhecimento futuro. Indício dessa tendência é a queda recente da relação "Demais efeitos/PIB" na última linha da
    Tabela 20, fruto da virtual ausência de novos reconhecimentos relevantes de dívidas antigas na década atual, combinados com o aumento do denominador (o PIB). Nos últimos anos, antigos "esqueletos", como os precatórios ou as sentenças judiciais do INSS, têm afetado diretamente os fluxos do resultado primário, gerando a cada ano certo volume de gastos na composição da despesa total. Embora conceitualmente eles correspondam ao reconhecimento, ano a ano, de dívidas antigas, não há estatísticas fidedignas disponíveis acerca do montante desses estoques de endividamento.
  • 26
    Em parte, isso se deve ao impacto da desvalorização cambial de 1999/2002 sobre o peso relativo da dívida interna indexada ao dólar. Essa dívida era responsável por parte não desprezível da dívida mobiliária e, em 1998, correspondia a 7% do PIB. Com a desvalorização, aumentou para 9% do PIB em 1999 e a combinação de maiores emissões desses títulos, com novas desvalorizações, levou essa dívida a ser de 13% do PIB em 2002. Nos anos seguintes, com a apreciação cambial verificada e o fim do interesse por esses papéis, essa dívida desapareceu, sendo substituída por outras modalidades de endividamento interno.
  • 27
    Para uma análise exaustiva desta questão específica, ver Afonso e Biasoto (2007).
  • 28
    A
    Tabela 23 não é afetada pela privatização de empresas como a Telebrás ou a Vale do Rio Doce, cujos montantes do investimento afetavam naturalmente as estatísticas das empresas estatais, mas não as do governo e da Eletrobrás, que aparecem na tabela citada.
  • 29
    Sobre a política fiscal no Chile, ver OECD (2005).
  • 30
    Para os dados de 1994 como porcentual do PIB, usados em alguns casos como
    proxy para o dado de 1991, na ausência de informação específica, ver Além e Giambiagi (1999).
  • 31
    Sobre propostas de reformas tributária, ver Varsano e Afonso (2004). Sobre a conveniência de reduzir a rigidez orçamentária associada às vinculações, ver Velloso (2005).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      Dez 2008

    Histórico

    • Recebido
      Set 2007
    • Aceito
      Jul 2008
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