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Tratamento anaeróbio de resíduos orgânicos com baixa concentração de sólidos

Anaerobic treatment of organic wastes with low concentration of solids

Resumos

Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar o desempenho de reator anaeróbio compartimentado no tratamento de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos. O reator anaeróbio compartimentado possuía capacidade unitária de 2.200 litros, era dividido em seis câmaras de iguais dimensões e foi operado com tempo de retenção de sólidos de 90 dias. Os resíduos sólidos orgânicos utilizados para alimentação do reator eram constituídos de resíduos sólidos vegetais e de lodo de esgoto sanitário na proporção de 80% e 20%, respectivamente. A mistura desses dois tipos de resíduos originava o substrato, o qual, após a correção da umidade para 95% (percentagem em massa), era alimentado ao reator. A eficiência de redução de material carbonáceo situou-se em torno de 80%, com carga orgânica aplicada de 9,3 kg R SO m-3 dia-1. A taxa de produção de biogás obtida foi de 5,6 L kg-1substrato (base úmida), com percentagem em volume de 50% de gás metano.

reator anaeróbio compartimentado; biogás; resíduos sólidos orgânicos


The object of this study was to evaluate the use of a compartmented anaerobic reactor to treat organic solid waste with low concentration of solids. The reactor with a total capacity of 2.200 liters, divided into 6 equal chambers, was operated at a solid retention time of 90 days. The organic solids used to feed the reactor were comprised by vegetable residues and sanitary sludge in the proportion 80% and 20% respectively. The mixture of these two types of residues after the humidity correction to 95% (percentage by weight) was used to feed the reactor. The removal efficiency of carbonaceous material was approximately 80% at an organic loading of 9.3 kg residual organic solids m-3 d-1. The rate of biogas production was 5.6 L kg-1substrate (wet weight) with a methane concentration of 50% by volume.

compartmented anaerobic reactor; biogas; organic solid waste


ARTIGOS CIENTÍFICOS

SANEAMENTO E CONTROLE AMBIENTAL

Tratamento anaeróbio de resíduos orgânicos com baixa concentração de sólidos

Anaerobic treatment of organic wastes with low concentration of solids

Maria L. D. de LunaI; Valderi D. LeiteII; Wilton S. LopesIII; José T. de SousaII; Salomão A. SilvaIV

IQuímica Industrial, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente, Doutoranda em Recursos Naturais pela UFCG

IIEngº Químico, Doutor em Hidráulica e Saneamento, Professor do DQ/CCT/UEPB

IIIQuímico Industrial, Doutor em Química, Professor do DQ/CCT/UEPB

IVEngº Civil, Doutor em Saneamento pela University of Leeds - Inglaterra, Professor do Departamento de Engenharia Civil/UFCG

RESUMO

Este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar o desempenho de reator anaeróbio compartimentado no tratamento de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos. O reator anaeróbio compartimentado possuía capacidade unitária de 2.200 litros, era dividido em seis câmaras de iguais dimensões e foi operado com tempo de retenção de sólidos de 90 dias. Os resíduos sólidos orgânicos utilizados para alimentação do reator eram constituídos de resíduos sólidos vegetais e de lodo de esgoto sanitário na proporção de 80% e 20%, respectivamente. A mistura desses dois tipos de resíduos originava o substrato, o qual, após a correção da umidade para 95% (percentagem em massa), era alimentado ao reator. A eficiência de redução de material carbonáceo situou-se em torno de 80%, com carga orgânica aplicada de 9,3 kg R SO m-3 dia-1. A taxa de produção de biogás obtida foi de 5,6 L kg-1substrato (base úmida), com percentagem em volume de 50% de gás metano.

Palavras-chave: reator anaeróbio compartimentado, biogás, resíduos sólidos orgânicos.

ABSTRACT

The object of this study was to evaluate the use of a compartmented anaerobic reactor to treat organic solid waste with low concentration of solids. The reactor with a total capacity of 2.200 liters, divided into 6 equal chambers, was operated at a solid retention time of 90 days. The organic solids used to feed the reactor were comprised by vegetable residues and sanitary sludge in the proportion 80% and 20% respectively. The mixture of these two types of residues after the humidity correction to 95% (percentage by weight) was used to feed the reactor. The removal efficiency of carbonaceous material was approximately 80% at an organic loading of 9.3 kg residual organic solids m-3 d-1. The rate of biogas production was 5.6 L kg-1substrate (wet weight) with a methane concentration of 50% by volume.

Keywords: compartmented anaerobic reactor, biogas, organic solid waste.

INTRODUÇÃO

Os problemas inerentes à taxa de produção per capita e a composição gravimétrica, física e química dos resíduos sólidos, principalmente dos resíduos sólidos urbanos, envolvem questões de natureza social, econômica, política e cultural. Em países subdesenvolvidos ou em fase retardada de desenvolvimento, os resíduos sólidos urbanos têm-se tornado problema gravíssimo de saneamento básico e até mesmo de saúde pública.

Segundo IBGE (2001), no Brasil, são produzidos em média 125 mil toneladas de resíduos sólidos domiciliares por dia. Desse total, cerca de 20% não são coletados regularmente e, dos 80% coletados, apenas 28 mil toneladas são destinadas de forma racional, sendo a maior fração disposta em aterro sanitário e pequena parcela tratada em usina de compostagem.

Dos resíduos sólidos domiciliares produzidos diariamente no Brasil, cerca de 50% correspondem à matéria orgânica putrescível. Quando lançada indevidamente no meio ambiente, essa matéria orgânica passa pelo processo de bioestabilização aeróbio ou anaeróbio, gerando percolado com a presença de elevada concentração de DQO e de ácidos graxos voláteis e, em alguns casos, significativa concentração de metais pesados. Portanto, faz-se necessário o estabelecimento por parte dos governos municipais de programas de gerenciamento para os resíduos sólidos urbanos, delineando a coleta seletiva como ponto prioritário, sendo os materiais papel/papelão, metais ferrosos e não ferrosos, plástico e vidro encaminhados para usina de reciclagem, e a matéria orgânica putrescível destinada para o tratamento biológico por via aeróbia ou anaeróbia, dependendo das prioridades locais.

A digestão anaeróbia tem sido utilizada como alternativa para a remoção de altas concentrações de matéria orgânica presente em muitos tipos de resíduos. Diversos grupos de pesquisa, em vários países, vêm empregando o processo de digestão anaeróbia para o tratamento de diferentes tipos de substratos, dentre os quais, citam-se o tratamento de resíduo de animais (KARIM et al., 2005; ALVAREZ et al., 2006), codigestão de resíduos sólidos e lodos (NEVES et al., 2006; LEITE et al., 2006), restos de frutas e verduras (BOUALLAGUI et al., 2005; JOKELA et al., 2005). Muitas são as vantagens que a digestão anaeróbia apresenta, comparada aos métodos aeróbios convencionais, dentre elas, citam-se a baixa produção de lodo, a baixo custo de investimento inicial, e a utilização de menor quantidade de energia para a operação do sistema. Além disso, o processo gera biogás, que pode ser utilizado como fonte de energia de forma direta ou convertido em energia elétrica para ser utilizada na própria estação de tratamento ou em outras atividades. Na Europa, a digestão anaeróbia para tratamento de restos de alimentos e/ou outros tipos de resíduos orgânicos com recuperação de energia por meio da utilização do biogás tem crescido nos últimos anos. Atualmente, existem 19 estações na Dinamarca, 11 na Alemanha e dez na Suécia, além de outras estações que estão em construção (KIM et al., 2006).

O tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos pode ser realizado com alta concentração de sólidos, em reatores anaeróbios em batelada, com substrato contendo em média 20% (percentagem em massa) de sólidos totais. No geral, pode ser aplicado para bioestabilizar diversos tipos de resíduos, prioritariamente de maneira conjugada, com o objetivo, em alguns casos, do aumento da densidade bacteriana e, em outros, o ajustamento da relação C/N. O tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos é realizado em reatores anaeróbios contínuos, preferencialmente com câmaras sequenciais, e o substrato com concentração de sólidos totais, variando de 4 a 8% (TCHOBANOGLOUS et al., 1993).

No tratamento anaeróbio de resíduos sólidos, os pesquisadores têm estudado vários tipos de reatores que operam de forma diversificada. Os reatores mais utilizados são os convencionais de batelada (LOPES et al., 2004; PARAWIRA et al., 2004), reatores que operam de forma semi-contínua (VALDEZ-VAZQUEZ et al., 2005), sistemas que operam em dois estágios (SOSNOWSKI et al., 2003; JIANG et al., 2005), além de outros tipos, como o reator tubular (BOUALLAGUI et al., 2004).

Contudo, outras configurações de reatores precisam ser investigadas, levando-se em consideração a relação custo/benefício que possa adequar-se às realidades regionais e locais. Portanto, este trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar o desempenho de reator anaeróbio compartimentado no tratamento de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos.

MATERIAL E MÉTODOS

O trabalho experimental foi realizado nas dependências físicas da Estação Experimental de Tratamento Biológico de Esgotos Sanitário (EXTRABES), da Universidade Federal da Paraíba, localizada no Bairro do Tambor, na cidade de Campina Grande - PB, no Nordeste do Brasil. O sistema experimental era constituído por dispositivo para preparação dos resíduos sólidos orgânicos (RSO), de uma caixa de alimentação e de um reator anaeróbio compartimentado com capacidade unitária de 2.200 litros. O reator anaeróbio compartimentado foi construído de fibra de vidro e assentado em base metálica. O reator possui configuração geométrica retangular e é dividido internamente por seis câmaras de iguais dimensões. Do volume total do reator, uma fração em torno de 300 litros foi destinada para o armazenamento do biogás produzido. Na Figura 1, é apresentado o esquema geral do reator anaeróbio compartimentado.


O substrato mencionado neste trabalho refere-se à mistura da fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos (80%) com lodo de esgoto sanitário (20%), apresentando concentração de sólidos totais de 5%. A fração orgânica putrescível dos resíduos sólidos urbanos utilizada no trabalho foi coletada em feiras livres. O resíduo foi coletado e transportado para o pátio do laboratório, onde foi submetido às seguintes operações: trituração, caracterizações física e química, e ajustamento do teor de umidade. O lodo de esgoto sanitário utilizado no trabalho foi proveniente de sistemas experimentais como tanques sépticos, lagoas facultativas e reatores UASB. Após a coleta, o lodo foi caracterizado física e quimicamente, seguido pelo ajustamento do teor de umidade. Para efetuar o ajustamento do teor de umidade, tanto do resíduo sólido como do lodo, utilizou-se do esgoto sanitário.

Inicialmente, o reator foi alimentado com 1.850 kg de substrato, correspondendo ao volume do reator destinado para tal. Após a aplicação da carga, o reator continuou sendo alimentado diariamente com 9,3 kgRSO m-3 dia-1 durante 90 dias. Posteriormente, foi iniciado o processo de monitoração do material afluente e efluente do reator. Na Tabela 1, apresentam-se os principais valores dos dados médios referentes às caracterizações física e química do substrato utilizado para a alimentação inicial do reator.

O processo de monitoração foi realizado nas frações sólidas, líquidas e gasosas. Na fração sólida, as análises foram realizadas nos resíduos sólidos orgânicos domiciliares, no lodo de esgoto sanitário e no substrato, sempre antes da alimentação do reator. Na fração líquida, as amostras do afluente e do efluente do reator eram coletadas semanalmente e determinados os seguintes parâmetros: pH, STV (sólidos totais voláteis), alcalinidade total, ácidos graxos voláteis e DQO (demanda química de oxigênio). Para a realização das análises físicas e químicas, utilizou-se dos métodos preconizados por APHA/AWWA/WRCF (1995). Na fração gasosa, a quantificação do biogás era realizada continuamente com o auxílio de um gasômetro. A caracterização qualitativa era feita duas vezes por semana, utilizando-se de cromatógrafo 3350 - Varian, com detector de condutividade térmica e equipado com coluna Porasil C, comprimento de 3 de diâmetro interno de 1/8". O gás de arraste utilizado foi o hélio a 30 mL/min-1, e as temperaturas de injeção, detecção e do forno eram de 75°; 150° e 55°, respectivamente. As amostras gasosas eram coletadas diretamente do ponto de descarte de biogás, conforme mostrado na Figura 1, utilizando seringa Precision Sampling.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O processo de bioestabilização anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos gera percolado com elevada DQO e biogás que, dependendo da estabilidade do processo, pode conter de 10 a 60% de gás metano, além de material orgânico parcialmente bioestabilizado contendo micro e macronutrientes essenciais que podem ser incorporados em solos agrícolas.

Um dos parâmetros que estão sendo investigados com bastante empenho no processo de bioestabilização anaeróbia de resíduos sólidos orgânicos, é o percentual de umidade. O ajuste do percentual ótimo de umidade para o desempenho do processo contribuirá tecnicamente para alcançar maior índice de transformação de matéria orgânica e reduzirá os custos de implantação do sistema experimental, equilibrando favoravelmente a relação custo/benefício do tratamento, razão pela qual se realizou este trabalho com substrato contendo 5% de umidade. O substrato era constituído por resíduos sólidos orgânicos domiciliares e lodo de esgoto sanitário. Os resíduos sólidos domiciliares, no geral, apresentam características predominantemente orgânicas, haja vista serem formados por restos de alimentos, dentre os quais, frutas e verduras.

Na Figura 2, é apresentado o comportamento do valor de pH do material afluente e efluente ao reator durante os 140 dias relativos ao período de monitoração.


Analisando-se os dados do valor de pH, constata-se que os resíduos sólidos apresentavam características ligeiramente ácidas, com valores variando de 3,4 a 5,6 unidades de pH. Mesmo trabalhando-se com substrato apresentando pH em torno de 5,0, não foi adotada nenhuma medida para a correção desse valor, mesmo sabendo que o valor de pH ideal recomendado para o processo de tratamento anaeróbio é de 6,5 a 7,5 unidades de pH. Nos primeiros 100 dias de monitoração, o valor de pH do material efluente do reator também apresentava características ácidas, haja vista os valores de pH estarem em torno de 5,0, corroborando o indicativo de que, nesse período, o sistema operacional apresentou pouca capacidade de tamponamento, que, por sua vez, está associada à reduzida presença de massa bacteriana no interior do reator. Após os 100 dias de monitoração, os valores de pH do material efluente cresceram gradativamente, chegando a atingir valores próximos de 8,0 unidades aos 140 dias de monitoração.

Valores similares de pH, próximos de 4,0 unidades, para o substrato preparado a partir de resíduos sólidos orgânicos, foram encontrados por BOUALLAGUI et al. (2004) em suas pesquisas. Os autores também não adotaram nenhuma medida para correção do pH, e, durante a realização do experimento, os valores de pH do material efluente apresentaram-se próximos de 7,5 unidades.

A quantificação dos valores de pH em processos de tratamento biológico de resíduos sólidos ou líquidos avalia preliminarmente o desempenho do processo. No entanto, quando analisado, além dos valores de pH, os valores de alcalinidade total e dos ácidos graxos voláteis, tem-se uma avaliação mais consistente. Na Figura 3, são mostrados os perfis da alcalinidade total do material afluente e efluente.


A alcalinidade total representa a soma da alcalinidade advinda da presença de ácidos graxos voláteis e de bicarbonatos. Para resíduos com valor de pH em torno de 5,0 unidades, a alcalinidade total é constituída basicamente por ácidos graxos voláteis. À proporção que o resíduo vai sendo tamponado, o valor de pH vai se elevando e, conseqüentemente, a concentração de ácidos graxos voláteis vai se reduzindo.

Neste trabalho, a concentração da alcalinidade total do substrato variou de 1,8 a 5,0 gCaCO3 L-1. No material efluente, a alcalinidade total variou de 3,8 a 4,8 gCaCO3 L-1, não tendo sido constatado acréscimo constante da alcalinidade total em função do tempo de operação. Somente após os 120 dias de monitoramento da alcalinidade presente nos líquidos efluentes, a maior fração correspondia à alcalinidade a bicarbonato. No período anterior aos 120 dias, constatou-se que a alcalinidade total era constituída, em sua maior parte, por ácidos graxos voláteis.

A relação ácidos graxos voláteis/alcalinidade total, que no início do processo se situou em torno de 2,5, foi decrescendo bruscamente até alcançar valores em torno de 0,05. Para processos de tratamento anaeróbio, quando a relação ácidos graxos voláteis/alcalinidade total fica em torno de 0,5, constata-se boa interação simbiótica entre as diversas espécies de microrganismos anaeróbios, estabelecendo o estado de equilíbrio dinâmico no reator e, dessa forma, o biogás produzido passa a conter, em média, 60% (percentagem em volume) de gás metano.

O comportamento da evolução temporal da concentração de ácidos graxos voláteis é apresentado na Figura 4.


Nos processos de tratamentos biológicos, a eficiência de transformação de material orgânico está associada à presença de equilibrada massa microbiana que seja capaz de suportar as variações de cargas orgânicas aplicadas, a presença de materiais com características tóxicas no substrato e as supostas variações das condições ambientais.

Neste trabalho, foi constatada boa eficiência de transformação de material carbonáceo, principalmente sólidos totais voláteis. O comportamento da evolução temporal dos sólidos totais voláteis é mostrado na Figura 5.


A concentração de sólidos totais voláteis no material afluente variou de 18,1 a 32,7 g L-1 no período de operação do sistema experimental. No material efluente, a concentração de sólidos totais voláteis variou 2,3 a 6,9 g L-1, proporcionando redução média de 80%. A eficiência de redução de STV observada neste trabalho está associada à fração retida no interior do reator mais a fração convertida em biogás. Estima-se que a fração de STV retida no interior do reator, em média 75% do material potencialmente orgânico e mais solúvel, esteja sendo bioestabilizada, convertendo-se em biogás durante o período de retenção de sólidos que, neste trabalho, foi de 90 dias.

O material orgânico particulado permanece no interior do reator, podendo ser bioestabilizado posteriormente, chegando até a fase de completa mineralização. A eficiência de redução e, consequentemente, de transformação de STV tem sido função da natureza física e química do substrato, da carga orgânica aplicada e do tempo de retenção de sólidos. Em escala real, a relação custo/beneficio desse tipo de tratamento é função direta da eficiência de transformação de sólidos totais voláteis, haja vista que a otimização do sistema passa a trabalhar sempre com elevada carga orgânica.

BOULLAGUI et al. (2003), trabalhando com resíduos sólidos vegetais em biodigestor tubular, com concentração de sólidos totais de 6% (percentagem em massa), obtiveram eficiência de remoção de sólidos totais voláteis de, aproximadamente, 74%. O valor obtido pelos autores foi similar ao obtido neste trabalho, o que demonstra que o reator utilizado no experimento apresentou resultados satisfatórios em relação à redução de sólidos totais voláteis.

Na Figura 6, é apresentado o perfil da DQO relativo ao material afluente e efluente do reator ao longo do período de monitoração.


A concentração de DQO do material afluente variou de 14,4 a 33,7 g L-1, enquanto no material efluente variou de 1,6 a 9,3 g L-1, com eficiência de redução de massa de DQO variando de 50 a 94%. A significativa variação da redução de massa de DQO deve-se prioritariamente às flutuações da concentração de DQO no material afluente que, por sua vez, está associada à heterogeneidade dos resíduos sólidos orgânicos. Em se tratando de resíduos dessa natureza, as variações bruscas da concentração de DQO poderão ser atenuadas com a segregação dos diferentes tipos de resíduos, realizando-se, em seguida, representativa homogeneização e trituração.

A homogeneização dos diferentes tipos de resíduos possibilita, além da regularização quantitativa da concentração de DQO, a correção da acidez ou basicidade natural do substrato, melhorando substancialmente a sua composição nutricional. Quando se trata de resíduos sólidos orgânicos de natureza nutricional desequilibrada, o recomendável é a introdução de outros tipos de resíduos advindos de outras fontes que possam possibilitar a viabilidade do equilíbrio do balanço nutricional e, consequentemente, a maior eficiência de transformação biológica da matéria orgânica. Projetar um reator que possibilite eficiência de transformação de material carbonáceo em torno de 80%, tornará o sistema altamente competitivo com as demais formas de tratamento de resíduos sólidos orgânicos.

Com relação à produção volumétrica de biogás, pode-se constatar que essa aumentou gradualmente em função do equilíbrio estabelecido entre os diferentes grupos de microrganismos responsáveis pelo processo de bioestabilização do material orgânico. A produção diária de biogás foi bastante significativa, em que o volume produzido variou entre 40 e 200 litros, fornecendo média de 120L dia-1 de biogás durante o período de monitoramento. Tomando-se como referencial esses dados, obteve-se taxa de produção de biogás de 5,6 L kg-1substrato (em base úmida).

A composição do biogás apresentou significativo percentual volumétrico de gás metano, principalmente quando o reator alcançou o estado de equilibro dinâmico. Nos dias iniciais da operação, o biogás produzido era constituído basicamente por CO2 e N2. Com o passar do tempo e em consonância com a elevação dos valores de pH e a redução da concentração de ácidos graxos voláteis nos líquidos percolados, ocorreu o início do surgimento do gás metano, com percentual sempre crescente na composição geral do biogás, chegando a atingir o patamar de 68% (percentagem em volume), após os primeiros quatro meses de operação. O valor médio do teor de metano durante o período de operação do reator situou-se em torno de 60% (percentagem em volume). STABNIKOVA et al. (2008), tratando restos de alimentos em dois reatores, com e sem recirculação de lixiviado, constataram que foi produzido biogás com teor médio de metano de 70%. CUETOS et al. (2008), tratando resíduos sólidos em reatores anaeróbios, verificaram que o biogás produzido possuía teor médio de metano de 65% (percentagem em volume). Esses resultados mostram que os valores obtidos neste trabalho estão próximos daqueles obtidos por outros autores em reatores de diferentes configurações.

CONCLUSÕES

Apesar de o substrato utilizado na alimentação do reator apresentar pH em torno de 5,0, não foi necessário adotar nenhuma medida para correção desse valor. Nos primeiros 100 dias de monitoração, o valor de pH do material efluente situou-se em torno de 5,0, e somente após 100 dias de monitoração os valores de pH do material efluente cresceram gradativamente, chegando a atingir valores próximos de 8,0 unidades.

Operando-se o sistema com carga orgânica aplicada de 9,3 kgRSO m-3 dia-1, a eficiência de redução de material carbonáceo situou-se em torno de 80%. A taxa de produção de biogás obtida foi de 5,6 L kg-1substrato (base úmida), e o biogás pode ser considerado como boa fonte energética, haja vista conter, em média, 50% de gás metano.

No geral, o sistema, em sua totalidade, é de baixo custo de instalação e monitoração, quando operado com tempo de retenção de sólidos de 90 dias e concentração de sólidos de 5%. O processo de tratamento anaeróbio de resíduos sólidos orgânicos com baixa concentração de sólidos desponta como alternativa tecnológica para o tratamento desses resíduos, fornecendo como produtos finais o biogás e um composto bioestabilizado.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro concedido pela FINEP/PROSAB e pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) para a realização deste trabalho, e ao CNPq, pela concessão das bolsas de pesquisa.

Recebido pelo Conselho Editorial em: 20-6-2007

Aprovado pelo Conselho Editorial em: 17-2-2009

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jul 2009
  • Data do Fascículo
    Mar 2009

Histórico

  • Recebido
    20 Jun 2007
  • Aceito
    17 Fev 2009
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