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Planos de saúde: questões e soluções

DOSSIÊ SAÚDE PÚBLICA

Planos de saúde: questões e soluções

Renílson Rehem

UMA DAS PRIORIDADES do Ministério da Saúde para o exercício de 1999 é conhecer exatamente o número de brasileiros que possuem planos ou seguros de saúde. Estimativas atuais indicam que ¼ da nossa população são usuários desses serviços – entre 9 e 10 milhões estariam filiados a planos individuais e outros 30 milhões a planos empresariais. Sancionada em junho de 1998, entrando em vigor em setembro, a lei que regulamenta os planos privados de assistência à saúde já teve vários de seus dispositivos regulamentados, os quais passaram a vigorar a partir de 4 de março de 1999. Essas primeiras regulamentações basearam-se em resoluções adotadas pelo Conselho de Saúde Suplementar (Consu), que é integrado pelos ministros de Estado da Saúde, da Fazenda e da Justiça, pelo superintendente da Susep e pelos secretários de Assistência à Saúde e de Políticas de Saúde do MS.

É possível que o conjunto de medidas adotadas possa provocar elevação nas mensalidades de alguns planos, sendo descabida, porém, a expressão reajuste. Ocorre que anteriormente não havia parâmetros para se saber quais seriam as obrigações de um plano de saúde. Elas eram apregoadas pelo corretor, no afã de vender seu produto, mas quando o adquirente recorria à prestação dos serviços esbarrava numa série intransponível de dificuldades. Na realidade, a grande maioria desses planos não cumpria absolutamente nada do prometido pelo corretor. Vendia-se a ilusão de que, com um cartãozinho plástico emitido pela empresa responsável pelo plano, o portador teria acesso a um melhor tratamento médico, sem precisar passar pelas filas do SUS. Era uma fraude a mais cometida contra o consumidor, que acabava sendo efetivamente atendido no sistema público de Saúde. Em decorrência, os custos continuaram recaindo sobre o setor público, enquanto as receitas eram canalizadas para o setor privado. E, do ponto de vista ideológico, mantinha-se o preconceito de que tudo funcionava no setor privado, quando na realidade o atendimento era feito pelo sistema público.

Com a regulamentação, o objetivo não foi simplesmente fazer com que o Estado pudesse se ressarcir do atendimento aos prestamistas dos planos de saúde, mas o de desafogar a rede pública. Ou seja, se uma pessoa tem direito aos serviços prometidos pelo plano, e se a empresa responsável os cumpre, as que dispõem apenas do SUS poderão ser melhor atendidas.

Nesse sentido, embora não seja vedado, não se deve facilitar a assinatura de convênios entre hospitais públicos e empresas de planos de saúde. Isso porque, à medida em que se generalize essa prática, correremos o risco de ver uma parcela da população – aquela que possui planos de saúde –, passar a usufruir de tratamento privilegiado na rede pública, em detrimento daquelas que não os têm. O que se pretende é que, ao recorrer a um hospital público, qualquer cidadão brasileiro seja atendido da melhor maneira possível. Se há duas pessoas na fila, uma não poderá ser atendida primeiro só porque tem um plano de saúde, ou em razão de o hospital, mesmo sendo público, ser melhor remunerado pelo atendimento. Se, ao final, for constatado que a pessoa atendida dispunha de plano de saúde, a conta será cobrada do setor privado, por cruzamento de informações. E isso deve ser feito, não pela unidade hospitalar, mas pelo Ministério da Saúde, com a colaboração das secretarias estaduais e municipais de Saúde.

O papel do Estado

O Estado tem um importante papel a desempenhar na regulação desse mercado que abarca 40 milhões de brasileiros – uma população maior que a de muitos países. Ele não pode se ausentar, deixando que contratante e contratado se entendam. A experiência do passado mostrou que, no caso, o mercado não deu conta de se ajustar à complexidade do setor. As relações dos setores público e privado têm que ser claras e honestas. Quando o beneficiário de um plano de saúde necessitar do serviço público, ele tem esse direito pelo simples fato de ser essa uma garantia inscrita na Constituição de 88. Mas é importante que o Estado possa se ressarcir junto às empresas do setor que, por sua vez, devem ter suas próprias redes conveniadas.

No decorrer de 99, todos os planos de saúde e de seguro saúde deverão se adaptar às resoluções do Consu e do Conselho Nacional de Segurança Privada (CNSP), inclusive no tocante à faixa etária dos segurados. Antes, cada plano tratava a questão segundo suas conveniências. Agora, ela está regulamentada. Tampouco havia definição quanto ao plano ser ambulatorial ou hospitalar. Hoje, é obrigatória a definição dessa abrangência. Pela primeira vez foi publicada, no Diário Oficial da União, uma relação de procedimentos que os planos de saúde ambulatorial e hospitalar são obrigados a cumprir. Antes, o consumidor não dispunha de uma referência concreta sobre o que tinha de ser feito ou não, sobre se tinha ou não direito à cobertura de um determinado procedimento. Tais informações atualmente estão disponíveis na Internet. E as empresas que não cumprirem as determinações podem e devem ser denunciadas pelo próprio consumidor.

Estão igualmente regulamentados os instrumentos de racionalização de consumo, como as franquias. A preocupação foi a de evitar que as empresas lancem mão de mecanismos enganosos como, por exemplo, o de conceder desconto para quem não use o plano. Ou seja, a pessoa sentia um problema qualquer, mas não procurava o médico para obter um abatimento quando da renovação do contrato.

Também já está regulamentada a questão do tempo de carência. Alguns exemplos: 10 meses para parto normal; 120 dias para qualquer outra internação e 24 horas para casos de emergência. A empresa pode até oferecer uma carência menor como atrativo para obter novos segurados, mas jamais poderá ultrapassar aqueles prazos.

Com respeito às doenças pré-existentes, que sempre foi uma questão polêmica, chegou-se ao consenso de que doença pré-existente é aquela que a pessoa saiba ser portador no momento em que está celebrando o contrato. Um exemplo para ilustrar esse ponto: se a pessoa sabia que não era portadora de diabetes, não há doença pré-existente; mas se dois dias depois de assinar o contrato descobre, mediante exame, ser diabético, não se pode falar em doença pré-existente. O que vale é o momento da assinatura do contrato.

De qualquer forma, pela lei em vigor, as empresas não podem deixar de cobrir o atendimento a qualquer tipo de doença, como Aids, câncer, infecto-contagiosas, doenças mentais e, inclusive, as decorrentes do uso abusivo de drogas ou álcool. Para esses casos, a empresa não pode recusar o doente, oferecendo-lhe duas alternativas: uma cobertura parcial e temporária por 24 meses, mas sem direito a procedimentos especiais, como cirurgia e tratamento em UTI. Após esse período, a cobertura passa a ser idêntica à dispensada às pessoas da mesma faixa etária e sem doença pré-existente; um plano com prazo de carência normal, mas com preço maior para garantir a cobertura da doença pré-existente.

O preço das prestações

Apesar da regulamentação posta em vigor, o mercado dos planos e seguros de saúde é livre para fixar seus preços. O que se pretende, neste tocante, é disponibilizar o máximo de informações para que o consumidor possa escolher o produto que lhe seja mais razoável. Os abusos serão punidos e a fiscalização será também exercida pelos órgãos de defesa do consumidor.

O encarecimento dos preços dos planos de saúde se deve a vários fatores, entre eles o grande avanço tecnológico experimentado nas áreas médica e farmacêutica. Hoje, convivem o raio-x e o ultra-som, com este último não eliminando o primeiro. Depois, veio a tomografia, que não eliminou os dois primeiros e, em seguida, a ressonância magnética. Todos querem serviços mais sofisticados, o que encarece o atendimento.

Com vistas a resolver tal impasse, um grupo de técnicos da Câmara de Saúde Suplementar irá definir e elaborar critérios sobre como e quando incorporar essas novas tecnologias, sobre sua validade ou não, e seus reflexos econômico-financeiros numa área tão carente de recursos, como a Saúde.

Finalmente, não há como negar que o mercado dos planos e seguros de saúde veio para ficar. O mesmo se diga da presença do Estado na sua regulamentação e na sua fiscalização. Hoje, as empresas que o exploram estão obrigadas a se registrar no Ministério da Saúde e na Susep, e só depois de passarem pelo crivo das autoridades é que poderão comercializar os seus planos. Essa é uma garantia a mais que o consumidor dispõe contra as milhares de empresas que se especializaram em iludir sua boa-fé, devido à ausência de normas regulatórias e da fiscalização deste mercado por parte do poder público.

Renílson Rehem é médico, com especialização em Planejamento em Saúde Pública, e atual titular da Secretaria de Assistência à Saúde, do Ministério da Saúde. Revisão de Melchíades Cunha Júnior.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Maio 2005
  • Data do Fascículo
    Abr 1999
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