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“Pertencimento/não pertencimento” Franz Kafka: um exemplo a ser lembrado1 1 Este ensaio é uma remodelação e ampliação da palestra “Franz Kafka entre vida e obra”, apresentada em 26 de setembro no Colóquio Internacional “Europa Central Judaica”, realizado na Universidade de São Paulo em 2018.

RESUMO

O artigo parte de conceituações de “pertencimento/não pertencimento” e apresenta o caso Franz Kafka como ilustração, apontando as decisivas circunstâncias psíquicas, sociais e históricas que levaram o escritor a literaturar em seus escritos os seus particulares sentimentos de “pertencimento/não pertencimento”. E, por último, analisa a minúscula narrativa “Gemeinschaft” (“Comunidade”), aqui traduzida para o português pela autora do ensaio.

PALAVRAS-CHAVE:
Inclusão, Rejeição, Exílio; E/imigração

ABSTRACT

This paper begins with concepts of “belonging/not-belonging” and presents the case of Franz Kafka to illustrate the decisive psychic, social and historical circumstances that led him to poeticize his private feelings of “belonging/not-belonging” in his writings. Finally, it analyzes the very small narrative “Gemeinschaft” (“Community”), which we have translated into Portuguese.

KEYWORDS:
Inclusion; Rejection; Exile; Emigration/immigration

Ponto de partida

Num mundo em que a comunicação nas redes digitais não conhece barreiras, algo que poderia levar a uma noção de “pertencimento” amplificada no sentido de todos se sentirem habitantes da mesma Terra, superando barreiras de nacionalidade, credo e cor, reconhecendo diversidades e cuidando de sua preservação, está ficando cada vez mais difícil chegar-se a consensos/consentimentos, que poderiam/deveriam ser construídos e progressivamente trabalhados justamente com o intuito de se alcançar e assegurar o bem-estar dos “terráqueos”. A noção de grupo e de “pertencimento” parece tender a se estreitar rumo ao indivíduo narcísico e virtual. É como se até aquela noção-raiz de “pertencimento” conquistada in illo tempore também fosse se esgarçando e, com ela, o sentimento de confiança recíproca que protegeu os humanos desde sempre. É fato que o ser humano é indivíduo, sujeito único, mas também é grupo, não subsiste isolado e psiquicamente equilibrado. A vida humana é uma procura contínua por agregar e acomodar de maneira confortável e produtiva essas duas forças psíquicas num uno, isto é, o chamado do singular (independência, “não pertencimento”) e o chamado do plural (dependência, “pertencimento”). Ao mesmo tempo em que há necessidade de se construir uma identidade genuína, faz falta a consciência de uma identidade coletiva sempre em progresso.

Franz Kafka (1883-1924) refletiu de modo primoroso e engenhoso sobre o assunto em pauta, sondando e poetizando configurações de “pertencimento/não pertencimento”. Sua fortuna crítica é imensa. Sua minúscula narrativa “Gemeinschaft” (“Comunidade”), analisada ao final, pontua de modo instigante a problemática em questão.

Aproximações teóricas a “pertencimento/não pertencimento”

Não é simples e imediato circunscrever o significado embutido nos conceitos mencionados. Para começar, e de modo assistemático, diga-se que “pertencimento” é “a crença subjetiva numa origem comum que une distintos indivíduos que pensam em si mesmos como membros de uma coletividade na qual símbolos [bandeiras, hinos, patrimônios históricos etc.] expressam valores, medos e aspirações”. É dessa forma que o Dicionário dos direitos humanos define o conceito de “pertencimento” no verbete respectivo. O sentimento de “pertencimento”, assim, carrega consigo acolhimento, oferece identidade coletiva, reforça o eu individual e o equilíbrio psíquico. O “não pertencimento” seria, por oposição, um sentimento de desenraizamento, de exclusão, de rejeição, de isolamento, o que, em casos extremos, prejudicaria a construção e as funções do ego. As relações (pacíficas) entre indivíduo e grupo entrariam em colapso (englobe-se aqui a compreensão dos códigos morais, dos pactos sociais, dos ordenamentos jurídicos). Observe-se que e/imigrantes de todos os matizes, incluindo nesse amplo espectro todos os tipos de exilados, são atingidos por essas contingências em escalas variadas, em circunstâncias as mais diversas.

O conceito de “pertencimento” pode recuar, no âmbito da filosofia, aos Pensamentos (Pensées, 1669) de Blaise Pascal (1623-1662) sobre o amor-próprio, que deveria ser ponderado, não exacerbado em relação ao eu. Entretanto, esta ideia de amor-próprio ponderado também aponta para o segundo dos dez mandamentos mosaicos: “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, referido no Levítico (19-18) e no Evangelho de Mateus (22:39). Mas as raízes mais profundas desse sentimento poderiam também ser encontradas na noção de reciprocidade, um princípio moral desde tempos remotos, mais tarde adotado como norma áurea na sistematização da ética. Um sentimento que, de um modo ou de outro, está presente não só no judaísmo e no cristianismo, mas também no zoroastrismo, no budismo, no confucionismo, no hinduísmo, no islamismo. O horizonte primeiro desse sentimento seria o bem-estar da(s) comunidade(s). Não seria aceitável fazer ao outro o que não se quisesse para si mesmo. O amor-próprio não deveria impedir o amor ao próximo; os dois deveriam coexistir. A partir desse núcleo sêmico teriam surgido, no correr dos tempos, constantes de pensamento e de conduta que haveriam de balizar a (boa) convivência entre as pessoas, isto é, o sentimento de “pertencimento”. Ocorre que o amor-próprio, muitas vezes, não se revela ponderado, não se movimenta nas direções traçadas pela reciprocidade.

Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.), por exemplo, ao referir-se ao amante de si mesmo - ao philautos (φίλαυτος) -, no livro Ética a Nicômaco, chama a atenção para os excessos desse amor, que devem ser controlados, tendo em vista sempre a prática do bem supremo no nível prático do humano - do ethos - em que o sentimento de “pertencimento” deveria estar implícito. Os excessos relativos ao amor-próprio vão adquirir forma notória com Ovídio, em sua poetização do mito de Narciso em Metamorfoses: Narciso, aquele ser extremamente belo que, não orientado para o cultivo do bem comum, acaba refém do deslumbramento consigo mesmo, o que lhe acarreta isolamento social e, depois, a própria morte.

Feito o alerta em relação aos perigos subjacentes aos excessos do amor-próprio, a norma áurea da ética é retomada, aquela norma que aponta para o movimento de reciprocidade. Manter essa norma preciosa no horizonte humano é um ideal a ser buscado, quando se quer superar a barbárie. Para (bem) pertencer a um grupo (sociedade, humanidade), é preciso saber ou aprender a administrar e a desfrutar, a um só tempo, de bem-estar individual e bem-estar coletivo.

Max Weber (1864-1920), contemporâneo de Kafka, também mencionado no verbete relativo a “pertencimento” no Dicionário dos direitos humanos, tendo Hegel como pano de fundo, carrega o conceito de “pertencimento” para o âmbito da sociologia. Em A ética protestante e o espírito do capitalismo (Die protestantische Ethik und der Geist des Kapitalismus, 1904/1905), a burocracia tem como objetivo, justamente, a inclusão do indivíduo, seu “pertencimento” a um grupo, a uma organização, a uma administração, a um Estado, onde tudo deverá funcionar de modo racional e eficiente - um ideal que não dispensa cultivo contínuo.

Karl Marx (1818-1883) já se debruçara sobre o assunto no texto Crítica à filosofia do direito de Hegel (Zur Kritik der hegelschen Rechtsphilosophie, 1844), no qual o filósofo e economista refuta a tese hegeliana da neutralidade da burocracia - uma abstração. Para Marx, a burocracia não leva em conta os homens de carne e osso, não lhes oferece “pertencimento”; a burocracia nada tem de imparcial.

Em Kafka, as burocracias surgem sempre construídas de modo negativo, como labirintos de normas e regulamentos que se atropelam, tornando organizações administrativas ineficientes, alienadas, tal como Narciso, deslumbradas consigo próprias, a impedir as personagens de alcançarem seus objetivos existenciais, como verdadeiros obstáculos à realização do “pertencimento”.

Em uma outra dimensão das reflexões sobre “pertencimento/não pertencimento”, encontra-se o psiquiatra e psicoterapeuta Carl Gustav Jung (1875-1961) e sua urdidura do conceito de individuação, elaborada ao longo de 43 cartas, analisadas por Paula Vieitas Vergueiro. A individuação é, segundo Jung, a meta existencial de cada indivíduo, a exigir o constante trabalho do consciente na apropriação da instância ilimitada e desconhecida do inconsciente pessoal e coletivo. Iluminar e integrar essas dimensões do ser - uma aprendizagem - é obter o “pertencimento” de si mesmo e também o “pertencimento” ao(s) entorno(s) sempre em expansão.

Por essa mesma época, Edith Stein (1891-1942), filósofa e teóloga discípula de Edmund Husserl, também se debruça sobre as relações que unem indivíduo e comunidade. Achilles Gonçalo Coelho Junior e Miguel Mahfoud, seus estudiosos no ensaio “A relação pessoa-comunidade na obra de Edith Stein”, afirmam que “a comunidade é considerada como uma estrutura orgânica onde seus membros vivem uma interdependência e são afetados pela tomada de posição que cada pessoa adota na comunidade através dos ‘atos sociais’” (Coelho Junior; Mahfoud, 2006, p.19).

Permanecendo ainda no campo do conceito de “pertencimento/não pertencimento”, o psicólogo Abraham Harold Maslow (1908-1970), publica em 1954 o livro Motivation and personality, em que apresenta sua teoria da hierarquia das necessidades humanas - a chamada Pirâmide de Maslow -, mostrando que, sem o sentimento de “pertencimento”, o ser humano não consegue construir autoestima, o que leva ao desenvolvimento de neuroses e ao não alcance do último estágio das necessidades humanas, isto é, da realização pessoal, em suma, o que poderíamos chamar de felicidade.

Em 1955, no contexto do “pertencimento”, Hannah Arendt (1906-1975), filósofa política, traz a lume a sua defesa do direito de ter direitos (das Recht, Rechte zu haben) em As origens do totalitarismo (Elemente und Ursprünge totaler Herrschaft ou The Origins of Totalitarism). Por detrás dos raciocínios de Arendt, está o tempo histórico em torno das duas Guerras Mundiais na Europa, em que milhares de pessoas, de uma hora para a outra, se veem apátridas, minorias não levadas em consideração na ambitude do humano. Arendt vê na nova ordem mundial o colapso dos estados nacionais que, até então, haviam expressado sistemas de “pertencimento”. Os estados totalitários que emergiam não mostravam apreço pela vida humana. Essa era manipulada como um mero elemento plástico, apropriado a dar forma a abstrações criadas por mentes de equilíbrio questionável.

Sobre o assunto, o filósofo e sociólogo Jürgen Habermas (1929 - ainda vivo), sobretudo em A teoria do agir comunicativo (Theorie des kommunikativen Handelns), de 1981, propõe a criação de um elo comunicativo (a razão comunicativa) entre o liberalismo clássico, com seu enaltecimento do indivíduo, e o comunitarismo, com sua defesa do “pertencimento” em plenitude. Em outras palavras, sua proposta, eu diria ainda utópica (apesar da atual existência e potencialidade do facebook de Zuckerberg e redes afins), acena para o diálogo pleno em busca de soluções consensuais, oferecendo a todos a possibilidade de manifestarem suas opiniões em plano de igualdade e, assim, regulamentarem o funcionamento social, descolonizando as mentes. Algo que a disseminação das chamadas fake news no hodierno quase pleno acesso a mídias digitais, infelizmente, inviabiliza.

Como se vê, o sentimento de “pertencimento” não é exatamente algo fácil de desfrutar, embora o homem tenha para isso criado diversas instâncias como, por exemplo, o casamento, a família, a religião, a escola, o clube, o partido político, o país etc.

Franz Kafka: um exemplo a ser lembrado

Embora haja muitas maneiras de explorar os escritos do autor, a ideia de “pertencimento/não pertencimento” apresenta-se como uma chave para se entender não só o homem e o escritor, mas também os textos que escreveu. O entrelaçamento entre sua vida e sua obra é um dado. Muitos de seus textos poéticos nascem dentro de seus diários e, frequentemente, as fronteiras entre biografia e ficção são borradas. (Koch, 1999KOCH, H. G. (Ed.) Franz Kafka. Briefe 1900-1912. Frankfurt a. M.: Fischer, 1999., 2001, 2007, 2013; Koch et al., 2008; Stach, 2002STACH, R. Kafka - Die Jahre der Entscheidungen (1910-1915). Frankfurt a. M: Fischer, 2002., 2008, 2014; Wagenbach, 2006WAGENBACH, K. Franz Kafka: Biographie seiner Jugend. Berlin: Klaus Wagenbach Verlag, 2006.; Nekula, 2006NEKULA, M. Kafkas Sprachen und Identität. In: NEKULA, M.; KOSCHMAL, W. (Ed.) Juden zwischen Deutschen und Tschechen. Sprachliche, literarische und kulturelle Identitäten. München, Oldenbourg, 2006. p.125-50., 2007; Alt, 2008ALT, P. A. Franz Kafka. Der ewige Sohn. Eine Biographie. München: C. H. Beck, 2008.; Auerochs; Engel, 2010AUEROCHS, B.; ENGEL, M. (Eds.) Kafka-Handbuch: Leben - Werk - Wirkung. Stuttgart: J. B. Metzler, 2010.).

Figura 1
Franz Kafka.

Franz Kafka foi um escritor judeu, nascido na cidade de Praga, à época pertencente ao Império Austro-Húngaro. Já em criança, o problema do “pertencimento/não pertencimento” apresentou-se ao autor no seio da própria família. Seu pai, uma figura corpulenta e de forte personalidade, era um homem ambicioso e esperava, conforme a cultura e os costumes da época, um herdeiro igualmente varonil. Mas Kafka revelou-se um menino franzino e altamente sensível. Acabou por receber pouca atenção dos pais por dois motivos básicos: 1 porque não mostravam possuir a necessária perspicácia para perceber a fina sensibilidade do filho (o pai era mandão e a mãe, submissa); e 2 porque pai e mãe eram donos de uma loja de modas que lhes absorvia por inteiro o tempo. Franz Kafka, o primeiro filho, era cuidado por empregados domésticos checos e denunciou o abandono psíquico em seus diários e cartas. Algumas de suas queixas recaem sobre a cozinheira que o costumava levar à escola e, no caminho, ameaçava-o com revelações de suas estripulias ao professor, conforme confessa numa carta a Milena de 21 de junho de 1920. Na célebre Carta ao pai, escrita em 1919, Kafka refere-se, sobretudo, à impiedade do progenitor, quando, certa noite, fica pedindo água (e essa água tem uma forte simbologia: fonte de vida). O pai, irritado com o barulho que o impede de dormir, levanta-se, dirige-se ao quarto do filho, arranca-o da cama, abre a porta da sacada e deixa-o lá aterrorizado até de manhã, sentindo-se um nada. Em outra ocasião, na mesma carta, Franz Kafka, já adulto, acusa a sua dor de menino, quando este não entende por que, à mesa, durante as refeições, o pai pode espalhar migalhas e praticar outros desmandos em cima da toalha e a ele é terminantemente proibido deixar cair uma única coisa fora do prato. Franz Kafka denuncia igualmente a gestação de uma enorme culpa, que aos poucos se avoluma sobre si, a cada vez que o pai fala das imensas dificuldades de sua própria infância e juventude quando, agora, os filhos dispõem de tudo o que querem. Essas experiências de abandono afetivo, de “não pertencimento”, acompanham o pequeno e o jovem Kafka à idade adulta. Entretanto, já na universidade, seus amigos próximos, conforme consta de suas biografias, dão testemunho de que Franz Kafka também era um indivíduo afável, ria com facilidade e gostava de conversar.

Kafka cresce numa comunidade checa, onde a maioria dos judeus fala checo; apenas 10% dessa comunidade - a elite - usa o alemão, o alemão falado em Praga - o “Prager Deutsch” -, um alemão regional, estropiado em relação à norma culta. Os pais de Franz Kafka falam esse alemão, embora conheçam bem o checo. Os empregados domésticos, com quem ele fica grande parte do dia, falam checo. Franz Kafka é mandado para a escola primária do império, cuja língua oficial é o alemão. Na escola, é educado dentro da norma culta. Aliás, o significado de língua materna para Kafka é bem singular e inesperado. Deixando de lado as controvérsias, o tradicional conceito de “língua materna” ou “língua nativa” remete para a língua dos pais e dos afetos. Mas, no caso de Kafka, essa acepção não está clara. Ao referir-se à língua alemã, não sabemos se Kafka se refere ao alemão de Praga ou ao alemão norma culta. O próprio Kafka, em carta à amiga/namorada checa Milena Jesenská (Pollak), de maio de 1920, assim se exprime: “Nunca vivi entre o povo alemão, o alemão é minha língua materna e, por isso, é-me natural, mas o checo, para mim, está mais ligado aos afetos. [...] O alemão é minha língua materna, mas o checo está mais perto do meu coração” (Trad. Ribeiro-de-Sousa).2 2 Original: “Ich habe niemals unter deutschem Volk gelebt, Deutsch ist meine Muttersprache und deshalb mir natürlich, aber das Tschechische ist mir viel herzlicher” (Kafka, 1987. Disponível em: <https://www.odaha.com/sites/default/files/BriefeAnMilena.pdf>). A que registro do alemão Kafka se refere? Ao “Prager Deutsch”, o alemão estropiado de Praga? Ou à língua oficial do Império Austro-Húngaro? Para Kafka, talvez seja materna a língua oral dos pais, o “Prager Deutsch” e, depois, o checo, a língua doméstica. Kafka seria uma criança bilíngue, como diríamos hoje. O alemão norma culta é a língua da escola, da profissão. Contudo, para embaralhar ainda mais o assunto, há referências às cartas que o autor escreve à checa Milena, altamente afetivas e escritas em alemão norma culta. No fundo, tanto o alemão culto como o “alemão de Praga” ou o checo funcionam mais como fatores segregadores do que como instrumentos de “pertencimento”. Como usuário do alemão culto, Kafka é discriminado pelos austríacos e alemães, porque judeu; como falante do “alemão de Praga”, é segregado pelos checos, defensores de sua nacionalidade (os checos não distinguiam judeus checos, falantes de alemão, de austríacos ou de alemães); e, como falante do checo, Kafka é diferenciado pela gente simples, porque pertencente à elite judaica. Em volta de Kafka, três culturas principais vicejam numa atmosfera explosiva: a judaica, a checa e a austríaca. A judaica permeada pelo incipiente moderno movimento sionista (Theodor Herzl 1860-1904); a checa envolvida em movimentos independentistas; a austríaca marcada por forte pendor burocrático e autoritário; sendo que a checa juntamente com a austríaca manifestam acentuado antissemitismo. A época de Kafka é marcada pelos antecedentes da atroz Primeira Grande Guerra, em que o colonialismo é destaque, e pelas suas consequências.

A ambição do pai faz Franz Kafka chegar à universidade de língua alemã, a Universidade Carolina, fundada em 1348 pelo imperador romano-germânico Carlos IV. Ele poderia ter se matriculado na Universidade Técnica checa, autorizada pelo imperador Franz Joseph em 1879. É preciso, porém, que Kafka se torne um judeu de tal sorte assimilado, ou laico, que não se diferencie dos demais súditos do império. Por isso, também é necessário cursar Direito e não Química, embora ele goste mesmo é de Literatura. A escolha da profissão é-lhe vedada, tendo em vista o processo de assimilação pretendido e perseguido pelo progenitor. Em suas memórias (Diários & cartas (Tagebücher & Briefe, 1985), o colega de classe Samuel Hugo Bergmann esclarece: “Nas circunstâncias daquela época, quando não optava pelo batismo, de modo a poder ingressar numa carreira pública, a um judeu com o curso universitário terminado, praticamente só restavam as chamadas profissões liberais, isto é, medicina ou direito” (Trad. Ribeiro-de-Sousa, apud Oberst, 2006OBERST, H. Kafka kennen lernen. Leben und Werk. Lichtenau: AOL, 2006., p.10). A sinagoga que, eventualmente, poderia lhe oferecer um grupo identitário, de “pertencimento”, é apenas frequentada formal e esporadicamente. É certo que Kafka frequentou reuniões de grupos sionistas, é certo que vislumbrou viver na Palestina britânica, que manteve intenso contato com um grupo de teatro iídiche, tendo mesmo ficado grande amigo de um dos atores - Jizchak Löwy. Também se dedicou ao aprendizado do hebraico moderno por volta de 1920, com uma estudante de Jerusalém - Puah Bem-Tovin - e, depois, nos últimos anos de vida, numa escola em Berlim, e também com sua última companheira - Dora Diamant. No diário de 25 de dezembro de 1911, aos 29 anos, faz questão de anotar: “Meu nome em hebraico é Anschel como o avô materno de minha mãe, de quem ela se recorda como sendo um homem muito piedoso e erudito de longa barba branca, falecido quando ela tinha 6 anos de idade” (Trad. Zwick).3 3 Original: “Ich heiße hebräisch Anschel wie der Großvater meiner Mutter von der Mutterseite, der als ein sehr frommer und gelehrter Mann mit langem weißem Bart meiner Mutter erinnerlich ist, die 6 Jahre alt war als er starb” (Kafka, 2016. Disponível em: <https://homepage.univie.ac.at/werner.haas/1911/tb11-084.htm>). No dia 18 de fevereiro de 1912, no salão da “prefeitura” judaica (Festsaal des Jüdischen Rathauses) de Praga, em conjunto com Jizchak Löwy, Franz Kafka organiza uma noite de cultura judaica, onde profere a palestra “Sobre a língua iídiche” (Rede über die jiddische Sprache), para o público burguês judeu-alemão assimilado. Mas nada disso resulta em uma mudança existencial significativa no escritor. O sentimento da falta de “pertencimento” continua a ser manifestado. No diário de 8 de janeiro de 1914, ele anota: “O que eu tenho de judeu? Eu mal tenho alguma coisa de mim mesmo; deveria registrar e contentar-me com o fato de poder respirar” (Trad. Ribeiro-de-Sousa).4 4 Original: “Was habe ich mit Juden gemeinsam?”, „Ich habe kaum etwas mit mir gemeinsam und sollte mich ganz still, zufrieden damit, dass ich atmen kann, in einen Winkel stellen” (Kafka, 2016. Disponível em: <https://homepage.univie.ac.at/werner.haas/1914/tb14-005.htm>). Já numa carta de novembro de 1903, Franz Kafka, então com 21 anos, escrevera a seu amigo Oskar Pollak, dando testemunho de sua vivência de isolamento, de “não pertencimento”. Registrara ele:

Estamos abandonados como crianças perdidas na floresta. Quando você está diante de mim, me olhando, o que você sabe das dores que existem em mim, e o que sei eu das suas. E se eu me prostrasse diante de você e chorasse, e sobre elas contasse, o que você saberia de mim a mais do que saberia do inferno, se alguém lhe contasse que ele é abrasador e horrendo. Já por isso, nós, humanos, deveríamos nos olhar nos olhos com respeito, apreensivos, amistosos como se estivéssemos diante da entrada do inferno. (Trad. Ribeiro-de-Sousa)5 5 Original: “Verlassen sind wir doch wie verirrte Kinder im Walde. Wenn du vor mir stehst und mich ansiehst, was weißt du von den Schmerzen, die in mir sind, und was weiß ich von den deinen. Und wenn ich mich vor dir niederwerfen würde und weinen und erzählen, was wüsstest du von mir mehr als von der Hölle, wenn dir jemand erzählt, sie ist heiß und fürchterlich. Schon darum sollten wir Menschen voreinander so ehrfürchtig, so nachdenklich, so liebend stehen wie vor dem Eingang zur Hölle” (Kafka apud Oberst, 2006, p.9).

E, em 31 de julho de 1922, numa carta endereçada a Max Brod, seu melhor amigo, Franz Kafka menciona a “falta de chão firme judaico sob os pés” (Trad. Ribeiro-de-Sousa).6 6 Original: “Mangel jedes festen jüdischen Bodens unter den Füßen” (Kafka, 1922. Disponível em: <http://www.odaha.com/sites/default/files/Breife1902-1924.pdf, p. 245>).

Não bastasse tudo isso, ainda contrai tuberculose, o que o faz amargar sofrimento extra e a consciência da morte próxima, e conhecer grupos, digamos, um tanto marginalizados, por causa da doença (nele diagnosticada em 1917 aos 34 anos), grupos esses frequentadores de lugares de bons ares para os pulmões, como Meran, Tatranské-Matliare, Spindlermühle.

Kafka torna-se um homem culto, erudito, mas seu círculo de amigos permanece composto quase exclusivamente por outros judeus. É, em particular, Max Brod quem atesta o valor literário de suas obras. Por muito tempo, Kafka não se reconhece como escritor de valor. Refere-se a seus escritos como “garatujas” (Gekritzel) ou “brincadeiras” (Spielereien). Tendo Gustav Janouch lhe perguntado certa vez por que, então, deixava que os publicassem, responde:

Assim é! Max Brod, Felix Weltsch, todos os meus amigos sempre veem valor em qualquer coisa que eu escreva e, então, me surpreendem com o contrato editorial já pronto. E eu não lhes quero ser um estraga prazeres, e é assim que se chega à edição das coisas que não passam de anotações muito pessoais ou brincadeiras. Documentos de minhas fraquezas íntimas acabam impressos e até mesmo vendidos, porque meus amigos, o Max Brod na frente, meteram na cabeça tornar isso literatura e eu não possuo força bastante para destruir esses testemunhos de minha solidão. (Trad. Ribeiro-de-Sousa)7 7 Original: “Das ist es eben! Max Brod, Felix Weltsch, alle meine Freunde bemächtigen sich immer irgendeiner Sache, die ich geschrieben habe, und überraschen mich dann mit dem fertigen Verlagsvertrag. Ich will ihnen keine Unannehmlichkeiten bereiten, und so kommt es zum Schluss zur Herausgabe von Dingen, die eigentlich nur ganz private Aufzeichnungen oder Spielereien sind. Persönliche Belege meiner menschlichen Schwäche werden gedruckt und sogar verkauft, weil meine Freunde, mit Max Brod an der Spitze, es sich in den Kopf gesetzt haben, daraus Literatur zu machen, und ich nicht die Kraft besitze, diese Zeugnisse der Einsamkeit zu vernichten” (Janouch, 1968, p.48).

Franz Kafka, um judeu, vive e convive num país cristão, torna-se um escritor dentro de uma família hostil às artes e escreve em alemão culto na Praga checa. Kafka é o exemplo acabado do homem da modernidade: o sujeito sem um eu integrado, o indivíduo de eu fragmentado.

O casamento poderia oferecer-lhe outra família, dentro da qual pudesse experimentar amor, acolhimento, “pertencimento”. E, no entanto, não consegue amadurecer e realizar os envolvimentos afetivos que vivencia, por exemplo, com Felice Bauer, com Julie Wohryzeck, com Milena Jesenská e com Dora Diamant. Não dispõe, segundo ele mesmo, do tempo necessário para dedicar-se a essas relações, pois o escrever é nele imperioso. Numa carta a Milena, enviada de Praga datada de novembro de 1920, Kafka declara: “apenas continuo procurando comunicar o não comunicável, explicar o não explicável, contar sobre algo que tenho entranhado nos ossos e que apenas nesses ossos pode ser experimentado” (Trad. Ribeiro-de-Sousa).8 8 Original: “ich suche nur immerfort etwas Nichtmittelbares mitzuteilen, etwas Überklärbares zu erklären, von etwas zu erzählen, was ich in den Knochen habe und was nur in diesen Knochen erlebt werden kann” (Kafka, 1987. Disponível em: <https://www.odaha.com/sites/default/files/BriefeAnMilena.pdf>).

A julgar pelos seus escritos, Kafka é alguém com as raízes fragilmente fincadas, alguém um tanto exilado no Império Austro-Húngaro ou no Kaiserreich, alguém um tanto refugiado, um tanto deslocado, alguém que expressa “não pertencimento”. Múltiplos são os territórios e as territorializações de Franz Kafka. (Nekula 2006NEKULA, M. Kafkas Sprachen und Identität. In: NEKULA, M.; KOSCHMAL, W. (Ed.) Juden zwischen Deutschen und Tschechen. Sprachliche, literarische und kulturelle Identitäten. München, Oldenbourg, 2006. p.125-50.; Liska 2009LISKA, V. When Kafka says we. Uncommon communities in german-jewish literature. Bloomington: Indiana University Press, 2009.).

Para lidar com tais circunstâncias pessoais, a literatura é a sua válvula de escape ou a sua grande razão de viver. Embora não possamos encerrar a pessoa do autor dentro dos textos que escreveu, nem reduzir seus textos a projeções biográficas, certamente, podemos procurar nesses escritos vestígios de suas experiências e de seus problemas existenciais a respeito do “pertencimento/não pertencimento”. Vejamos alguns outros exemplos.

No romance O processo (Der Prozeß), várias vezes retomado e deixado incompleto, publicado em 1925, após a morte de Kafka, a personagem principal é Josef K., um nome vago que pode caber a qualquer indivíduo, inclusive a um judeu. Josef K. não possui traços que o individualizem. O que lhe confere individualidade é sua resistência, forte a princípio, a engrenar na grande máquina automatizada que rege o tribunal. Uma resistência que o poder do organismo social empedernido desbasta paulatinamente até o aniquilamento. Afinal, Josef K. acreditava viver num “Estado de Direito”, ou seja, vivia fora da realidade. É o que descobre. De repente, vê-se um fora da lei, mas de uma lei desconhecida, condenado a não mais poder pertencer à sociedade. A lei, com minúscula, ou a Lei, com maiúscula, ficara (na verdade sempre estivera) irremediavelmente fora de seu alcance. Não lhe restara espaço existencial algum. Acaba assassinado por dois “milicianos”, talvez pudéssemos dizer em linguagem atual.

No romance Das Schloß (O castelo), escrito em 1922, igualmente inacabado e publicado postumamente em 1926, a personagem principal, reduzida pelo nome a uma única letra - K. -, nem sequer tem um prenome. Sua identidade confunde-se com o coletivo humano, em que, com certeza, os judeus, estão incluídos. Sabe-se que ele provém de outra aldeia, que deixara para trás a família, que talvez esteja fugindo de uma guerra. Seria um fugitivo (um exilado, um e/imigrante). K. torna-se presente no romance e na nova povoação através de sua insistência em alcançar o castelo, que a emoldura, e apresentar-se para um suposto emprego contratado, que o integraria a uma nova vida. Tenta de tudo para consegui-lo, mas não tem sucesso. Sua integração na nova aldeia não se dá, nem no âmbito de prováveis amizades masculinas, nem no âmbito dos afetos femininos, muito menos no mundo burocrático em torno do senhor do castelo. Trata-se de uma realidade totalmente impenetrável a um estrangeiro, um intruso. No final, que não é final, K. é apenas tolerado na aldeia, onde fica social e afetivamente solitário.

No romance O desaparecido ou América (Amerika), várias vezes sustado e também deixado inconcluso, publicado postumamente em 1927 (só em 1983 recebe o título original Der Verschollene - O desaparecido), Karl Roßmann, o protagonista, não acha “pertencimento” junto à família, na Áustria, pois é expulso pelo pai por ter sido seduzido pela cozinheira que dele engravida. Nos Estados Unidos, na casa do tio, também não acha guarida afetiva. Os dois não se entendem. Tampouco consegue ele entrosar-se na comunidade de e/imigrantes. Com as mulheres, a sorte não é diferente. O que se conhece do texto do romance deixa em aberto a vida de Roßmann no teatro itinerante, viajando pela imensa América a caminho de Oklahoma e desfrutando a paisagem. Sobre seu hipotético desfecho, Max Brod afirma, no posfácio da 1ª edição, ter ouvido de Kafka que Roßmann haveria de achar um lugar para si no teatro itinerante, que haveria de reencontrar-se com os pais e voltar à pátria. Contudo, o próprio Kafka, no seu diário de 30 de setembro de 1915, prevê que Roßmann, o inocente, deveria soçobrar.

Em Das Urteil (O veredito), uma narrativa de bem menor extensão, publicada com anuência de Kafka em 1913, o filho Georg Bendemann é condenado à morte por afogamento pelo próprio pai, um pai crítico ao extremo, cínico, ameaçador, egoísta, cioso do poder, um pai que descuidara da construção dos laços do “pertencimento” dentro da própria família. Efetivamente, o filho obediente, ou fraco, lança-se de uma ponte sobre um rio e perece. O isolamento, a rejeição, a exclusão, levam-no ao autoaniquilamento.

Em Die Verwandlung (A metamorfose), uma narrativa também curta, escrita em 1912, mas só publicada em 1915, o sentimento de não “pertencimento” à família, ao emprego, à comunidade, ganha a forma alegórica extremada de um inseto. Aliás, não são raras as figuras de animais usadas por Kafka como imagens icônicas e alegóricas do sentimento de “não pertencimento”.

Nessa imagem icônica e, em simultâneo, figura de linguagem - alegoria - estão inscritos a um só tempo, de um lado, o nojo e a aversão da família em relação a Gregor e, de outro lado, a opressão, o silenciamento e a humilhação do protagonista. Mas, em outro plano, nessa mesma alegoria, também está espelhada a cisão interior do próprio Gregor: o conflito entre a demanda por autorrealização, que tem a arte musical por horizonte, e o dever de sustentar a família, que o obriga a desempenhar funções numa empresa que lhe é opressiva, pois contrária à sua índole. Nesse conflito, na aparência altruísta, Gregor nega-se a si mesmo como ser humano; não lhe sobra espaço para desenvolver laços de “pertencimento” e ele não os procura em outro lugar. O superego é impiedoso e esmagador. Seu fim será a morte.

Em Auf der Galerie (Na galeria), de 1919, a questão do “pertencimento/não pertencimento” também é visível e, neste caso, em cenas simultâneas, diríamos, de direito e avesso. Uma perspectiva revela a expressão do sentimento de “pertencimento”: a artista de circo, mais especificamente, a amazona, seu diretor, demais artistas e funcionários da empresa circense formam um mesmo grupo coeso e se ajudam na obtenção dos mesmos objetivos de sucesso; a felicidade brilha em todos os rostos unidos em torno de uma mesma meta. A outra perspectiva, o avesso da primeira, evidencia o retrato do “não pertencimento”: a artista amazona é frágil e tísica, manipulada e explorada por seu diretor. Os dois não compartilham caminhos: um manda e a outra obedece. A artista parece em tudo infeliz. O diretor parece estar ensimesmado num estreito mundo seu. Os dois em desequilíbrio psíquico. O grupo certamente também. A mesma realidade - uma amazona em interação com o seu grupo circense - é percebida e construída por Kafka de duas perspectivas antagônicas e remete para as palavras do início deste ensaio: para (bem) pertencer a um grupo, é preciso saber ou aprender a administrar e a desfrutar, a um só tempo, de bem-estar individual e de bem-estar coletivo. É necessário estar atento aos perigos subjacentes aos excessos do amor-próprio, que tendem às distorções narcísicas, esterilizadoras e destrutivas, à exclusão do outro, à negação da reciprocidade, excessos esses ilustrados, por exemplo, na segunda configuração do diretor acima referida.

A minúscula narrativa “Gemeinschaft” (“Comunidade”)

Gemeinschaft” (“Comunidade”) foi escrita por Kafka no começo de setembro de 1920 e é provável que o manuscrito, hoje na Bodleian Library em Oxford, esteja incompleto, à semelhança de tantos outros textos de sua autoria. Surgiu publicada em 1936 pelas mãos de Max Brod e Heinz Politzer numa coletânea intitulada Gesammelte Schriften (Escritos reunidos). Max Brod intitulou-a. É nesse curtíssimo texto literário, talvez uma paródia do que seria uma comunidade, ou seja, uma instância com vivência do “pertencimento/não pertencimento”, que Kafka concentra os elementos básicos que suscitam a formação do sentimento de pertença, deixando, porém, o assunto em aberto, num convite ao leitor para que o complete.

“Comunidade”

Somos cinco amigos; certa vez, saímos de uma casa um atrás do outro, primeiro um, que se posicionou junto ao portão, depois, o segundo, que saiu para fora do portão, ou melhor, esgueirou-se tão de leve como se fosse uma gotícula de mercúrio, posicionando-se não muito longe do primeiro, então, chegou o terceiro, depois, o quarto e, a seguir, o quinto. Por fim, estávamos todos em fila. As pessoas perceberam-nos, apontaram para nós e disseram: “aqueles cinco acabam de sair dessa casa”. Desde então, vivemos juntos, seria uma vida tranquila, se um sexto não quisesse continuamente entrar no grupo. Ele não nos afeta, mas é-nos aborrecido, isso é o bastante; por que ele quer se insinuar, onde não é desejado. Não o conhecemos e não o queremos junto de nós. É verdade que, no começo, nós cinco também não nos conhecíamos e, se formos rigorosos, continuamos a não nos conhecer, mas o que é possível aos cinco e por eles é tolerado não se aplica a esse sexto. E, afinal, que sentido haverá neste permanente estar junto, para nós cinco também não faz sentido, mas, agora, já estamos juntos mesmo e assim permanecemos; porém, não queremos uma nova adesão, justamente por causa de nossas experiências. Mas como poderemos transmitir tudo isto ao sexto, longas explicações já significariam quase uma sua aceitação em nosso círculo, preferimos não explicar nada e não o aceitamos. Ao menor movimento dos lábios, damos-lhe uma cotovelada; mas se não o enxotarmos, ele voltará. (Kafka, 1997_______. A metamorfose. Trad. Modesto Carone. São Paulo: Cia. das Letras, 1997., p.373. Trad. Ribeiro-de-Sousa)

A minúscula narrativa acima é enunciada por um “nós”, em que o eu-narrador está elipsado, mas presente, partilhando das posições defendidas pelo grupo de cinco amigos de que faz parte. Chama a atenção a precisão do número frente à indeterminação do sujeito “nós”. Carrega o cinco, conforme o Dicionário de símbolos de J. Chevalier, a carga semântica do pentagrama que aponta para a união, a harmonia, a perfeição, o equilíbrio entre os desiguais, a síntese dos complementares. Também a imagem do ser humano (duas pernas e dois braços abertos e uma cabeça, seus cinco sentidos - a totalidade do mundo sensível -, o microcosmo) aí está embutida. Por detrás do grupo dos cinco há a figura de um uno diverso - o ser humano - representado, por exemplo, por Leonardo da Vinci no homem vitruviano:

Essa relação afetiva entre cinco indivíduos numa só casa também chama a atenção. É como se a casa fosse um invólucro, uma pele que abriga/recobre o uno diverso - o ser humano - e o mantém estável. O narrador não entra na intimidade da casa; isso é vedado ao leitor. Sabe-se tão somente que há amizade e tranquilidade entre os cinco habitantes. Porém, o espaço “casa” tem igualmente uma forte carga simbólica, apontando para o mundo interior e atribuindo-lhe o status de primeiro universo, primeiro refúgio, primeiro “pertencimento”, frente ao mundo exterior (hostil e hostilizado), o que reforça a potência do microcosmo (corpo) simbolizado pelo número 5.

Como ou quando surgiu esse grupo? Não é revelado. Apenas é dado a conhecer pelas expressões temporais indeterminadas “certa vez”, “desde então”, que esse encontro aconteceu espontaneamente, ao acaso. Ninguém se conhecia. E levando a noção de conhecimento a fundo, os amigos continuam a não se conhecer. Ou seja, continuam indivíduos, sujeitos únicos no mundo, todavia, portadores de algumas características comuns (desconhecidas para o leitor), justamente aquelas que permitem a coexistência amiga no grupo. Como se organiza esse grupo? O eu/nós que fala ao leitor revela que, quando saem de casa, fazem-no em ordem: um atrás do outro. Nessa sequência, há uma hierarquia de 1º, 2º, 3º, 4º e 5º. Mais não se sabe. Além disso, é dito pelo eu/nós que eles chamam a atenção das pessoas. Percebem que são percebidos: o único rudimento de consciência social que deixam transparecer e que, “desde então”, empresta-lhes existência exterior como grupo. Perceptível fica que os cinco amigos não estão circunscritos ao seu microcosmo. Há um mundo social maior que os reconhece. A fala do outro, expressa em diálogo direto (o único do texto e, portanto, a princípio bastante significativa) está, porém, subordinada à voz do eu/nós que se afirma soberana na narrativa. Os dois mundos não interagem! Quando um sexto elemento se interessa por entrar no grupo, também aleatoriamente como os outros cinco anteriormente, é rechaçado sem motivo. E, nesta atitude, surge impactante a única parede da casa habitada pelo grupo (pelo uno diverso - com “pertencimento”) e o outro. O “nós/eu”, que fala, não oferece explicações. É apenas peremptório em sua negação: “é-nos aborrecido”; “não é desejado”; “não o conhecemos”; “não o queremos junto de nós”; “[o nosso mundo] não se aplica a este sexto”; “não queremos uma nova adesão”; “não o aceitamos”. Tantas negações num texto tão curto adquirem peso surpreendente, o que poderia permitir ao leitor interpretar essa atitude como xenófoba. O grupo fecha-se ao outro, ao diferente, ao estranho, sem perguntas, sem curiosidades, sem reflexões; tem uma consciência primária e estreita da existência. E é dessa forma abrupta, definitiva, que a narrativa chega ao final. Mas, observando bem, não é um final tranquilo, porque o sexto elemento não cessa de responder ao chamado interior do “pertencimento”, não desiste de entrar no grupo, o que faz pressupor um conflito (violento) sem fim previsível, projetado no futuro verbal da última frase da narrativa.

Figura 2
Imagem homem vitruviano.

Gemeinschaft” (“Comunidade”) foca a necessidade espontânea, ambígua, sem sentido aparente, de se pertencer a um grupo que habita um mesmo espaço. Essa espontaneidade existente no mundo do “nós” é sustentada inclusive pela frequência das vírgulas e pela preponderância de orações absolutas e coordenadas, que imprimem à sintaxe um ritmo corrido e linear. Ou seja, é natural que as cinco personagens possuam e compartilhem um patrimônio - a casa - com toda a sua carga simbólica, que negam ao outro. Não há necessidade de maiores esclarecimentos. O patrimônio comum faz parte, é elemento de sua identidade tanto individual quanto grupal ou coletiva. Todavia, ao mesmo tempo em que se observa um movimento inclusivo, percebe-se, com igual vigor, uma reação excludente, assinalada pela conjunção subordinativa “se” a marcar a ameaça constante à estabilidade das circunstâncias dadas. Um sexto indivíduo não cabe, não se sabe bem por quê, nesse conjunto. A questão da identidade é levantada e se estabelece em movimento correlacional entre o um e o outro, entre o sentimento de “pertencimento” e o de “não pertencimento”, um movimento sustentado de modo automático, irracional.

Considerações finais

A narrativa “Gemeinschaft” (“Comunidade”) bem poderia ser considerada grosso modo um espelho do comportamento das comunidades ao redor do planeta. A complexidade das questões levantadas e deixadas envoltas em silêncio acicata o intelecto do leitor no sentido de esquadrinhar e compreender em profundidade a dinâmica da inclusão/exclusão, do “pertencimento/não pertencimento” e de superá-la, desenvolvendo o sentimento da confiança generalizada, característica nuclear das sociedades tidas como civilizadas e economicamente avançadas. Nesse sentido, entre outros, o conceito de individuação de Jung e o da pirâmide das necessidades humanas para a autorrealização (felicidade) de Maslow podem ajudar muito.

Franz Kafka em “Gemeinschaft” (“Comunidade”) e em outras obras não oferece saídas para a situação limiar existencial do “não pertencimento”. Deixa as personagens em suspenso num limbo, quando não as mata.

As personagens de Kafka e os seus entornos refletem seu autor e sua época. Mas não só. Também refletem o milenar problema de “pertencimento/não pertencimento” do judeu errante, o qual se projeta ou pode ser encontrado em escalas variadas em todos os e/imigrantes e exilados até os dias de hoje - atualíssimo -, abrangendo multidões, e também se desvelando, insidioso, aninhado dentro da alma de cada um, ou seja, nous tous étrangers à nous-mêmes, como diria Julia Kristeva. Todos nós, em graus variados, encontramo-nos desgarrados em busca de um eixo, de um “pertencimento”, num universo desconhecido.

O judeu Franz Kafka, a um só tempo, checo, súdito do império austro-húngaro e, depois, a partir de 1918, cidadão checoslovaco, consegue com suas palavras alcançar, para o conceito de “pertencimento/não pertencimento”, uma amplitude máxima de significado, muitas vezes, com narrativas curtíssimas. É, sem dúvida, um excepcional artesão da palavra e de sua montagem. Compõe um monumento literário, pertencente à literatura de língua alemã, à literatura checa, à literatura judaica - em resumo - à literatura universal. Se o homem Franz Kafka apenas encontrou “pertencimento” precário, sua obra, certamente, foi abraçada pela humanidade pelo que encerra de humano, ou melhor, do “uni-verso” humano, pelo que nos faz refletir sobre nossas identidades, nossas limitações, sobre nossos anseios, sobre nossas possibilidades de superação, sobre a viabilidade de sermos ou não felizes.

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Notas

  • 1
    Este ensaio é uma remodelação e ampliação da palestra “Franz Kafka entre vida e obra”, apresentada em 26 de setembro no Colóquio Internacional “Europa Central Judaica”, realizado na Universidade de São Paulo em 2018.
  • 2
    Original: “Ich habe niemals unter deutschem Volk gelebt, Deutsch ist meine Muttersprache und deshalb mir natürlich, aber das Tschechische ist mir viel herzlicher” (Kafka, 1987. Disponível em: <https://www.odaha.com/sites/default/files/BriefeAnMilena.pdf>).
  • 3
    Original: “Ich heiße hebräisch Anschel wie der Großvater meiner Mutter von der Mutterseite, der als ein sehr frommer und gelehrter Mann mit langem weißem Bart meiner Mutter erinnerlich ist, die 6 Jahre alt war als er starb” (Kafka, 2016. Disponível em: <https://homepage.univie.ac.at/werner.haas/1911/tb11-084.htm>).
  • 4
    Original: “Was habe ich mit Juden gemeinsam?”, „Ich habe kaum etwas mit mir gemeinsam und sollte mich ganz still, zufrieden damit, dass ich atmen kann, in einen Winkel stellen” (Kafka, 2016. Disponível em: <https://homepage.univie.ac.at/werner.haas/1914/tb14-005.htm>).
  • 5
    Original: “Verlassen sind wir doch wie verirrte Kinder im Walde. Wenn du vor mir stehst und mich ansiehst, was weißt du von den Schmerzen, die in mir sind, und was weiß ich von den deinen. Und wenn ich mich vor dir niederwerfen würde und weinen und erzählen, was wüsstest du von mir mehr als von der Hölle, wenn dir jemand erzählt, sie ist heiß und fürchterlich. Schon darum sollten wir Menschen voreinander so ehrfürchtig, so nachdenklich, so liebend stehen wie vor dem Eingang zur Hölle” (Kafka apud Oberst, 2006, p.9).
  • 6
    Original: “Mangel jedes festen jüdischen Bodens unter den Füßen” (Kafka, 1922. Disponível em: <http://www.odaha.com/sites/default/files/Breife1902-1924.pdf, p. 245>).
  • 7
    Original: “Das ist es eben! Max Brod, Felix Weltsch, alle meine Freunde bemächtigen sich immer irgendeiner Sache, die ich geschrieben habe, und überraschen mich dann mit dem fertigen Verlagsvertrag. Ich will ihnen keine Unannehmlichkeiten bereiten, und so kommt es zum Schluss zur Herausgabe von Dingen, die eigentlich nur ganz private Aufzeichnungen oder Spielereien sind. Persönliche Belege meiner menschlichen Schwäche werden gedruckt und sogar verkauft, weil meine Freunde, mit Max Brod an der Spitze, es sich in den Kopf gesetzt haben, daraus Literatur zu machen, und ich nicht die Kraft besitze, diese Zeugnisse der Einsamkeit zu vernichten” (Janouch, 1968, p.48).
  • 8
    Original: “ich suche nur immerfort etwas Nichtmittelbares mitzuteilen, etwas Überklärbares zu erklären, von etwas zu erzählen, was ich in den Knochen habe und was nur in diesen Knochen erlebt werden kann” (Kafka, 1987. Disponível em: <https://www.odaha.com/sites/default/files/BriefeAnMilena.pdf>).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2019
  • Aceito
    19 Jun 2020
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