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Lições da Pastoral da Criança: entrevista com Zilda Arns Neumann

FOME E DESNUTRIÇÃO

Lições da Pastoral da Criança

Entrevista com Zilda Arns Neumann

Na elaboração deste dossiê a respeito da fome e da desnutrição no Brasil não poderia faltar uma informação minuciosa sobre o trabalho da Pastoral da Criança. Organizada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) para atuar principalmente nas camadas mais pobres da sociedade, essa Pastoral presta inestimável contribuição na luta contra graves mazelas sociais, como a mortalidade infantil. Por isso, por demonstrar na prática como se deve e se pode contribuir para resolver alguns problemas que atormentam os brasileiros, a Pastoral da Criança ocupa hoje uma posição de destaque na vida nacional. Devido à sua atuação intensa e à sua criatividade no cumprimento de seus objetivos, a Pastoral da Criança é considerada internacionalmente como uma iniciativa que merece ser aplicada em países que enfrentam problemas similares aos do Brasil. Para conhecer essa lição e a extraordinária trajetória da Pastoral, estudos avançados entrevistou em março a doutora Zilda Arns Neumann, fundadora e coordenadora nacional da Pastoral da Criança. (Marco Antônio Coelho)

ESTUDOS AVANÇADOS– Doutora Zilda, como foi possível organizar a estrutura da Pastoral da Criança, que atende a mais de um milhão e meio de crianças com menos de seis anos de idade, e a quase oitenta mil gestantes, além de realizar outras atividades sociais em 3.549 municípios? Deve-se isso ao apoio da CNBB e à Igreja Católica? Em outras palavras, como aconteceu esse milagre?

Zilda Arns – Naturalmente, a CNBB sempre deu todo o apoio à Pastoral da Criança. Mas, ela conquistou esse espaço por conta própria, movida pelo amor e acreditando na causa. Aos poucos, foi conquistando o apoio da Igreja, do governo e de muitas outras entidades e instituições.

Alguns pontos cruciais explicam esse sucesso. Em primeiro lugar, porque uniu a fé com a vida. As pessoas ajudam a Pastoral, nela se engajam porque estão movidas pela mística fraterna de construir um mundo melhor. Eu diria que a participação comunitária é o principal fator do êxito da Pastoral.

Eu já tinha uma longa experiência – 25 anos – em atividades relacionadas com a saúde pública. Ao mesmo tempo, sempre mantive estreito contato com a vida religiosa, pois tenho cinco irmãos religiosos. Assim, foi com facilidade que entendi o papel e a função da Pastoral da Criança. Por isso, consegui capacitar muito bem o pessoal que nela atua. Além disso, com essa experiência, compreendi ser indispensável uma ação da comunidade nessa área. Ou seja, entendi que não se deveria ficar esperando a atuação dos governos ou da Igreja. Para mim, era essencial a participação da sociedade, que deveria se esforçar para que se pudesse ter êxito nesse empreendimento. Vi também que era indispensável relacionar saúde com educação.

Assim começamos nosso trabalho e depois, em 1991, vimos com muita alegria o lançamento, pelo Ministério da Saúde, do Programa de Agentes Comunitários (pacs). Agora, vejo que, em alguns lugares, os líderes da Pastoral atuam juntamente com os agentes do pacs. Às vezes, pesamos juntos as mesmas crianças, somando esforços.

Partimos em nosso trabalho de conhecimentos científicos a respeito de como se deve cuidar das crianças, para democratizar esse saber entre as famílias. O trabalho da Pastoral cresceu de forma espantosa porque decorreu das necessidades das próprias mães, que precisam conhecer muitas coisas quando lidam com as crianças ou ainda no período da gestação.

Ficamos felizes quando os organismos nacionais e internacionais reconhecem na Pastoral não só um colaborador, mas um parceiro que pode ajudar muito a saúde pública chegar até as bases, que são as famílias, através da capilaridade da Igreja. Isto porque a raiz do bem e do mal está na família.

Em 1994, no Fórum Internacional de Nutrição, realizado em Seul, Coréia do Sul, a Pastoral foi reconhecida como uma das seis melhores instituições do mundo dedicadas à saúde e nutrição das comunidades. Quando apresentei o trabalho que vínhamos desenvolvendo, eles valorizaram nosso movimento e apontaram pontos-chave do sucesso. Em primeiro lugar, porque sempre fomos fiéis aos nossos objetivos – luta para reduzir a mortalidade infantil e a desnutrição, contra a violência e pela educação das mulheres, tendo como ponto principal a criança no contexto da família e da comunidade. Desde o início, sempre acreditei que não adianta cuidar bem de uma criança se ela for maltratada em casa e passar fome. Os problemas começam em casa, assim como as soluções.

A trajetória da Pastoral

ESTUDOS AVANÇADOS– Doutora Zilda, como se deu a criação da Pastoral? Quais foram os primeiros passos?

Zilda Arns – Comecei a trabalhar na Pastoral da Criança em setembro de 1983, junto aos bóia-frias no norte do Paraná, em Florestópolis. Iniciei sozinha e depois a Secretaria de Saúde do Estado do Paraná colocou à minha disposição uma datilógrafa, que preparava as apostilas de materiais educativos, escritos por mim numa linguagem popular. Eu escrevia a respeito de cinco temas fundamentais ligados à saúde da gestante e de sua nutrição – aleitamento materno, vigilância nutricional, vacinas, reidratação, soro caseiro –, e também procurava envolver a educação infantil. Preparava apostilas que fossem acessíveis e escolhia o que, minimamente, uma líder comunitária deveria saber a fim de multiplicar esse conhecimento a cada mãe. Aleitamento materno, por exemplo: por que ele é melhor do que outros tipos de leite? O que fazer com o peito empedrado? O que fazer quando os vizinhos dizem que a criança está chorando de fome? Enfim, nosso material educativo era apropriado e refletia também o pensamento da fé na vida. Neles, sempre colocava uma lição da Bíblia para reflexão das lideranças.

Montamos um sistema de capacitação bem organizado. Graças ao nosso trabalho, a mortalidade infantil em Florestópolis, que era de 127 por mil, baixou para 28 por mil. O Unicef tomou conhecimento desse dado e ficou impressionado com o resultado. Naquela época, Dom Luciano Mendes de Almeida, então Secretário da CNBB, pediu que eu apresentasse um relatório na Assembléia Geral da CNBB, em Itaici. Com isso, motivei os bispos que me procuraram, convidando-me para ir às suas dioceses, a fim de nelas lançar a Pastoral. Comecei, assim, a multiplicar o número de coordenadores que poderiam organizar a Pastoral em cada diocese, iniciando essa atividade lá no Nordeste. Essas pessoas multiplicavam o modelo da Pastoral da Criança. Eu os capacitava e visitava posteriormente.

Havia, no entanto, dentro da Igreja, pessoas conservadoras que me perguntavam a razão de as paróquias cuidarem das crianças – pesá-las, ensinar a fazer soros etc. –, pois isso era serviço da Saúde Pública e o da Igreja era evangelizar. De outro lado, grupos de esquerda diziam: "soro caseiro?, o importante é lutar por saneamento básico, água potável etc.". Eu compreendia que essas pessoas tinham uma certa razão, mas pensava que se não cuidássemos das crianças, elas iriam morrer, ficariam desnutridas e passariam a viver nas ruas. E que, com nosso trabalho – cuidando da saúde, da nutrição, da educação – muitas famílias seriam promotoras de seu próprio desenvolvimento. Então, continuei firme no trabalho da Pastoral e meu irmão, Dom Paulo, e Dom Geraldo Majella Agnelo, sempre me estimulavam, dizendo: "siga em frente". O trabalho da Pastoral da Criança era, na prática, altamente transformador, impulsionado pelo compromisso do Evangelho e da cidadania.

O apoio de outras religiões

ESTUDOS AVANÇADOS– Entende-se perfeitamente que a CNBB e a Igreja Católica tenham dado todo apoio à Pastoral. Mas, como os que não são católicos encaram a Pastoral?

Zilda Arns – Temos como mestre Jesus Cristo e ele disse que todos devem ter vida em abundância. Não disse isso somente para os católicos. Quando comecei em Florestópolis, havia lá 14.700 habitantes; era um município pequeno com uma grande área rural, onde se plantavam cana-de-açúcar, café e algodão. Estabeleci que a Pastoral iria ajudar todas as crianças, pois somente assim se apuraria os resultados de nosso trabalho. Soube que havia mais três religiões no município. Então, fui visitar as pessoas mais destacadas em cada um desses grupos. Todos ficaram contentes ao saber que eu era médica pediatra e sanitarista e que o grande ideal da Pastoral era reduzir a mortalidade infantil e ensinar as mães a cuidar das crianças. Afirmei que não havia qualquer restrição aos não-católicos. Fazíamos as reuniões da Pastoral numa creche e depois até na igreja. Portanto, não houve qualquer problema em Florestópolis no relacionamento com as famílias que não eram católicas. Pesquisas recentes da Pastoral da Criança revelam que cerca de 90% das famílias que participam na Pastoral são católicas e as outras são evangélicas. No Amazonas, temos uma coordenadora de uma Diocese que é da Assembléia de Deus.

Posso dizer com muita alegria que nunca tive preconceito algum em meu coração e que também não sinto preconceito dos outros para comigo. A Pastoral da Criança também não está ligada a qualquer partido político. Entre nós há militantes de vários partidos. Eles ajudam as famílias ou participam do trabalho de capacitação de outros voluntários.

O trabalho voluntário na Pastoral

ESTUDOS AVANÇADOS – Nos Estados Unidos, nas atividades das organizações não-governamentais, há um expressivo número de pessoas que trabalham como voluntários. Mas no Brasil essa participação é muito mais restrita. Na Pastoral da Criança há muitos voluntários?

Zilda Arns– Atualmente, temos mais de 155 mil voluntários. A maior parte vive na comunidade. Cerca de 122.026 moram em favelas e palafitas, nos grandes bolsões de pobreza. Além desses, temos mais de sete mil equipes de coordenação espalhadas pelo Brasil, compostas de pessoas capacitadas a orientar as mães. Muitas vezes, elas são profissionais, aposentadas, idosas. Mas também há muitos jovens muito atuantes.

Estudiosos comentaram comigo que alguns fatores nos ajudam a conquistar voluntários e a manter seu vínculo conosco (na Pastoral, há pessoas que trabalham há quase vinte anos; às vezes elas se afastam devido a problemas familiares, mas depois retornam ao trabalho voluntário): a promoção humana, a organização de uma rede de solidariedade que se comunica entre si e a referência da fé.

Sempre fazemos encontros regionais anuais. Neles, participa uma representante por diocese. Ela deve ser eleita para coordenar e representar as bases, falar a respeito das dificuldades que enfrentam e apresentar propostas para superar as dificuldades.

Além dos encontros regionais, em cada Estado há encontros com as dioceses. Cada diocese promove encontros com as paróquias e, nestas últimas, há reuniões com as comunidades. Nas comunidades, acontecem mensalmente as Reuniões de Reflexão e Avaliação. Assim, há todo um vai-e-vem contínuo.

Procuramos sempre trabalhar com as bases. Temos um pequeno núcleo de cerca de 45 funcionários em Curitiba, onde funciona a coordenação nacional da Pastoral da Criança. São técnicos de saúde, nutrição, jornalistas, especialistas em saúde pública, educação, assistência social, psicologia, informática, entre outros profissionais qualificados. Esse pessoal também vai aos encontros para ouvir e acompanhar as discussões, porque se tivéssemos um grupo de elite em Curitiba, com grandes especialistas, profissionais de gabinete só para imaginar as coisas, mas fechados em si mesmos, não daria certo.

Nós nos preocupamos com a promoção do agente, do líder e do coordenador. Estimulamos sua capacitação no trabalho da Pastoral, mas também em sua vida particular. Muitas líderes que trabalham conosco eram analfabetas. Nós as alfabetizamos; muitas tinham problemas familiares e nós procuramos ajudá-las a resolvê-los.

Recordo de um caso ocorrido no Ceará. O marido de uma voluntária jogava água quente na perna da mulher sempre que ela ia trabalhar na Pastoral. Apuramos o caso e o marido confessou: "Minha mulher vai trabalhar na Pastoral e lá ela fica como uma doutora, todo mundo a respeita. Antes não éramos nada e agora ela é uma figura muito importante. Eu fico como um burro e ninguém me convida para a Pastoral". A coordenação local pediu, então, o auxílio dele. Em razão disso, muito satisfeito, ele passou a colaborar, ajudando a pesar as crianças. Assim, o problema foi resolvido.

Um vez, em Guajará-Mirim, Rondônia, onde houve o massacre de Corumbiara, fui comemorar os dez anos da Pastoral da Criança no Estado. Uma senhora me abraçou chorando, dizendo: "Sou sobrevivente de Corumbiara, tinha quatro filhos, sendo que três eram desnutridos. A Pastoral é que os recuperou da desnutrição e me ensinou a ler e a escrever. Me tornei líder e, agora, o que desejo é ajudar a Pastoral, para que todas as famílias possam ser beneficiadas como eu fui".

A Pastoral é uma rede que se comunica de cima para baixo, de baixo para cima e lateralmente. As famílias pobres migram muito dentro do Brasil e muitas vezes as pessoas passam a viver distantes de seus parentes. Por isso, somos procurados por aqueles que precisam de um apoio qualquer. E nós estamos à disposição de todos.

O sistema de informação

Há um ponto-chave sobre o qual ainda nada disse – o sistema de informação da Pastoral da Criança. Ele não só capta dados como avalia e retorna as avaliações para as bases, por meio de uma carta assinada por mim. São mais de cinco mil cartas a cada trimestre. Esse sistema foi idealizado para que a comunidade tenha todas as referências a respeito de como o trabalho está sendo feito em cada lugar e no Brasil, indicando os resultados obtidos em cada questão abordada (por exemplo, no aleitamento materno).

Então, esse sistema de informação é um fiel da balança. Usamos computadores para gerenciar o trabalho da Pastoral. Captamos recursos e a distribuição deles pelo país segue normas pré-estabelecidas, sendo depositados na mesma hora em todo o país. Fazemos e testamos materiais educativos em várias regiões do Brasil. Só depois de muitos testes é que preparamos um material para o conjunto do país, em grande escala.

Outros projetos

ESTUDOS AVANÇADOS– A Pastoral da Criança desenvolve outros projetos?

Zilda Arns – Sim. Um deles é oprojeto de geração de renda, que repassa recursos a grupos familiares sem opção de trabalho. A Pastoral capacita essas pessoas na atividade escolhida, que pode ser tanto de produção como de comercialização de produtos, tais como hortas comunitárias, criação de animais, artesanato etc.

Além disso, realizamos um trabalho de alfabetização de jovens e adultos. São cursos destinados a agentes e líderes comunitários. O método é baseado numa pedagogia problematizadora, onde as palavras-chave provêm da própria atividade da Pastoral. Atualmente, temos quase trinta mil alunos matriculados nesse projeto.

Igualmente, temos o projeto da Rede Brasileira de Informação e Documentação sobre a Infância e a Adolescência (Rebidia), com o propósito de recolher e fornecer dados para a implementação de políticas públicas que assegurem o bem-estar e a qualidade de vida das crianças e dos adolescentes. Temos acesso às contas dos Ministérios da Saúde e da Educação. Em conseqüência, podemos saber como as verbas foram e são distribuídas para as prefeituras e se estas fizeram a prestação de contas. Podemos verificar o que sucedeu com as verbas, se foram feitas as prestações de contas etc. Em resumo, julgamos ser importante esse controle social, pois somente assim as questões sociais podem ser resolvidas.

Também é preciso mencionar que desenvolvemos o projeto "A paz começa em casa", com o propósito de realizar ações de prevenção da violência contra a criança no ambiente familiar. Agora estamos iniciando o Projetode Intervenção em Áreas de Risco. Com esse projeto, que deve durar quatro anos, atuamos com maior intensidade em 32 municípios com graves índices de miséria e analfabetismo, escolhidos com base no sistema de informação da própria Pastoral da Criança e de institutos de pesquisa como o IBGE, o Instituto de Pesquisa Aplicada (Ipea), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e a Fundação João Pinheiro.

A Comunidade Solidária

ESTUDOS AVANÇADOS– Qual a sua opinião a respeito da Comunidade Solidária, idealizada e dirigida pela professora Ruth Cardoso?

Zilda Arns – Fui conselheira da Comunidade Solidária, a convite da professora Ruth Cardoso. Participei praticamente de todas as reuniões e aprendi muito. O que a Comunidade Solidária fez foi, principalmente, mudar os modelos de assistência social. Estudou-se, por exemplo, o Programa Bolsa-Escola, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, a Lei do Voluntariado, o desenvolvimento local integrado e sustentável, isto é, como as diversas necessidades de uma comunidade podem ser atendidas ao mesmo tempo etc. É o que procuramos fazer na Pastoral da Criança: cuidamos da saúde, da nutrição, da educação, da evangelização, além de desenvolver projetos como o Projeto de Geração de Renda e o Projeto de Educação de Jovens e Adultos – tudo isso para que cada família seja atendida de diversas formas. O objetivo é promover o desenvolvimento da saúde física, social, mental, espiritual e cognitiva das crianças menores de seis anos de idade.

O projeto Fome Zero

ESTUDOS AVANÇADOS – Pelo noticiário dos jornais pode-se perceber que há algumas dificuldades na implementação do programa Fome Zero, lançado pelo atual governo. Em sua opinião, quais são as questões mais importantes para que esse grande projeto social tenha sucesso? Aproveito essa oportunidade para fazer-lhe também outra pergunta: algumas pessoas dizem que o peso de uma criança não permite verificar o índice de desnutrição. Como a senhora responde a essa observação?

Zilda Arns – Gostei muito que o presidente Lula tenha lançado o programa da Fome Zero, pois o objetivo é acabar com a fome e a raiz da fome. Também acho que o peso das crianças não é um índice suficiente para se avaliar a desnutrição. Mas junto com o peso da criança, várias coisas são mobilizadas na comunidade: acompanhar a recuperação dos desnutridos, a orientação das mães, a vacinação, a educação infantil etc.

Para nós, a evangelização é também muito importante. Todas as organizações propõem que a criança tenha desenvolvimento físico, social, mental, espiritual e cognitivo. Anteriormente, nunca se falava em desenvolvimento espiritual, mas, agora, a própria Organização Mundial de Saúde, baseada em pesquisas, está dizendo que as pessoas que têm fé são mais saudáveis, menos violentas e mais felizes. Nós, da Pastoral, não somente pesamos as crianças. Procuramos desenvolvê-las em sua totalidade, dentro de um contexto familiar e comunitário.

Em relação às críticas ao programa Fome Zero, os que conhecem a vida rural sabem que é inviável exigir-se de qualquer pessoa, para receber um auxílio qualquer, que apresente um cupom ou uma nota fiscal. Quem irá controlar isso? Seria necessário nomear um batalhão de funcionários para controlar os cupons e as notas. Tudo isso é um gasto inútil de dinheiro, que pode ser empregado na educação do povo. Felizmente, essa idéia já foi descartada pelo Governo.

O presidente Lula – e eu sou testemunha disso – está cuidando da reforma previdenciária, da reforma tributária e quer aumentar a geração de renda das pessoas mais pobres. Enfim, o problema não é só distribuir alimentos. O essencial é erradicar a pobreza e a ignorância, por meio de medidas estruturantes intersetoriais. Isso está previsto no Programa de Governo.

A Pastoral em outros países

ESTUDOS AVANÇADOS– Qual tem sido a repercussão do trabalho da Pastoral da Criança em outros países?

Zilda Arns – Em Angola, em 1994, comecei um treinamento com dezessete mulheres. Atualmente, mais de 2.500 estão capacitadas a realizar naquele país um programa como o nosso. Somente na cidade de Benguela, onde começou a Pastoral da Criança, estão trabalhando como voluntárias oitocentas mulheres. Mais de cinco mil crianças estão cadastradas na Pastoral, porém, acredita-se que estão sendo atendidas pelo menos dez mil crianças em todo o país.

Estive também em Guiné-Bissau e fui a seis comunidades muçulmanas. Uma freira missionária brasileira, desesperada ao ver as crianças morrendo (a assistência era dada somente em postos de saúde e hospitais paupérrimos) iniciou a Pastoral da Criança no país. Ela começou ensinando as mães a preparar o soro caseiro, ações de vigilância nutricional, entre outras. O trabalho da Pastoral se desenvolve também em Moçambique, no Timor Leste e nas Filipinas.

O mesmo sucede em diversos países da América do Sul, como Paraguai, Bolívia, Chile, Venezuela, Equador, Argentina e Colômbia. Visitei o México há dez anos e agora eles estão atuando nas comunidades indígenas. Aliás, estamos trabalhando também com comunidades indígenas no Brasil. Recentemente recebi uma visita de ciganos, que foram pedir para a Pastoral os auxiliar. Eles são nômades, mas têm líderes que querem ser treinados para cuidar das crianças.

A Conferência Religiosa da América Latina (CLAR) está formando grupos intercongregacionais voluntários para realizar a capacitação de religiosos, de diversas congregações, para que atuaem na expansão e consolidação da Pastoral da Criança na América Latina.

"Sempre acreditei que não adianta cuidar bem de uma criança se ela for maltratada em casa e passar fome."

"Eu diria que a participação comunitária é o principal fator do êxito da Pastoral."

"O trabalho da Pastoral da Criança era, na prática, altamente transformador, impulsionado pelo compromisso do Evangelho e da cidadania."

"Atualmente, temos mais de 155 mil voluntários. A maior parte vive na comunidade. Cerca de 122.026 moram em favelas e palafitas, nos grandes bolsões de pobreza."

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2004
  • Data do Fascículo
    Ago 2003
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