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Inseguro: Policiamento sob o capitalismo racial

Insecure: Policing Under Racial Capitalism

RESUMO

Este artigo descreve a natureza do policiamento sob o capitalismo racial nos EUA e defende a abolição da polícia. Ele faz um levantamento da história da polícia no país, concentrando-se principalmente nas ideias e práticas racistas contra os afro-americanos. Inclui a análise de casos recentes de assassinatos de negros pela polícia e discute os diversos movimentos por justiça racial, incluindo Black Lives Matter. A análise se baseia em uma ampla base de evidências históricas e contemporâneas e utiliza a literatura acadêmica em história, sociologia e ciência política, bem como fontes jornalísticas.

Palavras-chave:
polícia; capitalismo racial; história negra; EUA; movimentos sociais

ABSTRACT

Insecure: Policing Under Racial Capitalism outlines the nature of policing under racial capitalism in the USA and makes a case for the abolition of the police. It reviews the history of the police in the country, focusing particularly on racist ideas and practices against African Americans. It includes analysis of recent cases of police murders of black people and discusses the diverse movements for racial justice, including Black Lives Matter. It relies on an ample base of historical and contemporary evidence and widely utilizes both the academic literature in history, sociology and political science and journalistic sources.

Keywords:
police; racial capitalism; black history; USA; social movements

A identificação liberal de segurança com liberdade e propriedade, de fato, mascara uma insegurança subjacente no coração da ordem burguesa - a insegurança da propriedade - que está profundamente ligada à questão de classe (...) A segurança é parte da razão para a fabricação da ordem. Em termos de demanda por ordem na sociedade civil, é sob a bandeira da “segurança” que a polícia costuma marchar (NEOCLEOUS, 2000NEOCLEOUS, Mark. The Fabrication of Social Order: A Critical Theory of Police Power. London: Pluto Press, 2000., p. 44).

A função da polícia é produzir raça, uma categoria essencial para o funcionamento do mercado estatal sob o capitalismo racial. Qualquer análise do policiamento dos EUA deve considerar sua relação constitutiva com a racialização de sujeitos negros e pardos, não apenas teoricamente, mas também na história, com a formação estrutural da polícia dos EUA como uma força anti-negra (SEIGEL, 2018SEIGEL, Micol. Violence Work: State Power and the Limits of Police. Durham: Duke University Press, 2018., p. 21).

A força policial moderna nos EUA foi criada para proteger o capital e seus proprietários. Como braço coercitivo do Estado, a polícia é o seu principal instrumento da violência, particularmente a violência racializada. Ela funciona como uma força de ocupação nos guetos, bairros e reservas empobrecidos da América, na fronteira sudoeste e em qualquer território com altas concentrações de comunidades subjugadas. Sua defesa da propriedade corporativa e da extração capitalista estava claramente em exibição durante os protestos contra os oleodutos Keystone XL e Dakota Access.

O Bureau of Land Management contratou oficiais armados, empregou forças policiais locais e trabalhou com o FBI para impedir o que as autoridades americanas chamam de “terrorismo doméstico”. Em Standing Rock, Dakota do Norte, a polícia e guardas particulares usaram gás lacrimogêneo, cassetetes, cães policiais, canhões de água, balas de borracha, bean bag rounds e prisões em massa para atacar os defensores das terras indígenas, os protetores da água e seus aliados - tudo em nome de proteger os interesses da TC Energy Corporation, Energy Transfer Partners e seus vários investidores (LEVIN e PARRISH, 2019LEVIN, Sam; PARRISH, Will. “Keystone XL: Police Discussed Stopping Anti-pipeline Activists ‘By Any Means’”. Guardian, November 26, 2019.; LEVIN e WOOLF, 2016). E apesar da agitação e da indignação contra a violação flagrante, por parte da administração Trump, da Lei Posse Comitatus de 1878, que limita o uso dos militares em assuntos domésticos, a polícia há muito funciona como um exército contra os movimentos sociais dissidentes.

Ela é a primeira linha de defesa contra greves e manifestações negras, pardas, indígenas, antirracistas, antifascistas, de esquerda, queer e feministas, embora muitas vezes se torne um cordão de proteção para os homens da Ku Klux Klan, os nazistas e a alt-right (direita alternativa)1 1 Para alguns excelentes exemplos de relatos históricos da polícia como um instrumento do capitalismo e da propriedade, ver Linebaugh (2020), Bean (2020a, 2020b), Harring (2017), Williams (2007), Whitehouse (2014) e Cooke (2020). . Para os leitores do Spectre, tudo isso é de conhecimento comum. A ideia de que a polícia foi criada para defender o domínio da classe burguesa e a supremacia branca foi amplamente aceita por vários marxistas por pelo menos um século. E, no entanto, a abolição da polícia só recentemente se tornou uma das principais demandas entre amplos setores da esquerda marxista - e mesmo agora não é universalmente aceita.

Abolir a polícia só recentemente se tornou a principal demanda entre amplos setores da esquerda marxista. Não devemos nos surpreender, já que a pressão atual para a “despojar” ou abolir cresceu a partir de uma década de organização por movimentos radicais frequentemente relegados às margens da esquerda ou rejeitados como “movimentos de identidade” - ou seja, feministas, negros, latinos e indígenas radicais e abolicionistas, mobilizações comunitárias e de jovens contra a violência policial (FELBER, 2020FELBER, Garrett. “The Struggle to Abolish the Police is Not New”. The Boston Review, June 9, 2020.). Entre eles, estão Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), Dream Defenders (Defensores de Sonhos), Black Youth Project 100 (Projeto Negro de Juventude 100), We Charge Genocide (Nós Acusamos Genocídio), Bold (Organização Negra para Liderança e Dignidade), Million Hoodies Movement for Justice (Movimento de um Milhão de Hoodies para Justiça), Dignity and Power Now (Dignidade e Poder Agora), Ella’s Daughters (As Filhas de Ella), Assata’s Daughters (As Filhas de Assata), Black Feminist Futures Project (O Projeto para Futuros Feministas Negras), Leaders of a Beautiful Struggle (Líderes de uma Luta Linda), Let Us Breathe Collective (Coletivo Nos Deixe Respirar), Hands Up United (Mãos Levantadas Unidas), Lost Voices (Vozes Perdidas), Organization for Black Struggle (Organização para Luta Negra), Millennial Activists United (Ativistas Milenares Unidos) - organizações que em algum momento caíram sob a égide do Black Lives Matter.

Embora a demanda pela abolição da polícia tenha surgido em 2014, durante os protestos em Ferguson, Missouri, em resposta ao assassinato de Michael Brown2 2 Durante a rebelião de Ferguson, conheci vários membros de Hands Up United, Lost Voices, Organization for Black Struggle, Millennial Activists United e outros organizadores locais afiliados à Don’t Shoot Coalition (Coalizão Não Atire) que estavam propondo a abolição da polícia bem antes de ela se tornar popular. Dois anos mais tarde, foi publicado o caderno A World Without Police (Um Mundo Sem Polícia), com um site que o acompanha (http://aworldwithoutpolice.org/the-problem). Ver também Gelderloos (2014a, 2014b). , ela não começou aí. A Critical Resistance (Resistência Crítica) divulgou um comunicado pedindo a abolição da polícia já em 2009. Em vez da polícia, o comunicado perguntou:

e se nos reuníssemos com membros de nossas comunidades e criássemos sistemas de apoio uns aos outros? Somos capazes de cuidar e de cuidar uns dos outros, suprindo uns aos outros com nossas necessidades humanas básicas, criando autodeterminação comunitária. Depender de e implantar o policiamento nega nossa capacidade de fazer isso, de criar segurança real em nossas comunidades (CRITICAL RESISTANCE, 2009; HERZING, 2016HERZING, Rachel. “Big Dreams and Bold Steps Toward a Police-Free Future”. In: SCHENWAR, Maya; MACARÉ, Joe; PRICE, Alana Yu-lan (orgs). Who Do You Serve, Who Do You Protect? Police Violence and Resistance in the United States. Chicago: Haymarket Books, 2016, pp. 111-118., pp. 111-118).

A Critical Resistance fez parte de uma onda de formações radicais na década de 1990 que lançou as bases para a atual onda de movimentos pela abolição da polícia e das prisões: Malcolm X Grassroots Movement (Movimento de Base Malcolm X), Prison Activist Resource Center (Centro de Recursos de Ativistas Prisionais), Prison Moratorium Project (Projeto de Moratória Prisional), Labor/Community Strategy Center (Estratégia Trabalho/Centro Comunitário), Project South (Projeto Sul), Power (Pessoas Organizadas para Ganhar Direitos de Trabalho), Southerners on New Ground (Sulistas em Nova Terra); Incite: Women of Color Against Violence (Incitação: Mulheres de Cor Contra a Violência), Sista II Sista (Irmã à Irmã), Los Angeles Community Action Network (Rede de Ação Comunitária de Los Angeles), Black Youth Coalition Against Civil Injustice (Coalizão de Jovens Negros Contra a Injustiça Civil), Miami Workers Center ( Centro de Trabalhadores de Miami), Praxis Project (Projeto Praxis), Fierce - Fabulous, Independent, Educated Radicals for Community Empowerment (Radicais Fabulosos - Independentes e Educados para Empoderamento Comunitário), Queers for Economic Justice (Queers para Justiça Econômica), Sylvia Rivera Law Project (Projeto de Lei Sylvia Rivera), para citar alguns.

Que algumas dessas organizações e muitos dos principais pensadores abolicionistas se identifiquem como marxistas ou de orientação marxista - notadamente Angela Davis, Ruth Wilson Gilmore e Mariame Kaba, entre outros - não parece importar. Há uma tendência entre setores da esquerda de tratar esses movimentos como estritamente centrados na identidade, na melhor das hipóteses, ou “reducionistas de raça”, na pior. De acordo com essa lógica, os únicos movimentos que importam se concentram nas questões “universais” de classe - empregos, saúde, impostos e meio ambiente (RORTY, 1998RORTY, Richard. Achieving Our Country: Leftist Thought in Twentieth-Century America. Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1998., p. 80)3 3 Mark Lilla, o mais recente proponente dessa visão, escreveu: “Black Lives Matter é um exemplo clássico de como não construir solidariedade. (...) A decisão do movimento de usar esses maus tratos para construir uma acusação geral da sociedade americana e de suas instituições de aplicação da lei, e de usar táticas mau-mau para acabar com a dissidência e exigir uma confissão de pecados e penitência pública (...) caiu nas mãos do republicano direito” (2017, p. 129). .

O problema com esse argumento é que ele confunde oposição à opressão institucional e marginalização com “política identitária”. Nenhum desses movimentos é excludente. Eles não apenas resistem à violência estatal racializada e de gênero, mas ao próprio capitalismo. Além disso, o que é mais “universal” do que um movimento dedicado a erradicar todas as formas de opressão e exploração, a acabar com a violência sancionada pelo Estado, substituindo a polícia, os militares e as prisões por caminhos genuínos, humanos e não carcerários de segurança e justiça?

Essa concepção estreita da esquerda dos EUA tornou amplamente invisível uma crítica marxista negra da violência do Estado e do policiamento dentro dos movimentos socialistas e comunistas estabelecidos - uma exceção é o apelo do líder comunista William L. Patterson às Nações Unidas, We Charge Genocide (Nós Acusamos de Genocídio) (PATTERSON, 1951PATTERSON, William L. (org). We Charge Genocide: The Historic Petition to the United Nations for Relief from a Crime of the United States Government Against the Negro People. New York: Civil Rights Congress, 1951.)4 4 Para um estudo excelente da marginalização de marxistas negros e as consequências de antirradicalismo americano, ver o livro em prelo de Burden-Stelly (2021). . Surpreendentemente, tem havido poucas discussões sobre a National Alliance Against Racist and Political Repression (Aliança Nacional contra a Repressão Racista e Política) do Communist Party of the United States (Partido Comunista dos Estados Unidos, CPUSA), que surgiu a partir da campanha para libertar Angela Davis. E ninguém, que eu saiba, reconheceu Paul Boutelle (mais tarde conhecido como Kwame Somburu), que pediu a abolição da polícia quando era candidato à vice-presidência do Socialist Workers’ Party (Partido Socialista dos Trabalhadores, SWP) em 1968.

Boutelle, nascido no Harlem, deixou a escola aos 16 anos de idade, cansada de ser doutrinada com “cristianismo, capitalismo e caucasianismo”. Ele dirigia um táxi para viver e se tornou ativo em uma série de organizações nacionalistas e anti-imperialistas negras no início dos anos 1960, incluindo o Fair Play for Cuba Committee (Comitê de Jogo Limpo por Cuba) e o Freedom Now Party (Partido Liberdade Agora), um partido político totalmente negro que endossava o afro-americano Clifton DeBerry, líder do SWP, para presidente em 1964. Naquele ano, Boutelle concorreu sem sucesso a uma vaga no Senado de Nova York pela chapa do Freedom Now Party.

Ele ingressou na Organization of Afro-American Unity (Organização de Unidade Afro-Americana) de Malcolm X, de curta duração, e testemunhou seu assassinato no Audubon Ballroom em 21 de fevereiro de 1965. Boutelle mergulhou na política do SWP, concorrendo à presidência do distrito de Manhattan em 1965, sendo procurador-geral do Estado em 1966, presidindo a Afro-Americans Against the War in Vietnam (Afro-Americanos Contra a Guerra no Vietnã) e o Black United Action Front (Frente Negra de Ação Unida), antes de sua histórica candidatura à vice-presidência como companheiro de chapa de Fred Halstead.

O ponto forte de campanha de Boutelle em 1968 poderia ser adotado hoje. Em um de seus primeiros discursos improvisados na Filadélfia, ele pediu educação universitária gratuita e atendimento médico para todos, uma semana de trabalho reduzida sem redução correspondente no pagamento, o fim da guerra do Vietnã e o reinvestimento de recursos destinados aos militares em “escolas e hospitais” e “decentes casas de aluguel barato” , a nacionalização de bancos e grandes corporações, colocando-os “sob o controle de comitês de trabalhadores eleitos democraticamente” e a “abolição da polícia”. Esta última demanda, deve-se notar, não fazia parte da plataforma do SWP, mas Boutelle propôs uma alternativa de segurança pública que implicaria a eleição de representantes das comunidades para “substituir as tropas e a polícia” (FEELEY, 2016FEELEY, Dianne Feeley. “Kwame M. A. Somburu (1934-2016)”. Solidarity, July 21, 2016.; ROBERTS, 2016ROBERTS, Sam. “Kwame Somburu, Perennial Socialist Candidate, Dies at 81”. New York Times, May 11, 2016.; MILLARD, 1995MILLARD, M. “Vote to retain JROTC split along racial lines”. Sun Reporter, June 29, 1995.; AMSTERDAM NEWS, 1966; WEST, 2019WEST, E. James. “Paul Boutelle’s 1968 Vice-Presidential Campaign”. Black Perspectives, November 18, 2019.)5 5 Boutelle passou o resto de sua vida como um socialista e anti-imperialista lutando pela libertação negra. Ele acabou mudando seu nome para Kwame Montsho Ajamu Somburu e, em 1983, se separou do SWP e ajudou a fundar a Socialist Action (Ação Socialista) e, mais tarde, a Socialist Workers Organization (Organização dos Trabalhadores Socialistas). Em 1973, mudou-se para a Califórnia, tornou-se professor e continuou a se organizar e a concorrer a cargos eletivos. Ele presidiu o comitê de defesa dos EUA para o ativista sul-africano preso Dr. Neville Alexander, presidiu o American Negro Committe for the Truth about the Middle East (Comitê de Negros Americanos pela Verdade sobre o Oriente Médio) em 1970 e permaneceu ativo no apoio à libertação da Palestina até sua morte, em 2016. Antes de morrer, ele tinha começado a trabalhar em um livro intitulado Slavery, Oppression, and Rebellion: From 10,000 BCE to the Present. .

Após uma onda de rebeliões urbanas contra a violência policial durante o verão de 1967, Boutelle argumentou que a militarização da polícia refletia as medidas de contra-insurgência dos EUA no exterior: “A classe capitalista determina os meios de luta neste país, e seu meio é a violência. Eles estão prontos para fazer qualquer coisa para suprimir o movimento negro - helicópteros, tanques blindados, guerra química e até campos de concentração” (GELLER, 1968GELLER, Lawrence H. “Socialist V-P Candidate Would Abolish the Police”. Philadelphia Tribune, January 30, 1968.).

Em outras palavras, a prolongada luta da esquerda negra para desmantelar o Estado policial dos EUA permaneceu por muito tempo à margem do pensamento e da práxis marxista. O problema foi destacado recentemente na revista Spectre por Peter Ikeler, em sua excelente resposta a Dustin Guastella, líder dos Democratic Socialists of America (Socialistas Democratas da América, DSA), que não só se opõe ao esvaziamento da polícia, mas afirma seu papel de garantir a segurança pública, especialmente a segurança das pessoas de cor e os pobres (IKELER, 2020IKELER, Peter. “To End Police Violence, End Racial Capitalism”. Spectre, July 20, 2020.; GUASTELLA, 2020GUASTELLA, Dustin. “To End Police Violence Fund Public Goods and Raise Wages”. Nonsite.org, July 9, 2020.)6 6 Obviamente, Guastella não representa a posição oficial da DSA. Haley Pessin, membro do Afrosocialist and Socialists of Color Caucus (Setorial Afro-Socialista e de Socialistas de Cor) dentro do DSA publicou um ensaio brilhante em apoio à abolição, reconhecendo o potencial revolucionário das rebeliões da Primavera Negra após o assassinato de George Floyd (PESSIN, 2020). .

Ikeler destrói os argumentos de Guastella, ponto por ponto, e sua conclusão fundamental repete o que os abolicionistas da polícia e a prisão, como Mariame Kaba, Ruth Wilson Gilmore, Angela Davis e, pelo menos indiretamente, Paul Boutelle (Kwame Somburu) e outros vêm dizendo há décadas: “Para acabar com a violência policial, acabar com o capitalismo racial” (DAVIS, 2003DAVIS, Angela. Are Prisons Obsolete? New York: Seven Stories Press, 2003.; GILMORE, 2007GILMORE, Ruth Wilson. Golden Gulag: Prisons, Surplus, Crisis, and Opposition in Globalizing California. Oakland: University of California Press, 2007.; KABA, 2020KABA, Mariame. “Yes, We Mean Literally Abolish the Police”. New York Times, June 12, 2020.). O artigo de Ikeler é convincente e persuasivo, mas abre uma questão mais ampla: qual é o papel da polícia na reprodução do capitalismo racial? Este artigo é uma tentativa de oferecer algumas respostas esquemáticas a esta questão, particularmente no que diz respeito à função da polícia no mercado imobiliário, capital financeiro e tecnológico como geradora de receita e como “trabalho”.

I

Ruth Wilson Gilmore nos lembra que “o capitalismo nunca deixa de ser racial” (GILMORE, 2017GILMORE, Ruth Wilson. “Abolition Geography and the Problem of Innocence”. In: JOHNSON, Gaye Theresa; LUBIN, Alex (orgs). Futures of Black Radicalism. New York: Verso Books, 2017., p. 225). Ele surgiu na Europa dentro de um sistema feudal já construído na hierarquia racial. O capitalismo era/é “racial” não por causa de alguma conspiração para dividir os trabalhadores ou justificar a escravidão e a expropriação, mas porque o racialismo já havia permeado a sociedade feudal ocidental. O capitalismo racial extrai mais-valia e estrutura o valor de troca atribuindo valor diferencial à vida humana e ao trabalho: por meio de encercamentos de terras, escravidão, expropriação, deslocamento, empréstimo predatório, tributação, privação de direitos e a longa história de pilhagem por meio de terror e políticas governamentais que suprimiram salários de sujeitos racializados, livrou-os de propriedades, excluiu os negros de melhores escolas e acomodações públicas, assolou os valores domésticos dos negros e subsidiou o acúmulo de riqueza dos brancos.

O capitalismo racial é dinâmico. As últimas duas gerações sofreram uma variante neoliberal dele que desmantelou o Estado de bem-estar social, promoveu a fuga de capitais, privatizou escolas públicas, hospitais, habitação, trânsito e outros recursos públicos e resultou no crescimento maciço da polícia e das prisões. Essas políticas produziram escassez, pobreza, economias alternativas (ilícitas) reguladas pela violência e riscos ambientais e de saúde7 7 Sobre capitalismo racial, ver Robinson (2000), Bhattacharya (2018), Burden-Stelly (2020), Melamed (2015), Pulido (2016), Leong (2013), Nichols (2020), Hudson (2017), Dawson (2016) e Fraser (2016). Para uma crítica do conceito de capitalismo racial, ver Ralph e Singhal (2019, p. 851). .

Assim como o capitalismo surgiu na ordem feudal, o mesmo aconteceu com a polícia (NEOCLEOUS, 2000NEOCLEOUS, Mark. The Fabrication of Social Order: A Critical Theory of Police Power. London: Pluto Press, 2000., pp. 1-5). Os capitalistas podem não ter inventado a polícia, mas a transformaram em uma ferramenta para assegurar propriedade, lucros e pessoas que se recusam a aceitar os termos de exploração. Na América do Norte, os precursores da polícia foram as patrulhas de escravos - milícias de cidadãos representadas pelos governos locais, estaduais e federal para rastrear escravos fugitivos e acabar com as insurreições - e as milícias implantadas para suprimir as comunidades indígenas.

No entanto, as patrulhas de escravos não eram uma força policial per se. Elas estavam mais próximas do que Friedrich Engels descreveu como “organizações armadas da população que atuam por conta própria”. Usando a Europa como guia, Engels reconheceu o perigo que as milícias populares representam para o Estado, especialmente à medida que a divisão de classes se intensificava. O medo da rebelião armada obrigou o Estado a substituir as milícias populares por unidades de “homens armados” empregados por ele (polícia e exércitos permanentes) e apoiados por “adjuntos materiais, prisões e instituições de coerção de todos os tipos” (ENGELS apudLENIN e CHRETIEN, 2015LENIN, V. I. Lenin; CHRETIEN, Todd (ed). The State and Revolution. Chicago: Haymarket Books, 2015[1917]., p. 45)8 8 Lenin cita Engels da sexta edição de seu The Origin of the Family, Private Property and the State(ENGELS, 1884). .

Em sociedades de colonos como a América do Norte, no entanto, a raça manteve essas milícias populares leais ao Estado e seus projetos coloniais, mesmo com o aumento dos antagonismos de classe. Essas unidades eram brancas por um motivo. Antes do nascimento da República, os proprietários coloniais tinham que administrar a mão de obra africana sequestrada, a mão de obra branca indisciplinada e as relações com comunidades indígenas então soberanas e muitas vezes poderosas. Incapaz de impedir que servos brancos e africanos fugissem juntos, encontrando refúgio em pântanos, colinas e entre os povos indígenas, a classe latifundiária decidiu libertar os brancos e transformá-los em pequenos proprietários, cidadãos proletários e/ou patrulheiros de escravos investidos em uma república branca e no sonho de obter riqueza e poder para si próprios (ROEDIGER, 2019ROEDIGER, David. How Race Survived US History: From Settlement and Slavery to the Eclipse of Postracialism. New York: Verso Books, 2019., caps. 1 e 2).

Uma população branca armada não foi apenas central para legitimar a violência antinegra e anti-indígena, mas também escorou o apoio dos brancos sem propriedade e da classe trabalhadora para esse regime (SINGH, 2017SINGH, Nikhil Pal. Race and America’s Long War. Oakland: University of California Press, 2017., pp. 35-47). Contudo, com o crescimento do capitalismo industrial e o aumento da imigração europeia no final do século XIX, o Estado e os proprietários do capital não podiam mais depender dos trabalhadores brancos para manter o status quo. As forças policiais profissionais substituíram as milícias de cidadãos.

Embora, na virada do século XX, o Estado detivesse o monopólio da força letal e assumisse maior responsabilidade por manter a ordem, defender a linha da cor, regulamentar a sexualidade e suprimir a dissidência, corpos de brancos armados continuaram existindo como adjuntos à violência racializada do Estado. Portanto, é importante fazer a distinção entre a polícia como instituição formal e moderna e o “policiamento” como um conjunto mais amplo de práticas e procedimentos que operam além de (mas são sancionados por) estruturas estatais formais. O historiador Peter Linebaugh (2015LINEBAUGH, Peter. “Police and Plunder”. Counterpunch, February 13, 2015.) expressou isso da melhor maneira:

A investigação da história da polícia logo descobre que ela é inseparável da conquista, escravidão, dívida, disciplina industrial e hierarquias sociais. Colonos armados, “pioneiros”, milícias, unidades do exército, patrulheiros de escravos, patrulheiros do Texas, Ato de Posse Comitatus, caçadores de escravos, guardas de fábrica, soldados, forças de segurança privada, grupos de vigilantes, policiais militares, linchadores, “departamento de serviço da Ford”, esquadrões da morte, cavaleiros noturnos e o KKK cumpriram funções policiais (Ibid.,).

Consideremos os lynch mobs (multidões de linchadores). Como podemos explicar o fato de que o Congresso aprovou o primeiro projeto de lei antilinchamento da história dos EUA em 2020? (No momento em que este texto foi escrito, o projeto de lei ainda não havia sido aprovado no Senado, uma vez que estava sendo retido pelo senador Rand Paul, de Kentucky) (H.R.35 - Emmett Till Antilynching Act, 116th Congress, 2019-2020). Desde 1882, os quase 200 projetos de lei antilinchamento apresentados ao Congresso dos EUA foram todos derrotados. Estamos inclinados a coçar a cabeça em confusão ou culpar os obstinados senadores racistas do sul, mas o fato é que o linchamento era uma forma de policiamento.

Chamá-lo de “ilegal” porque viola o direito constitucional ao devido processo é equivocado. As turbas de linchamento eram brancas; seus alvos eram principalmente - embora não exclusivamente - negros. As multidões de linchamento eram instrumentos do poder do Estado que desempenhavam uma função fundamental ao punir os acusados de transgredir a lei ou os costumes e disciplinar comunidades negras inteiras. Um corpo carbonizado e mutilado pendurado em uma árvore servia como um lembrete visível e potente do preço de sair da linha.

O linchamento era uma forma de regulação racial, de classe e sexual. Imagens de negros predadores circularam amplamente na cultura popular, e o medo do estuprador negro foi instilado nas mulheres brancas. Esse medo permitiu que os homens brancos exigissem subordinação, deferência e lealdade das mulheres brancas em troca de sua “proteção”. Afinal, seu dever era manter a pureza da raça, portanto, proteger a feminilidade branca também significava proteger o útero e a linhagem.

Nesse arranjo, qualquer encontro sexual entre homens negros e mulheres brancas “virtuosas” era considerado estupro. Relações consensuais entre homens negros e mulheres brancas eram inconcebíveis. Essas ideias dificilmente eram arcaicas; pelo contrário, eram apoiadas pela ciência moderna da época. Daniel G. Brinton, considerado o primeiro professor de antropologia nos EUA, escreveu em seu livro Races and Peoples que as mulheres brancas “não têm dever mais sagrado, missão mais sagrada do que transmitir em sua integridade o patrimônio de dotação étnica conquistada pela raça ao longo de milhares de gerações de luta (...) Essa filantropia é falsa, essa religião é podre, o que sancionaria uma mulher branca suportando o abraço de um homem de cor” (1890, p. 287 apudBAKER, 1998BAKER, Lee D. From Savage to Negro: Anthropology and the Construction of Race, 1896-1954. Los Angeles/Berkeley: University of California Press, 1998., p. 36)9 9 Em uma reviravolta irônica, nos últimos anos de sua vida (ele morreu em 1899) Brinton se declarou um anarquista, embora pareça que sua atração pela revolução dos trabalhadores não afetou suas visões sobre raça. .

O problema, claro, é que a ciência era falsa e as evidências não existiam. Apenas 29% das vítimas de linchamentos afro-americanas entre 1882 e 1930 foram acusadas de algum tipo de agressão sexual, e desse número menos de 2% envolveram uma vítima de estupro assassinada. A maioria foi linchada por ser “insolente” com os brancos, por tentativa de voto, autodefesa, pequeno furto, agressão, atirar pedras, incêndio criminoso, competição econômica e sedição (ativismo político) (TOLNAY e BECK, 1995TOLNAY, Stewart E.; BECK, E. M. A Festival of Violence: An Analysis of Southern Lynchings, 1882-1930. Urbana and Chicago: University of Illinois Press, 1995., pp. 47-48). E até mesmo casos de suposto estupro muitas vezes mascararam relações consensuais entre homens negros e mulheres brancas.

O fracasso ou a recusa do governo federal de proteger as vidas dos negros e processar os linchadores se provaram ser fonte de frustração. Os afro-americanos não confiavam nas agências locais de aplicação da lei porque geralmente elas trabalhavam em conjunto com as turbas de linchamento ou, na melhor das hipóteses, eram impotentes contra a multidão. A escritora e ativista Frances Ellen Watkins Harper expressou os sentimentos de muitos quando, em fevereiro de 1891, disse aos membros do Conselho Nacional de Mulheres: “Um governo que tem o poder de cobrar impostos de um homem em paz [e] recrutá-lo para a guerra deve ter poder para defender sua vida na hora do perigo” (HARPER apudLOEWENBERG e BOGIN, 2010LOEWENBERG, Bert; BOGIN, Ruth (eds). Black Women in Nineteenth Century American Life: Their Words, Their Thoughts, Their Feelings. University Park: Pennsylvania State University Press, 2010., p. 257).

As vítimas de linchamento costumavam ser da classe trabalhadora; ocasionalmente, eram alvos por causa de atividades sindicais ou “sedição”. Mas turbas brancas também assassinaram homens negros abastados - empresários bem-sucedidos, proprietários de terras, qualquer um que fosse considerado uma ameaça econômica para os brancos. A intrépida jornalista e ativista Ida B. Wells escreveu sobre um dos casos mais conhecidos desse tipo. Em 1892, três residentes de Black Memphis - Thomas Moss, Calvin McDowell e Henry Stewart - abriram a People’s Grocery Company do outro lado da rua de uma mercearia de propriedade de brancos, atraindo clientes e incorrendo na ira do proprietário branco da loja.

Quando uma multidão tentou expulsar os três homens da cidade, eles defenderam sua propriedade com a força das armas. Três homens brancos foram feridos no tiroteio que se seguiu, levando a polícia a prender Moss, McDowell e Stewart. Então, na noite de 9 de março, uma turba invadiu a prisão, prendeu os três homens, arrastou-os para o campo e os executou sumariamente (DUSTER, 2013DUSTER, Alfred M. (ed). Crusade for Justice: The Autobiography of Ida B. Wells. Chicago: University of Chicago Press, 2013[1970].[1970], pp. 47-52).

A lógica do capitalismo racial implicava a supressão da acumulação de capital negro por meio da violência, a fim de manter um monopólio branco do capital. A economia segregada do Sul era a antítese do que a economia clássica imaginava ser o mercado livre. Em cidades e vilas onde os afro-americanos representavam uma grande proporção da população, o sistema suprimiu deliberada e metodicamente a competição e prejudicou os comerciantes negros de modo a garantir o fluxo de dólares negros para os cofres brancos sem dar aos consumidores negros serviços ou produtos iguais, ou aos trabalhadores negros salários iguais.

Essas empresas “privadas” de propriedade de brancos dependiam do Estado para codificar e impor práticas discriminatórias que eliminaram a concorrência, legalizaram o status de segunda classe e exigiram serviços inferiores. Esse não era um mercado livre, mas um mercado regulado racialmente, apoiado pela força do Estado e por políticas fiscais que tiraram o dinheiro dos povos negros (da compulsão do consumidor ao roubo de salários), que se provou decisivo na reprodução da desigualdade racial e de classe. Quando os negros tentaram revidar usando os princípios do mercado livre de retenção de seu trabalho (greve), migrando para outro lugar, exercendo o direito de dispor de sua renda como desejassem ou retendo seu poder de compra coletivo (boicote), foram recebidos com força e violência - às vezes por turbas, mas muitas vezes pela polícia.

II

Hoje ainda existem barreiras estruturais para o acúmulo de riqueza dos negros, mas o uso da violência popular sancionada pelo Estado contra afro-americanos ricos praticamente desapareceu. Não há como negar que negros ricos e celebridades são ocasionalmente sujeitos a discriminação racial e assédio policial (muitas vezes o resultado da abordagem de pessoas erradas), mas em nosso chamado mundo pós-racial, pós-direitos civis e multicultural, em que a classe dominante não tem nenhum problema em incorporar os rostos negros e marrons ao aparato estatal existente, em que negros bilionários lucram com mão de obra explorada e execuções hipotecárias, em que um presidente da República negro, um secretário de Estado negro e conselheiros de Segurança Nacional negros avançam a guerra dos EUA contra a planeta, negros ricos não são mais alvos da violência do Estado. Os empresários negros com maior probabilidade de sofrer violência policial são os vendedores ambulantes, evidenciado pelo assassinato de Eric Garner, que vendia cigarros soltos nas ruas de Staten Island, em Nova York, e Alton Sterling, que vendia CDs nas ruas de Baton Rouge, Louisiana.

Esses são apenas os casos mais espetaculares. O desaparecimento por morte ou remoção de vendedores ambulantes não significa eliminar a competição econômica, mas agregar valor à terra e criar condições ideais para investimento de capital. Em uma palavra, gentrificação. A cidade de Nova York na década de 1990 oferece um exemplo clássico do papel avançado da polícia em facilitar a gentrificação. Em 17 de outubro de 1994, mesmo ano em que o Harlem se tornou uma “zona de capacitação”, o prefeito Rudy Giuliani despachou 400 policiais vestidos com roupas de choque para remover os vendedores ambulantes da 125th Street.

Esses vendedores, que vinham vendendo seus produtos por pelo menos três décadas ou mais, representavam uma classe empresarial verdadeiramente diaspórica, com comerciantes vindos da África Ocidental e do Caribe operando ao lado de afro-americanos nativos. Embora o conflito entre as empresas “legítimas” ao longo da 125th e os vendedores ambulantes estivesse se formando desde a década de 1970, não é por acaso que as primeiras operações militares contra elas coincidiram com iniciativas para cortejar a Gap e a Starbucks para que abrissem lojas no Harlem (CHINYELU, 1990, pp. 75-78; ROLLINS, 1972ROLLINS, Bryant. “Where I’m Coming From: Police vs. the 125th Street Merchants”. New York Amsterdam News, March 3, 1972.; SALAAM, 1994SALAAM, Yusef. “125th Street Merchants Protests Giuliani’s Slow Vendor Removal”. New York Amsterdam News, October 1, 1994.).

Giuliani e a polícia prepararam o terreno para seus novos residentes intensificando a “guerra às drogas”. Embora grande parte do Harlem tenha sido devastada pela epidemia de crack na década de 1980, o número de prisões por drogas tinha aumentado significativamente nos cinco anos anteriores, apesar de um declínio constante no uso de drogas e nos crimes violentos. Os policiais disfarçados estavam por toda parte no bairro, principalmente envolvidos em operações de “comprar e prender”, em que procuravam traficantes aleatoriamente, faziam uma compra e chamavam sua “equipe de campo” para executar a prisão. O trabalho deles era essencialmente reunir todos os revendedores de nível inferior, incluindo vigias ou viciados que ganhavam trouxinhas de crack simplesmente encontrando clientes10 10 No final da década de 1990, servi em um grande júri especial para narcóticos e testemunhei como caso após caso envolvia prisões por drogas de baixo nível nos mesmos bairros do Harlem. Na época, eu ensinava na Universidade de Nova York, onde o Washington Square Park, em frente ao meu escritório, era um centro de vendas de drogas. No entanto, das centenas de casos que foram perante o grande júri naquele período, apenas uma prisão ocorreu no downtown [na área da universidade]. .

A guerra contra as drogas foi parte de uma “guerra contra o crime” geral que resultou em uma escalada da atividade policial, prisões e assédio durante as décadas de 1980 e 1990. O policiamento cada vez mais agressivo do New York Police Department (Departamento de Polícia de Nova York, NYPD) no Harlem, bem como nas partes “mais negras” do Brooklyn, Queens, Bronx e Staten Island, espelhava a tendência prevalecente nos anos 1980 - o policiamento de “janelas quebradas”. Elaborada pela primeira vez em um ensaio de 1982 por George L. Kelling e James Q. Wilson, a teoria das “janelas quebradas” colocou a culpa pela decadência urbana nos valores sociais e no comportamento dos pobres, principalmente dos negros.

Conforme o argumento avança, os criminosos florescem em bairros deteriorados e desordenados e o desrespeito pela comunidade leva ao desrespeito pela autoridade e pela lei. Enquanto os moradores do gueto não se preocupassem com as condições de seus bairros, o crime aumentaria. As pequenas infrações são apenas uma porta para o crime violento. Em suma, ao ignorar completamente os fatores estruturais que suprimiram os valores domésticos, perpetuaram catástrofes ambientais e de saúde e despojaram bairros de serviços essenciais, empregos, programas governamentais e proteções legais, a teoria pode culpar a cultura e a imoralidade pelo crime, que por sua vez explica a pobreza (KELLING e WILSON, 1982KELLING, George L.; WILSON, James Q. “Broken Windows: The Police and Neighborhood Safety”. The Atlantic, March 1982.). Todas essas iniciativas foram parte de uma limpeza geral da terra.

Enquanto isso, famílias em ascensão - muitas brancas, mas também negras e pardas - começaram a comprar brownstones (casas de pedra marrom) baratas e dilapidadas do Harlem, e grandes cadeias como Gap, Starbucks e H&M começaram a se mover para o corredor histórico da 125th Street. Essas multinacionais se prepararam para tirar vantagem da mão de obra barata e também da crescente base de consumidores. O Estado apoiou diretamente a invasão corporativa com uma concessão de uma zona de empoderamento de US$ 100 milhões e US$ 250 milhões em créditos fiscais, em vez de investir no bem-estar dos trabalhadores e dos pobres no Harlem. Quer tenha sido intencional ou não, a orientação da zona de empoderamento de Upper Manhattan para desenvolvedores corporativos e cadeias globais, em combinação com o aumento dos alugueis e do declínio no tráfego de pedestres devido à remoção de vendedores na 125th Street, levou à destruição de empresas locais (JOHNSON, 1998JOHNSON, Kirk. “Uneasy Renaissance on Harlem’s Street of Dreams”. New York Times, March 1, 1998.; YOUNGE, 2000YOUNGE, Gary. “Harlem: The New Theme Park”. The Guardian, October 14, 2000.; OLIVO, 2001OLIVO, Antonio. “As Clinton Moves in, Harlem Rents Go UP”. Chicago Sun-Times, July 22, 2001.).

Mais recentemente, os advogados de Breonna Taylor, mulher negra assassinada em 13 de março de 2020 por policiais do Lousiville Metro Police Department (Departamento da Polícia Metropolitana de Louisville, LMPD) durante uma operação violenta em sua casa, descobriram evidências ligando sua morte à gentrificação. Embora as evidências ainda estejam vindo à tona, aqui está o que sabemos. Os policiais que atiraram em Taylor faziam parte da unidade Place Based Investigations (Investigações Baseadas em Lugares, PBI). A cidade estabeleceu a PBI em 2019 supostamente para se concentrar em “pontos críticos” com alta incidência de crime - parte da tendência de “policiamento preditivo” que discuto adiante.

Mas os territórios priorizados tendiam a coincidir com áreas destinadas a um redesenvolvimento agressivo, como o bairro Russell, uma comunidade negra histórica em West Louisville. Isso incluía uma parte da Avenida Elliot repleta de propriedades abandonadas e dilapidadas. Em um período de três semanas no início de 2020, a cidade demoliu pelo menos oito casas na Avenida Elliot11 11 Deve-se notar que a seção da Avenida Elliot visada pela PBI fica a cerca de dez quarteirões para além do espaço identificado no Plano de Desenvolvimento Vision Russell. Isso não quer dizer que o projeto Vision Russell, que recebeu mais de US$ 30 milhões de dólares em doações do Departamento de Desenvolvimento Urbano e Habitação para revitalizar (e enobrecer), não se beneficia da limpeza da Avenida Elliot. . A equipe de propriedades vagas e abandonadas do prefeito Greg Fischer e o Office of Community Development (Escritório de Desenvolvimento Comunitário) trabalharam em conjunto com a PBI para intensificar as prisões na Avenida Elliot.

Em dezembro de 2019, uma unidade do PBI dentro do LMPD obteve um mandado para prender Jamarcus Glover, sob acusações de drogas, em uma pequena casa que ele alugou na Avenida Elliot, 2424. Glover, ao que parece, era o ex-namorado de Breonna Taylor. A polícia afirma que ele estava recebendo pacotes no apartamento de Taylor em Springfield Drive, cerca de 16km ao sul da casa de Glover, mas o serviço postal não pôde confirmar isso.

De qualquer forma, seu relacionamento anterior atraiu Taylor para dentro da rede do PBI para limpar a Avenida Elliot, o que explica por que um trabalhador afro-americano, técnico de medicina emergencial, sem prisão anterior ou suspeita de atividade criminosa poderia se tornar alvo de uma batida violenta por membros da unidade do PBI. Taylor foi uma baixa na guerra para remover um dos “principais obstáculos” ao desenvolvimento. A operação, no entanto, atingiu seu objetivo. Em 5 de junho, o que seria o 27o aniversário de Breonna Taylor, a Louisville e Jefferson County Landbank Authority (Autoridade de Banco de Terra do Condado de Lousiville e Jefferson) comprou a casa na Avenida Elliot, 2424 por US$ 1, embora seu valor de mercado fosse listado em US$ 17.160 (AGUIAR e BAKER, 2020AGUIAR, Sam Aguiar; BAKER, Lonita. “Substituted First Amended Complaint: Tamika Palmer, as Administratrix of the Estate of Breonna Taylor v. Brett Hankison and Myles Cosgrove and Jonathan Mattingly (Plaintiff)”. Case No. 20-Ci-002694, Jefferson Circuit Court Division, July 5, 2020.; BAILEY e DUVALL, 2020BAILEY, Phillip M.; DUVALL, Tessa. “Breonna Taylor Warrant Connected to Louisville Gentrification Plan, Lawyers Say”. Louisville Courier Journal, July 5, 2020.; DERYAH, 2020DERYAH, Igor. “Breonna Taylor Lawsuit Claims No-knock Warrant was Part of Louisville Gentrification Plan”. Salon, July 6, 2020.; MARTINEZ, 2020MARTINEZ, Natalia. “New Documents Confirm City was Working with LMPD on Elliott Project Avenue”. Wave3News, July 14, 2020.). Está prevista para demolição.

III

Os interesses imobiliários e corporativos dependem da polícia para proteger o que é mais inseguro: a propriedade. E, a partir da década de 1970, as cidades recorreram cada vez mais à polícia para gerar receita. A crise global do início dos anos 1970, cortes no orçamento federal para estados e cidades, desemprego em massa, a revolta tributária organizada por proprietários de residências, bem como o imposto corporativo perpétuo, deixaram os municípios com enormes déficits de receita (MCNALLY, 2011MCNALLY, David. Global Slump: The Economics and Politics of Crisis and Resistance. Oakland, CA: PM Press, 2011.). O confisco de ativos civis é uma fonte de fundos direta, embora pequena.

O Comprehensive Drug Abuse Prevention and Control Act of 1970 (Ato Abrangente de Prevenção e Controle do Abuso de Drogas de 1970) permitiu que as agências de segurança pública apreendessem drogas e equipamentos de traficantes suspeitos, o que acabou se estendendo a dinheiro e propriedade dos suspeitos antes mesmo de uma condenação. O confisco de bens civis, nos termos mais estritos, viola o direito à propriedade privada. Taxas e multas são uma fonte muito mais significativa de receita municipal. Mas assim como a polícia tem como alvo os negros pobres, a fim de aumentar o valor da terra para os interesses imobiliários, grande parte da receita de taxas e multas é extraída das comunidades pobres de negros e pardos. Em outras palavras, em ambos os casos a criminalização de corpos negros e pardos é uma característica fundamental de suas operações.

A criminalização da negritude, como a do “estrangeiro ilegal”, significa estar sujeito a regulamentação, contenção, disciplina e punição do Estado, embora não se seja digno de proteção. Como aprendemos após o assassinato de Mike Brown em Ferguson, os negros em St. Louis (a cidade e o condado) foram multados agressivamente por violações da lei de ruído (por exemplo, tocar música alta), pular a catraca no sistema ferroviário de St. Louis, deixar a grama não cortada ou uma propriedade mal cuidada, invasão de propriedade, “maneira de andar”, usar “calças compridas”, pequenas infrações de trânsito, carteira de motorista ou registro vencido mesmo quando não está operando um veículo e “perturbar a paz”.

De acordo com dados coletados do Ferguson Police Department (Departamento de Polícia de Ferguson) entre 2012 e 2014, os afro-americanos foram responsáveis por 85% das paradas de veículos, 90% das citações e 93%, apesar de representarem apenas 67% da população do município. E, no entanto, as paradas de veículos envolvendo motoristas brancos têm muito mais probabilidade de encontrar contrabando do que aquelas envolvendo afro-americanos (U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE, 2015). A proliferação de pequenos municípios em North St. Louis significa que um motorista negro pode ser multado por diferentes policiais que passam por diferentes jurisdições, todos na mesma viagem. Se essas multas e taxas não forem pagas, o tribunal emitirá mandados de prisão, o que pode resultar em pena de prisão ou no pagamento de uma quantia excessiva a um fiador, perder o carro ou outra propriedade ou perder os filhos para os serviços sociais (HARVEY et al., 2014HARVEY, Thomas; McAnnar, John; VOSS, Michael-John; CONN, Megan; JANDA, Sean; KESKE, Sonia, ArchCity Defenders: Municipal Courts White Paper (2014), https://www.archcitydefenders.org/wp-content/uploads/2019/03/ArchCity-Defenders-Municipal-Courts-Whitepaper.pdf
https://www.archcitydefenders.org/wp-con...
).

As intimações e garantias são usadas como uma espécie de imposto racial, uma extração de excedente diretamente pelo Estado, sem produzir nada além de disciplina e terror e de reproduzir o Estado; em outros termos, receita por acumulação primitiva. Em 2013, o Tribunal Municipal de Ferguson emitiu cerca de 33 mil mandados de prisão para uma população de pouco mais de 21.000, gerando cerca de US$ 2,6 milhões em receitas para o município. No mesmo ano, os tribunais municipais do condado e da cidade de St. Louis) adquiriram mais de US$ 61 milhões em multas e taxas.

De onde está vindo o dinheiro? Principalmente de municípios onde, em média, 62% dos residentes eram negros e 22% viviam abaixo da linha da pobreza (HELLERSTEIN, 2015HELLERSTEIN, Erika. “’It’s Racist as Hell’: Inside St. Louis County’s Predatory Night Court”. Thinkprogress.org, April 10, 2015.; HEARTLAND, 2014). Autoridades eleitas, burocratas municipais e agentes da lei trabalharam incansavelmente para arrancar o máximo possível de dinheiro das comunidades pobres e vulneráveis. Considere esta passagem da investigação do Departamento de Justiça dos EUA sobre o Ferguson Police Department:

A liderança da cidade e da polícia pressionam os oficiais para escrever citações, independentemente de qualquer necessidade de segurança pública, e contam com a produtividade das citações para financiar o orçamento da cidade. Em um e-mail de março de 2010, o diretor financeiro escreveu ao chefe [da Polícia] Jackson que “a menos que a redação de ingressos aumente significativamente antes do final do ano, será difícil aumentar significativamente as cobranças no próximo ano. Quais são seus pensamentos? Considerando que estamos diante de um déficit substancial de impostos sobre vendas, não é um problema insignificante”. Chefe Jackson respondeu que a cidade veria um aumento nas multas quando mais policiais fossem contratados e que ele poderia atingir a previsão de US$ 1,5 milhão. Significativamente, o chefe Jackson afirmou que também estava “olhando para horários de turnos diferentes, que colocarão mais policiais nas ruas, o que, por sua vez, aumentará a fiscalização do tráfego por turno” (U.S. DEPARTMENT OF JUSTICE, 2015, p. 10).

A afirmação de Jackson de que a expansão da força policial aumentará sua capacidade de geração de receita reflete uma questão contrária. A receita gerada pela polícia para os orçamentos da cidade é radicalmente compensada pelo custo do policiamento, especialmente porque os departamentos e seus orçamentos cresceram exponencialmente no último meio século. O custo nacional do policiamento, ajustado pela inflação, aumentou de US$ 29,3 bilhões em 1972 para US$ 84,1 bilhões em 2012 e para cerca de US$ 115 bilhões em 2017. Nas maiores cidades, os departamentos de polícia recebem algo entre 20% e 45% dos fundos discricionários gerais (PLATT, 2018PLATT, Tony. Beyond these Walls: Rethinking Crime and Punishment in the United States. New York: St. Martin’s Press, 2018.; MOSENDZ e ROBINSON, 2020MOSENDZ, Polly; ROBINSON, Jameelah D. “While Crime Fell, the Cost of Cops Soared.” Bloomberg News, June 4, 2020.; HAMAJI et al., 2017HAMAJI, Kate; RAO, Kumar; STAHLY-BUTTS, Marbre; BONSU, Janaé; CARRUTHERS, Charlene; BERRY, Roselyn; MCCAMBBELL, Denzel. Freedom to Thrive: Reimagining Safety and Security in Our Communities. Brooklyn: Center for Popular Democracy, 2017.).

As cidades também foram sobrecarregadas com os custos exorbitantes da resolução de casos de má conduta da polícia. Somente durante o ano fiscal de 2016-2017, a cidade de Nova York pagou assombrosos US$ 335 milhões por ações judiciais por improbidade policial (RAYMAN e GUSE, 2019RAYMAN, Graham; GUSE, Clayton. “NYC Spent $230M on NYPD Settlements Last Year: Report”. New York Daily News, April 15, 2019.). Chicago teve de pagar US$ 100 milhões apenas em 2018 e, entre 2005 e 2018, acordos semelhantes custaram a Los Angeles US$ 880 milhões (GULLAPALLI, 2019GULLAPALLI, Vaidya. “Spending Billions on Policing, Then Millions on Police Misconduct”. The Appeal, August 2, 2019.; REYES e WELSH, 2018REYES, Emily Alpert; WELSH, Ben. “L.A. is Slammed with Record Costs for Legal Payouts”. Los Angeles Times, June 27, 2018.; LUMSDEN, 2017LUMSDEN, Eleanor. “How Much is Police Brutality Costing America?” University of Hawai’i Law Review, vol.40, no. 1 (2017), pp. 142-202.). Os contratos sindicais da polícia protegem os oficiais individuais de responsabilidade pessoal nesses casos, mesmo se o oficial em questão violar os direitos constitucionais da vítima. Como consequência, os governos municipais - ou seja, os contribuintes - têm de pagar a conta para resolver esses casos. Como os custos excedem em muito os orçamentos municipais, cidades e condados são forçados a pedir empréstimos.

Entra Wall Street. Os governos municipais emitem títulos para cobrir os custos de liquidação, administrados por empresas de Wall Street e transformados em fontes lucrativas de investimento. Esses instrumentos financeiros neoliberais que transferem o custo da má conduta policial para o público foram chamados de “laços de brutalidade policial”. Bancos como Wells Fargo, Goldman Sachs e Bank of America, bem como bancos regionais menores e outras empresas, cobram taxas por seus serviços e os investidores ganham juros, o que por sua vez aumenta os custos reais dos acordos, uma proporção significativa do que vai para bancos e investidores.

Por exemplo, em Chicago, entre 2010 e 2017, o empréstimo de títulos para pagar casos de má conduta policial totalizou US$ 709,3 milhões. A cidade pagou aos investidores um bilhão de dólares em juros, custando aos contribuintes uns incríveis US$ 1,71 bilhão. Em Los Angeles, entre 2008 e 2017, os títulos de violência policial totalizaram US$ 71,4 milhões, mais US$ 18 milhões adicionais em juros pagos, roubando os contribuintes em US$ 89,4 milhões.

No mesmo período, a cidade de Cleveland emprestou US$ 12,9 milhões para cobrir seus assentamentos, mas os juros pagos ultrapassaram US$ 7 milhões de dólares, deixando os contribuintes com uma conta de US$ 20,3 milhões (GOODWIN, SHEPARD e SLOAN, 2018GOODWIN, Alyxandra; SHEPARD, Whitney; SLOAN, Carrie. Police Brutality Bonds: How Wall Street Profits from Police Violence. Chicago: Action Center on Race & the Economy, 2018.). Títulos de brutalidade policial são outro exemplo de políticas extrativistas do capitalismo racial, da transferência de riqueza de comunidades superpoliciadas para Wall Street. A decisão da Bolsa de Valores de Nova York de suspender as negociações por oito minutos e 46 segundos em homenagem a George Floyd durante seu funeral marcou um nível de hipocrisia que beirava o absurdo (MCCRANK, 2020MCCRANK, John. “NYSE Holds Nearly Nine-Minute Silence in Honor of George Floyd”. Reuters, June 9, 2020.).

O fracasso em mudar a prática policial e a política de uso da força não pode ser atribuído simplesmente ao oportunismo do capital financeiro ou totalmente atribuído ao poder dos sindicatos de policiais para impor cláusulas de imunidade qualificadas. O preço da violência policial pode ser alto para o povo que tem de pagá-la, mas a polícia não trabalha pelo “povo”. Ela trabalha para o capital e uma de suas principais tarefas é fornecer segurança para um sistema inseguro. O governo e as empresas têm interesse na polícia como um instrumento de coerção, uma expressão aterrorizante de poder absoluto. Micol Seigel perceptivelmente chama isso de “trabalho de violência” (SEIGEL, 2018SEIGEL, Micol. Violence Work: State Power and the Limits of Police. Durham: Duke University Press, 2018.).

A violência policial é uma característica fundamental do poder estatal, corporativo e da supremacia branca. As empresas privadas, em particular, demonstraram seu compromisso com uma força policial robusta e militarizada, investindo em títulos de melhoria de capital da polícia, títulos de dívida pública emitidos para financiar compras de equipamentos e melhorias de capital em propriedades policiais. Corporações, bem como algumas universidades, também doaram generosamente a fundações policiais privadas. A National Police Foundation (Fundação Nacional da Polícia) foi criada em 1970, financiada pela Fundação Ford, em grande parte em resposta às rebeliões em massa nos guetos da América no final dos anos 1960. Seu objetivo declarado era promover “a ciência do policiamento e novas ideias, estratégias e tecnologias para melhorar a qualidade dos serviços policiais; e contribuir para a maximização da confiança pública, responsabilidade e legitimidade policial”12 12 Disponível (on-line) em: https://www.policefoundation.org/about-the-police-foundation/history/ .

Com o tempo, as fundações policiais locais tornaram-se canais para as empresas contribuírem financeiramente para a polícia, influenciarem a política e introduzirem hardware e tecnologias nas quais possam ter interesse. Amazon, Bank of America, Starbucks, Google, Microsoft e Target são apenas alguns dos maiores doadores corporativos às fundações policiais (WINSTON E GRAHAM, 2014WINSTON, Ali; GRAHAM, Darwin Bond. “Private Donors Supply Spy Gear to Cops”. Pro Publica, October 13, 2014.; PAUL, 2020PAUL, Kari. “How Target, Google, Bank of America and Microsoft Quietly Fund Police through Private Donations”. Guardian, June 18, 2020.). Os patrocinadores corporativos da Philadelphia Police Foundation (Fundação da Polícia da Filadélfia) incluem Brandywine Realty Trust, bem como Temple University e a University of Pennsylvania13 13 Os apoiadores corporativos da Fundação da Polícia da Filadélfia incluíam Donald Shaw, cofundador do site de transparência do governo Sludge Media (SLUDGE MEDIA, 2020). .

As fundações policiais permitem que os departamentos comprem equipamentos (como tecnologia de vigilância, armas, capacetes balísticos e drones) e auxiliem diretamente os policiais com bônus ou honorários advocatícios, sem supervisão ou participação do público. A Atlanta Police Foundation (Fundação da Polícia de Atlanta) ajudou a financiar uma revisão significativa da capacidade de vigilância do departamento, comprando mais de 12 mil câmeras. Só neste ano, a fundação gastou US$ 2 milhões, emitindo bônus de US$ 500 para policiais de Atlanta depois que um número “maior do que o normal” disse que estava “doente” para protestar contra a decisão do promotor público de acusar o policial Garrett Rolfe pelo tiro fatal do desarmado, Rayshard Brooks (NORMAN, 2020NORMAN, Greg. “Former Atlanta Officer Facing Rayshard Brooks Murder Charge Gets $250,000 Legal-fee Boost”. Fox News, June 18, 2020.).

Quando falamos sobre “tirar o financiamento da polícia”, é importante reconhecer o papel significativo que as fundações policiais desempenham em garantir fundos adicionais que não aparecem como itens de linha nos orçamentos da cidade.

IV

Embora as fundações policiais tenham se tornado financiadoras e defensoras de departamentos de polícia em apuros, elas continuam funcionando como um braço privado de pesquisa e desenvolvimento para a aplicação da lei, especialmente na área de tecnologias de vigilância, mineração e gestão de dados e no campo crescente do “policiamento preventivo”. Para os doadores, o objetivo da pesquisa e desenvolvimento (P&D) é o investimento; eles não estão fazendo um serviço público.

A concentração do policiamento em tecnologias de vigilância e o que os estudiosos da aplicação da lei chamam eufemisticamente de “estratégias informadas por dados e policiamento baseado em evidências” é tão antigo quanto o próprio policiamento. Capitalismo e vigilância andam de mãos dadas. No século XVIII, Samuel Bentham decidiu acabar com a prática costumeira dos trabalhadores das construtoras navais britânicas de levar pedaços de madeira excedentes para casa. Então ele descobriu uma maneira de vigiar cada canto dos estaleiros. Seu irmão aceitou a ideia e inventou o panóptico (LINEBAUGH, 2003LINEBAUGH, Peter. The London Hanged: Crime and Civil Society in the 18th Century. New York: Verso, 2003., pp. 171-173). Simone Browne, em seu brilhante tratado sobre vigilância e negritude, expôs a questão de maneira bastante clara: “Vigilância não é novidade para os negros. É o fato da negritude” (BROWNE, 2015BROWNE, Simone. Dark Matters: On the Surveillance of Blackness. Durham: Duke University Press, 2015., p. 10).

Quando bancos de dados gerados por computador se tornaram ferramentas essenciais de policiamento, nas décadas de 1960 e 1970, das rebeliões urbanas e da concentração policial nos pobres, as comunidades negras impulsionaram a coleta e interpretação de dados14 14 No início da década de 1970, o LAPD já tinha começado a usar programas de computador e bancos de dados e tecnologias relacionadas na aplicação da lei (FELKER-KANTOR, 2018, pp. 56-57). . Portanto, não é surpresa que a tecnologia ostensivamente “neutra” reforçou, se não acelerou, a criminalização das comunidades negra e parda. Em Los Angeles, por exemplo, o Street Terrorism Enforcement Prevention Act (1988) (Ato de Aplicação da Lei e Prevenção do Terrorismo da Rua) permitiu que a polícia adicionasse nomes de jovens a um banco de dados abrangente de gangues, mesmo que eles não tivessem sido acusados de um crime. O banco de dados - basicamente uma lista enorme de jovens negros e pardos - foi então usado como um reforço de sentença para aqueles que mais tarde foram condenados por um crime (FELKER-KANTOR, 2018FELKER-KANTOR, Max. Policing Los Angeles: Race, Resistance, and the Rise of the LAPD. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2018., p. 206; GILMORE, 2007GILMORE, Ruth Wilson. Golden Gulag: Prisons, Surplus, Crisis, and Opposition in Globalizing California. Oakland: University of California Press, 2007.).

Em 2007, a Los Angeles Police Foundation (Fundação da Polícia de Los Angeles) recebeu uma doação de US$ 200.000 da Target que ajudou o Departamento da Polícia da Los Angeles (LAPD) a comprar o software de vigilância mais recente de uma start-up bastante nova do Vale do Silício chamada Palantir Technologies (WINSTON e GRAHAM, 2014WINSTON, Ali; GRAHAM, Darwin Bond. “Private Donors Supply Spy Gear to Cops”. Pro Publica, October 13, 2014.). Fundada em 2004 por Alexander Karp e Peter Thiel - fiel a Trump e fundador do PayPal -, a empresa de mineração de dados foi lançada com capital inicial da empresa de capital de risco da CIA, In-Q-Tel (HASKINS, 2020HASKINS, Caroline. “Revealed: This Is Palantir’s Top-Secret User Manual for Cops”. Vice, July 12, 2020.; REINERT, 2013REINERT, John T. “In-Q-Tel: The Central Intelligence Agency as Venture Capitalist”. Northwestern Journal of International Law & Business, vol. 33, n. 3, pp. 677-709, 2013.). Eles empregam seu software na previsão de terremotos e na luta contra a Covid-19, mas a segurança tem sido seu principal foco.

Um de seus maiores clientes, Immigrations and Customs Enforcement (Serviço de Imigração e Controle de Alfandegas, ICE), confiava na Palantir para realizar buscas em massa e operações de deportação (ONGWESO JR., 2020ONGWESO JR., Edward. “Palantir’s CEO Finally Admits to Helping ICE Deport Undocumented Immigrants”. Vice, January 24, 2020.). Em 2009, impulsionado pela Palantir, o LAPD lançou a Operação Laser, ou Los Angeles Strategic Extraction and Restoration (Extração e Restoração Estratégica de Los Angeles). Com a assistência do antropólogo Jeffrey Brantingham, da Universidade de California em Los Angeles (UCLA), a Operação Laser manteve uma lista contínua de residentes da comunidade para monitorar, criando Chronic Offender Bulletins (Boletins do Delinquente Crônico) para as chamadas pessoas de interesse. Como outros sistemas de policiamento preditivo, a Operação Laser depende do que é chamado de avaliações de risco automatizadas para determinar a probabilidade de uma pessoa cometer um crime.

O software agrega grandes quantidades de dados para determinar o perfil de risco dos bairros, a fim de concentrar a vigilância policial ou o perfil de risco de indivíduos que estão sendo libertados em liberdade condicional. O problema é que o algoritmo identifica os próprios “pontos quentes” que já eram alvos de comportamento criminoso e, portanto, registra um alto número de prisões (THE STOP LAPD SPYING COALITION, 2018; AHMED, 2018AHMED, Maha. “Aided by Palantir, The LAPD Uses Predictive Policing to Monitor Specific People and Neighborhoods”. The Intercept, May 11, 2018.)15 15 A Palantir foi pioneira em sua tecnologia de policiamento preditivo em Nova Orleans, mas foi usada secretamente por meio de uma entidade filantrópica privada criada pelo prefeito Mitch Landrieu, chamada de programa NOLA For Life (NOLA [New Orleans, Louisiana] Para a Vida). Os vereadores não sabiam que o departamento de polícia do NOLA estava usando Palantir. O intermediário que trouxe Palantir ao prefeito Landrieu foi ninguém menos que o operador do Partido Democrata, James Carville (WINSTON, 2018). . O resultado é um algoritmo projetado para traçar um perfil racial.

De fato, estudos mostram o que a maioria de nós pode prever - o policiamento preventivo reforça os preconceitos racistas existentes e tem como alvo predominante as comunidades negras e pardas pobres. Os dados históricos de crimes não preveem atividades criminais futuras; em vez disso, preveem o policiamento futuro - levando ao policiamento excessivo contínuo de comunidades vulneráveis (LUM, 2016LUM, Kristian; ISAACS, William Isaacs. “To Predict and Serve?” Significancemagazine.com, October 2016.; LUM e ISAACS, 2016, pp. 15-19). E esse tipo de mineração de dados também atrai as pessoas para a sua vasta rede de criminalização simplesmente porque conhecem ou são parentes de um suspeito. Foi exatamente assim que a unidade top de PBI de Louisville foi parar no apartamento de Breonna Taylor.

V

Finalmente, policiais são trabalhadores? No sentido mais estrito, sim. A polícia trabalha em troca de salários; não possuem meios de produção; a força de trabalho é hierarquicamente organizada e gerenciada por supervisores. E ainda, embora os policiais não sejam tecnicamente gerentes, Brian Bean vê sua relação com a classe trabalhadora como análoga a uma classe gerencial porque:

a totalidade de seu trabalho é gerenciar e disciplinar os trabalhadores (...). [S]eu relacionamento social e função são apenas um aparato repressivo contra a classe trabalhadora. Seus interesses - não como indivíduos, mas como estrato social - nunca estão genuinamente alinhados com os interesses da classe trabalhadora (BEAN, 2020bBEAN, Brian. “Abolish the Police: Part 2 of The Socialist Case Against the Police”. Rampant, March 31, 2020b.)16 16 Fred Mason Jr., afro-americano veterano do movimento sindical dos EUA e ex-presidente da Federação de Maryland e do Distrito de Columbia da AFL-CIO, disse quase a mesma coisa em um artigo de opinião recente para o jornal sindical International Union Rights: “A polícia e as organizações policiais não são criações dos trabalhadores, provocadas pelas lutas dos trabalhadores. Eles foram criados por patrões para impedir o avanço das lutas dos trabalhadores” (2017, p. 8). .

Claro, como vimos anteriormente, o trabalho policial envolve mais do que gerenciar e disciplinar os trabalhadores, mas o ponto de Bean é bem aceito. A questão fundamental é esta: como sua relação com o capitalismo racial e o Estado molda sua relação com outros trabalhadores? Aqui, novamente, invoco a noção de “trabalho violento” de Micol Seigel. A polícia é “trabalhadora da violência” e, portanto, se enquadra em uma categoria mais ampla de trabalhadores nas forças armadas, segurança privada, penitenciárias e similares. A polícia “é a expressão do estado em escala humana” e, como tal, percebe a força coercitiva do Estado (SEIGEL, 2018SEIGEL, Micol. Violence Work: State Power and the Limits of Police. Durham: Duke University Press, 2018., p. 9).

Os EUA foram fundados como um Estado colonial e continuam o sendo em sua essência. Portanto, a polícia não é empregada apenas para disciplinar os “trabalhadores”, mas para controlar as populações subjugadas. Policiais também são trabalhadores, mas situados de forma diferente dos trabalhadores brancos - mais obviamente devido à segregação espacial e residencial. (A gestão colonial, afinal, depende da capacidade de controlar o território. Quando os residentes negros descrevem seus bairros como “ocupados”, isso também sinaliza um nível de confinamento que é uma característica da colonialidade.)

Os colonos europeus da América do Norte tiveram um século e meio para aprimorar suas estratégias de gestão colonial antes do nascimento da República branca, mas à medida que os EUA expandiram suas conquistas imperiais, Filipinas, Haiti, República Dominicana e Porto Rico tornaram-se laboratórios para aprender como policiar suas populações domésticas - a saber, comunidades negras, pardas e indígenas. Em meados do século XX, os militares americanos intensificaram suas operações de contra-insurgência na Coréia, no Congo, na Indonésia e no Vietnã e aplicaram essas lições aos guetos americanos (MCCOY, 2009MCCOY, Alfred. Policing America’s Empire: The United States, the Philippines, and the Rise of the Surveillance State. Madison: University of Wisconsin Press, 2009., p. 17; SINGH, 2019; SCHRADER, 2019SCHRADER, Stuart. Badges Without Borders: How Global Counterinsurgency Transformed American Policing. Oakland: University of California Press, 2019.; HANCHARD, 2018HANCHARD, Michael G. The Spectre of Race: How Discrimination Haunts Western Democracy. Princeton: Princeton University Press, 2018.; TULLIS, 1998TULLIS, Tracy. A Vietnam at Home: Policing the Ghetto in the Era of Counterinsurgency. Thesis (PhD) - New York University, New York, 1998.). Mas as próprias insurgências que o Estado buscava contrariar expunham os conceitos liberais da América como a maior democracia do mundo.

Durante a Guerra Fria, as pressões internas de movimentos antirracistas e radicais, a pressão internacional de países recém-descolonizados e do bloco socialista e a disseminação das forças militares americanas ao redor do mundo em nome da democracia forçaram as autoridades americanas a cuidar do seu problema de racismo. Os apelos às Nações Unidas pelo National Negro Congress (Congresso Nacional Negro), a National Association for the Advancement of Colored People (Associação Nacional para o Avanço de Pessoas de Cor, NAACP), W. E. B. Du Bois e o Civil Rights Congress (Congresso dos Direitos Civis) forçaram o presidente Harry Truman e seu governo a pressionar por uma reforma liberal (e limitada) da justiça criminal. Como resultado, os departamentos de polícia foram pressionados a contratar mais oficiais negros. O secretário de Defesa Robert McNamara aumentou a aposta ao apresentar o “Projeto de Transição”, um programa criado para contratar veteranos negros da guerra do Vietnã como policiais (SCHRADER, 2019SCHRADER, Stuart. Badges Without Borders: How Global Counterinsurgency Transformed American Policing. Oakland: University of California Press, 2019., pp. 30-34).

A incorporação de policiais pretos e pardos não muda o caráter ou a estrutura do policiamento. O domínio colonial sempre contou com os indígenas e outros grupos racialmente sujeitos para administrar e policiar os colonizados ou trabalhadores. Mas será que sua relação diferencial com o capitalismo racial, as comunidades que eles estão encarregados de policiar e as estruturas jurídicas destinadas a discipliná-los como trabalhadores da violência afetam sua consciência ou os tipos de organizações que formam para proteger seus interesses? A criminóloga marxista Gerda Ray observou há mais de quatro décadas que, embora a polícia esteja mais inclinada a se aliar com “a classe dominante contra a classe trabalhadora”, sua fidelidade “à sua função repressiva não é um dado, mas deve ser continuamente reproduzida por meio da forma como o trabalho está estruturado e as recompensas disponíveis para o serviço leal” (RAY, 1977RAY, Gerda. “Police Militancy”. Crime and Social Justice, vol. 7, pp. 40-48, 1977., p. 40).

Na verdade, a orientação atual dos sindicatos de policiais não era um dado, mas o produto de um século de luta, negociação e reestruturação do próprio emprego. A greve da polícia de Boston em 1919, por exemplo, foi uma luta genuína para ganhar o reconhecimento do sindicato, um salário digno e condições de trabalho humanas. Os patrulheiros de Boston na época ganhavam o equivalente a US$ 23 mil por ano em dólares de 2020, trabalhavam em média entre 75 e 87 horas por semana, tinham que comprar seu próprio equipamento e eram forçados a viver em delegacias insalubres.

A greve foi violentamente reprimida, os oficiais em greve foram substituídos e o sindicato - afiliado da American Federation of Labor (Federação Americana do Trabalho, AFL) - foi rompido. Calvin Coolidge, então governador de Massachusetts que usava a milícia estadual para manter a ordem, fez uma declaração que resumiria a polícia como a “expressão em escala humana” do poder do Estado: “Não há direito de atacar a segurança pública por qualquer pessoa, em qualquer lugar, a qualquer hora” (SLATER, 2004SLATER, Joseph. Public Workers: Government Employee Unions, the Law, and the State, 1900-1962. Ithaca: Cornell University Press, 2004., pp. 13-38; LYONS, 1947LYONS, Richard L. “The Boston Police Strike of 1919”. New England Quarterly, v. 20, n. 2 June 1947, pp. 147-68.). Quando a polícia tentou se sindicalizar novamente durante as iniciativas sindicais do Congress of Industrial Organizations (Congresso de Organizações Industriais, CIO) nas décadas de 1930 e 1940, encontrou oposição semelhante e os mesmos argumentos.

Um artigo de opinião de 1946 do conselho editorial do LA Times clamou pela abolição do sindicato do LAPD, que ganhou reconhecimento três anos antes: “A força policial é, com efeito, uma força militar, que deve obedecer às ordens legais dos superiores sem hesitação ou reserva e não deve ter qualquer lealdade dividida”. O prefeito Fletcher Bowron concordou, argumentando que os sindicatos da polícia “prejudicam a liberdade e a independência necessárias para a preservação plena e adequada da paz em todos os momentos em controvérsias entre empregadores e empregados ou em greves jurisdicionais entre diferentes sindicatos” (LOS ANGELES TIMES, 1946, p. A4).

A sindicalização foi lenta, mas isso não significa que a polícia era desorganizada. Pelo contrário, os oficiais foram encorajados a aderir à Fraternal Order of Police (Ordem Fraternal da Polícia, FOP), que precedeu as tentativas da AFL de organizar a polícia. A FOP não é um sindicato. Fez lobby por aumentos nos orçamentos da polícia, promoveu a lealdade e o moral dos departamentos e “reforçou as práticas policiais racistas e anti-trabalhadoras” (RAY, 1977RAY, Gerda. “Police Militancy”. Crime and Social Justice, vol. 7, pp. 40-48, 1977., p. 42). Grupos como a New York Police Benevolent Association (Associação Benevolente da Polícia de Nova York, NYPBA) e a Los Angeles Police Protective League (Liga Protetiva da Polícia de Los Angeles), que funcionam como sindicatos, são descendentes diretos da FOP.

Mas no final dos anos 1960 e início dos anos 1970 a situação começou a mudar. Primeiro, os policiais negros organizaram suas próprias ligas de proteção em resposta às insurreições urbanas, à violência policial racista, à discriminação no local de trabalho e à corrupção. Grupos de policiais negros, como os Guardians (Guardiões) em Nova York, Connecticut e Pittsburgh, os Officers for Justice (Oficiais para Justiça) em São Francisco, a Black Police Officers Association (Associação de Oficiais Negros da Polícia) em Oakland e a Afro-American Patrolmen’s League (Liga dos Patrulheiros Afro-Americanos, AAPL) em Chicago e Atlanta entenderam que “proteção” se referia a comunidades negras em vez de seus próprios empregos.

A mais conhecida e talvez mais radical foi a (AAPL, fundada em 1968 por três jovens oficiais, Renault Robinson, Edward “Buzz” Palmer e Frank Lee. Eles não eram abolicionistas; reuniram-se pela primeira vez para reclamar sobre a disciplina excessiva imposta aos oficiais negros por usarem o tipo de violência contra jovens brancos normalmente reservada aos negros. Mas, com o tempo, desenvolveram uma visão transformadora do policiamento como um modelo antirracista de segurança pública, objetivando eliminar a violência policial e encontrar estratégias eficazes para parar a violência nas ruas e o crime.

O presidente da AAPL, Renault Robinson, escreveu uma coluna semanal para o Chicago Defender chamada Black Watch. Ele citou Frantz Fanon e Malcolm X. Apoiou o Partido dos Panteras Negras e pediu “a redistribuição da riqueza da nação” (SATTER, 2016SATTER, Beryl. “Cops, Gangs, and Revolutionaries: What Black Police Can Tell Us about Power”. Journal of Urban History, vol. 42, n. 6, pp. 1-25, 2016., pp. 1117-1120). Comparou a presença do Chicago Police Department (Departamento de Polícia de Chicago, CPD) nas comunidades negras à de supervisores ou colonizadores. Ele não apoiava a teoria da “maçã podre”, nem considerava a violência policial uma aberração. “Todos esses abusos”, escreveu,

não são acidentes ou erros ou simplesmente atos de maldade individual. Eles decorrem do papel dos policiais como agentes de uma cidadania branca ausente, que possui todas as propriedades da comunidade negra e / ou tem uma participação no status quo político e econômico e que, portanto, estão continuamente exigindo da polícia que eles provem sua responsabilidade e representação da estrutura de poder branco pelo número de insultos, agressões, prisões e mortes, perpetrados contra a comunidade negra (SATTER, 2016SATTER, Beryl. “Cops, Gangs, and Revolutionaries: What Black Police Can Tell Us about Power”. Journal of Urban History, vol. 42, n. 6, pp. 1-25, 2016.; BALTO, 2019BALTO, Simon. Occupied Territory: Policing Black Chicago from Red Summer to Black Power. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2019., pp. 241-242; AGYEPONG, 2013AGYEPONG, Tera. “In the Belly of the Beast: Black Policemen Combat Police Brutality in Chicago, 1968-1983”. Journal of African American History, vol. 98, n. 2, pp. 253-76, 2013.).

A AAPL recebeu amplo apoio dos negros de Chicago. O CPD e a máquina do prefeito Daley investiram quase tanta energia na guerra contra à Liga quanto ao Partido dos Panteras Negras. Os membros enfrentaram repressão e represálias, incluindo suspensões, pagamento reduzido, ameaças de demissão e uma campanha violenta de desinformação. A AAPL abriu processos contra o CPD e persuadiu o governo federal a investigar o histórico de discriminação e má conduta policial do departamento. No início da década de 1980, a AAPL começou a declinar, junto com outras organizações policiais negras progressistas.

Enquanto um punhado de oficiais negros tentavam fazer o impossível - reformar a polícia -, a maioria dos departamentos e organizações policiais respondeu com racismo implacável, reacionário e defensivo. Seu ressentimento com os oficiais negros - como críticos e colegas de trabalho - foi ainda mais exacerbado por uma grande crise no policiamento. Primeiro, a recessão global e a crise fiscal no início dos anos 1970 resultaram em congelamentos de salários, demissões e cortes orçamentários que afetaram a maioria dos departamentos de polícia urbanos. De repente, os policiais que haviam sido treinados para interromper as greves se viram em um piquete.

Em segundo lugar, muitos sindicatos de policiais e ligas de patrulheiros apelaram ao racismo e culparam os afro-americanos por roubar seus empregos, e não a economia global ou o governo Nixon. Em Detroit, oficiais brancos protestaram contra o que consideravam “discriminação reversa” (DESLIPPE, 2004DESLIPPE, Dennis A. “‘Do Whites Have Rights?’: White Detroit Policemen and ‘Reverse Discrimination’ Protests in the 1970s”. Journal of American History, vol. 91, n. 3, pp. 932-960, 2004.). Em terceiro lugar, o “trabalho de violência” na verdade aumentou nesse período - talvez possamos chamar isso de aceleração. As taxas de criminalidade aumentaram, mas a causa da aceleração foi a pressão ideológica e legislativa para prender mais pessoas.

O trabalho de violência do encarceramento em massa não é simplesmente uma questão de introdução de legislação e sentenças mais draconianas, mas requer o trabalho extrativo de produção de prisioneiros. A onda de greves da década de 1970, a escalada dos protestos, a desconfiança geral nos policiais, o declínio urbano causado pela fuga de capitais, a fuga dos brancos, o crescente comércio de drogas ilícitas, reduções nos serviços municipais, sem falar dos cortes no orçamento municipal que iniciaram o processo de transformar a polícia em geradora de receita, tudo isso contribuiu para uma aceleração geral e um mal-estar crescente em torno do trabalho policial.

Em vez de construir unidade com oficiais negros e pardos e lutar por melhores salários e condições de trabalho, segurança no emprego e comunidades mais seguras, os sindicatos da polícia exploraram o medo dos brancos - o medo da comunidade do crime (negritude) e o medo dos policiais de serem substituídos. A NYPBA se recusou a apoiar outros trabalhadores municipais que lutavam contra a redução de suas pensões. Gastou dois anos e muito dinheiro lutando uma luta legal e eleitoral para abolir o Civilian Review Board (Conselho de Revisão Civil).

Os sindicatos da polícia gastaram mais tempo apoiando prefeitos conservadores, monitorando e se opondo a juízes liberais, fazendo lobby por aumentos no armamento de última geração e apoiando campanhas estaduais para restaurar a pena de morte (RAY, 1977RAY, Gerda. “Police Militancy”. Crime and Social Justice, vol. 7, pp. 40-48, 1977., p. 44). Enquanto isso, as leis antidiscriminação foram destruídas, crimes de ódio relatados aumentaram e uma onda de assassinatos por policiais e vigilantes atingiu as comunidades negras com a força de uma grande bomba. A década começou com a brutalidade policial emergindo como uma questão política central, resultando em uma enorme insurreição urbana em Liberty City, Flórida, em maio de 1980 (MARABLE, 2015MARABLE, Manning. How Capitalism Underdeveloped Black America. Chicago: Haymarket Books, 2015 reprint ed. [1983].; GILL, 1980GILL, Gerald. Meanness Mania: The Changed Mood. Washington, DC: Howard University Press, 1980.).

A violência racista sancionada pelo Estado andou de mãos dadas com um ataque ideológico à legitimidade da crítica do racismo em si. Durante os anos Reagan, novos think tanks de direita, como o Institute of Justice (Instituto de Justiça) e a Campaign for a Color-Blind America (Campanha para uma América Daltónica), invocaram a retórica do daltonismo e a oportunidade de justificar o desmantelamento de programas antirracistas. O discurso daltônico também preparou o caminho para o policiamento de “janelas quebradas”, que contribuiu para o encarceramento em massa e preparou o cenário para a guerra contra as drogas.

Hoje, o papel dos sindicatos de policiais é proteger policiais de serem responsabilizados pelo “trabalho de violência” em nome do capitalismo racial. Os contratos sindicais geralmente incluem cláusulas que desqualificariam as queixas de má conduta; conceder aos oficiais um período de espera antes de serem interrogados após um incidente; colocar limites nos interrogatórios de oficiais ou fornecer informações com antecedência que permitiriam ao oficial “comparar suas declarações juramentadas com as evidências disponíveis”; exigir que as cidades cubram os custos relacionados à má conduta policial (não apenas custos de liquidação, mas taxas legais e licenças pagas durante a investigação); e remover as investigações de má conduta anteriores do histórico de um oficial.

Esses são apenas alguns exemplos de como os sindicatos policiais reproduzem a injustiça, protegem a polícia da responsabilização e sustentam o racismo estrutural (COOKE, 2017COOKE, Shamus. “Police Unions vs. Black Lives”. Counterpunch, October 6, 2017.). O escritor e ativista Shamus Cooke, baseado em Portland, expressou da melhor maneira:

Os policiais são agentes independentes, muito mais propensos a esmagar uma linha de piquete do que se juntar a ela. À medida que o movimento sindical se torna cada vez mais militante - usando a desobediência civil e outras táticas - é a polícia que será chamada pelos empregadores e governos locais. A polícia vai “proteger e servir” os empregadores contra seus trabalhadores e, principalmente, os crescentes movimentos sociais. Se o movimento sindical acredita que a vida dos negros é importante, eles não podem simultaneamente acreditar que a polícia é membro de sua família de trabalhadores. E se o movimento trabalhista continuar sua trajetória de adotar táticas mais militantes - e deve sobreviver - ele entrará cada vez mais em combate direto com a tropa de choque (Ibid.,).

O capitalismo racial não se desmantelará. Isso requer um movimento trabalhista, um movimento popular dedicado a acabar com “a guerra contra o povo negro”17 17 The Movement for Black Lives (O Movimento para Vidas Negras). . É assim que o Black Lives Matter formulou sua visão abolicionista. Acabar com a “guerra contra os negros” - aqui [nos EUA] e no exterior - não apenas reduziria nossa vulnerabilidade à pobreza, prisão e morte prematura, como geraria um dividendo da paz de bilhões de dólares para investir em educação, saúde universal, habitação, empregos com salários dignos, justiça restaurativa, justiça alimentar e energia verde (TEUSCHER, 2015TEUSCHER, Amanda. “The Inclusive Strength of #BlackLivesMatter”. American Prospect, August 2, 2015.).

Acabar com a guerra contra os negros significa acabar com a polícia como a conhecemos. Não há justificativa para a defesa dos sindicatos de policiais por se tratar de sindicatos de empresas. O trabalho deles não mudou e não vai mudar: fornecer segurança para a reprodução do capitalismo racial, deixando o resto de nós profundamente inseguros.

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  • YOUNGE, Gary. “Harlem: The New Theme Park”. The Guardian, October 14, 2000.
  • 1
    Para alguns excelentes exemplos de relatos históricos da polícia como um instrumento do capitalismo e da propriedade, ver Linebaugh (2020LINEBAUGH, Peter. “Police and the Wealth of Nations: Déjà Vu or Unfinished Business?”. Counterpunch, July 3, 2020.), Bean (2020aBEAN, Brian. “The Socialist Case Against the Police: Part 1 - Origins and Function”. Rampant, March 11, 2020a., 2020b), Harring (2017HARRING, Sidney L. Policing a Class Society: The Experience of American Cities, 1865-1915, rev. ed. Chicago: Haymarket Books, 2017.), Williams (2007WILLIAMS, Kristian. Our Enemies in Blue: Police and Power in America. Boston: South End Press, 2007.), Whitehouse (2014WHITEHOUSE, David. “Origins of the Police”. Libcom, December 24, 2014.) e Cooke (2020COOKE, Shamus Cooke. “The Capitalist Limits of Police Reform”. Counterpunch, June 12, 2020.).
  • 2
    Durante a rebelião de Ferguson, conheci vários membros de Hands Up United, Lost Voices, Organization for Black Struggle, Millennial Activists United e outros organizadores locais afiliados à Don’t Shoot Coalition (Coalizão Não Atire) que estavam propondo a abolição da polícia bem antes de ela se tornar popular. Dois anos mais tarde, foi publicado o caderno A World Without Police (Um Mundo Sem Polícia), com um site que o acompanha (http://aworldwithoutpolice.org/the-problem). Ver também Gelderloos (2014aGELDERLOOS, Peter. “The Nature of the Police, the Role of the Left”. Counterpunch, December 9, 2014a., 2014b).
  • 3
    Mark Lilla, o mais recente proponente dessa visão, escreveu: “Black Lives Matter é um exemplo clássico de como não construir solidariedade. (...) A decisão do movimento de usar esses maus tratos para construir uma acusação geral da sociedade americana e de suas instituições de aplicação da lei, e de usar táticas mau-mau para acabar com a dissidência e exigir uma confissão de pecados e penitência pública (...) caiu nas mãos do republicano direito” (2017, p. 129).
  • 4
    Para um estudo excelente da marginalização de marxistas negros e as consequências de antirradicalismo americano, ver o livro em prelo de Burden-Stelly (2021).
  • 5
    Boutelle passou o resto de sua vida como um socialista e anti-imperialista lutando pela libertação negra. Ele acabou mudando seu nome para Kwame Montsho Ajamu Somburu e, em 1983, se separou do SWP e ajudou a fundar a Socialist Action (Ação Socialista) e, mais tarde, a Socialist Workers Organization (Organização dos Trabalhadores Socialistas). Em 1973, mudou-se para a Califórnia, tornou-se professor e continuou a se organizar e a concorrer a cargos eletivos. Ele presidiu o comitê de defesa dos EUA para o ativista sul-africano preso Dr. Neville Alexander, presidiu o American Negro Committe for the Truth about the Middle East (Comitê de Negros Americanos pela Verdade sobre o Oriente Médio) em 1970 e permaneceu ativo no apoio à libertação da Palestina até sua morte, em 2016. Antes de morrer, ele tinha começado a trabalhar em um livro intitulado Slavery, Oppression, and Rebellion: From 10,000 BCE to the Present.
  • 6
    Obviamente, Guastella não representa a posição oficial da DSA. Haley Pessin, membro do Afrosocialist and Socialists of Color Caucus (Setorial Afro-Socialista e de Socialistas de Cor) dentro do DSA publicou um ensaio brilhante em apoio à abolição, reconhecendo o potencial revolucionário das rebeliões da Primavera Negra após o assassinato de George Floyd (PESSIN, 2020PESSIN, Haley. “The Movement for Black Lives is Different this Time”. New Politics, July 4, 2020.).
  • 7
    Sobre capitalismo racial, ver Robinson (2000ROBINSON, Cedric. Black Marxism: The Making of the Black Radical Tradition. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2000.), Bhattacharya (2018BHATTACHARYA, Gargi. Rethinking Racial Capitalism: Questions of Reproduction and Survival. London and New York: Rowman & Littlefield International, 2018.), Burden-Stelly (2020), Melamed (2015MELAMED, Jodi. “Racial Capitalism.” Critical Ethnic Studies, v. 1, no. 1, pp. 76-85, Spring 2015.), Pulido (2016PULIDO, Laura. “Flint, Environmental Racism, and Racial Capitalism.” Capitalism, Nature, Socialism, vol. 27, n. 3, pp. 1-16, 2016.), Leong (2013LEONG, Nancy. “Racial Capitalism”. Harvard Law Review, vol. 126, n. 8, pp. 2151-2226, 2013.), Nichols (2020NICHOLS, Robert. Theft Is Property! Dispossession and Critical Theory. Durham: Duke University Press, 2020.), Hudson (2017HUDSON, Peter James. Bankers and Empire: How Wall Street Colonized the Caribbean. Chicago: University of Chicago Press, 2017.), Dawson (2016DAWSON, Michael C. “Hidden in Plain Sight: A Note on Legitimation Crises and the Racial Order”. Critical Historical Studies, v. 3, no. 1, pp. 143-161, 2016.) e Fraser (2016FRASER, Nancy. “Expropriation and Exploitation in Racialized Capitalism.” Critical Historical Studies, vol. 3, n. 1, pp. 163-178, 2016.). Para uma crítica do conceito de capitalismo racial, ver Ralph e Singhal (2019RALPH, Michael; SINGHAL, Maya. “Racial Capitalism”. Theory and Society, vol. 48, n. 6, pp. 851-881, 2019., p. 851).
  • 8
    Lenin cita Engels da sexta edição de seu The Origin of the Family, Private Property and the State(ENGELS, 1884ENGELS, Friedrich. The Origin of the Family, Private Property and the State. Sexta Edição, 1884. Available at: https://www.marxists.org/archive/marx/works/1884/origin-family/index.htm
    https://www.marxists.org/archive/marx/wo...
    ).
  • 9
    Em uma reviravolta irônica, nos últimos anos de sua vida (ele morreu em 1899) Brinton se declarou um anarquista, embora pareça que sua atração pela revolução dos trabalhadores não afetou suas visões sobre raça.
  • 10
    No final da década de 1990, servi em um grande júri especial para narcóticos e testemunhei como caso após caso envolvia prisões por drogas de baixo nível nos mesmos bairros do Harlem. Na época, eu ensinava na Universidade de Nova York, onde o Washington Square Park, em frente ao meu escritório, era um centro de vendas de drogas. No entanto, das centenas de casos que foram perante o grande júri naquele período, apenas uma prisão ocorreu no downtown [na área da universidade].
  • 11
    Deve-se notar que a seção da Avenida Elliot visada pela PBI fica a cerca de dez quarteirões para além do espaço identificado no Plano de Desenvolvimento Vision Russell. Isso não quer dizer que o projeto Vision Russell, que recebeu mais de US$ 30 milhões de dólares em doações do Departamento de Desenvolvimento Urbano e Habitação para revitalizar (e enobrecer), não se beneficia da limpeza da Avenida Elliot.
  • 12
  • 13
    Os apoiadores corporativos da Fundação da Polícia da Filadélfia incluíam Donald Shaw, cofundador do site de transparência do governo Sludge Media (SLUDGE MEDIA, 2020).
  • 14
    No início da década de 1970, o LAPD já tinha começado a usar programas de computador e bancos de dados e tecnologias relacionadas na aplicação da lei (FELKER-KANTOR, 2018FELKER-KANTOR, Max. Policing Los Angeles: Race, Resistance, and the Rise of the LAPD. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2018., pp. 56-57).
  • 15
    A Palantir foi pioneira em sua tecnologia de policiamento preditivo em Nova Orleans, mas foi usada secretamente por meio de uma entidade filantrópica privada criada pelo prefeito Mitch Landrieu, chamada de programa NOLA For Life (NOLA [New Orleans, Louisiana] Para a Vida). Os vereadores não sabiam que o departamento de polícia do NOLA estava usando Palantir. O intermediário que trouxe Palantir ao prefeito Landrieu foi ninguém menos que o operador do Partido Democrata, James Carville (WINSTON, 2018WINSTON, Ali. “Palantir Has Secretly Been Using New Orleans to Test Its Predictive Policing Technology”. The Verge, February 27, 2018.).
  • 16
    Fred Mason Jr., afro-americano veterano do movimento sindical dos EUA e ex-presidente da Federação de Maryland e do Distrito de Columbia da AFL-CIO, disse quase a mesma coisa em um artigo de opinião recente para o jornal sindical International Union Rights: “A polícia e as organizações policiais não são criações dos trabalhadores, provocadas pelas lutas dos trabalhadores. Eles foram criados por patrões para impedir o avanço das lutas dos trabalhadores” (2017, p. 8).
  • 17
    The Movement for Black Lives (O Movimento para Vidas Negras).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Fev 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    24 Abr 2021
  • Aceito
    27 Ago 2021
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