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O fazer política pública para a “população LGBTQI+” presas: do local às altas Cortes

Making public policy for the “LGBTQI+ population” in prison: from the local to the high Courts

Resumos

Este trabalho tem como base uma pesquisa sobre o fazer políticas públicas para “populações específicas” presas (especialmente pessoas LGBTQI+), e foi conduzida em diversos espaços e em meio a muitas circulações. Pensando no movimento que tem se desenhado nos últimos anos em pesquisas acadêmicas, no sentido de se compreender a prisão por meio de suas porosidades, proponho pensá-las a partir do atravessamento de múltiplas camadas de poderes, escalas ou, ainda, como porosidades verticais. Especificamente neste artigo, enfocarei o fazer das políticas específicas na escala dos tribunais, dos conselhos e do governo federal. Faço isso, especialmente, seguindo a trajetória de vários “papéis” e de uma interlocutora, fazendo antes uma contextualização sobre como ela própria atravessa essas escalas, para então aprofundar como se dão as rotinas burocráticas das políticas generificadas de tais lugares.

Palabras clave:
políticas públicas; prisão; mulheres; pessoas LGBTQI+; populações específicas


This work is based on research on public policy making for “specific populations” in prison (especially LGBT people), conducted in different spaces and in the midst of many circulations. Thinking about the movement that has been designed in recent years in academic research, in order to understand the prison through its porosities, I propose to think of them from the crossing of multiple layers of powers, scales, or even as vertical porosities. Specifically in this article, I will focus on making specific policies at the scale of courts, councils, and the federal government. I do this, especially, following the trajectory of several “roles” and of an interlocutor, making a contextualization about how she herself crosses these scales, and then deepening how the bureaucratic routines of such gendered policies take place in these places.

Keywords:
public policies; prison; women; LGBTQI+ people; specific populations


Introdução

Atemática do encarceramento de “grupos específicos”, com ênfase no feminino e de pessoas LGBTQI+, tem ganhado centralidade no debate acadêmico e na esfera pública como um todo, especialmente a partir da década de 2010. Tais grupos passaram, então, a ser constituídos como sujeitos políticos de direitos e, ao mesmo tempo, como populações em risco, ensejando também crescente engajamento em torno de suas demandas por parte de movimentos sociais.

Como assinala Zamboni (2020ZAMBONI, Marcio Bressiani. A População LGBT Privada de Liberdade: sujeitos, direitos e políticas em disputa. 2020. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020., p. 147), dois seriam os fatores responsáveis pela emergência das pessoas LGBT presas como sujeitos de direito nos anos 2010: “a hegemonia dos direitos humanos como linguagem para a mobilização política e também para a elaboração de demandas junto ao Estado (VIANNA, 2013VIANNA, Adriana. “Introdução: fazendo e desfazendo inquietudes no mundo dos direitos”. In: VIANNA, Adriana (Org.) O fazer e o desfazer dos direitos: experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades. Rio de Janeiro: E-papers, 2013, pp. 15-35.)”; bem como “a dinâmica específica das políticas de identidade, que ganharia forma na ‘sopa de letrinhas’ do movimento LGBT no Brasil (FACCHINI, 2005FACCHINI, Regina. Sopa de letrinhas? Movimento homossexual e produção de identidades coletivas nos anos 90. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.)”. Tal emergência se deu, sobretudo, em processos tensos de interação entre setores classificados como “estatais” e movimentos sociais ligados aos direitos humanos e à causa LGBT, com participação mínima de pessoas presas ou egressas do sistema prisional (ZAMBONI, 2020ZAMBONI, Marcio Bressiani. A População LGBT Privada de Liberdade: sujeitos, direitos e políticas em disputa. 2020. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.; AGUIÃO, 2014AGUIÃO, Silvia. Fazer-se no ‘Estado’: uma etnografia sobre o processo de constituição dos ‘LGBT’ como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014.).

Voltando a quase três décadas que antecedem os anos de 2010, a transição dos anos 80 para os 90 é marcada pela Assembleia Nacional Constituinte, com presença massiva da sociedade civil e mobilização dos movimentos sociais pela inclusão de pautas de garantia de seus direitos. Esse momento de inscrição da participação social na carta constitucional representa, nesse contexto, um alargamento da compreensão de quem seriam os sujeitos dos “direitos humanos” (ADORNO, 2008ADORNO, Sergio. “Direitos Humanos”. In: OLIVEN, Ruben George; RIDENTI Marcelo; BRANDÃO, Gildo Marçal (orgs.) A Constituição de 1988 na Vida Brasileira. São Paulo: Anpocs, 2008, pp. 191-224.), num momento em que a consagração de documentos como a Constituição Federal serviram como símbolos de “prospecção, projeção e exibição de um formato e uma imagem de Estado comprometido com determinadas concepções de democracia e desenvolvimento […]” (AGUIÃO, 2017AGUIÃO, Silvia. “Quais políticas, quais sujeitos? Sentidos da promoção da igualdade de gênero e raça no Brasil (2003-2015)”. Cadernos Pagu, Campinas, n. 51, e175107, 2017.).

Compondo também o cenário dos anos 90, as temáticas de gênero e sexualidade passam a ser legitimadas - e, consequentemente, também a noção de “direitos sexuais” - nos fóruns internacionais encabeçados pela Organização das Nações Unidas (ONU), processo que não prescindiu de inúmeras tensões e da construção gradual de uma política “antigênero” capitaneada pelo Vaticano e seus aliados (CORRÊA; PARKER, 2021CORRÊA, Sonia.; PARKER, Richard. “Prefácio”. In: CORRÊA, Sonia. (Ed.). Políticas Antigênero na América Latina: Estudos de Caso. Rio de Janeiro: Associação Brasileira Interdisciplinas de Aids, 2021, pp. 10-21.). Não obstante, a partir daí, a visibilidade para tais temas passa a girar em torno de candidaturas e projetos de lei, organizações de eventos como as Paradas de Orgulho LGBT e incorporação midiática mais positiva dos segmentos que compõem a sigla, que passaram a ser vistos como sujeitos políticos que demandam seus direitos (FACCHINI; DANILIAUSKAS; PILON, 2013FACCHINI, Regina; DANILIAUSKAS, Marcelo; PILON, Ana Cláudia. “Políticas sexuais e produção de conhecimento no Brasil: situando estudos sobre sexualidade e suas conexões”. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 44, n. 1, pp. 161-193, 2013.).

Nos anos seguintes, a realização de Conferências e a criação de Conselhos nacionais, estatais e regionais LGBT fazem majorar os incentivos à participação da sociedade civil nos processos de elaboração de políticas públicas específicas para determinados grupos populacionais, fomentados principalmente pelas gestões presidenciais de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff (AGUIÃO, 2014AGUIÃO, Silvia. Fazer-se no ‘Estado’: uma etnografia sobre o processo de constituição dos ‘LGBT’ como sujeitos de direitos no Brasil contemporâneo. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2014., p. 281). Em 2004, com o lançamento do Programa Brasil Sem Homofobia pelo governo federal, implementou-se progressivamente dispositivos e aparatos de gestão governamental, cujas ações foram ratificadas nas mencionadas Conferências ao longo dos anos.

Essas ações foram materializadas também em documentos, a exemplo do Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT, de 2009, do Plano Nacional de Saúde Integral de LGBT, de 2010, (CARRARA et al., 2017CARRARA, Sergio et al. Retratos da Política LGBT no estado do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: CEPESC, 2017., pp. 25-26) e dos Programas Nacionais de Direitos Humanos (PNDH), que consistem em conjuntos de diretrizes que devem orientar a formulação de políticas públicas em todas as esferas de governo. O terceiro PNDH, lançado em 2009 durante a presidência de Luiz Inácio Lula da Silva, passou a estabelecer, por exemplo, diretrizes para o combate à violência institucional, regulamentação de visitas íntimas para a população carcerária e a implementação de Centros de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia. A diretriz de número 16 - Modernização da política de execução penal, priorizando a aplicação de penas e medidas alternativas à privação de liberdade e melhoria do sistema penitenciário - estabeleceu como uma das ações programáticas: “Debater, por meio de grupo de trabalho interministerial, ações e estratégias que visem assegurar o encaminhamento para o presídio feminino de mulheres transexuais e travestis que estejam em regime de reclusão” (BRASIL, 2009BRASIL. Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3). Brasília, DF: Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, 2009.). A possibilidade de transferência da pessoa presa para uma unidade que corresponda ao gênero com que se identifica também se vislumbra como medida protetiva no Plano Nacional de Promoção da Cidadania LGBT (SANDER, 2021SANDER, Vanessa. Pavilhão das sereias: uma etnografia dos circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021., p. 98).

No plano transnacional, a participação do Brasil foi também, à época, bastante ativa em relação aos direitos LGBTQI+, a exemplo do papel da delegação brasileira na formulação dos “Princípios de Yogyakarta para Aplicação de Direitos Humanos à Orientação Sexual e Identidade de Gênero” em 2006, que contavam com diretrizes relativas ao Sistema Penitenciário. Tendo-os como uma das principais referências, foi publicada, em 2014, a primeira normativa nacional que estabeleceu os parâmetros de acolhimento de pessoas LGBT em privação de liberdade no Brasil, servindo de base para a criação de resoluções estaduais - a Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação n° 1, de 15 de abril de 2014 (BRASIL, 2014BRASIL. Resolução Conjunta n° 1, de 15 de abril de 2014. Estabelecer os parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil. Brasília, DF: Presidência da República; Conselho Nacional de Combate a Discriminação; Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2014.).

Nesse sentido, a emergência de “presos LGBT” como novos sujeitos políticos de direitos está atrelada à produção desses documentos, que fazem parte da relação de “coprodução entre a institucionalização de demandas e a produção de sujeitos e subjetividades” (SANDER, 2021SANDER, Vanessa. Pavilhão das sereias: uma etnografia dos circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021., p. 91). A partir de então, foram construídas as condições que possibilitavam a implementação da política de alas LGBT nos presídios, como um vetor da humanização do sistema prisional, “evidenciando como o esquadrinhamento e a segmentação socioespacial do espaço carcerário em termos de gênero e sexualidade é justificada mediante uma retórica de prevenção da violência sexual” (SANDER, 2021SANDER, Vanessa. Pavilhão das sereias: uma etnografia dos circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021., pp. 91-92).

A este movimento de construção de políticas públicas, incorporou-se a edição de resoluções estaduais, estabelecendo parâmetros de acolhimento de pessoas LGBT privadas de liberdade, como a Resolução n° 558, de 29 de maio de 2015, da Secretaria Estadual de Administração Penitenciário do Rio de Janeiro; e a Resolução SAP-11, de 30 de janeiro de 2014, de iniciativa da Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP), que dispõe sobre a atenção às travestis e transexuais no âmbito do sistema penitenciário, com efeitos, inclusive, anteriores aos da Resolução de caráter nacional (ZAMBONI, 2020ZAMBONI, Marcio Bressiani. A População LGBT Privada de Liberdade: sujeitos, direitos e políticas em disputa. 2020. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.).

A adoção de alas ou galerias específicas para LGBTQI+, por seu turno, por vezes anterior a resoluções ou normativas estabelecendo-as, compreendeu medida adotada por presídios em alguns estados brasileiros - como Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Mato Grosso e Paraíba. Sua implementação geralmente é acompanhada de grande atenção midiática, como bem explora a pesquisa de Sander (2021)SANDER, Vanessa. Pavilhão das sereias: uma etnografia dos circuitos de criminalização e encarceramento de travestis e transexuais. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2021. em um presídio mineiro. Essa medida é considerada uma boa prática institucional, já que os presídios se tornam “seguros”, ou seja, espaços considerados de menor perigo, especialmente para mulheres transexuais e travestis. Uma ala específica, ou a histórica reunião de acusados/condenados por crimes sexuais e mulheres transexuais/travestis nos mesmos pavilhões dos presídios, como demonstra Ferreira (2014)FERREIRA, Guilherme Gomes. Travestis e Prisões: a experiência social e a materialidade do sexo e do gênero sob o lusco-fusco do cárcere. Dissertação (Mestrado em Serviço Social) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. em sua dissertação sobre o Presídio Central de Porto Alegre, passa a ser produzida pela narrativa de um território seguro, da segurança, de um espaço que é o “seguro do seguro”. Acerca da construção da ala LGBT neste mesmo presídio, Passos (2014)PASSOS, Amilton Gustavo da Silva. Uma ala para travestis, gays e seus maridos: pedagogias institucionais da sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014. assinala como sua materialização deu-se por meio da produção discursiva de um sujeito situado e legítimo, invariavelmente oprimido e vitimizado, sem plena autonomia, cuja vida está em permanente risco e a preservação da integridade física não depende só de si. Nesse sentido, chama atenção para a conjugação fundamental entre aquilo que é enunciável sobre “direitos humanos”, “políticas públicas para grupos consideráveis vulneráveis”, “funcionalidade do sistema carcerário” e “espaço social” no processo de construção histórica de demanda pela ala (PASSOS, 2014PASSOS, Amilton Gustavo da Silva. Uma ala para travestis, gays e seus maridos: pedagogias institucionais da sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014., pp. 35-36).

Diferentemente de tais trabalhos, que focam os processos internos, disputas e tensões que culminaram na materialização desses espaços a níveis locais e em anos anteriores aos abordados na conjuntura histórica aqui tratada, este artigo tem como escopo apresentar os bastidores que levaram à elaboração de normativas e decisões de impacto nacional (considerando-se, especialmente, o período entre os anos de 2018 e 2022), sem perder de vista, porém, de que modo trâmites locais penetram e circulam em escalas superiores.

Este trabalho tem como base uma pesquisa de doutorado sobre o fazer política pública para “populações específicas” presas (especialmente pessoas LGBTQI+). A pesquisa foi conduzida em diversos espaços e em meio a muitas circulações. Pensando no movimento de se compreender a prisão por meio de suas porosidades, que tem se desenhado nos últimos anos em pesquisas acadêmicas, proponho pensá-las a partir do atravessamento de múltiplas camadas de poderes, escalas ou, ainda, como porosidades verticais. Tento esse movimento, então, a partir do prisma de análise indicado: a produção de políticas para “populações específicas presas”. Nesse registro, se as porosidades prisionais têm sido consideradas por pesquisas que abordam, majoritariamente, questões como prisões, guetos, bairros contíguos e dinâmicas translocais (WACQUANT, 2001WACQUANT, L. “Deadly Symbiosis: When Ghetto and Prison Meet and Merge.” Punishment and Society, Thousand Oaks, vol. 3, n. 1, pp. 95-134, 2001.; CUNHA, 2015CUNHA, Manuela Ivone. “Da relação prisão-sociedade: atualização de um balanço”. In: Cunha, Manuela Ivone. (Org.). Do crime e do castigo: temas e debates contemporâneos. Lisboa: Mundos Sociais, 2015, pp. 181-200.; MORELLE, 2015MORELLE, Morelle. La prison, la police e le quartier. Gouvernement urbain et illégalismes populaires à Yaoundé. Annales de Géographie, Paris, n. 702-703, pp. 300-322, 2015.); os “vasos comunicantes” regidos por uma “permeabilidade seletiva”, que conectam dentro e fora da prisão (GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em Cadeia: as prisões de São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.); as próprias porosidades internas à prisão, local entendido “como um espaço recortado, fragmentado e multidimensional, o qual consome, esmaga e tritura diferencialmente” (MALLART, 2019MALLART, Fábio. Findas linhas: circulações e confinamentos pelos subterrâneos de São Paulo. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, 2019., p. 224); os afetos, os casamentos e as cartas que comunicam o dentro e o fora (PADOVANI, 2015PADOVANI, Natália Corazza. Sobre casos e casamentos: Afetos e amores através de penitenciárias femininas em São Paulo e Barcelona. Tese (Doutorado em Antropologia) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2015.; COMFORT, 2007COMFORT, Megan. “’Partilhamos tudo o que podemos’”: A dualização do corpo recluso nos romances através das grades”. Análise Social, Lisboa, vol. 42, n. 185, pp. 1055-1079, 2007.); e os familiares que circundam e mantêm a prisão (LAGO, 2019LAGO, Natália Bouças do. Jornadas de visita e de luta: tensões, relações e movimentos de familiares nos arredores da prisão. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019.); outros atores, em outras escalas de poder, têm recebido menor atenção quando se pensa a circulação daquilo que se entende como “parte” da prisão.

Neste sentido, Rafael Godoi (2019)GODOI, Rafael. “A prisão fora e acima da lei”. Tempo Social, São Paulo, vol. 31, n. 3, pp. 141-160, 2019., de certa forma, amplia a noção de porosidade já delineada em sua tese, com a noção de vasos comunicantes (GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em Cadeia: as prisões de São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.), para compreender os relatórios de fiscalização em presídios do Rio de Janeiro como artefatos que circulam em arregimentações maiores, focando em relações de poder intraestatais. O autor mostra como as minúcias da tortura (como a falta de luz nas celas, as condições precárias de estrutura, a insalubridade) podem mobilizar atores, códigos, leis, enunciados em várias escalas, inclusive internacionais - a exemplo da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) -, e sua resolução para que um dia de pena cumprido no Instituto Penal Plácido de Sá Carvalho fosse computado como dois dias. Em movimento parecido, proponho pensar a noção de porosidade prisional a partir da circulação de documentos, pessoas, enunciados, conceitos entre diferentes espaços, escalas e camadas de poder, tendo como fio condutor ou ponto de conexão entre eles o fazer política pública para grupos específicos de presos.

Na pesquisa, sem perder de vista o fazer performático dos processos de Estado, procuro pensar também no miúdo das rotinas administrativas e cotidianas, no fazer burocrático das políticas carcerárias voltadas para as “populações específicas”. Ou seja, procuro entender o funcionamento da máquina estatal, fundamentalmente no que diz respeito à produção de políticas públicas carcerárias, não apenas pela observação das arenas públicas de contendas assumidamente políticas, mas também pelo acompanhamento daquilo que se produz nos meandros menos visíveis das malhas administrativas de poder, das técnicas e práticas por meio das quais são produzidos precisos “efeitos estado” generificados (MITCHELL, 2006MITCHELL, Timothy. “Society, economy, and the state effect”. In: SHARMA, Aradhana; GUPTA, Akhil (Ed.). The anthropology of the state: a reader. Malden: Blackwell, 2006, pp. 169-186.; VIANNA; LOWENKRON, 2017VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens”. Cadenos Pagu, Campinas, n. 51, e175101, 2017.).

Nesse sentido, as muitas circulações às quais me refiro relacionam-se tanto com os trânsitos de enunciados, pessoas, papéis, normativas etc., em diferentes escalas e esferas de poder e atuação, como nos meus deslocamentos enquanto pesquisadora, funcionária de Organização não governamental (ONG), ativista e colaboradora. A partir das circulações, somadas à realização de entrevistas e à análise documental, pretendo expandir o sentido de “porosidades” prisionais (GODOI, 2015GODOI, Rafael. Fluxos em Cadeia: as prisões de São Paulo na virada dos tempos. Tese (Doutorado em Sociologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2015.); bem como expor a aporia, inspirada nas reflexões de Kelly (2009)KELLY, Tobias. “The UN Committee Against Torture: human rights monitoring and the legal recognition of cruelty”. Human Rights Quarterly, Baltimore, vol. 31, n. 3, pp. 777-800, 2009., que acompanha todo o desenrolar da pesquisa: se a luta pelos direitos humanos preserva um fundo ético dos sistemas legais ou se é mero recobrimento liberal que legitima a prática punitiva.

Parte do trabalho etnográfico foi realizado em São Paulo, tendo como principais interlocutores os atores que estão produzindo ativamente tais “políticas específicas”. Em um segundo momento, o objetivo foi situar o fazer das políticas públicas específicas carcerárias em outra escala, a de tribunais, conselhos e governo federal, em que a análise se volta para o Supremo Tribunal Federal (STF), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH). Com isso, tento mostrar, por um lado, o processo de materialização de uma resolução específica no CNJ e o desenrolar de uma ação que tramita no STF; e, por outro, os tensionamentos, aproximações e circulações existentes entre os demais poderes, bem como os rumos ou consequências inesperadas dos fazeres das políticas públicas.

Especificamente neste artigo, enfocarei o fazer das políticas específicas na escala dos tribunais, conselhos e governo federal. Faço isso, especialmente, seguindo a trajetória de vários “papéis” e de uma interlocutora, a quem chamo de Lara. Antes, porém, faço uma pequena contextualização sobre como ela própria atravessa essas escalas, para então aprofundar como se dão as rotinas burocráticas das políticas generificadas nesses lugares.

Em agosto de 2018, recebi um convite para participar de uma reunião no gabinete de uma desembargadora no Tribunal Regional Federal em São Paulo. A reunião versava sobre pessoas LGBTQI+ presas em São Paulo, e eu tinha sido convidada por ser uma “pesquisadora do tema”. A convocatória para a reunião tinha sido motivada pelos questionamentos de uma juíza federal em relação ao “melhor lugar” para a alocação das mulheres trans presas. Poucas pessoas estavam presentes nesta reunião, dentre elas mais duas pesquisadoras, uma defensora pública da União, a juíza federal que havia movimentado o tema a partir da prisão em audiência de custódia de uma pessoa trans e outros integrantes do Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e do Ministério Público Federal.

Como o chamado para essa reunião tinha como objetivo incluir as pessoas que ali estavam na elaboração de propostas que incidissem sobre o local de aprisionamento de pessoas LGBTQI+, e insegura sobre os efeitos que políticas advindas dessas propostas poderiam ter, optei por não continuar a frequentar as reuniões subsequentes, que se materializaram na formação de um Grupo de Trabalho (GT). Entretanto, Lara, que era também uma das pessoas presentes no encontro, manteve-se no grupo e veio a se tornar uma das minhas principais interlocutoras de pesquisa, bem como alguém que atravessaria diferentes escalas de poder e de produção de normativas para populações específicas presas. Alguém que participaria, ao fim, dos trâmites para a aprovação da Resolução 348 do CNJ, em outubro de 2020 (BRASIL, 2020bBRASIL. Resolução n. 348, de 9 de outubro de 2020. Estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2020b.), que estabeleceu diretrizes e procedimentos ao Poder Judiciário, em “relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente”. Com Lara, realizei entrevistas, que foram gravadas e transcritas, e mantive diversas conversas durante todo o intervalo desta pesquisa (de 2018 a 2022).

Este artigo está dividido em cinco seções, além desta introdução. Na primeira, percorro a tramitação da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 527 no STF, dando especial atenção para os impactos de documentos específicos nas decisões proferidas no âmbito da ação (BRASIL, 2021bBRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 527, protocolada em 25 de junho de 2018. Direito das pessoas LGBTI. Arguição de descumprimento de preceito fundamental. Transexuais e travestis. Direito de opção pelo cumprimento de pena em unidades prisionais femininas ou masculinas, no último caso, em alas específicas, que lhes garanta a segurança. Relator: Min. Roberto Barroso. Brasília, DF, 18 mar. 2021b.). Na segunda, o foco recai sobre a aprovação - e posterior modificação - da resolução do CNJ acima citada. Em seguida, é o governo federal que entra em cena, especialmente por meio da atuação do MMFDH e sua Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (DPLGBT). Na quarta seção, busco demonstrar como os documentos, os trânsitos das políticas e normativas direcionadas à população LGBTQI+ e as pessoas que se deslocam entre as diferentes camadas de poder, que condensam o que chamei de “porosidades verticais”, produzem e são carregadas de afetos. Por fim, na última seção, breves considerações finais são apresentadas.

A ADPF 527, o Relatório “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento” e a “notável evolução no tratamento a ser dado à matéria no âmbito do Poder Executivo”

Mistério cronológico resolvido (pelo menos pra mim): a lei de abuso de autoridade veio depois da liminar concedida pelo Barroso na ADPF 527, que é uma ação da ABGLT pedindo que mulheres trans cumpram pena em unidades femininas e travestis possam optar entre masculinas e femininas. A ABGLT pediu alocação compulsória, depois fez um pedido de aditamento e agora isso sendo usado pra enfraquecer a resolução do CNJ. Depois, essa lei foi impugnada em uma ADI [Ação Direta de Inconstitucionalidade] da Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal, mas o artigo que embasa a mudança da resolução (21) não tá sendo questionado nessa ação. De qualquer forma, temos um grande imbróglio que ainda precisa ser resolvido em duas ações no STF (Lara, mensagem enviada em 8 de março de 2021).

Com a mensagem transcrita, Lara me respondia a algumas das dúvidas remanescentes desde nossa última conversa, no mês anterior. A liminar a que Lara se refere é uma decisão proferida em junho de 2019 pelo Ministro do STF, Luís Roberto Barroso, na ADPF 527. A ação foi proposta pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT), em 2018, e questiona decisões contraditórias no que se refere à aplicação da Resolução Conjunta do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e do Conselho Nacional de Combate à Discriminação n° 1 de 2014 (BRASIL, 2014BRASIL. Resolução Conjunta n° 1, de 15 de abril de 2014. Estabelecer os parâmetros de acolhimento de LGBT em privação de liberdade no Brasil. Brasília, DF: Presidência da República; Conselho Nacional de Combate a Discriminação; Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, 2014.). A resolução, como mencionado na introdução, é considerada o primeiro marco normativo nacional a estabelecer os parâmetros de acolhimento de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais (LGBT) em privação de liberdade.

De acordo com a ABGLT, algumas decisões estariam interpretando a norma de maneiras que frustravam a efetivação dos direitos desses grupos, o que resultaria em violação aos preceitos da dignidade humana, da proibição de tratamento degradante ou desumano, além do direito à saúde. A controvérsia residia centralmente na aplicação não homogênea do art. 3o, §1o e §2o e do art. 4o, parágrafo único da referida Resolução, os quais dispõem:

Art. 3o - Às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos.

§ 1o - Os espaços para essa população não devem se destinar à aplicação de medida disciplinar ou de qualquer método coercitivo.

§ 2o - A transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade.

Art. 4o - As pessoas transexuais masculinas e femininas devem ser encaminhadas para as unidades prisionais femininas.

Parágrafo único - Às mulheres transexuais deverá ser garantido tratamento isonômico ao das demais mulheres em privação de liberdade.

Durante o trâmite da ação, a primeira medida do Ministro Luís Roberto Barroso foi a ampliação do conceito jurisprudencial de entidade de classe, para que se considerasse legítima a proposição da ação pela associação, uma vez que o entendimento prevalecente até então era de que entidade de classe restringia-se às profissionais ou econômicas.

O pedido da associação era pela solidificação do entendimento de que as mulheres transexuais e travestis deveriam ser alocadas em presídios femininos e, após aditamento (que, na prática, pode ser entendido como uma correção) ao pedido inicial, que se conferisse às travestis a possibilidade de optar por cumprir a pena em estabelecimento prisional classificado como feminino ou masculino. Para sustentar que a resolução conjunta não vinha sendo aplicada de forma homogênea, um precedente do próprio Ministro Barroso foi apresentado na ação. Em fevereiro de 2018, como relator do Habeas Corpus nº 152.491/SP, o Ministro determinou a transferência de duas travestis para uma penitenciária feminina. Sua fundamentação baseou-se na Resolução Conjunta e na medida estabelecida anteriormente no estado de São Paulo, a Resolução SAP nº 11, de 2014. Outras decisões, porém, haviam negado a transferência de travestis em circunstâncias similares.

Após as manifestações da Advocacia Geral da União (AGU), da Procuradoria Geral da República (PGR) e de informações serem colhidas de outros órgãos, em 26 de junho de 2019, o relator apreciou e deferiu o pedido de medida cautelar em relação às transexuais. Na decisão, o Ministro Barroso havia determinado a transferência de presas transexuais para presídios femininos, uma vez que tal decisão seria compatível com a razão de decidir de julgados do Tribunal, como a decisão que permitiu a alteração do pronome e sexo no registro civil, independentemente da realização de cirurgia de “redesignação de sexo”, proferida em março de 2018 no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.275. Porém, o Ministro ressalvou que, em relação às travestis, faltavam-lhe informações para decidir naquele momento, à luz da Constituição Federal, qual seria o melhor destino para elas; além de assinalar a hesitação da própria requerente, a ABGLT, que aditou o pedido em relação ao local de aprisionamento.

Segundo Lara, esta decisão estaria causando um “imbróglio” nos trâmites para a aprovação de uma resolução no CNJ, que seria pautada pelo princípio da autodeterminação de gênero e pela escolha, com base nesse critério, do local de cumprimento da pena de prisão. Fato é que em 18 de março de 2021, o Ministro ajustou os termos de medida cautelar, após a ABGLT, em julho de 2020, reiterar o pedido de extensão da medida às travestis, anexando ao pedido dois documentos: o Relatório “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”, de iniciativa do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (MMFDH); e uma Nota Técnica do DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional)/Ministério da Justiça.

Lançado oficialmente em 28 de novembro de 2019, durante a reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul (RAADH), o relatório citado foi fruto de uma pesquisa realizada por um consultor contratado com financiamento do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), por meio de um edital publicado em novembro de 2018. O consultor, durante o ano de 2019, percorreu todos os estados brasileiros, com visitas a pelo menos um estabelecimento prisional em cada. Antes disso, um diagnóstico quantitativo havia sido obtido a partir do envio de ofícios pelo DEPEN à totalidade de instituições prisionais computada (1499) para o preenchimento de um questionário, das quais 508 enviaram as respostas. Destas, 106 possuiriam espaços destinados especificamente para pessoas LGBT. Ao todo, foram 31 unidades visitadas pelo consultor.

O questionário, dividido em quatro seções, solicitava a identificação do estabelecimento prisional e do agente responsável pelo preenchimento; o aspecto estrutural da prisão, em relação ao quantitativo de vagas e à população carcerária, bem como à segmentação do espaço interno de cada instituição; a caracterização das galerias, alas e/ou celas reservadas para LGBT e, na ausências destas, a opinião sobre a relevância de sua criação; e, por fim, o perfil da população LGBT nas prisões (BRASIL, 2020BRASIL. LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento. Brasília, DF: Secretaria Nacional de Proteção Global, 2020a. Disponível em https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/fevereiro/TratamentopenaldepessoasLGBT.pdf. Acesso: 03 abr. 2023.
https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/no...
, pp. 13-14). O relatório faz um diagnóstico cuidadoso, com densidade etnográfica, e relata denúncias de torturas e outras violações de direitos humanos, não se abstendo de apresentar ressalvas em relação à compulsoriedade da alocação dessa população em espaços segregados. O consultor, também gaúcho e próximo da ONG SOMOS - Comunicação, Saúde e Sexualidade, com uma importante bagagem de pesquisa sobre o tema (PASSOS, 2014PASSOS, Amilton Gustavo da Silva. Uma ala para travestis, gays e seus maridos: pedagogias institucionais da sobrevivência no Presídio Central de Porto Alegre. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2014.; 2019PASSOS, Amilton Gustavo da Silva. O dispositivo bicha: gênero e sexualidade como técnicas de controle prisional. Tese (Doutorado em Educação) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2019.), é também cuidadoso no momento de realização das entrevistas, evitando que seus interlocutores estejam expostos a riscos decorrentes delas.

De acordo com o Ministro Barroso, o Relatório e a nota do DEPEN convergiam em relação ao tratamento mais adequado a ser dado, tanto a transexuais mulheres, quanto a travestis. Citando o relatório do MMFDH, ressalvou ainda a importância de não se olhar apenas para a questão identitária da pessoa presa, mas também para as relações de afeto e de sobrevivência que emergem no contexto prisional.

Com isso, o Ministro destacou na decisão “uma notável evolução no tratamento a ser dado à matéria no âmbito do Poder Executivo”, que seria consequência de diálogo institucional decorrente da judicialização da matéria, “que permitiu uma saudável interlocução entre tal poder, associações representativas de interesses de grupos vulneráveis e o Judiciário”. Assim, enfatizando novamente o diálogo institucional com o poder executivo, garantiu em sua decisão “às transexuais e travestis com identidade de gênero feminina o direito de opção por cumprir pena: (i) em estabelecimento prisional feminino; ou (ii) em estabelecimento prisional masculino, porém em área reservada, que garanta a sua segurança”.

Gostaria de chamar especial atenção para o destaque do Ministro em relação à evolução da matéria no âmbito do poder executivo. Por poder executivo, Luís Roberto Barroso referia-se especialmente ao MMFDH e ao Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), do qual faz parte o DEPEN. Particularmente no que se refere ao primeiro Ministério, foram notáveis e recorrentes os ataques ao que se denomina “ideologia de gênero”. Se os governos federais do Partido dos Trabalhadores (PT) e do Partido da Social-Democracia Brasileira (PSDB) operavam, como afirma Marques (2018)MARQUES, Adalton. Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo: IBCCRIM, 2018., sob o tríptico segurança pública - democracia - direitos humanos, não é possível dizer o mesmo sobre o governo de Jair Bolsonaro e as atuações de seus ministérios. Porém, o combate à tal “ideologia de gênero”, muitas vezes personificado na figura da então Ministra Damares Alves, não pode ser pensado apenas como um qualificativo do autoritarismo, mas como parte constitutiva e fundamental do governo, o que será mais à frente adensado. Para além disso, como tentarei demonstrar, de alguma maneira parte da agenda bolsonarista é acomodada à gramática dos direitos humanos, cujo sentido está em permanente disputa (EILBAUM; CHAGAS; MEDEIROS, 2020EILBAUM, Lucía; CHAGAS, Gisele Fonseca; MEDEIROS, Flavia. “Apresentação: Por uma abordagem etnográfica dos ‘direitos humanos’: conflitos, moralidades e direitos”. Antropolítica, Niterói, n. 47, pp. 8-31, 2020.).

A ADPF 527 teve sua decisão final adiada em razão de um empate na votação em setembro de 2021, com cinco votos favoráveis à tese do Ministro Barroso e outros cinco contrários. Após o voto do Ministro pela conversão da medida cautelar em julgamento de mérito, ou seja, pela procedência do pedido, sendo acompanhado pelos Ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Rosa Weber e Edson Fachin, o Ministro Ricardo Lewandowski apresentou divergência ao voto, sustentando o não seguimento da ação. Segundo o Ministro Lewandowski, a questão já teria sido resolvida em razão de uma alteração substancial do panorama normativo descrito na petição inicial. Seu voto foi acompanhado pelos Ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Nunes Marques e Gilmar Mendes:

Compartilho da preocupação do Ministro Roberto Barroso no tocante à necessária deferência ao postulado da dignidade da pessoa humana no ambiente do sistema prisional, bem assim em todos os demais âmbitos. Observo, todavia, que o Conselho Nacional de Justiça, no cumprimento de seu múnus constitucional, estabeleceu, por meio da Resolução 348/2020, com as modificações levadas a efeito pela recente Resolução 366/2021, ‘diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente’ (STF…, 2018STF: Julgamento sobre trans em presídios femininos fica empatado. Migalhas, São Paulo, 20 fev. 2018. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/351667/stf-julgamento-sobre-trans-em-presidios-femininos-fica-empatado Acesso: 8 jul. 2022
https://www.migalhas.com.br/quentes/3516...
)

O empate na votação se deu devido à vacância do 11° Ministro do STF, após a aposentadoria do Ministro Marco Aurélio Mello, ocorrida em julho de 2021, mais de dois meses antes do julgamento da ADPF, e da sua consequente suspensão, em 15 de setembro de 2021. À época, Jair Bolsonaro já havia publicizado que indicaria para a vaga André Mendonça, então advogado-geral da União, mas a nomeação oficial se efetivaria apenas cinco meses após a vacância do cargo.

Percursos para aprovação da Resolução 348 do CNJ

(…) e aí vem a questão do CNJ, desde o primeiro momento eu procuro o CNJ, porque o que é que eu percebi? (…) No Judiciário, o CNJ tem um papel muito importante (…) Hoje o juiz que assessora a presidência e o juiz Lanfredi, eles tão a frente dessa questão do sistema carcerário, e eu primeiro falei com a dr. Maria de Fátima, que assessorava a Carmen Lúcia, e eu falei: olha, a gente tá criando um grupo e tudo. E ela: ah, mas lá na audiência de custódia a gente já colocou um campo e tudo pra pessoa se identificar, o gênero. E eu digo não, mas isso não é suficiente, esse campo é preenchido pelo servidor, a juíza mesmo do caso nem sabia onde tava esse campo e tal. E eu to entendendo que é muito mais sério que isso. Aí eu coloquei tudo no papel e ela me respondeu dizendo que antes da mudança da Carmen Lúcia pro Toffoli, ela tinha feito uma recomendação pra que fosse criado, levantasse informação, criar um Grupo de Trabalho pra levantar os dados sobre a quantidade de encarceradas travestis e transexuais, as condições de encarceramento destes, to lendo aqui viu esse “destes”, demandas existentes para transferências, bem como o impacto dessas nas realidades locais, considerando-se as atribuições deste DMF, que é o órgão ligado à presidência, de propor ao CNJ estudos de aperfeiçoamento da legislação sobre o sistema carcerário, acompanhamento das irregularidades…Então ela faz essa proposta antes de sair. Essa proposta já tava lá quando assume o dr. Lanfredi, que trabalha mais diretamente (…) Mas eu ligo pro dr. Lanfredi e ele diz: “ah, sim, nós temos todo o interesse, queremos trabalhar com esse assunto, eu já trabalho com esse tema, por isso que o ministro Toffoli me convidou e eu quero trabalhar mesmo com as minorias, mulheres, índios” e eu fiquei pensando né: que que mulher tem a ver com índio né [risos]. E aí eu disse: não, vamos trabalhar separado. E ele: não, não, vamos trabalhar junto porque são coisas…E eu: quer saber, é melhor trabalhar junto que não trabalhar né. E aí isso fica meio parado […] ficou de eu mandar esse mesmo ofício pra ele que ele já tinha lá, que eu tô em mãos, pra se pedir novamente pra se criar um Grupo de Trabalho no CNJ pra se tratar especificamente agora da questão das travestis e transexuais e tal, das pessoas LGBTs em presídios. Então se vai avançar eu não sei, qual vai ser a composição desse grupo eu não sei. Eu acho que é importante a gente continuar com o grupo local, […] mas se a gente conseguir alguma resolução lá, é muito importante que a sociedade civil e o Ministério Público estejam atentos aos termos…Porque os juízes cumprem, eles cumprem as resoluções do CNJ, e quando como o dr [juiz auxiliar do CNJ] tava dizendo, quem não cumpre tanto, quem não faz audiência de custódia com o procedimento, é pra responder pra correção o porquê que não faz. (trecho de fala de desembargadora federal do TRF3, no evento “O Direito à Identidade de Gênero no Sistema prisional, no dia 28 de maio de 2019, em São Paulo)

Além de apresentar um panorama de como um GT criado a nível local para discutir o aprisionamento de pessoas trans e travestis em São Paulo penetra escalas e instâncias de nível nacional, a fala da desembargadora (aquela que convocou a reunião em seu gabinete narrada no início do texto) ilumina outras importantes questões. A primeira delas é o nível de capilaridade e “efetividade” das recomendações e normativas do CNJ dirigidas a todos os membros da magistratura do país. De acordo com ela, os juízes cumpririam as resoluções do CNJ, pois quem não cumprisse deveria responder por quais motivos não o fez. Cita também o procedimento adotado nas audiências de custódia como representativo desse acolhimento, ainda que, de maneira paradoxal, conteste a suficiência de um campo para preenchimento de “gênero” no momento da realização dessa audiência, porque, segundo ela, seria preenchido apenas pelos servidores, nem chegando ao conhecimento dos juízes.

Em entrevista, Lara me explica como foi a movimentação que fez com que acompanhasse essa mudança de escala, da política pensada localmente para dentro do CNJ. À época, ela trabalhava em uma instituição de São Paulo e, após algumas reuniões com o GT criado pela desembargadora, citando-se a intenção de se incluir o CNJ nas discussões, passa-se um tempo sem encontros. Aí então, em junho de 2019, a instituição que Lara trabalha recebe um convite enviado pelo chefe do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF), o juiz Luis Lanfredi, para comporem um GT dentro do CNJ, e Lara assume a função de acompanhar a pauta, o que era feito, à época, virtualmente.

No fim de 2019, Lara passa a trabalhar em Brasília em uma outra instituição e a acompanhar, então, os encontros do GT presencialmente. O grupo era bastante variado, tanto em relação à composição (juízes, defensores públicos, funcionários de ONGs, promotores), como em relação aos posicionamentos no que se refere aos direitos da população LGBTQI+ presa:

E nesse dia, foi tenebroso, porque foi uma juíza lá que falou uns negócios do tipo: “ah, mas pra que que a gente tem que garantir hormônios pra essas mulheres se a gente não recebe? Eu também preciso tomar hormônio pra várias coisas, e eu não recebo. Por que temos que garantir pra elas?”. Umas coisas assim, sabe? Esse nível de discussão. Eu lembro que a última reunião que eu participei eu fiz uma lista de coisas no final, e eu até me exaltei um pouco.

(…) A questão da revista: é a galera no socioeducativo não querer revistar as meninas trans porque falam que o pastor não deixa (…) Ou então esse discurso de: ah, mas então as mulheres vão ser estupradas. É um negócio que se eu não tivesse conversando com elas, eu não iria nem pensar. Porque vai tão além pra quem sabe, quem conhece (entrevista em fevereiro de 2021).

Ainda assim, de acordo com ela, o grupo responsável pela redação das resoluções, que trabalhava no DMF, era composto por pessoas “engajadas e preocupadas”, funcionárias mulheres que tomavam para si a causa, efetivamente levavam o processo e eram por ele afetadas (LUGONES, 2009LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial enlostribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Tese (Doutorado em Antropologia) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009.). Por esse motivo, a proposta de resolução teria seguido em frente, sendo que, na verdade, muitas coisas entraram na resolução apenas porque ninguém percebeu; ou por haver outras questões de grande repercussão acontecendo no CNJ na época, como a aprovação das audiências de custódia na modalidade virtual, em decorrência da pandemia de COVID-19. Assim, tudo teria acontecido “meio que na surdina”. Lara narra, então, que dias antes da deflagração da pandemia foi chamada até uma sala pelas pessoas responsáveis pela confecção da redação do que viria a ser a Resolução 348:

[E]las estavam com o texto já quase final da resolução e…não era final, porque ainda ia ser apresentado né. Porque primeiro, é meio que um esquema assim: é como se fosse um projeto de lei, mesma coisa. Você faz um texto, aí você tem que convencer um dos conselheiros a bancar esse texto. E aí vai se transformar em um ato normativo, que é um procedimento administrativo lá dentro do CNJ, e vai ter uma relatoria. A relatoria é um negócio que é distribuído aleatoriamente. Porque tem os conselheiros do CNJ, e também os juízes auxiliares, tudo isso. Então, a relatoria é distribuída só para os conselheiros, e o que elas tavam tentando convencer o dr [ ], do Rio, que participava também das reuniões [ ] e ele é minimamente sensível, ele é aberto. Então no final das contas foi ele quem bancou essa resolução. Ele é juiz auxiliar lá. Ele é tipo um desses que eles são designados, sabe? Pra ficar lá um tempo. Tanto é que agora ele voltou pra competência dele (…) porque agora entrou o Fux e eles mudaram a equipe lá.

(…) E aí elas tavam com o texto aberto ali da resolução, já depois de um pente fino que o dr. [ ], que era esse juiz que tava bancando a resolução fez, aí já tinham mudado algumas coisas, eu já não concordava, mas era também isso porque a verdade é que é uma resolução pra juízes, né? Então se você não coloca ali no mínimo que eles vão fazer não adianta nada.

(…) Isso antes da primeira aprovação, mas ela sempre enfrentou um pouco de óbice ali dentro (…) Mas aí teve esse dia, essa discussão, e elas me mostraram como é que tava, eu dei uns palpites ainda, mas já não tinha passado tudo que era bom ter. Mas já era bom ter essa questão da autodeterminação, que é o cerne mesmo, e essas políticas que elas tinham essa preocupação. Porque a Ana, ela entende muito de política de saúde, de política de educação, de trabalho, então ela conseguia colocar ali coisas muito boas. E são coisas que eles não iam mexer, porque o problema ali era você colocar uma mulher com pinto na prisão feminina. É isso que eles não querem, o problema é esse, é moral…

(trechos de entrevistas realizadas em fevereiro de 2021)

Assim, uma conjuntura favorável, formada por um certo ofuscamento da pauta e a existência de um juiz auxiliar que “bancasse” a proposta diante dos conselheiros, fizeram com que a Resolução 348 fosse aprovada em outubro de 2020. A aprovação foi bastante comemorada pela militância LGBTQI+ e organizações de defesa dos direitos humanos. Isso porque, como Lara aponta, o critério da autodeterminação de gênero passou a ser o único válido para a alocação das pessoas presas, devendo ser colhida a vontade no momento da audiência pelo juiz ou juíza ou em qualquer fase do procedimento penal, a partir da consulta à pessoa presa. Assim, o cerne da Resolução 348 era a necessidade de indagação à pessoa autodeclarada parte da população transexual, travesti e intersexo acerca da preferência pela custódia em uma unidade prisional feminina, masculina ou específica. Este ponto, que foi o mais comemorado da resolução, também foi o mais contestado (BRASIL, 2020bBRASIL. Resolução n. 348, de 9 de outubro de 2020. Estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2020b.).

Cerca de três meses após a aprovação da Resolução 348, em 20 de janeiro de 2021, uma segunda resolução é publicada (Resolução 366), alterando parte do teor da anterior, especialmente no que se refere à escolha do local de cumprimento da pena. Com a nova redação, uma diferenciação entre transexuais e travestis seria estabelecida, baseada na primeira decisão liminar do Ministro Barroso, na citada ADPF 527. De acordo com Lara, “naquela decisão, ele faz uma diferenciação, com base na Maria Berenice [ex-magistrada e autora de obras sobre direito de família], olha o tamanho do problema”. Além disso, outras “movimentações esquisitas” dentro do CNJ faziam alusão à lei de abuso de autoridade (Lei 13.869), publicada em setembro de 2019, que em seu artigo 21 dispõe: “Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou espaço de confinamento: Pena - detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa” (BRASIL, 2019BRASIL. Lei nº 13.869, de 5 de setembro de 2019. Dispõe sobre os crimes de abuso de autoridade; altera a Lei nº 7.960, de 21 de dezembro de 1989, a Lei nº 9.296, de 24 de julho de 1996, a Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, e a Lei nº 8.906, de 4 de julho de 1994; e revoga a Lei nº 4.898, de 9 de dezembro de 1965, e dispositivos do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal). Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5 set. 2019.). Ainda que a lei faça referência à alocação de pessoas contra a sua vontade em tais espaços, seu conteúdo foi então mobilizado para enfraquecer a redação original da resolução. Dessa forma, a redação da Resolução 366 excluiu as travestis e pessoas intersexo do direito de optarem pelo cumprimento da pena em penitenciárias femininas, facultando sua escolha apenas ao convívio com a população prisional geral ou em celas/alas específicas de prisões masculinas (BRASIL, 2021aBRASIL. Resolução n. 366, de 20 de janeiro de 2021. Altera a Resolução CNJ no 348/2020, que estabelece diretrizes e procedimentos a serem observados pelo Poder Judiciário, no âmbito criminal, com relação ao tratamento da população lésbica, gay, bissexual, transexual, travesti ou intersexo que seja custodiada, acusada, ré, condenada, privada de liberdade, em cumprimento de alternativas penais ou monitorada eletronicamente. Brasília, DF: Conselho Nacional de Justiça, 2021a.).

Para Lara, um dos fatores preponderantes para a alteração tinha sido a troca da presidência do CNJ, que antes era ocupada pelo Ministro Dias Toffoli, considerado mais alinhado a pautas progressistas e garantistas no âmbito do sistema prisional, o Ministro Luiz Fux, novo ocupante do cargo, era “muito mais distante” de tais pautas. Já existiriam movimentações anteriores de pessoas insatisfeitas com o teor da resolução, mas a mudança teria se dado somente após a troca e sem que os procedimentos tradicionais fossem adotados. Nem ao menos a pessoa que é designada oficialmente para escrever as resoluções e atos normativos do CNJ havia sido contatada, tendo sido uma tarefa repassada diretamente para a assessora do conselheiro relator do processo da Resolução. Se a primeira resolução tinha passado um tanto “às escondidas”, sua alteração teria sido ainda mais arquitetada, “uma trairagem”, segundo Lara:

Pesquisadora: E você acha que tá pior com o Fux?

Lara: Muito pior. Tudo isso da resolução só tá acontecendo por causa do Fux, por exemplo, porque entrou o Fux.

Pesquisadora: Então a mudança da resolução já foi no mandato do Fux?

Lara: foi. Começou a mobilização no final do Toffoli já. (…) E aí teve toda a mobilização e eles conseguiram mudar o texto. Sem o DMF participar, isso que foi doido. Porque o DMF faz o texto da resolução, e normalmente é o procedimento padrão. Nessa mudança, o DMF nem ficou sabendo!

Pesquisadora: E em tese não é o procedimento correto?

Lara: não, não. Mas se o plenário do CNJ decidir, pode. É como o procedimento das audiências de custódia que teve agora, sempre quem tava escrevendo as resoluções era o DMF. Dessa vez não foi, essa que permite a audiência por videoconferência, por exemplo, (…) Então a verdade é que o DMF tá perdendo muito espaço ali, o Lanfredi nem tá querendo mais comprar as brigas, porque é ou isso, ou eles vão perder o programa.

Pesquisadora: O Justiça Presente?

Lara: É, que agora mudou de nome, agora é Fazendo Justiça.

Além da mudança na presidência do Conselho, Lara explica que outras “forças” estariam por trás da mudança da redação. Uma delas seria o papel da Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), que, em aliança com a Associação Nacional de Juristas Evangélicos (ANAJURE), estaria pressionando o Ministro Fux em relação a algumas pautas.

Lara: E aí que veio daí, quem pressionou o Fux pra ter essa mudança nas audiências de custódia foi a AMB. Tanto é que quando teve o ato normativo, quando eles colocaram em votação de um dia pro outro, e nem o pessoal do DMF sabia (…)

Pesquisadora: Mas foi essa mesma associação que pressionou no caso da resolução 348?

Lara: Foi, é menos explícito, mas foi. Porque é um negócio corporativista também né. São juízes pressionando juízes, e aí começou o argumento (…). Ele [conselheiro relator da resolução] começou a falar: ah, mas e a lei de abuso de autoridade? ah, mas e se os juízes decidem colocar uma pessoa que não fez a cirurgia, então ela ainda tem os órgãos genitais masculinos, numa unidade feminina, aí o juiz vai estar descumprindo a lei de abuso de autoridade, ele vai estar cometendo um crime. E a gente: veja bem, dr, não é bem assim. Mas ele começou com isso, sabe? Começou a todo dia falar disso. Aí o pessoal começou a ficar ligado: ih, tem coisa por trás. (…) Aí de fato depois eles colocaram em votação essa mudança, que é a 366 que muda a 348, e o que ela muda é exatamente a questão, ela diferencia pessoas trans e travestis. Você sabe, né? Você já viu. E a justificativa deles para essa mudança é tanto a lei de abuso de autoridade, como a decisão do Barroso. Só que foi muito esquisito, isso já foi durante a entrada do Fux, então por isso também que teve essa abertura, não teve nenhuma resistência dos conselheiros, o que foi estranho porque tem conselheiros ali que são muito engajados, sabe? (…) E aí tem o elemento Damares também. Pra além da AMB e da ANAJURE, (…) duas forças que têm crescido muito, em várias pautas. Mas uma pauta que eles têm pegado muito e muito forte é a questão de liberdade religiosa. Então tanto a pauta de direitos sexuais e reprodutivos, como liberdade religiosa, são duas pautas que tá tendo uma atuação muito forte deles. E aí entra o elemento Damares (…)

A mudança na redação da resolução repercutiu muito negativamente entre os ativistas e as organizações que meses antes celebraram a consagração do critério da autodeterminação como o único válido para a alocação de pessoas que se identificam com a sigla LGBTQI+. Como estratégia, a ONG SOMOS, provavelmente a mais atuante no campo do encarceramento LGBTQI+ no país, publicou um manual no início de março de 2021 com diretrizes para a aplicação da Resolução 348 pelos juízes, desconsiderando as mudanças ocorridas com a publicação da Resolução 366. Lara contou que depois da mudança, houve também uma movimentação com os grupos contrários, e chegou a conversar com a ABGLT para pensarem o que poderia ser feito a partir dali. Exatos 2 meses depois, porém, o Ministro Barroso ajustaria os termos da medida cautelar concedida na ADPF 527, como discutido no tópico anterior, provocando nova reviravolta no entendimento judicial sobre o tema. Abaixo, uma linha do tempo para melhor situar os acontecimentos (da ADPF 527 somados aos das publicações das resoluções do CNJ):

Figura 1
Linha do tempo da ADPF 527

Como último passo do trâmite após a promulgação da resolução no CNJ, estava prevista a publicação de um manual com diretrizes para juízes e promotores, algo parecido com o que a ONG SOMOS já havia lançado. Lara conta, então, que a ideia seria focar no aspecto da autodeterminação, para tentar contornar as mudanças realizadas na redação e, concomitantemente à publicação, começar a instruir advogados e defensores sobre como poderiam agir nas audiências:

Se você tá atendendo uma pessoa trans, falar pra ela não se identificar como travesti, sabe. É complicado, porque a gente sabe que tem a questão política, identitária, tem tudo isso, é um ato político você se identificar como mulher travesti, pessoa travesti; só que aí, faz sentido até isso, se você tá ali numa audiência, você pode instruir a pessoa a se identificar como transexual que aí ela vai ter um outro tratamento pela resolução né. Ela vai poder opinar de fato, ela vai poder (Lara, em conversa em março de 2021).

De muitas maneiras, a fala remete à tensão entre direito e igualdade apontada por Hunt (2009)HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: uma história. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. quando da emergência da noção de direitos humanos, cuja expansão, como bem demonstra a autora, não implica a expansão de igualdade. Ao revés, o acesso a determinados direitos implica na ruptura da noção da igualdade. Aqui, a partir da agenda dos direitos específicos para pessoas LGBTQI+ presas, estamos diante de corpos que não só precisam ser categorizados, mas precisam ser fisicamente classificados em algum lugar, sendo que o “imbróglio” é sempre causado ao se falar das travestis.

O manual a ser lançado pelo próprio CNJ, porém, também não prescindiria de uma estratégia. Um outro “elemento” estaria causando receio entre os articuladores da resolução: a aproximação entre a Ministra Damares Alves e o CNJ. Mesmo não existindo nenhuma ligação direta da ministra com a resolução, ela teria começado a acompanhar as sessões, já tendo comparecido “a três ou quatro”. Assim, temiam qualquer tipo de interferência caso Damares estivesse na sessão em que se apresentaria o manual para aprovação.

Dessa forma, a estratégia pensada pelas pessoas envolvidas na publicação do manual foi calcular as datas em que a Ministra estaria fora do Brasil em eventos oficiais. Isso porque, se antes o CNJ adotava uma postura mais combativa em relação ao governo federal, com “projetos que eram muito na contramão do que o governo defendia”, nas palavras de Lara, agora com a entrada do Ministro Fux na presidência, um certo alinhamento entre governo e CNJ estava sendo traçado. A porta de entrada para esse alinhamento seria um projeto em parceria com o MMFDH sobre violência contra idosos.

Assim, entre os articuladores da Resolução 348 e do manual, o medo era tanto que as pautas de violência contra idosos e da aprovação do manual coincidissem na mesma sessão (o que implicaria, possivelmente, a presença da então Ministra), quanto que a aproximação de Damares do CNJ fosse uma maneira, segundo Lara, de começar a pautar aquilo “que é o interesse real dela, todo mundo sabe. A pauta deles é justamente direitos sexuais e reprodutivos”.

Dentro do CNJ, a elaboração do manual também não se consolidou sem atritos. A redação passou, segundo Lara, por intervenções e revisões, para que a “questão da lei de abuso de autoridade” fosse devidamente contemplada, o que não era algo usualmente visto nas aprovações de manuais do Conselho. Isso refletiu em um texto “meio quebra-cabeça”, já que a menção à autodeterminação de gênero não deixou de existir, mas a referência à lei de abuso de autoridade fez com que “vários elementos se misturem, e aí qualquer juiz pega e escolhe o que ele quer usar”, ainda que os esforços tivessem se concentrado no embasamento legal de cada uma das disposições da Resolução 348, com menções a tratados internacionais, documentos da ONU e decisões da Corte IDH.

O manual foi lançado no dia 28 de junho de 2021 (CNJ, 2021CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Manual Resolução n 348/2020: Procedimentos relativos a pessoas LGBTI acusadas, rés, condenadas ou privadas de liberdade. Brasília, DF: Depen; Pnud; CNJ, 2021. (Série Fazendo Justiça). Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2021/06/manual_resolucao348_LGBTI.pdf. Acesso: 10 nov. 2022.
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), tanto por ser o dia internacional do orgulho LGBT, como pelo receio já apontado de que, no decurso do tempo, alguma interferência acontecesse, “seja da Damares, seja da Anajure, seja da AMB”. Por isso, apesar das intervenções, o DMF conseguiu se articular para que a aprovação acontecesse sem muita demora, e sem que fosse necessária uma sessão do CNJ.

“O elemento Damares”: #derrubarasFakeNews

ATENÇÃO!! DIREITOS COMUNIDADE LGBT

Muito se especulou sobre os direitos da comunidade LGBT na gestão do Governo Bolsonaro. Derrubando toda notícia pessimista e até mesmo caluniosa, a estrutura foi mantida e a Diretora de Promoções dos Direitos LGBT continua sendo a querida Marina Reidel, que é professora e mulher trans. Me ajude a propagar esta notícia e a #derrubarAsFakeNews. Não toleraremos violência contra quem quer seja. O Governo Bolsonaro tem como meta o respeito a dignidade humana, a paz, a empregabilidade e a não violência (Publicação da Ministra Damares Alves, em redes sociais, no dia 22 de abril de 2019).

Muitas travestis estão nas ruas não por opção mas por não terem oportunidade de estudar ou de buscar capacitação profissional.

A diretoria de proteção da comunidade LGBTI do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos trabalhará em parceria com instituições, com outros ministérios e com o Sistema S com cursos profissionalizantes para as travestis.

É uma população que precisa de nossa atenção e carinho (Publicação da Ministra Damares Alves, em redes sociais, no dia 05 de maio de 2019).

Dia de muito trabalho em Brasília!

Ainda estamos no RAADH Reunião de Altas Autoridades em Direitos Humanos do Mercosul.

Pela manhã debate com especialistas de segurança sobre polulaçao [sic] LGBTI encarcerada

Muitos desafios! (Publicação da Ministra Damares Alves em redes sociais, no dia 28 de novembro de 2019).

A Diretoria de Promoção dos Direitos de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (DPLGBT) faz parte do MMFDH e tem como responsabilidade o desenvolvimento de políticas públicas de enfrentamento ao preconceito e à discriminação contra Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT). Desde o governo de Michel Temer, Marina Reidel, professora transexual gaúcha, assumia o posto de diretora da DPLGBT.

No já citado evento “O Direito à Identidade de Gênero no Sistema prisional”, ocorrido no dia 28 de maio de 2019, em São Paulo, Marina, uma das palestrantes, narra sua entrada no Ministério e sobre a origem da iniciativa de realização da pesquisa de abrangência nacional, que culminaria no mencionado relatório “LGBT nas prisões do Brasil: diagnóstico dos procedimentos institucionais e experiências de encarceramento”. No final de 2017, já como diretora, é convidada pelo presidente do conselho de direitos humanos do Distrito Federal a visitar o Complexo Penitenciário da Papuda. Esta experiência, segundo Marina, auxiliou-a a constatar a realidade da “população LGBT” ali aprisionada, bem como impulsionou uma mobilização para se pensar políticas específicas para esse segmento e a realização da pesquisa de abrangência nacional. A partir desse momento, Marina começou a articular com o DEPEN a formação de um GT. Anos depois, no início de 2020, foi publicada uma Nota Técnica, o segundo documento que instruiria a decisão do Ministro Barroso na ADPF 527, como anteriormente discutido.

Em relação ao processo interno da pauta no MMFDH, Marina afirma que esta estava sendo analisada por diversas perspectivas. Como gestora, ela assumiu a responsabilidade federal após o impeachment e, desde então, trabalhou para a construção de pontes e de um diálogo constante não apenas com a sociedade civil, mas também com o governo como um todo. Enfatiza em sua fala, ainda, a necessidade de se desmistificar interpretações e discursos sobre a leitura do Estado brasileiro e do MMFDH sobre o tema. Marina, constantemente marcando sua posição como gestora e ativista, assinala seu papel nessa interlocução com o governo e a sociedade, e na tarefa de se contornar as negativas advindas do processo de se formular as políticas desejadas.

Durante o mandato de Jair Bolsonaro, Marina concedeu diversas entrevistas a veículos midiáticos, todas em tom parecido, classificando como “tranquila” a transição entre os governos Temer e Bolsonaro no que se refere às políticas LGBT (MONTESANTI, 2019MONTESANTI, Beatriz. “Oposição à causa LGBTI não piorou, diz diretora trans da gestão Bolsonaro”. Uol Notícias, São Paulo, 24 mar. 2019. Notícias. Política. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2019/03/24/mulher-trans-mantem-a-pauta-lgbti-do-interior-do-governo-bolsonaro.htm. Acesso: 4 de abr. 2021.
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); destacando o “respeito também da parte da ministra, das pessoas que chegaram aqui, para entender o que estávamos fazendo, para aceitar e dar continuidade. Em nenhum momento houve um ‘não queremos isso’” (BILCHES, 2019BILCHES, William. “Os projetos de Damares para os LGBT que você não conhece”. Gazeta do Povo, Curitiba, 17 nov. 2019. Vida e cidadania. Disponível em: https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/os-projetos-de-damares-para-os-lgbt-que-voce-nao-conhece/. Acesso: 4 abr. 2021.
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), e o fato de que “toda fala da ministra é no sentido de não tirar direitos e de trabalhar em combate à questão da violência. Até o momento, percebemos interesse do governo em trabalhar em cima dessas questões” (GRIGORI, 2019GRIGORI, Pedro. “Missionários, cristãos, “antifeministas”: como é o novo Ministério de Direitos Humanos comandado por Damares Alves”. Agência Pública, São Paulo, 14 jan. 2019. Reportagem. Disponível em: https://apublica.org/2019/01/missionarios-cristaos-antifeministas-como-e-o-novo-ministerio-de-direitos-humanos-comandado-por-damares-alves/. Acesso: 4 abr. 2021.
https://apublica.org/2019/01/missionario...
).

Em uma entrevista publicada em periódico acadêmico, Marina conta sobre sua entrada no movimento LGBT, a partir da aproximação com a já aqui citada ONG SOMOS que, assim como ela, tinha residência em Porto Alegre. Em relação a seu início como gestora federal, comenta que “era naquele cenário e no contexto difícil após o impeachment. Eu sabia que seria acusada de golpista, no entanto, aceitei o desafio já que era uma mudança e um novo aprendizado, agora na esfera federal” (FEITOSA, 2018FEITOSA, Cleyton. “Políticas Públicas LGBT em tempos adversos: entrevista com Marina Reidel”. REBEH - Revista brasileira de estudos da homocultura, vol. 1, n. 2, pp. 60-77, 2018.).

Da parte da então Ministra Damares Alves, como elucidam as publicações de suas redes sociais, a imagem que se veicula é de alguém comprometida com os direitos humanos para todos, alguém que mantém uma relação de proximidade com a DPLGBT. Em entrevista com a ministra publicada pela BBC Brasil (SENRA; KRIEZIS, 2019SENRA, Ricardo; KRIEZIS, Elisa. “Damares Alves: ‘Tem mulher mais empoderada no Brasil do que eu?’”. BBC News Brasil, São Paulo, 18 dez. 2019. Disponível em : https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50800983. Acesso: 15 mar. 2021.
https://www.bbc.com/portuguese/internaci...
), declarações talvez não esperadas são feitas. Além de se referir às travestis a todo momento com prenomes femininos, Damares indica que elas são um “grupo caro” para ela, e que mais sofre violência. Comenta também sobre a atuação da Diretoria e, especificamente, sobre a atuação de Marina:

No centro urbano, percebemos que o grupo que mais sofre violência são as travestis. Começamos a conversar com elas: por que sofrem tanta violência? Esse público é caro para mim. É um público que eu amo e acompanho há muito tempo. Por muito tempo na minha vida eu fui para as ruas de madrugada abraçar as travestis, cuidar delas, enquanto ativista de direitos humanos, pastora, amiga, mãe, mulher.

A grande reivindicação delas é empregabilidade. Existe preconceito para empregar uma travesti. É fácil uma lésbica, um transexual, um gay estar bem inserido no mercado no trabalho, mas as travestis ficaram à margem. Então, estamos cuidando desse público especificamente: trazendo programas de capacitação, empregabilidade, conversando com o setor empresarial. Eu encontro professoras travestis nas ruas, meninas especiais, matemáticas na rua se prostituindo. Elas alegam que o mercado não as absorve.

O presidente Bolsonaro tem como bandeira o combate à violência em todos os segmentos. Então, a violência contra travestis e gays estão dentro deste pacote. E está dando certo. A nossa diretoria voltada à comunidade LGBTI nós herdamos do passado e permanece intacta. A própria diretora que veio do outro governo continua, uma mulher extremamente sensata, a professora Marina, uma transexual extremamente sensata, e tem me ajudado a conduzir as políticas para o segmento. (SENRA; KRIEZIS, 2019SENRA, Ricardo; KRIEZIS, Elisa. “Damares Alves: ‘Tem mulher mais empoderada no Brasil do que eu?’”. BBC News Brasil, São Paulo, 18 dez. 2019. Disponível em : https://www.bbc.com/portuguese/internacional-50800983. Acesso: 15 mar. 2021.
https://www.bbc.com/portuguese/internaci...
)

A DPLGBT ganha atenção midiática, porém, quando uma reportagem da Revista Época, de janeiro de 2021, revela que, durante todo o ano de 2020, nenhum tipo de repasse de verba foi realizado para o segmento (AMADO, 2021AMADO, Guilherme. “Damares não usou verba para políticas LGBT em 2020”. Revista Época, São Paulo, 11 jan. 2021. Disponível em: https://epoca.globo.com/guilherme-amado/damares-nao-usou-verba-para-politicas-lgbt-em-2020-24828323. Acesso: 2 mar.2021.
https://epoca.globo.com/guilherme-amado/...
). De acordo com a matéria, que obteve os dados por meio da lei de acesso à informação, entre o período de 1 de janeiro de 2020 a 7 de dezembro de 2020, nenhum centavo, dos R$ 4,5 milhões orçados, havia sido gasto com a DPLGBT. Outra reportagem, de 14 de janeiro de 2021, da Gênero e Número (FERREIRA, 2021FERREIRA, Lola. “Pouco dinheiro gasto por ministério de Damares em 2020 impacta mulheres e LGBT+ e gera temor sobre futuro da pasta”. Gênero e Número, Rio de Janeiro, 14 jan. 2021. Reportagens. Disponível em: http://www.generonumero.media/orcamento-damares-2020-mulheres-lgbt/. Acesso: 2 mar. 2021.
http://www.generonumero.media/orcamento-...
), mostra que, dentro do Ministério como um todo, a área que recebeu mais dinheiro e teve a menor distância entre valor empenhado e valor efetivamente gasto, com uma diferença de 2%, foi a de violência contra idosos. Em relação aos direitos das mulheres, por exemplo, essa diferença foi de 97,3%. Ratificando os dados trazidos pela reportagem da Revista Época, a diferença entre tais valores no que se refere a políticas para a “população LGBT” teria sido de 100%.

Portanto, mesmo que discursivamente a população LGBTQI+ tenha continuado sendo objeto do amparo estatal federal, a interrupção da destinação de recursos ou a descontinuidade de programas configuram-se também como processos de estado e técnica de governamentalidade: a reiteração e manutenção da precariedade dos aparelhos estatais. A precariedade de que se fala é a de se produzir uma gestão que fabrica continuamente a pobreza e a não importância por dentro das próprias malhas do aparato estatal, por meio de um conjunto de ações contínuas, que não implicam necessariamente a formulação de políticas.

Em relação à pauta prisional de maneira mais geral, é sabido que o governo de Jair Bolsonaro tem, desde o início do mandato, tentado minar a atuação do Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT) e do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (CNPCT), ambos parte do Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e instituídos em 2013. Em junho de 2019, o MNPCT, órgão composto por 11 peritos independentes, que possuem acesso às instituições de privação de liberdade, como estabelecimentos prisionais, hospitais psiquiátricos, abrigos de idosos etc., foi praticamente desmantelado por um decreto presidencial que transformou os cargos de peritos em voluntários, suprimindo os recursos técnico-operacionais para seu funcionamento. Ainda que uma decisão judicial (BOLDRINI, 2019BOLDRINI, Angela. “Justiça suspende decreto de Bolsonaro que exonerou peritos de mecanismo de combate à tortura”. Folha de S. Paulo, São Paulo, 12 ago. 2019. Cotidiano. Disponível em https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2019/08/justica-suspende-decreto-de-bolsonaro-que-exonerou-peritos-de-mecanismo-de-combate-a-tortura.shtml. Acesso: 3 abr. 2021.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
) tenha suspendido a medida, e um novo decreto em dezembro tenha alterado substancialmente o primeiro, as tentativas de inviabilização da atuação do Mecanismo permaneceram. Como presidenta do CNPCT, Damares Alves foi também acusada de tentar impedir ou dificultar viagens dos especialistas aos locais de fiscalização (CHADE, 2020CHADE, Jamil. “Governo Bolsonaro omite em informe à ONU esvaziamento no combate à tortura”. Uol Notícias, São Paulo, 2 set. 2020. Disponível em:https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/09/02/governo-bolsonaro-omite-em-informe-a-onu-desmonte-do-combate-a-tortura.htm?cmpid=copiaecola. Acesso: 3 abr.2021.
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) e de nomear membros para o CNPCT sem qualquer afinidade com a pauta dos direitos humanos (COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DOM PAULO EVARISTO ARNS, 2021COMISSÃO DE DEFESA DOS DIREITOS HUMANOS DOM PAULO EVARISTO ARNS. “NOTA PÚBLICA #30 - Em defesa do Comitê de Prevenção e Combate à Tortura”. Uol Notícias, São Paulo, 28 fev. 2021. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/colunas/comissao-arns/2021/02/28/nota-publica-30---em-defesa-do-comite-de-prevencao-e-combate-a-tortura.htm?cmpid=copiaecola. Acesso: 3 abr. 2021.
https://noticias.uol.com.br/colunas/comi...
).

Relatórios, decisões e os afetos de Estado

A partir de todo o levantamento e percursos de relatórios, decisões, normativas etc., procuro iluminar as consequências também não previstas do outro lado, em que não se parece operar sob o tríptico segurança pública - democracia - direitos humanos (MARQUES, 2018MARQUES, Adalton. Humanizar e expandir: uma genealogia da segurança pública em São Paulo. São Paulo: IBCCRIM, 2018.). Com isso, chamo atenção para o fato de um relatório produzido pelo MMFDH, sob a gestão Bolsonaro, subsidiar uma decisão judicial capaz de redirecionar os rumos da jurisprudência sobre o tema, decisão esta que destaca “uma evolução do poder executivo” e, ao mesmo tempo, atesta a primazia do princípio da autodeterminação de gênero.

Além disso, partindo das proposições de Navaro-Yashin (2007NAVARO-YASHIN, Yael. “Make-believe papers, legal forms and the counterfeit: affective interactions between documents and people in Britain and Cyprus”. Anthropological Theory, Thousand Oaks, vol. 7, n. 1, pp. 79-98, 2007., p. 81, tradução minha), objetivo destacar os:

documentos, ou os objetos materiais de lei e governança, como capazes de carregar, conter ou incitar energias afetivas quando transacionados ou colocados em uso em teias específicas de relações sociais. Isso não é para argumentar que documentos, ou artefatos, têm uma subjetividade (ou que são capazes de sentir), mas para sugerir, seguindo o trabalho de Marilyn Strathern (1999), que, quando colocados em relações sociais específicas com pessoas, os documentos têm a potencialidade de descarregar energias afetivas que são sentidos ou experimentados por pessoas. Meu argumento, então, não é que os documentos mantêm afetividades autônomas ou autocontidas, mas que são percebidos ou vivenciados como fenômenos de carga afetiva quando produzidos e transacionados em contextos específicos de relação social. Documentos, então, são objetos fantasmáticos com energias afetivas experimentadas como reais.

Os relatórios, as decisões do STF e as resoluções do CNJ são documentos que descarregam energias afetivas. As vibrações pela aprovação de uma normativa, os descontentamentos pela sua modificação, as “funcionárias mulheres” afetadas pela causa são representativos disso. Da mesma forma, retomando as falas da então Ministra Damares Alves, além de no modo como ela mobiliza os afetos - como quando enfatiza que as travestis são um público que ela ama -, penso a ideia de “Estados afetivos”, sendo o afeto não um efeito secundário das práticas de estado ou polo oposto de uma suposta racionalidade do Estado. Os afetos, portanto, produzem estado.

Neste ponto, ancoro-me nas reflexões de Stoler (2007)STOLER, Ann Laura. “Affective States”. In: NUGENT, David; VICENT, Joan (Eds). A Companion to Anthropology of Politics. Nova Jersey: Wiley Blackwell, 2007, pp. 4-20. que, ao interrogar os arquivos coloniais holandeses das Índias Orientais, destaca as tecnologias dos afetos como parte essencial da vida da burocracia, ainda que subvalorizadas:

Se um discurso que fala e expressa sentimentos está em toda parte nos arquivos coloniais, por que então essa relação entre sua gestão e governo colonial foi tão facilmente contornada e tão difícil de representar? Em um nível, a resposta pode parecer óbvia. As análises críticas da autoridade colonial muitas vezes trataram o afetivo como uma cortina de fumaça do governo, como um ardil que mascarava os cálculos desapaixonados que preocupam os Estados, o histrionismo persuasivo em vez da substância da política, a auto-apresentação moralizante do Estado como um gênero de autoridade política (STOLER, 2007STOLER, Ann Laura. “Affective States”. In: NUGENT, David; VICENT, Joan (Eds). A Companion to Anthropology of Politics. Nova Jersey: Wiley Blackwell, 2007, pp. 4-20., tradução minha).

Assim, trabalhando com arquivos coloniais, a autora ressalta a tendência em eliminarmos os afetos e os sentimentos das vozes administrativas que registram tais documentos, uma vez que a tentativa recorrente é a de escavar unicamente as vozes subalternas nos arquivos, pelos interstícios e pelos processos judiciais. Nesse contexto, a noção de cultura, paixões e sentimentos é compreendida pelos estudos pós-coloniais como não centrais, o aspecto que sobra, o não racional. Para Stoler (2007)STOLER, Ann Laura. “Affective States”. In: NUGENT, David; VICENT, Joan (Eds). A Companion to Anthropology of Politics. Nova Jersey: Wiley Blackwell, 2007, pp. 4-20., pelo contrário, as “racionalidades políticas” da autoridade colonial holandesa estavam justamente baseadas na “gestão de estados afetivos, na avaliação de sentimentos apropriados e na elaboração de técnicas de controle” (STOLER, 2007STOLER, Ann Laura. “Affective States”. In: NUGENT, David; VICENT, Joan (Eds). A Companion to Anthropology of Politics. Nova Jersey: Wiley Blackwell, 2007, pp. 4-20., p. 5, tradução minha).

De maneira semelhante, a atuação de meus interlocutores e demais atores aqui considerados, assim como a porosidade entre Estado e movimentos sociais que muitas vezes a pauta, mostram como os afetos não apenas qualificam as práticas profissionais, mas, fundamentalmente, as constituem.

No caso desta pesquisa, os afetos são mobilizados na gestão de uma população entendida como especialmente complicada e contaminante, os corpos que precisam ser alocados quando aprisionados, que causam “imbróglios” nos trâmites jurídicos. Se é preciso pensar o Estado como ideia e efeito de práticas (MITCHELL, 2006MITCHELL, Timothy. “Society, economy, and the state effect”. In: SHARMA, Aradhana; GUPTA, Akhil (Ed.). The anthropology of the state: a reader. Malden: Blackwell, 2006, pp. 169-186.), e como ora desejado, ora como fonte de justiça, ora denunciado como negligente ou esperado com expectativa, é também preciso pensar que os afetos têm como efeito os estados.

Essa tendência de se desejar o Estado ou de se tornar desejado pelo Estado ilustra a impossibilidade de se pensar, por sua vez, as questões de gênero fora dele, e do mesmo modo, os processos de estado não atravessados por dispositivos generificados. Isso não se resume a compreender de que forma uma esfera (de gênero ou do Estado) se debruça sobre a outra, mas ir além e pensar a “dupla externalidade” dos processos de gênero e de estado.

Para tanto, “é fundamental perseguir não só a permanente instabilidade e fluidez dessas categorias ou campos semânticos, mas também conferir a mesma atenção analítica e etnográfica aos múltiplos processos de fixação e estabilização que constituem simultânea e relacionalmente ambos” (VIANNA; LOWENKRON, 2017VIANNA, Adriana; LOWENKRON, Laura. “O duplo fazer do gênero e do Estado: interconexões, materialidades e linguagens”. Cadenos Pagu, Campinas, n. 51, e175101, 2017.). Considerando esta pesquisa, na junção população LGBTQI+ e prisão, duas frentes muito caras para o projeto bolsonarista são sobrepostas e se articulam. Recorrer aos documentos e bastidores dos espaços em que essas questões são pautadas, portanto, expõe as formas pelas quais essa “dupla externalidade” se dá ordinariamente, e como esse projeto é constituído afetivamente.

Considerações finais

A partir das discussões aqui suscitadas, procurei mostrar como pessoas, normativas, discursos e documentos relacionados à produção de normativas e políticas específicas para pessoas LGBTQI+ privadas de liberdade circulam por diferentes camadas de poder, constituindo o que convencionei aqui denominar por “porosidades verticais”. Esses trânsitos, papéis e pessoas são, nesse contexto, produtores de afetos, e também são produzidos por eles e, como efeito disso, tem-se a própria produção do Estado.

Ao discorrer sobre a atuação do MMFDH e, particularmente, sobre a atuação da Ministra Damares Alves, retomo os modos como a gramática dos direitos humanos participa do fazer política pública para “populações específicas”, mas agora de uma maneira completamente deslocada. De uma maneira ou de outra, a figura da Damares cria um critério, formas de como sujeitos podem ou não ser representativos de direitos, a ponto de funcionárias do CNJ quererem esperar uma possível ausência da ministra para pautar determinados temas.

Entre esses temas, o local de aprisionamento de travestis desponta como uma das principais tensões, o que é sintomático para falar de Estado a partir desse nervo exposto do gênero no trabalho de classificação, que é considerado inerente a ele. Lembrando Bourdieu (2014)BOURDIEU, Pierre. Sobre o Estado. São Paulo: Companhia das Letras, 2014., o Estado produz classificações, formas codificadas e legítimas da vida social, incluindo-se as identidades sociais e as taxonomias usadas para classificar homens e mulheres, as quais aparecem como óbvias, ao invés de historicamente constituídas, e contribuem para atribuição do efeito de coerência.

De alguma forma, o que o Ministro Luís Roberto Barroso estava dizendo em sua primeira decisão liminar, que concedeu o direito à transferência para presídios femininos apenas a mulheres transexuais, é que àquela altura, estas já seriam reconhecidas mulheres e sujeitas de direito; já a “ambiguidade” representada pela travesti não seria resolvida pelo direito, pois “faltam informações suficientes” para tal, por isso, o direito a uma eventual transferência estaria restrito às transexuais. Como demonstrado por Vieira e Efrem Filho (2020)VIEIRA, Adriana; EFREM FILHO, Roberto. “O rei está nu: gênero e sexualidade nas práticas e decisões no STF”. Revista Direito e Práxis, Rio de Janeiro, vol. 11, n. 2, pp. 1084-1136, 2020., gênero e sexualidade informam as práticas e decisões no âmbito do Supremo Tribunal Federal, ao passo que políticas de gênero e sexualidade são operadas por seus ministros, sendo o caso em tela exemplar nesse sentido.

No caso desta pesquisa, a classificação é vislumbrada na produção de uma materialidade dessa classificação. A então Ministra Damares não aparece por acaso como uma peça-chave, como o “elemento damares”, alguém que vai incidir em questões como o aborto, como as pautas LGBTQI+ e muito centralmente no problema dos corpos que precisam ser fisicamente classificados em algum lugar.

Por fim, as cargas afetivas atribuídas a diferentes pessoas que ocupam diferentes cargos não podem ser tratadas como simples variáveis, uma vez que ter uma ou outra pessoa naquele lugar é fundamental para a constituição das dinâmicas de estado (como demonstram a mudança da presidência do CNJ, a existência de funcionárias que levam a causa ou a manutenção de uma “transexual extremamente sensata” no MMFDH). Políticas, das mais rotineiras às mais espetaculares, são feitas, interrompidas e alteradas a depender de determinadas pessoas, que produzem e são produzidas pelo fluxo entre as institucionalidades; que são afetadas e afetam a partir dos papéis que levam, das agendas que tocam e por meio dos seus próprios atributos de gênero, sexualidade, raça, bem como das suas localizações.

NOTAS

  • 1
    As discussões sobre políticas voltadas à população LGBT presa no estado de São Paulo são, em realidade, muito anteriores à confecção de quaisquer umas das resoluções. Narrando uma “reunião técnica” promovida pelo Centro de Políticas Específicas (órgão integrante da SAP) em 2011, que objetivava, entre outras coisas, traçar um perfil da população LGBT presa, Padovani (2011PADOVANI, Natália Corazza. No olho do furacão: conjugalidades homossexuais e o direito à visita íntima na Penitenciária Feminina da Capital. Cadernos Pagu, Campinas, vol. 37, pp. 185-218, 2011., p. 213) mostra como “a aparente dissonância entre a sala da Secretaria de Administração Penitenciária e os discursos nela pronunciados (…) é dissipada pela palavra população, proferida e repetida desde o convite impresso à mesa do evento”. Nesse sentido, definir um perfil da população LGBT passaria pela sua normalização e pelo seu enquadramento “segundo abstrações genéricas”. O texto ilumina, além disso, a não novidade do empreendimento, que apresenta, uma década depois, uma certa continuidade na busca incessante dos aparelhos de estado, movimentos sociais e organizações diversas por esse enquadramento. Por outro lado, a profusão de políticas voltadas à população LGBTQI+ presa era à época inimaginável, mas foi impulsionada tanto por agentes locais - como a experiência da construção de um Centro de Políticas Específicas indica -, como fomentada pelas políticas nacionais mais amplas aqui relacionadas.
  • 2
    As siglas serão utilizadas da maneira como aparecem nas falas dos interlocutores, ou como aparecem nas normativas, relatórios e demais documentações. No caso, LGBTQI+ significa lésbicas; gays; bissexuais; transexuais, travestis e trangêneros; queer; intersexuais; demais identidades e sexualidades não contempladas letras anteriores.
  • 3
    A arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, ou ADPF, é uma ação que tem como finalidade o combate a quaisquer atos de desrespeito aos chamados preceitos fundamentais da Constituição Federal. Na prática, por ser uma ação de natureza residual, pode ser utilizada para combater, reaver ou evitar quaisquer ofensas ao disposto na Constituição Federal. Os legitimados para propor uma ADPF são aqueles previstos no artigo 103 da Constituição Federal: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; II - a Mesa da Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa ou a Mesa da Câmara Legislativa do DF; V - o Governador de Estado ou o Governador do Distrito Federal; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - Confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional.
  • 4
    Nas ações de controle de constitucionalidade, a Advocacia Geral da União, representando a União, desempenha o papel de “curadora” da norma que está sendo impugnada. Já a Procuradoria-Geral da República possui atuação mais flexível, atuando na defesa da Constituição Federal de maneira, em tese, mais independente e imparcial. O artigo 10° da Lei 9.868, dispõe o seguinte: “art. 10. Salvo no período de recesso, a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias. § 1° O relator, julgando indispensável, ouvirá o Advogado-Geral da União e o Procurador-Geral da República, no prazo de três dias”.
  • 5
    Nota Técnica n° 7/2020/DIAMGE/CGCAP/DIRPP/DEPEN/MJ, publicada em 13/03/2020. Disponível em: <https://criminal.mppr.mp.br/arquivos/File/Nota_tecnica_n_9_-_depen_-_lgbi.pdf>. Acesso: 18 out. 2022.
  • 6
    Durante os anos de 2018 e 2019, a ONG realizou o Projeto Passagens, com financiamento do Fundo Brasil de Direitos Humanos. 13 instituições de privação de liberdade no Brasil foram visitadas, pois um dos produtos do projeto foi a publicação da obra “Sexualidade e Gênero na Prisão LGBTI+ e suas passagens pela justiça criminal” (FERREIRA; KLEIN, 2019FERREIRA, Guilherme Gomes; KLEIN, Caio Cesar (Orgs). Sexualidade e gênero na prisão: LGBTI+ e suas passagens pela justiça criminal. Salvador: Devires, 2019.), composta por artigos de diversos pesquisadores sobre o tema; dentre eles, o consultor do MMFDH.
  • 7
    A todo momento, Lara enfatizava em nossas conversas que o fato de as funcionárias do CNJ implicadas na elaboração da Resolução 348 serem mulheres era determinante para o compromisso que elas demonstravam ter com a “causa” e os modos pelos quais por ela eram afetadas. De maneira parecida, a pesquisa de Lugones (2009)LUGONES, Maria Gabriela. Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial enlostribunales prevencionales de menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Tese (Doutorado em Antropologia) - Museu Nacional, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2009. traz a figura das “pequenas juízas” nos Juizados Preventivos de Menores de Córdoba, Argentina, que seriam também funcionárias que tomam para si a causa, que carregam uma grande carga afetiva em relação aos processos com os quais trabalham.
  • 8
    A presidência do STF é eleita para um mandato de 2 anos. Entre 2018 e setembro de 2020, o Ministro Dias Toffoli presidiu a Corte; e entre setembro de 2020 e setembro de 2022, a presidência ficou a cargo do Ministro Luiz Fux.
  • 9
    Iniciado em janeiro de 2019, o programa Justiça Presente, agora Fazendo Justiça, é fruto de uma “parceria entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Ministério da Justiça e Segurança Pública para enfrentar problemas estruturais do sistema penal e socioeducativo”. Disponível em: https://www.cnj.jus.br/justica-presente-novas-acoes-com-judiciario-nacional/. Acesso: 10 mar. 2021.
  • 10
    A ONG SOMOS publica na Revista Fórum o artigo: “No dia da visibilidade trans, um direito a menos - SOMOS” (PARISOTTO; FERREIRA, 2021PARISOTTO, Carolina; FERREIRA, Guilherme Gomes. “No dia da visibilidade trans, um direito a menos - SOMOS”. Revista Fórum, São Paulo, 29 jan. 2021. Disponível em: https://revistaforum.com.br/debates/no-dia-da-visibilidade-trans-um-direito-a-menos-somos/. Acesso: 29 jan. 2022
    https://revistaforum.com.br/debates/no-d...
    ). Disponível em: https://revistaforum.com.br/debates/no-dia-da-visibilidade-trans-um-direito-a-menos-somos/. Acesso: 29 jan. 2022.

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Editado por

Editor responsável: Michel Misse

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2022
  • Aceito
    27 Jun 2023
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