Acessibilidade / Reportar erro

A Zona Oeste do Rio de Janeiro como eixo de expansão urbana para habitação de interesse social: Considerações a partir do Programa Minha Casa Minha Vida em Senador Camará

The West Zone of Rio de Janeiro as an Axis of Urban Expansion for Social Interest Housing: Considerations from the ‘Minha Casa Minha Vida’ Program in Senador Camará

RESUMO

Este artigo analisa a participação da política habitacional pública da Prefeitura do Rio de Janeiro no incremento do padrão histórico de produção social do espaço urbano, caracterizado por sua forma periférica e rarefeita de urbanidade. Para isso, discute o caso do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no bairro Senador Camará, na Zona Oeste do Rio. O texto mostra como o PMCMV reitera características de um processo de urbanização marcado historicamente pela segregação socioespacial e reafirma disparidades socioespaciais, em vez de ser um importante vetor de qualificação de áreas precárias e de promoção de um modelo mais igualitário de ocupação do território.

Palavras-chave:
habitação de interesse social; PMCMV; Zona Oeste; desenvolvimento urbano desigual; território

ABSTRACT

The West Zone of Rio de Janeiro as an Axis of Urban Expansion for Social Interest Housing: Considerations from the ‘Minha Casa Minha Vida’ Program in Senador Camará analyzes the participation of the Rio de Janeiro’s City Hall in the increment of the historical pattern of social production of the urban space, characterized by its peripheral and rarefied form of urbanity. To this end, it discusses the case of the Minha Casa Minha Vida Program (PMCMV) in the Senador Camará neighborhood, in Rio’s West Zone. The paper shows how the PMCMV reiterates characteristics of an urbanization process historically marked by socio-spatial segregation and reaffirms socio-spatial disparities, instead of being an important vector for the qualification of precarious areas and the promotion of a more egalitarian model of territorial occupation.

Keywords:
social interest housing; PMCMV; West Zone; uneven urban development; territory

Apresentação

Este artigo aborda a Zona Oeste do Rio de Janeiro como um eixo de expansão urbana para a habitação de interesse social a partir das considerações do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) no bairro Senador Camará. A relevância do tema foi observada a partir de inquietações no cotidiano de minha atuação profissional como assistente social da Prefeitura do Rio de Janeiro entre 2011 e 2013, na etapa pós-ocupação do PMCMV - isto é, quando os moradores já residem nas unidades habitacionais - em Senador Camará, nos condomínios Destri e Speranza e, posteriormente, no bairro Triagem, na Zona Norte do Rio, no condomínio Bairro Carioca.

A pesquisa foi feita a partir de minha experiência e convivência profissional junto aos moradores. Como procedimento metodológico, optei pela pesquisa bibliográfica e documental. Além de mapear a literatura sobre o tema, a fim de nortear a escrita da produção de moradias de habitação de interesse social e a utilização da Zona Oeste como eixo de expansão da cidade, analisei o material levantado e arquivado durante meu período de atuação no PMCMV no território de Senador Camará - relatórios sociais, pareceres sociais, diários de campo, diagnósticos sociais, documentos institucionais, sistematizações de reuniões de equipe e planilhas institucionais.

A Zona Oeste e o ‘sertão carioca’

A Zona Oeste, chamada de sertão carioca1 1 Sertão era a terra que ficava ao longe e começava no limite suburbano das cidades e vilas, nos lugares por onde passavam afastados lagos, rios, florestas espessas, vales cercados por montanhas. Era o desconhecido. pelo pesquisador e escritor Magalhães Corrêa no livro de mesmo nome sobre Jacarepaguá (CORRÊA, 1936CORRÊA, Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.), desde seu início foi uma terra de latifúndios, de senhores e senhoras de engenho e fazendas, cujas delimitações, muitas vezes imprecisas, davam origem a conflitos. Com o passar do tempo, essas grandes porções de terra foram sendo fragmentadas, principalmente devido ao declínio da produção dos engenhos e das lavouras, dando origem a fazendas e propriedades menores e, por conseguinte, a bairros e localidades que muitas vezes mantiveram os nomes dos engenhos e fazendas que lhes deram origem.

A história do que hoje conhecemos como Zona Oeste começa em 1567, dois anos após a fundação da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, quando o capitão-mor Cristóvão Monteiro recebia suas primeiras sesmarias - que abrangiam parte de Guaratiba e de Santa Cruz - devido aos serviços prestados na luta contra os índios tamoios e os franceses pela conquista da cidade. Em 1673, foi criada a Freguesia de Campo Grande, que se localizava para além dos campos do Irajá e era dotada de variados tipos de solo, favorecendo diversos usos e distintas lavouras. A antiga Freguesia estava sob controle da Companhia de Jesus. Atualmente, aquela imensa área é composta pelos bairros de Deodoro, Realengo, Padre Miguel, Bangu, Senador Camará, Campo Grande, Santíssimo, Inhoaíba e Cosmos.

Os jesuítas2 2 Os jesuítas tiveram um papel importante na construção histórica dos bairros, sendo os principais responsáveis pelo desenvolvimento da engenharia, como a construção de estradas, pontes, canais de irrigação, contenção de encostas e barragens para a prevenção de cheias, além da abertura de canais e da construção de diques e pontes para a regularização do rio Guandu. O escoamento dos produtos da Fazenda Santa Cruz, oriundos do cultivo da cana-de-açúcar e da produção de carne bovina, era feito através da Estrada da Fazenda dos Jesuítas, posteriormente Estrada Real da Fazenda de Santa Cruz, que ia até São Cristóvão e se ligava com outros caminhos e vias fluviais que chegavam até o centro do Rio de Janeiro. compravam fazendas e arrendavam outras próximas, sempre mantendo o controle total sobre a propriedade e utilizando mão de obra escrava, negra e indígena. Os escravizados sob sua tutela tinham moradia individual e suas próprias roças, e seus filhos recebiam roupas, alimentação e educação. Com suas fugas, alguns quilombos foram formados nas matas nos arredores, como ocorreu em Palmares, Itaguaí e na “cabeceira” do Rio Guandu. Como a região era uma área basicamente rural, os aglomerados humanos formados durante quase três séculos ficaram restritos às proximidades das fazendas e dos engenhos e às pequenas vilas de pescadores ao longo da costa (atualmente, município de Mangaratiba). Assim, a cultura canavieira contribuiu para um expressivo aumento populacional; a Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande chegou a contar com 14 engenhos de açúcar3 3 Ao final do século XVIII, o cultivo de cana-de-açúcar passa a ser a principal atividade agrícola, mas devido à concorrência externa houve alteração na estrutura fundiária na região, fracionando as propriedades em outras menores e posteriormente perdendo espaço para a produção de café. .

Com a expulsão dos religiosos da região, por ordem do Marquês de Pombal, em 1759, todas as suas propriedades foram confiscadas pela Coroa portuguesa4 4 O convento dos jesuítas foi transformado em Palácio de Veraneio para D. João e membros da nobreza que o acompanhavam. A estrada foi melhorada e a fazenda passou a viver sua fase de maior esplendor, sendo visitada frequentemente não apenas por grandes autoridades e figuras da nobreza, mas também por importantes artistas e naturalistas europeus, que passaram a vir ao Brasil incentivados por D. João. A maioria das pessoas que formavam essa comitiva ficava alojada no Engenho da Paciência, onde hoje são localizados os bairros de Paciência e Cosmos. , ficando subordinadas ao vice-rei. Graças ao prestígio que a presença real conferia às terras de Santa Cruz, a região viveu momentos de glória, sendo palco de ocorrências como as inaugurações da primeira agência fixa dos Correios do Brasil, em 1842, do matadouro de Santa Cruz (atualmente em ruínas), em 1881, e do único hangar de dirigíveis do mundo, construído entre 1934 e 1936. O surgimento da estrada de ferro no final do século XIX fez com que houvesse uma concentração populacional e comercial perto das estações de trem. A construção de novas estradas, muitas delas atravessando montanhas, integrou ainda mais a região ao restante da cidade.

A Zona Oeste passa a se integrar de fato ao Rio de Janeiro, com os limites de hoje, a partir do ato adicional de 1834, que criava o Município Neutro ou da Corte, que, na prática, separava a capital da Província do Rio de Janeiro. Com a Proclamação da República, a região tornou-se a zona rural do Distrito Federal, até que em 1960, com a transferência da capital para Brasília, passou a ser a Zona Oeste do Rio de Janeiro.

Diversos eixos de expansão influenciaram o crescimento dessa parte da cidade. Inicialmente concentrando atividades econômicas tipicamente rurais, seus centros urbanos se desenvolveram com a chegada das fábricas5 5 Segundo Mansur (2008), a Companhia Progresso Industrial do Brasil, a Fábrica de Tecidos Bangu, construída nas terras do antigo Engenho de Barcelos Domingues, foi a responsável pela urbanização da região, que até então era majoritariamente rural. Atualmente, em sua estrutura preservada funciona o Shopping Bangu. Também temos a Fábrica de Cartuchos em Realengo, inaugurada em 1898, onde hoje funciona um campus do Colégio Pedro II. e dos setores de serviço e militar, além das remoções de favelas. Um significativo vetor de crescimento econômico e territorial foi a malha ferroviária construída junto à estrada Real de Santa Cruz, no século XIX, para integrar a região ao restante da cidade, a fim de facilitar o transporte de mercadorias e agilizar a locomoção entre os bairros da região. Outro eixo de expansão importante acontece quando Marechal Hermes da Fonseca assume o Ministério da Guerra e ordena a construção da Vila Militar (1904-1918)6 6 Realengo torna-se uma área estratégica a partir de 1850, quando o governo decide transformá-la em área militar com o Campo de Marte em 1859, que incluía a Escola de Tiro (1859), depois a Imperial Academia Militar, a Fábrica de Cartuchos (1898) e a Escola Preparatória e de Tática do 1º Batalhão de Engenheiros. , destinada a ser um bairro com escolas, jardins, praças e toda a infraestrutura para atender militares e suas famílias.

A região da Zona Oeste era uma importante produtora agrícola e exportadora de laranja. As terras dos laranjais, agora desvalorizadas e estigmatizadas pelo fracasso, foram postas à venda por preços irrisórios na década de 1950. Com isso, grandes extensões de terras antes destinadas à agricultura foram transformadas em loteamentos, favorecendo a urbanização para fins habitacionais e industriais7 7 Segundo Damas (2008), na década de 1960 o governo estadual implantou na Zona Oeste os distritos industriais de Campo Grande, Santa Cruz, Paciência e Palmares, tornando a área uma frente de expansão do setor industrial, que resultou na instalação de grandes empresas, como a siderúrgica Gerdau, a fábrica francesa de pneus Michelin e a Valesul. . A partir da década de 1960, o então governador Carlos Frederico Werneck Lacerda (1960-1965) iniciou o programa de remoção de favelas e reassentamento de famílias faveladas (ver VALLADARES, 1978VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma Casa: Programa de Remoção de Favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.), transformando a Zona Oeste em um importante vetor de expansão da cidade para assentamento da população de baixa renda.

Segundo a Prefeitura do Rio de Janeiro, em seu documento Evolução da ocupação e uso do solo urbano 2009-2013 (RIO DE JANEIRO, 2014, p. 27), a expansão da malha urbana se direcionou ao oeste mais em razão da aparente saturação das Áreas de Planejamento 1, 2 e 3 (Centro, Zona Sul e Zona Norte respectivamente), associadas à ausência de áreas “vazias” - onde atualmente há mais um movimento de transformação e renovação do uso urbano -, do que de formação de novas áreas urbanas. É importante salientar que na Área Programática no 48 8 Segundo informação da Prefeitura do Rio de Janeiro, os bairros que englobam essa área programática são: Anil, Barra da Tijuca, Camorim, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul, Grumari, Itanhangá, Jacarepaguá, Joá, Pechincha, Praça Seca, Recreio dos Bandeirantes, Tanque, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire. , que também engloba a Zona Oeste, a ocupação do solo ocorre de forma diferenciada do restante da cidade, tanto pelo processo de produção dos imóveis como pelas características da população que os habita. Os empreendimentos residenciais e os moradores que se vinculam a esses imóveis têm níveis de renda diferenciada, assumindo a condição de consumidores de espaços elitizados por meio de uma dimensão simbólica construída por estratégias de marketing relacionada à qualidade de vida.

O processo de ocupação dessa parte da cidade, com uma imensa área disponível, foi acelerado a partir dos anos de 1970 e marcado por uma intensa especulação imobiliária. Esse marco do planejamento público foi materializado pelo trabalho do arquiteto Lúcio Costa e sua proposta de Plano Piloto para o ordenamento territorial da região da Barra da Tijuca e Baixada de Jacarepaguá, sancionado pelo governador do então estado da Guanabara, Francisco Negrão de Lima, por meio do decreto-lei no 42/1969. A Barra da Tijuca é um dos locais mais valorizados do Rio; o espaço é concebido como mercadoria a ser consumida por aqueles que podem pagar por ela, um “sonho de consumo” valorizado pela mídia e pelo setor imobiliário.

Senador Camará

Em contraposição à Barra da Tijuca, outro bairro da Zona Oeste da cidade, não tão valorizado, é Senador Camará.

Após a Proclamação da República no Brasil, o atual bairro de Senador Camará permaneceu o mesmo desde 1870 até 1920. De acordo com o censo demográfico de 1872, a população na região de influência da paróquia de Nossa Senhora de Campo Grande, que incluía Senador Camará, era de 9.686 almas. Desse total, 6.882 eram livres e 2.804 eram escravos. Homens eram 4.797 e mulheres 4.889. Na região, grande parte da economia ainda era voltada para o cultivo de café, laranja, mandioca, frutas diversas e outros cultiváveis, além da criação de animais.9 9 Texto “Senador Camará: Do Fim do Império à República Atual”, publicado no blog Café com Laranja, que relata o processo histórico de construção de Senador Camará. Disponível em: https://cafecomlaranja.wixsite.com/cafecomlaranja/do-fim-do-imperio-a-republica-atual (acesso em 5 nov. 2019).

O bairro surgiu no final do século XIX, a partir da fragmentação de duas fazendas, a dos Coqueiros e a do Viegas. A Fazenda do Viegas, construída entre 1690 e 1710, foi sede do antigo Engenho da Lapa, fundado pelo colonizador Manuel de Souza Viegas, que deu nome ao morro, ao caminho e à estrada no final do século XVII. A parte da frente da propriedade fazia limites com as fazendas dos Coqueiros e do Retiro. Na parte de trás, os limites eram com a Serra de Bangu, onde se localizavam outras propriedades da família Suzano.

Segundo Mansur (2008MANSUR, André Luis. O Velho Oeste carioca: História da ocupação da Zona Oeste do Rio de Janeiro (De Deodoro a Sepetiba) do século XXI aos dias atuais. Rio de Janeiro: Íbis Libris, 2008.), durante todo o século XVIII, a Fazenda do Viegas foi uma importante produtora de cana-de-açúcar e aguardente, sendo considerada a segunda em importância na freguesia de Campo Grande. Na virada para o século XIX, começou a se destacar na produção de café. Suas lavouras se estendiam até o Lameirão (atual bairro do Santíssimo) e a Serra do Viegas, atingindo seu ápice em 1800, quando foi atravessada pela Estrada Real de Santa Cruz (atual Avenida de Santa Cruz). No final do século XIX o trem chegou na região, por intermédio do ramal de Mangaratiba, quando foi inaugurada a estação Senador Camará, em 1o de junho de 1923, nomeada em homenagem ao gaúcho Otacílio de Carvalho Camará (1880-1920), eleito deputado federal em 1915 e senador pelo Distrito Federal (RJ) em 1919. Não há um esclarecimento sobre o porquê de a localidade ter sido “batizada” como Senador Camará, uma vez que o político residia no bairro de Santa Cruz.

O último membro da família Viegas e proprietário da fazenda foi Francisco Viegas de Azevedo Teles Barreto. Depois ela foi vendida para a família Antunes Suzano, tendo como proprietário o Barão de Campo Grande. A antiga fazenda, já tendo como proprietários a família Paiva, foi vendida em parcelas, na década de 1930, à Construtora Imobiliária Bangu, que loteou e urbanizou terrenos para o lado de Senador Camará, ao longo da Avenida de Santa Cruz e da Estrada do Viegas. Assim, teve grande parte de suas terras sendo vendidas aos irmãos Jabour, donos da maior exportadora de café do Brasil.

No que tange à Fazenda dos Coqueiros, em 1720 o então capitão Manuel Antunes Suzano recebeu uma sesmaria na Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande, fundando as fazendas dos Coqueiros e do Lameirão. A família cresceu rapidamente e, por meio de casamentos entre seus herdeiros e membros de famílias de posses por toda a cidade, tornaram-se, via heranças, importantes donos de terras, como as fazendas dos Coqueiros (principal propriedade), Lameirão, Inhoaíba, Capoeiras, Mendanha, Gericinó e Sapopemba. Suzano tornou-se assim um dos homens mais ricos da região.

A Fazenda dos Coqueiros, após a abolição da escravatura e a Proclamação da República, foi desmembrada em lotes distribuídos entre os herdeiros de Suzano, seus escravos e moradores/posseiros que trabalhavam para a família. Após o período de 1880 a 1890, as terras passaram para novos donos por meio de herança, compra e/ou doação, gerando diversas disputas, como aquela que envolveu a Companhia Rural e Urbana de Hermano Barcelos, que se dizia proprietário daquelas terras. Em 1942, a União assumiu o controle da empresa e, em 1945, Barcelos retomou a posse da Companhia, graças a seus aliados no governo federal, e vendeu parte dela ao Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários (Iapi), que passou a reivindicar a propriedade da Fazenda dos Coqueiros com o uso da força por meio de grileiros e da polícia10 10 Há poucas informações sobre esse processo. Mais informações sobre o processo de ocupação nas favelas do Complexo da Fazenda Coqueiro podem ser encontradas no Sistema de Assentamento de Baixa Renda (Sabren) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://pcrj.maps.arcgis.com/apps/MapJournal/index.html?appid=4df92f92f1ef4d21aa77892acb358540 (acesso em 11 dez. 2019). .

Em meados de 1960, em um terreno de aproximadamente 200 mil m2 que havia pertencido à Companhia Federal de Fundição, Abrahão Jabour “criou” o bairro Jabour, sub-bairro de Senador Camará, com características de classe média, isto é, áreas nobres com casas de três e quatro quartos e apartamentos de até três quartos, com espaços de lazer e garagem, atraindo assim profissionais liberais, funcionários públicos e militares para a região. Depois de prontas, as unidades foram vendidas em 136 prestações. O projeto original era prolongar o bairro até a linha férrea e criar uma estação ferroviária. Porém, a Companhia Estadual de Habitação (Cehab) do Rio de Janeiro construiu na localidade uma comunidade que ficou conhecida como Selva de Pedra.

Em 1961, a empresa Situbus, fabricante de tubulações de concreto para esgotamento sanitário, foi incorporada pela empresa Brasilit, que assumiu a propriedade da fábrica de Senador Camará e passou a produzir telhas de amianto. No antigo terreno da Situbus, já na década de 1970, foi construído o conjunto habitacional Senador Camará (hoje conhecido como Sapo), localizado na atual Avenida Santa Cruz; em 1972, foi inaugurado, também pela Cehab, o Conjunto Habitacional Miguel Gustavo (conhecido hoje como Rebu), uma construção com mais de 2.460 casas germinadas.

Atualmente, Senador Camará pertence à região administrativa XVII de Bangu, que abrange Bangu, Gericinó, Padre Miguel, Senador Camará e Vila Kennedy. Segundo dados da Prefeitura, seu território tem uma área de 1.723,59 hectares (2018), com um total de 34.994 domicílios, conforme o Censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para uma comparação, segue uma tabela com informes também da região administrativa XXIV, correspondente à Barra da Tijuca.

Quadro 1:
Regiões Administrativas Bangú e Barra da Tijuca

Segundo dados do Censo 2010 do IBGE, Senador Camará tem uma população de 105.515 mil pessoas. Destas, 55.093 mil são mulheres e 50.422 mil, homens. Segundo o Diagnóstico Territorial da Coordenadoria de Assistência Social e Direitos Humanos12 12 Diagnóstico territorial da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) do Rio de Janeiro. Disponível em: https://siurb.rio/portal/apps/sites/#/diagnostico-smasdh/pages/casdh10 (acesso em 7 mar. 2020). , essa população tem os seguintes dados em relação a cor ou raça: parda (50.930), branca (39.612), preta (14.070), amarela (859), indígena (44) e cor não declarada (0).

A (re)produção desigual do espaço urbano: uma análise a partir do PMCMV em Senador Camará

O território também representa o chão do exercício da cidadania, pois cidadania significa vida ativa no território, onde se concretizam as relações sociais, as relações de vizinhança e solidariedade, as relações de poder. É no território que as desigualdades sociais tornam-se evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença\ausência dos serviços públicos se faz sentir e a qualidade destes mesmos serviços apresentam-se iguais (KOGA, 2011KOGA, Dirce; RAMOS, Frederico. “Trajetórias de vida: Desafios da pesquisa socio urbanística e contribuição para a gestão pública”. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 106, pp. 335-364, 2011., p. 33).

Segundo Koga (Ibid.), a noção de território ultrapassa o campo da geografia, sendo também utilizada pelas ciências sociais, políticas e econômicas. Ela se constrói a partir da relação entre o território e as pessoas que dele se utilizam, pela mediação da vida cotidiana, que articula diferentes escalas da ação social e do espaço no lugar. Sendo assim, o território só se concretiza a partir da relação e interação social entre os sujeitos no processo de sociabilidade, por meio das práticas sociais no espaço, tendo como mediações aspectos políticos, econômicos e culturais da vida social e sendo produto da relação entre homem, natureza, sociedade, espaço e tempo e de sua reprodução.

O conceito de território, para Milton Santos (1999SANTOS, Milton. “O território e o saber local: algumas categorias de análise”. Cadernos Ippur, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 2, pp.15-26, 1999.), não é organizado somente pelo Estado; também não está restrito às dimensões normativas e legais que delimitam fronteiras físicas, relações de poder e hierarquia entre porções do território, governos e mecanismos de gestão e planejamento do Estado. Deve-se considerar também, além disso, o uso e a apropriação do território por outros agentes, englobando relações sociais, econômicas e simbólicas, além das tensões e contradições dessas relações. Somente dessa forma o território pode ser integrado na análise social. Essa máxima aparece na obra de Santos com o conceito de “território usado”; o território em si não é um conceito, mas seu uso sim.

A perspectiva de território usado se coloca como uma busca por compreender a articulação entre território e vida cotidiana, pois remete aos aspectos relacionais e dinâmicos que perpassam a constituição do território, incluindo-se as relações de poder, em que ele pode estar ausente ou não. É nesse campo que se constituem historicamente os territórios, com suas desigualdades produzidas e reproduzidas de forma cotidiana, e em que os desafios se colocam durante todo o processo histórico de produção do espaço territorial.

Neste texto, a discussão do conceito de território usado tem como partida a realidade vivenciada por mim como agente do Estado experienciando a política de habitação por meio do PMCMV. Minhas reflexões se deram quando estive inserida em Senador Camará, por meio da relação e da participação na vida cotidiana dos moradores - para Lefebvre (2006), o cotidiano é o lugar onde as relações sociais acontecem em seus mais variados aspectos e sentidos. Em minha discussão, o conceito de território não será restrito pelo Estado como agente transformador do território, mas pensado também a partir da apropriação contraditória e desigual pelos moradores dos empreendimentos do PMCMV, em um território há muito contraditório e desigual.

O Estado produz o espaço intervindo sobre as relações sociais e de poder, criando novas contradições e reproduzindo antigas relações a partir da sua intervenção nas diferentes escalas da realidade social e do espaço, embaralhando suas fronteiras e as tornando porosas e simultâneas: o lugar da vida cotidiana, a cidade, a região, a nação, o globo. Assim, por exemplo, a ação do Estado de regulação do acesso à terra também deve ser analisada a partir do movimento das contradições das relações sociais capitalistas e de seus sujeitos individuais e coletivos, que atuam nas diferentes escalas do território e materializam os conflitos decorrentes dessas contradições. O território usado expressa esse movimento dialético de contradições e conflitos, a partir das ações do Estado e das classes sociais, que se materializam em diferentes e desiguais sentidos de uso e ocupação do espaço, como nos dois empreendimentos citados abaixo do PMCMV em Senador Camará.

Condomínios Senador Camará: Destri e Speranza

De acordo com o Estatuto da Cidade (lei no 10.257/2001), alguns instrumentos, como a criação da Zona Especial de Interesse Social de vazios urbanos, definida pelo Plano Diretor, são adotados como estratégia de redução do preço de terrenos e de viabilização da produção de habitação de interesse social. A emenda aditiva no 199/200713 13 Emenda Aditiva de vereador municipal. Disponível em: http://www.camara.rj.gov.br/planodiretor/pd2009/emendas_anteriores/195-234_emendas_jfelippe.pdf (acesso em 15 fev. 2020). , proposta pelo vereador Jorge Felippe, teve inclusa em seu artigo no título V, no capítulo II das disposições transitórias, a seguinte redação:

O Poder Executivo desapropriará o terreno abandonado pela Fábrica de Telhas Brasilit e dará uma finalidade social àquele vazio urbano, localizado em Senador Camará, com a implantação de um complexo social, cultural, esportivo e de lazer.

Na gestão do secretário municipal de Habitação Jorge Bittar, e sob o comando do então prefeito Eduardo Paes, em dezembro de 2011 foi inaugurado em Senador Camará um complexo do PMCMV, localizado na Avenida Santa Cruz e formado por seis condomínios edificados: Vidal (308 unidades habitacionais, ou UH), Taroni (243 UH), Destri (421 UH), Speranza (388 UH), Vaccari (388 UH) e Ayres (453 UH). Os três primeiros tiveram seleção por meio de sorteio e os três últimos, por meio de reassentamento.

O Rio de Janeiro foi o município que mais recebeu unidades habitacionais do Programa Minha Casa Minha Vida em todo o estado. Segundo dados da Assessoria de Comunicação (Ascom) do Ministério do Desenvolvimento Regional (MDR), de 2009 a 2019 foram contratadas pelo estado do Rio de Janeiro um total de 286.890 UH. Desse total, 109.100 foram para o município do Rio, e apenas 71.100 foram entregues. Dessas, 32.729 UH foram entregues para faixa I (renda de zero a três salários mínimos). Entre 2010 e 2013, foram inaugurados 50 empreendimentos do PMCMV na faixa I. Desse total, 38 estão localizados na Zona Oeste.

O MCMV foi construído para uma vida normatizada e controlada, com os moradores inseridos em espaços abstratos, homogêneos e dominados. A partir do momento em que famílias oriundas de diversos territórios de todo o município ocupam esses espaços com seus corpos, identidades, histórias e culturas, eles assumem suas contradições e são transformados pelas relações sociais, produzindo, assim, conforme Lefebvre (2006), um novo espaço: o habitar.

Disponibilidade de serviços e equipamentos em Senador Camará

Habitação é moradia, mas também é o seu entorno. A disponibilidade de serviços públicos e infraestrutura estão inseridas nos preceitos do direito à cidade e à moradia. A casa ou o apartamento devem estar ligados às redes de água, saneamento básico e eletricidade; além disso, serviços de saúde, educação, esporte, lazer e coleta de lixo devem estar disponíveis à população.

A partir do momento em que as famílias começaram a residir nos condomínios em Senador Camará, no total de 2.204 UH, e a levantar diversas demandas acerca das políticas públicas fragmentadas - denunciadas como sem intersetorialidade, sem corpo técnico suficiente, mas já existentes no território -, elas flagraram os limites da própria fragmentação da vida social subjacente às ações do Estado por meio do PMCMV. Em meio a isso, Koga (2013KOGA, Dirce; SPOSATI, Aldaíza. São Paulo: Sentidos territoriais e políticas sociais. São Paulo: Senac, 2013., p. 124) diz que há um descompasso entre atores sociais e entre políticas sociais:

a primeira evidência desse descompasso está no modo tradicional de planejamento e gestão, já naturalizado em nossa sociedade , que é o das respostas ex post : primeiro se ocupa o lugar para que depois o lugar se torne habitável; primeiro se constitui em morador para depois se tornar cidadão. Esse processo ex post exige uma mobilização popular constante para que o direito de morar e acessar aos serviços sociais se torne uma realidade.

Nas subseções a seguir, seguem alguns indicadores sociais de Senador Camará que reforçam a perspectiva de desigualdade. Os dados foram coletados a partir da Prefeitura do Rio e da análise de trajetórias pessoais, por meio das narrativa de indivíduos, e urbanas, por meio do olhar da pesquisadora sobre o território e as relações que seus habitantes estabeleceram com ele.

Transportes

As principais vias de acesso a Senador Camará são a Avenida Brasil e a ferrovia que liga a Estação Dom Pedro II (Central do Brasil) à Estação de Santa Cruz (uma malha viária de 70km). Em Senador Camará, apesar de o bairro fazer divisa com diversos outros (como Senador Vasconcelos, Campo Grande, Vargem Grande, Jacarepaguá, Realengo, Bangu, Santíssimo e Vila Kennedy), há poucas linhas de ônibus circulantes, como mostra o quadro a seguir:

Quadro 2:
Linhas de ônibus em Senador Camará

Trabalho e renda

Apesar de a Zona Oeste concentrar 41,4% da população de todo o município do Rio de Janeiro, seu grau de desenvolvimento socioeconômico é inferior ao restante da cidade. Segundo dados do Instituto Municipal de Urbanismo Pereira Passos (IPP) de 2010, Senador Camará apresenta uma renda per capta de R$ 251,09. Conforme o Ministério do Trabalho e Emprego, Senador Camará apresentava, em 2017, 3.352 empregos formais, entre os quais a maioria encontra-se no comércio varejista, seguido pelos setores de serviços e alimentação, administração de imóveis, ensino, transporte e comunicação. Muitos dos moradores dos condomínios Destri e Speranza mantiveram seus espaços de trabalho nos lugares que já exerciam suas atividades laborativas, independentemente da mudança de endereço; a grande maioria utilizava o trem como meio de transporte, por ser mais ágil e barato para locomoção para o trabalho.

Saúde

Segundo informes da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro, os serviços de saúde pública da Zona Oeste estão localizados em bairros centrais, a fim de atender os sub-bairros da região. A rede de urgência e emergência do município é formada por três diferentes tipos de unidades: Unidade de Pronto Atendimento (UPA), Coordenação de Emergência Regional (CER) e hospitais para grande emergência. Cada uma tem um papel específico na rede Sistema Único de Saúde (SUS), com diferentes perfis de atendimento.

Em Senador Camará, há duas unidades de saúde, sendo uma emergencial, a UPA Senador Camará, e uma ambulatorial, a Clínica da Família Regina Sampaio de Souza, construída em um espaço dentro do Centro Integrado de Educação Pública (Ciep) Antônio Evaristo de Moraes e inaugurada em 29 de novembro de 2015, com uma equipe criada para atender os moradores das UH do MCMV. Além disso, o bairro conta com o Centro de Atenção Psicossocial (Caps) Neusa Santos Souza, inaugurado em 2016.

Assistência social

Em relação à política de assistência social, a Zona Oeste é dividida em cinco coordenadorias regionais; Senador Camará está incluso na 8ª região, composta por 11 bairros. A rede assistencial para atendimento à população residente no território consta apenas de três equipamentos, todos de parceria privada. Os equipamentos públicos, vinculados a Política de Assistência Social, estão localizados em bairros próximos.

Educação

O território de Senador Camará é administrado pela 8ª Coordenadoria Regional de Educação (CRE), que abrange os bairros de Guadalupe, Deodoro, Padre Miguel, Bangu, Senador Camará, Jabour, Santíssimo, Guilherme da Silveira, Vila Kennedy, Vila Militar, Jardim Sulacap, Magalhães Bastos e Realengo. Segundo dados da rede pública de ensino do município do Rio de Janeiro, atualizados de 201915 15 Disponíveis em: http://pcrj.maps.arcgis.com/apps/MapJournal/index.html?appid=9843cc37b0544b55bd5625e96411b0ee (acesso em 19 fev. 2020). , ela tem 124 escolas públicas distribuídas na 8ª região. Entre essas, 35 encontram-se em Senador Camará e são distribuídas da seguinte forma: dois Cieps, quatro creches municipais, 20 escolas municipais e nove espaços de educação infantil (EDIs). É importante salientar que não há nenhum equipamento de ciência e tecnologia, além disso, há total ausência de qualquer tipo de equipamento público de esporte ou voltado para a cultura, existindo apenas uma Lona Cultural em Bangu.

Cada vez mais se vislumbra a importância do território para compreender a dinâmica social das cidades brasileiras, tendo em vista os diferentes indicadores socioeconômicos presentes no cotidiano de vida das populações da cidade. Vemos, no Quadro 3, a disponibilidade de serviços e equipamentos no território de Senador Camará, constatada a partir do recorte e do levantamento feito por mim, como profissional no PMCMV.

Quadro 3:
Recursos institucionais existentes

Considerações finais

A política habitacional desempenhou historicamente um papel central na consolidação do modelo urbano de regiões metropolitanas e na reprodução de seu padrão de segregação socioespacial. A construção de grandes conjuntos habitacionais em áreas periféricas, onde a terra é mais barata, contribuiu substancialmente para impulsionar o estabelecimento de uma divisão territorial entre ricos e pobres.

Um programa habitacional da dimensão do MCMV poderia ser um importante vetor de qualificação de áreas precárias e de promoção de um modelo mais igualitário de ocupação do território. Contudo, em vez disso, ele potencializa problemas urbanos e reafirma disparidades socioespaciais. Apesar dos muitos bilhões de reais em subsídios públicos, o PMCMV não interrompeu o ciclo desigual das práticas espaciais da cidade, que se materializam nessa porção do seu território, mas apenas as reforçou, aumentando a densidade populacional dessas regiões e tendo na segregação a principal expressão da desigualdade.

É importante destacar que o crescimento da cidade para a região da Zona Oeste segue acompanhada da ausência de infraestrutura adequada, de equipamentos públicos de interesse social e de investimentos por parte do Estado em serviços e infraestrutura, resultando na desigualdade do acesso a direitos básicos, a serviços públicos e à cidade, bem como da maneira como dela se apropria e se participa. Essa afirmação pode ser constatada a partir do levantamento dos equipamentos públicos existentes no território de Senador Camará:

Gráfico 1:
Equipamentos públicos na Zona Oeste

As informações do gráfico podem ser analisadas separadamente, mas a análise em conjunto permite uma melhor exploração dos dados. Eles nos mostram que a Zona Oeste do Rio de Janeiro é uma área que, apesar de ter 41% da população nela residindo, apresenta grandes déficits de serviços públicos e infraestrutura. Koga (2013KOGA, Dirce; SPOSATI, Aldaíza. São Paulo: Sentidos territoriais e políticas sociais. São Paulo: Senac, 2013.) ressalta a importância da (re)construção de uma topografia social dos territórios de vida, capaz de evidenciar distâncias, desconexões, fragilidades, diferenças e desigualdades físicas e sociais. A topografia física (descrição minuciosa de um local) se faz importante, mas não corresponde à grandiosidade de uma topografia social de um território; a qual se apresenta como um território de vida que se expressa na vida cotidiana das pessoas: possuem corpos racializados, generificados e vinculados às experiências do empobrecimento e da precarização da classe trabalhadora em suas trajetórias biográficas, contradições e práticas de criação.

Por meio da topografia social, conseguimos vislumbrar a segregação das unidades habitacionais dos empreendimentos Destri e Speranza, voltados para a faixa I em Senador Camará, que “tomam fôlego” como principal expressão dessa desigualdade no plano dos territórios vividos/usados, em que ganham importância as práticas e as demandas da vida cotidiana. Senador Camará é um bairro segregado urbanística, social e economicamente, apresentando vulnerabilidades antigas, como violência e pobreza. Seu caso mostra como é importante pensar que a cidade precisa ser cidade em todos os seus territórios, com fácil acesso a todas as suas políticas públicas.

A velocidade do incremento de habitações em áreas com pouca infraestrutura urbana, associada à escassa disponibilidade de equipamentos comunitários, compromete os níveis de habitabilidade dessas moradias, visto que os serviços públicos, já insuficientes para atender à população local, não suportam o acréscimo de demanda. Dessa forma, não se trata apenas de condições de vida precárias e empobrecidas, mas de práticas socioespaciais desiguais que produzem territórios de vida precários, com uma expansão urbana excludente e de risco, mas que são heterogêneos em suas dinâmicas, que não se reduzem à precariedade ou à ausência e/ou vulnerabilidade. São territórios de vida que anseiam melhores e mais justas condições de vida.

Referências

  • ALVAREZ, Isabel Pinto. “A segregação como conteúdo da produção do espaço urbano”. In: VASCONCELOS, Pedro de Almeida; PINTAUDI, Silvana Maria; CORRÊA, Roberto Lobato. A cidade contemporânea: Segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2016, pp. 111-126.
  • ARAGÃO, Thêmis Amorim; CARDOSO, Adauto Lucio. “Do Fim do BNH ao Programa Minha Casa Minha Vida: 25 anos da Política Habitacional no Brasil”. In: CARDOSO, Adauto Lucio (org). O Programa Minha Casa Minha Vida e seus efeitos territoriais. Rio de Janeiro: Letra Capital, 2013, pp. 17-66.
  • ASCOM/MDR. Unidades habitacionais contratadas e entregues no estado do Rio de Janeiro. Brasília, DF: Ascom/MDR, 2019.
  • BONDUKI, Nabil. Origens da habitação social no Brasil. São Paulo: Estação Liberdade, 2004.
  • CARDOSO, Adauto Lúcio; ARAGÃO, Thêmis Amorim; ARAUJO, Flávia de Sousa. “Habitação de interesse social: Política ou mercado? Reflexos sobre a construção do espaço metropolitano”. Enanpur, Rio de Janeiro, maio de 2011. Disponível em: http://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/683/669
    » http://anais.anpur.org.br/index.php/anaisenanpur/article/view/683/669
  • CORRÊA, Magalhães. O sertão carioca. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1936.
  • DAMAS, Eduardo Tavares. Distritos industriais da cidade do Rio de Janeiro: Gênese e desenvolvimento no bojo do espaço industrial carioca. Dissertação (Mestrado em Geografia) -Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.
  • GRÊMIO LITERÁRIO José Mauro de Vasconcelos. Fazenda do Viegas: sua história. Rio de Janeiro, abr. 1995.
  • KOGA, Dirce. “A incorporação da topografia social no processo de gestão de políticas públicas locais”. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, vol. 39, n. 3, pp. 635-654, 2005.
  • KOGA, Dirce. Medidas de cidades: Entre territórios de vida e territórios vividos. São Paulo: Cortez, 2011.
  • KOGA, Dirce. “São Paulo: Entre tipologias territoriais e trajetórias sociais”. In: SPOSATI, Aldaíza; KOGA, Dirce (orgs). São Paulo: Sentidos territoriais e políticas sociais. São Paulo: Senac, 2013.
  • KOGA, Dirce; RAMOS, Frederico. “Trajetórias de vida: Desafios da pesquisa socio urbanística e contribuição para a gestão pública”. Serviço Social & Sociedade, São Paulo, n. 106, pp. 335-364, 2011.
  • KOGA, Dirce; SPOSATI, Aldaíza. São Paulo: Sentidos territoriais e políticas sociais. São Paulo: Senac, 2013.
  • LEFEBVRE, Henri. A produção do espaço. Tradução de Doralice Barros Pereira e Sérgio Martins, do original La production de l’espace. (Paris, Anthropos, 2000), fev. 2006. Disponível em: https://gpect.files.wordpress.com/2014/06/henri_lefebvre-a-produc3a7c3a3o-do-espac3a7o.pdf
    » https://gpect.files.wordpress.com/2014/06/henri_lefebvre-a-produc3a7c3a3o-do-espac3a7o.pdf
  • MANSUR, André Luis. O Velho Oeste carioca: História da ocupação da Zona Oeste do Rio de Janeiro (De Deodoro a Sepetiba) do século XXI aos dias atuais. Rio de Janeiro: Íbis Libris, 2008.
  • MAIA, Rosemere Santos. “A produção do espaço em áreas de auto segregação: O caso da Barra da Tijuca”. Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ, vol. 21, 1998. Disponível em: http://www.anuario.igeo.ufrj.br/anuario_1998/vol21_39_75.pdf
    » http://www.anuario.igeo.ufrj.br/anuario_1998/vol21_39_75.pdf
  • MARICATO, Ermínia. “O ‘Minha Casa’ é um avanço, mas segregação urbana fica intocada. In: Carta Maior, Política, 27 maio 2009. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Minha-Casa-e-um-avanco-mas-segregacao-urbana-fica-intocada/4/15160
    » https://www.cartamaior.com.br/?/Editoria/Politica/O-Minha-Casa-e-um-avanco-mas-segregacao-urbana-fica-intocada/4/15160
  • MINAYO, Maria Cecilia de Souza (org). Pesquisa social: Teoria, método e criatividade. Petrópolis: Vozes, 2010.
  • OLIVEIRA, Maria Amália Silva Alves de. “Zona oeste da cidade do Rio de Janeiro: entre o rural e o urbano”. Iluminuras, Porto Alegre, vol. 18, n. 45, pp. 325-349, 2017.
  • PEIXOTO, Fabio Costa. “Ordenamento territorial e a zona oeste do município do Rio de Janeiro: um breve olhar sobre a construção do território carioca durante a primeira metade do século XX”. Oculum Ensaios: Revista de Arquitetura e Urbanismo, PUC-Campinas, n. 5, pp. 69-78, 2006.
  • RIO DE JANEIRO. Evolução do uso e ocupação do solo 2009-2013. Rio de Janeiro: Secretaria Municipal de Urbanismo, Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, 2014. Disponível em: Disponível em: http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4236391/4142544/RELATORIOOCUPACAOEUSODOSOLO20092013ApresentacaoFinal.pdf
    » http://www.rio.rj.gov.br/dlstatic/10112/4236391/4142544/RELATORIOOCUPACAOEUSODOSOLO20092013ApresentacaoFinal.pdf
  • ROLNIK, Raquel (org). Como produzir moradia bem localizada com recursos do programa Minha Casa Minha Vida? Implementando os instrumentos do Estatuto da Cidade. Brasília, DF: Ministério das Cidades, 2010.
  • SANTOS, Milton. “O território e o saber local: algumas categorias de análise”. Cadernos Ippur, Rio de Janeiro, ano XIII, n. 2, pp.15-26, 1999.
  • SPOSITO, Maria Encarnação Beltrão. “Segregação socioespacial e centralidade urbana”. A cidade contemporânea: Segregação espacial. São Paulo: Contexto, 2016, pp. 61-93.
  • VALLADARES, Lícia do Prado. Passa-se uma Casa: Programa de Remoção de Favelas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
  • 1
    Sertão era a terra que ficava ao longe e começava no limite suburbano das cidades e vilas, nos lugares por onde passavam afastados lagos, rios, florestas espessas, vales cercados por montanhas. Era o desconhecido.
  • 2
    Os jesuítas tiveram um papel importante na construção histórica dos bairros, sendo os principais responsáveis pelo desenvolvimento da engenharia, como a construção de estradas, pontes, canais de irrigação, contenção de encostas e barragens para a prevenção de cheias, além da abertura de canais e da construção de diques e pontes para a regularização do rio Guandu. O escoamento dos produtos da Fazenda Santa Cruz, oriundos do cultivo da cana-de-açúcar e da produção de carne bovina, era feito através da Estrada da Fazenda dos Jesuítas, posteriormente Estrada Real da Fazenda de Santa Cruz, que ia até São Cristóvão e se ligava com outros caminhos e vias fluviais que chegavam até o centro do Rio de Janeiro.
  • 3
    Ao final do século XVIII, o cultivo de cana-de-açúcar passa a ser a principal atividade agrícola, mas devido à concorrência externa houve alteração na estrutura fundiária na região, fracionando as propriedades em outras menores e posteriormente perdendo espaço para a produção de café.
  • 4
    O convento dos jesuítas foi transformado em Palácio de Veraneio para D. João e membros da nobreza que o acompanhavam. A estrada foi melhorada e a fazenda passou a viver sua fase de maior esplendor, sendo visitada frequentemente não apenas por grandes autoridades e figuras da nobreza, mas também por importantes artistas e naturalistas europeus, que passaram a vir ao Brasil incentivados por D. João. A maioria das pessoas que formavam essa comitiva ficava alojada no Engenho da Paciência, onde hoje são localizados os bairros de Paciência e Cosmos.
  • 5
    Segundo Mansur (2008MANSUR, André Luis. O Velho Oeste carioca: História da ocupação da Zona Oeste do Rio de Janeiro (De Deodoro a Sepetiba) do século XXI aos dias atuais. Rio de Janeiro: Íbis Libris, 2008.), a Companhia Progresso Industrial do Brasil, a Fábrica de Tecidos Bangu, construída nas terras do antigo Engenho de Barcelos Domingues, foi a responsável pela urbanização da região, que até então era majoritariamente rural. Atualmente, em sua estrutura preservada funciona o Shopping Bangu. Também temos a Fábrica de Cartuchos em Realengo, inaugurada em 1898, onde hoje funciona um campus do Colégio Pedro II.
  • 6
    Realengo torna-se uma área estratégica a partir de 1850, quando o governo decide transformá-la em área militar com o Campo de Marte em 1859, que incluía a Escola de Tiro (1859), depois a Imperial Academia Militar, a Fábrica de Cartuchos (1898) e a Escola Preparatória e de Tática do 1º Batalhão de Engenheiros.
  • 7
    Segundo Damas (2008DAMAS, Eduardo Tavares. Distritos industriais da cidade do Rio de Janeiro: Gênese e desenvolvimento no bojo do espaço industrial carioca. Dissertação (Mestrado em Geografia) -Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2008.), na década de 1960 o governo estadual implantou na Zona Oeste os distritos industriais de Campo Grande, Santa Cruz, Paciência e Palmares, tornando a área uma frente de expansão do setor industrial, que resultou na instalação de grandes empresas, como a siderúrgica Gerdau, a fábrica francesa de pneus Michelin e a Valesul.
  • 8
    Segundo informação da Prefeitura do Rio de Janeiro, os bairros que englobam essa área programática são: Anil, Barra da Tijuca, Camorim, Cidade de Deus, Curicica, Freguesia, Gardênia Azul, Grumari, Itanhangá, Jacarepaguá, Joá, Pechincha, Praça Seca, Recreio dos Bandeirantes, Tanque, Taquara, Vargem Grande, Vargem Pequena e Vila Valqueire.
  • 9
    Texto “Senador Camará: Do Fim do Império à República Atual”, publicado no blog Café com Laranja, que relata o processo histórico de construção de Senador Camará. Disponível em: https://cafecomlaranja.wixsite.com/cafecomlaranja/do-fim-do-imperio-a-republica-atual (acesso em 5 nov. 2019).
  • 10
    Há poucas informações sobre esse processo. Mais informações sobre o processo de ocupação nas favelas do Complexo da Fazenda Coqueiro podem ser encontradas no Sistema de Assentamento de Baixa Renda (Sabren) da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro. Disponível em: http://pcrj.maps.arcgis.com/apps/MapJournal/index.html?appid=4df92f92f1ef4d21aa77892acb358540 (acesso em 11 dez. 2019).
  • 11
  • 12
    Diagnóstico territorial da Secretaria Municipal de Assistência Social e Direitos Humanos (SMASDH) do Rio de Janeiro. Disponível em: https://siurb.rio/portal/apps/sites/#/diagnostico-smasdh/pages/casdh10 (acesso em 7 mar. 2020).
  • 13
    Emenda Aditiva de vereador municipal. Disponível em: http://www.camara.rj.gov.br/planodiretor/pd2009/emendas_anteriores/195-234_emendas_jfelippe.pdf (acesso em 15 fev. 2020).
  • 14
    Disponível em: https://www.wikirio.com.br/Senador_Camar%C3%A1 (acesso em 28 out. 2020).
  • 15

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2021

Histórico

  • Recebido
    16 Jun 2020
  • Aceito
    04 Mar 2021
Universidade Federal do Rio de Janeiro Largo de São Francisco de Paula, 1, Sala 109, Cep: 20051-070, Rio de Janeiro - RJ / Brasil , (+55) (21) 3559.1926 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: coordenacao.dilemas@gmail.com