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Práticas de Linguagem e Educação Inclusiva

Language Practices and Inclusive Education

Este número temático da Revista. D.E.L.T.A. - Documentação e Estudos em Linguística Teórica e Aplicada - enfoca Práticas de Linguagem e Educação Inclusiva, conforme o título propõe, pensando-as amplamente, de forma inter/transdisciplinar.

Em outras palavras, compõem este volume artigos de autores/as que seguem caminhos teórico-metodológicos diversos, todos voltados para discussões sobre a língua e/ou a linguagem em uma perspectiva inclusiva - ou questionando a perspectiva excludente que pode estar presente em vários ambientes sociais, mas principalmente, na Educação - lócus da maioria dos estudos aqui publicados. Nesse aspecto, os trabalhos discutem diferentes áreas da educação, do uso e do estudo da linguagem e da produção de conhecimento - na escola, na universidade, ou em outros espaços em que haja educação ou interação social com vias à formação e à informação. Há textos das áreas de Psicologia Social, Psicologia Educacional, Linguística Aplicada, Estudos de Libras e Educação de Surdos, Artes, Sociologia, Interpretação e Filosofia da Educação, entre outros. Alguns enfocam a prática pedagógica de sala de aula; outros a formação de educadores/as, a gestão escolar, além de aspectos relativos à história, à prescrição ou à realização das políticas públicas de inclusão, problematizando-as.

Por uma questão de representatividade, cuidamos para que a composição abarcasse produção intelectual de autores/as das diferentes Regiões do Brasil e pesquisadores/as estrangeiros/as. Talvez, por questões de limites de espaço, não tenhamos conseguido incluir uma representatividade tão ampla quanto gostaríamos. Isso terá que ficar para outra ocasião. Também para garantir maior representatividade, o/a leitor/a encontrará textos em Língua Portuguesa e Língua Inglesa - como é comum em revistas do escopo da D.E.L.T.A, mas também encontrará um texto em Libras - Língua Brasileira de Sinais - que também segue em português para permitir acesso àqueles/as que ainda não são proficientes em Libras. Dessa forma, o número temático se configura como um material também plurilíngue. Na realidade, no que diz respeito a Libras, trata-se de uma iniciativa inovadora em termos de publicações da Revista D.E.L.T.A. e, em grande medida, também em termos da maioria dos periódicos nacionais.

Em relação à diversidade temática, os textos abordaram a surdez versus a deficiência auditiva, a deficiência visual, a deficiência intelectual, a formação de professores/as para atuarem com a educação inclusiva, problemas de aprendizagem, as políticas afirmativas de inclusão escolar, além de problematizações epistemológicas sobre a relação ensino-aprendizagem e sobre os efeitos da falta de interpretação para o público surdo, em um momento de pandemia. Temas transversais como a racialidade e etnia e as políticas como garantidoras do direito à educação também são suleadores5 5 Por questões políticas e de decolonialidade, preferimos usar o termo “sulear”, empregado por Freire, ao termo “nortear”, que traz implicações de que tudo o que nos guia vem do norte - aqui compreendido como tudo o que é prescrito, verticalizado; tudo o que não sai da prática e/ou o que, com a prática, quase não tem qualquer relação. A esse respeito, ver Magalhães e Fidalgo (no prelo). (Freire, 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz e Terra.) para o presente dossiê.

Vale ressaltar que os trabalhos tiveram como referenciais teóricos autores/as variados como Vygotsky6 6 A escrita do nome desse autor aparece em livros em português com -y e com -i. Por respeito à forma como cada autor do dossiê prefere redigir, o leitor encontrará nesta apresentação as duas grafias. De modo similar, a teoria atribuída a Vygotsky tem recebido traduções diferentes: teoria histórico-cultural, psicologia histórico-cultural, teoria ou psicologia sócio-histórica, teoria sócio-histórico-cultural. O leitor poderá encontrar essa variação na presente apresentação, de acordo com a forma como os autores que compõem este número temático se referem à teoria também. (1924aVygotsky, L. S. (1924a). Chapter 1: defect and compensation. In R. W. Rieber (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 52-64). Plenum Press., 1924bVygotsky, L. S. (1924b). Chapter 2: principles of education for physically handicapped children. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 65-75). Plenum Press.; 1931aVygotsky, L. S. (1931a). Compensatory processes in the development of the retarded child. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 122-138). Plenum Press., 1931bVygotsky, L. S. (1931b). The collective as a factor in the development of the abnormal child. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 191-208). Plenum Press.; 1934-35/1993Vygotsky, L. S. (1934/1935). The problem of mental retardation. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 220-240). Plenum Press.), Morin (2013Morin, E. (2013). A via para o futuro da humanidade. Bertrand Brasil.; 2020Morin, E. (2020). É hora de mudarmos de via. As lições do coronavírus. Bertrand Brasil.), Skliar (1996Skliar, C. (Org). (1996). A surdez: um olhar sobre as diferenças. Mediação.), Goffman (2017Goffman, E. (2017). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4. ed. LT.), Nóvoa (2019Nóvoa, A. (2019). Os professores e a sua Formação num Tempo de Metamorfose da Escola. Educação & Realidade, 44 (3), 1-15, 2019. https://doi.org/10.1590/2175-623684910.
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), Maturana (1999Maturana, H. (1999). Transformación en la Convivencia. Con la colaboración de Sima Nisis de Rezepka. Dolmen ediciónes S.A.; 2021Maturana, H., Varela F. (2021). A árvore do conhecimento. Palas Athena.) entre outros/as. A inclusão social-escolar (Fidalgo, 2018Fidalgo, S. S. (2018). A linguagem da exclusão e inclusão social na escola. Editora da Unifesp. 271p.) é abordada, portanto, por vieses e matizes diferenciados - tanto teórico, quanto metodologicamente - com vistas a apresentar ao/à leitor/a possibilidades diversas de refletir sobre o tema da educação inclusiva.

Os/as autores/as trazem consigo uma bagagem de pesquisas e publicações reconhecidas em suas respectivas áreas do conhecimento e nos apresentam, neste volume, debates qualificados que refletem investigações e/ou resultam de grupos de estudos - todos desenvolvidos na graduação, na pós-graduação e/ou na extensão. Essa potente rede de pesquisadores/as aqui representada congrega doutores/as de diferentes caminhos na carreira docente - alguns dos quais publicam com seus/uas orientandos/as - e trazem perspectivas bastante inovadoras para o trabalho de inclusão educacional. São pesquisadores/as de diferentes instituições: públicas, privadas e confessionais, com pesquisas e programas financiados ou não por verba pública. Todos/as contribuíram com este projeto editorial, que não se encerra aqui, mas espera servir como motivo para abrir novas frentes de ações em prol dos estudos sobre inclusão.

A inclusão, foco principal deste número temático, pode ser vista em sua perspectiva social ou educacional. No caso da segunda, Omote (2021Omote S. (2021). A construção da inclusão: uma perspectiva histórica. Revincluso. V.1., ed. Especial. nov 2021. p. 17-32.) defende que a inclusão deve ser um princípio norteador (para nós, suleador, com base em Freire (1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz e Terra.)) das práticas educacionais, e não mero tema.

Relacionar de forma interdisciplinar o reconhecimento de direitos iguais e a construção da cidadania permite práticas e processos, especialmente os relativos à linguagem, que atuarão na desestigmatização das pessoas que fogem a um padrão pré-estabelecido, geralmente, por grupos em posição de poder. A História descreve variados tratamentos recebidos por esses “desviantes” - tratados inclusive como castigo Divino, como bruxaria, etc. Esses tratamentos vão sendo transformados de acordo com o cenário sócio-histórico em que se ampliam os debates sobre o tema, que descrevem e se desdobram em práticas formativas voltadas à pessoa com deficiência. Vale ressaltar, como o faz Omote (2021Omote S. (2021). A construção da inclusão: uma perspectiva histórica. Revincluso. V.1., ed. Especial. nov 2021. p. 17-32.), que outros grupos encontram-se em franco processo de desestigmatização, como algumas minorias étnicas e a homossexualidade.

O número temático da Revista. D.E.L.T.A, Práticas de Linguagem e Educação Inclusiva, formaliza o reconhecimento da importância de práticas de linguagem e ações que contribuam para a redução das discriminações contra as minorias e promovam a sua inclusão social-escolar (Fidalgo, 2018Fidalgo, S. S. (2018). A linguagem da exclusão e inclusão social na escola. Editora da Unifesp. 271p.). Documentos históricos como a Declaração Universal de Direitos Humanos, trazem uma discussão importante sobre a constante tentativa de normalização de quem é diferente do padrão imposto e/ou aceito. Também a Declaração de Salamanca sensibilizou, principalmente no final do último século, intelectuais e militantes envolvidos com a Educação Especial - Inclusiva. Além disso, no Brasil de 2022, faz-se importante destacar o protagonismo e os novos direitos que os deficientes conquistaram nos últimos 20 anos, por meio de legislações específicas de inclusão ou de políticas de ações afirmativas que garantam a participação e formação engajada de pessoas com deficiências em diversos setores públicos e privados.

Omote (2021Omote S. (2021). A construção da inclusão: uma perspectiva histórica. Revincluso. V.1., ed. Especial. nov 2021. p. 17-32.) ainda ressalta imprecisões recorrentes no debate sobre inclusão, quais sejam: (1) a identificação da inclusão como um processo de mera colocação ou inserção de pessoas deficientes em um ambiente frequentado por pessoas comuns, confundindo com o conceito de “integração”; (2) equívocos no que tange ao uso de serviços especializados, ratificando a segregação no serviço prestado; (3) o raciocínio setorial no planejamento da construção de ambientes inclusivos, com ênfase na inclusão escolar pura e exclusivamente; (4) a ideia de que a inclusão total pode ser alcançada, em curto prazo, entre outros.

Infelizmente, é comum identificar um ambiente como inclusivo ou não em função da presença ou ausência de pessoa com alguma deficiência, sendo que, a princípio, deveríamos pensar a inclusão anteriormente à presença de uma pessoa deficiente, no sentido de que qualquer meio deve ser construído de modo a incorporar todos e todas. Nesse sentido, para além das condições geográfico-arquitetônicas do meio, que precisam garantir o acesso a todas as pessoas a quem se destina, faz-se necessário pensar na flexibilização (Fidalgo, 2016Fidalgo, S. S. (2016). Cultural-historical psychology and activity approach in training specialists in special education. Brazilian teacher education for inclusive work or lack thereof. In: Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. The materials of international symposium - Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. FSBI HE MSUPE. v. 1. p. 76-89. e 2018) de recursos, procedimentos e objetivos, dando condições de acesso e permanência também a pessoas com deficiência.

Para além de discursos idealizados e que proponham uma inserção sem embates, a perspectiva da inclusão deve prevalecer, o que significa fornecer serviços especializados para atender às especificidades das pessoas que utilizam os diversos serviços públicos e privados. Nesse sentido, a ideia de fornecimento de serviços de qualidade para todas as pessoas, em conformidade com as necessidades e particularidades que cada uma delas apresenta, nos permite ampliar o debate para uma parcela maior da população, ou seja, não apenas para a pessoa com deficiência, mas considerando as interseccionalidades: raça, gênero, classe.

Sem as devidas contextualizações sobre o modo como a existência da pessoa com deficiência é engendrada, o risco de analisarmos seu desenvolvimento e aprendizagem de forma parcial é muito grande. De mesmo modo, atribuir a essa ou outra metodologia o caráter excludente também pode ser um equívoco, já que metodologias muito sofisticadas e qualificadas foram praticadas no passado sem que devidamente tenham sido logrados êxitos. Métodos e práticas precisam, antes de mais nada, estar atrelados a políticas públicas e a uma perspectiva que tenha como princípio ético a inclusão. Debruçar-se sobre uma questão de aprendizagem de um estudante com deficiência demanda também a compreensão de que, em muitos casos, a inclusão total ainda não pode ser alcançada de forma plena, mas sim, tangenciando questões dinâmicas da própria conformação social, cultural e histórica do cenário estudado. Por outro lado, ainda que não seja tão palpável, a inclusão total é necessária para sulear a busca e lutas permanentes, que devem ser reproblematizadas a cada mudança da dinâmica social.

Conhecimentos construídos nas áreas de Psicologia Social, Antropologia, Sociologia, Economia, História, Estudos da Linguagem e tantas outras disciplinas devem compor o quadro de referência para a compreensão dos modos de funcionamento de uma coletividade, vendo a deficiência não como uma patologia, mas como um estado diferenciado de pessoas que também têm a contribuir com a sociedade.

Levando em conta o disposto acima, acerca de inclusão e da diversidade de áreas e concepções teórico-metodológicas do número temático, os/as leitores/as são instados a, por exemplo:

  • Compreender epistemologicamente conceitos relativos a autores críticos sobre o desenvolvimento e linguagem e suas relações com a educação inclusiva;

  • Rever criticamente as políticas públicas afirmativas e de inclusão educacional;

  • Pensar com os/as autores/as sobre o lugar social que ocupamos frente ao/a outro/a - o/a surdo/a, a mulher - o homem, o/a negro/a, aqueles/as que moram na periferia e têm uma deficiência, ou têm um/a filho/a deficiente, ou lecionam a crianças/ adolescentes deficientes;

  • Refletir sobre como ensinar os/as que têm dificuldades de aprendizagem, leitura, escrita - que a lei não considera deficiência;

  • Pensar e discutir a ética na educação e/ou na sociedade inclusiva;

  • Entender e questionar a formação inicial e continuada de professores/as, especialmente no que diz respeito à educação inclusiva;

  • Problematizar as ações que promovem práticas excludentes dentro de um pretenso projeto inclusivo;

  • Entender criticamente a história da educação inclusiva/excludente no país;

  • Pensar na inclusão em sua relação com a linguagem - que pode questionar ou manter esse status quo excludente que é, em muitos textos aqui, denunciada mais uma vez.

A ordem dos textos no volume intercala alguns manuscritos em português com outros elaborados em inglês ou em libras. A seguir, descrevemos resumidamente o teor de cada um, esperando que, com isso, os/as leitores/as se motivem a buscar aqui informações para os seus próprios debates.

O primeiro texto, escrito em inglês, intitula-se How inclusion students learn: a comparative analysis of three concepts as viewed by the sociohistorical and autopoiesis conceptual frameworks e trata teórico e metodologicamente da abordagem sócio-histórica de Vygostky, tecendo aproximações desta com o referencial teórico-metodológico da Autopoiese, de Maturana e Varela. Aborda conceitos de ambos os autores, enfocando, em especial, o desenvolvimento e a aprendizagem, demonstrando aproximações e diferenças das duas abordagens, com vistas a cotejar possibilidades de atuação na formação contínua de educadores/as.

O segundo texto, escrito por pesquisadoras da Região Nordeste e Sul, aborda as possibilidades de intervenção educacional cubana no tocante à inclusão da criança com deficiência para o desenvolvimento da linguagem. Toma como fundamento a Teoria Histórico-Cultural vigotskiana, que defende os processos de desenvolvimento humano da pessoa com deficiência a partir da compensação cultural e coloca em relevo a prática do atendimento educacional especializado dos profissionais da Logopedia junto a essas crianças.

Tendo como pano de fundo a Pedagogia Crítica (Freire, 1970Freire, P. (1970). Pedagogia do oprimido. Paz e Terra. 107p.; 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz e Terra.; 1996Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra. 144p.), o terceiro texto também foi escrito em inglês e retrata um trabalho que serviu de pano de fundo, ao mesmo tempo, para uma pesquisa de doutorado - inserida em um programa de extensão - e um trabalho de formação de estudantes de Iniciação Científica de Ensino Médio que têm interesse em seguir os estudos na área de Pedagogia. Portanto, de certa forma, é também um trabalho de formação de professoras. No entanto, não é uma formação por meio do mainstream escolar. As pessoas envolvidas no programa estão trabalhando para promover a inclusão social e educacional de um estudante de Ensino Médio com Deficiência Intelectual ou, como as autoras preferem, um estudante com necessidades educacionais intelectuais específicas (NEIE). Além de Freire, apoiam-se em Vygotsky (1924aVygotsky, L. S. (1924a). Chapter 1: defect and compensation. In R. W. Rieber (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 52-64). Plenum Press., 1924bVygotsky, L. S. (1924b). Chapter 2: principles of education for physically handicapped children. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 65-75). Plenum Press.; 1931aVygotsky, L. S. (1931a). Compensatory processes in the development of the retarded child. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 122-138). Plenum Press., 1931bVygotsky, L. S. (1931b). The collective as a factor in the development of the abnormal child. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 191-208). Plenum Press.; 1934-35/1993Vygotsky, L. S. (1934/1935). The problem of mental retardation. In R. W. Rieber (Ed.). (1993). The collected works of L.S. Vygotsky: Vol. 2. Fundamentals of Defectology (pp. 220-240). Plenum Press.) como fazem vários/as autores/as deste número temático.

O quarto texto, de Cunha, Miguel e Lourenço, aborda a educação bilíngue de surdos/as e foi elaborado em português e em libras. O/A leitor/a encontrará um link, remetendo-o/a à versão em língua de sinais. Trata-se de relato e reflexão teórico-prática sobre o Ensino de Ciências a (e com) alunos/as surdos/as do ensino fundamental como parte de um projeto de professores/as desses/as alunos/as com participantes de um Programa intitulado Banca de Ciências, organizado e desenvolvido em uma universidade pública cujo campus fica situado em Guarulhos. O estudo também está embasado na teoria histórico-cultural, mais especificamente na relação estabelecida por Vygotsky (1934/2008) no que se refere à construção do pensamento e da linguagem. Além disso, apoia-se fortemente nos/as autores/as que discutem os estudos sobre surdez e a educação bilíngue de surdos/as, como Pereira (2011Pereira, M. C. da C. (Org.). (2011). Libras: conhecimento além dos sinais. Pearson Prentice Hall.), Lacerda (2016Lacerda, C. B. F. de. et al. (2016). Educação inclusiva bilíngue para alunos surdos: pesquisa e ação em uma rede pública. In C. B. F. Lacerda, L. F. Santos, & V. R. O. Martins (Org.). Escola e diferença: caminhos para a educação bilíngue de surdos (pp. 13-28). Edufscar.), Quadros (2019Quadros, R. M. (2019). Linguística aplicada e Libras. Parábola.) e Skliar (2017Skliar, C. (2017). As diferenças e as pessoas surdas. Fórum, Rio de Janeiro, 36, p. 15-22.).

Apoiadas na teoria histórico-cultural e em pesquisadores/as que a discutem, as autoras do quinto texto tratam da musicalidade da pessoa surda, questionando a concepção orgânica e determinista da formação do sujeito em oposição a uma visão mais social. Para fazer essa distinção, as autoras trazem importante debate sobre a ideia de norma e do que seria considerado “normal” socialmente e historicamente falando. Concluem o texto, defendendo fortemente que a musicalidade não só deve ser considerada um componente importante da educação de surdos/as, mas também que as experiências musicais devem ser organizadas no espaço escolar para permitir que todos/as vivenciem, a partir de suas próprias trajetórias culturais, essa musicalidade.

Em seguida, o texto de número seis é mais um que foi escrito em língua inglesa e traz análises de pesquisas de mestrado e doutorado finalizadas entre 2016 e 2019, conforme se encontram no Catálogo de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os trabalhos foram selecionados de acordo com descritores específicos relativos à formação e atuação de professores/as na educação inclusiva. Trata-se de uma pesquisa bibliográfica que reforça, em seus resultados, a necessidade de trabalhos colaborativos e criativos na educação, com vias à ressignificação das práticas escolares e consequente transformação dos/as agentes - i.e., os/as professores/as - por meio de ações de reflexão crítica. Pautam-se nos trabalhos de autores como Nóvoa (1999Nóvoa, A. (1999). Os professores na virada do milênio: do excesso dos discursos à pobreza das práticas. Educação e Pesquisa, 25 (1), 11-20. https://doi.org/10.1590/S1517-97021999000100002.
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; 2017Nóvoa, A. (2017). Firmar a posição como professor, afirmar a profissão docente, 47 (166), 1106-1133. https://doi.org/10.1590/198053144843.
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; 2019Nóvoa, A. (2019). Os professores e a sua Formação num Tempo de Metamorfose da Escola. Educação & Realidade, 44 (3), 1-15, 2019. https://doi.org/10.1590/2175-623684910.
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).

O ensaio que o/a leitor/a encontrará como sétimo texto do número temático discute a condição de vulnerabilidade das pessoas com deficiência, à luz da perspectiva Sócio-Histórica de Vigotski (1924-34/1997Vigotski, L. S. (1924-1934/1997). Defectología y la teoría del desarrollo y la educación del niño anormal. In L. S. Vigotski. Obras Escogidas - Tomo V (pp. 181-188). Visor Dis.; 1930/2008Vigotski, L. S. (1930/2008). A formação social da mente. Martins Fontes.), sob o prisma das múltiplas determinações que abrangem as mediações culturais, econômicas e sociais que definem um lugar de incapacitação da pessoa com deficiência a partir de seu nascimento. As autoras problematizam essa concepção reducionista, propondo uma atitude denunciadora e ressignificadora, e chamando atenção para a necessidade de se desnaturalizar o significado majoritário de incapacitismo da pessoa com deficiência com vistas à superação dessa prática cultural cristalizada e excludente que viola consideravelmente os direitos da pessoa com deficiência nas práticas sociais.

O oitavo texto discute a compreensão que, de imagens, têm pessoas cegas congênitas, por meio da utilização de recursos táteis. Apoiadas na perspectiva histórico-cultural, as autoras realizaram cinco entrevistas com estudante cego congênito, intercalando-as com leituras de materiais. Além disso, realizaram sessões de leitura com imagens adaptadas por meio do uso de relevo, 3D e pontilhados. Os dados foram analisados com base no conceito de núcleos de significação (Aguiar & Ozella, 2006Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2006). Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da constituição de sentidos. Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), 22-245. e 2013Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2013). Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 94 (236).), ao passo que as análises das leituras de imagens se embasaram em trabalhos de Joly (2007Joly, M. (2009). Introdução à análise da imagem. Papirus.) e Santaella (2012Santaella, L. (2012). Leitura de Imagens. Editora Melhoramentos.). Os resultados alcançados pelas autoras nos alertam para a forma como os materiais são adaptados (ou flexibilizados (Fidalgo, 2016Fidalgo, S. S. (2016). Cultural-historical psychology and activity approach in training specialists in special education. Brazilian teacher education for inclusive work or lack thereof. In: Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. The materials of international symposium - Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. FSBI HE MSUPE. v. 1. p. 76-89.; 2018) nas escolas.

O nono texto, destaca as políticas afirmativas em relação aos direitos dos estudantes com deficiência, a partir de um sucinto, porém conciso histórico da trajetória das políticas afirmativas, realçando pontos de contato com a educação inclusiva no contexto brasileiro. Ademais, este ensaio delineia um percurso reflexivo ampliado em termos dos processos de inclusão social no tocante ao reconhecimento das políticas afirmativas como elemento fundamental das políticas públicas em educação inclusiva, tendo a formação contínua do professor como um dos pilares para promoção de um processo de ensino-aprendizagem que busque assegurar o direito ao protagonismo estudantil em defesa da diferença, e com isso, materializar práticas educacionais e escolares solidárias na perspectiva inclusiva.

No décimo texto, um ensaio intitulado “Políticas afirmativas e inclusão: formação continuada e direitos”, as autoras trazem uma reflexão sobre direitos, inclusão escolar e ações afirmativas, num âmbito mais amplo da inclusão social e direito às Políticas Afirmativas como fundantes para o debate sobre as políticas em educação inclusiva. Também reflete sobre o processo de ensino-aprendizagem na formação contínua de professores para educação inclusiva, projeto este em que estudantes e professores são protagonistas no respeito às diferenças.

O décimo primeiro texto do número temático é um estudo teórico-documental que, articulando elementos constitutivos da tríade inclusão-complexidade-linguagem, discute a inclusão embasando-se na teoria da complexidade (Morin, 2013Morin, E. (2013). A via para o futuro da humanidade. Bertrand Brasil.; 2020Morin, E. (2020). É hora de mudarmos de via. As lições do coronavírus. Bertrand Brasil.). Como nos informam as autoras,

A tríade é discutida à luz das ideias que versam sobre a complexidade no campo da Educação e de sua interface com a área da linguagem, mais especificamente, com a Linguística Aplicada. A discussão é tecida de forma entrelaçada, por meio de binômios interdependentes que emergiram da convergência dos elementos da tríade com a centralidade teórica da complexidade humana. Os binômios que perpassam a discussão são: (1) singularidade - mundialização, (2) condição humana - ação, e (3) linguagem(ns) - inclusão/exclusão. Finalizando o artigo, apresentamos nossas considerações sobre inclusão, entendida como modo de viver, bem viver - bem pensar.

Por fim, o décimo segundo texto traz uma reflexão crítica sobre a exclusão social de pessoas surdas causada pela falta de acesso à informação - o que se evidencia, especialmente, em momentos como o atual, em que há uma situação pandêmica no mundo, em virtude da Covid-19. O artigo traça um histórico da educação de surdos e, por meio de questionário e entrevistas, demonstra como esses indivíduos, embora hoje recebam mais atenção (no que diz respeito às políticas públicas voltadas para a sua educação e para os serviços que lhe são prestados), continuam à margem da sociedade, recebendo pouca informação fidedigna acerca de questões tão sérias quanto as relativas ao novo Coronavírus - o que os coloca em constante risco.

Ao todo, são, portanto, doze artigos e ensaios, além da apresentação, escritos com o objetivo de informar diferentes caminhos pelos quais a inclusão tem sido investigada e tratada. Esperamos que gostem da leitura.

Referências

  • Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2006). Núcleos de significação como instrumento para a apreensão da constituição de sentidos. Psicologia Ciência e Profissão, 26 (2), 22-245.
  • Aguiar, W. M. J., & Ozella, S. (2013). Apreensão dos sentidos: aprimorando a proposta dos núcleos de significação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 94 (236).
  • Fidalgo, S. S. (2018). A linguagem da exclusão e inclusão social na escola. Editora da Unifesp. 271p.
  • Fidalgo, S. S. (2016). Cultural-historical psychology and activity approach in training specialists in special education. Brazilian teacher education for inclusive work or lack thereof. In: Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. The materials of international symposium - Scientific school of L.S. Vygotsky: traditions and innovations. FSBI HE MSUPE. v. 1. p. 76-89.
  • Freire, P. (1970). Pedagogia do oprimido. Paz e Terra. 107p.
  • Freire, P. (1992). Pedagogia da Esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido. Paz e Terra.
  • Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia. Paz e Terra. 144p.
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  • 5
    Por questões políticas e de decolonialidade, preferimos usar o termo “sulear”, empregado por Freire, ao termo “nortear”, que traz implicações de que tudo o que nos guia vem do norte - aqui compreendido como tudo o que é prescrito, verticalizado; tudo o que não sai da prática e/ou o que, com a prática, quase não tem qualquer relação. A esse respeito, ver Magalhães e Fidalgo (no preloMagalhães, M. C. C., & Fidalgo, S. S. (no prelo). Necroeducação e necrodiscurso: Ações e linguagens a serviço da necropolítica. In F. C. Liberali, & V. L. Carrijo. Pedagogias insurgentes para romper com a necroeducação.).
  • 6
    A escrita do nome desse autor aparece em livros em português com -y e com -i. Por respeito à forma como cada autor do dossiê prefere redigir, o leitor encontrará nesta apresentação as duas grafias. De modo similar, a teoria atribuída a Vygotsky tem recebido traduções diferentes: teoria histórico-cultural, psicologia histórico-cultural, teoria ou psicologia sócio-histórica, teoria sócio-histórico-cultural. O leitor poderá encontrar essa variação na presente apresentação, de acordo com a forma como os autores que compõem este número temático se referem à teoria também.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    20 Dez 2021
  • Aceito
    02 Fev 2022
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