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Nem Indicação Política, Nem Cooperação: A Importância da Autonomia do TCU no Controle de Recursos Públicos Federais Transferidos aos Municípios

Neither Political Appointment Nor Cooperation: The Importance of the Brazilian Federal Audit Court´s Autonomy on the Control of Municipal Resources from Federal Level

Ni Indication Politique, Ni Coopération: L’Importance de l’Autonomie de la TCU dans le Contrôle des Ressources Publiques Fédérales Transférées aux Municipalités

Ni Indicación Política, ni Cooperación: La Importancia de la Autonomía del TCU en el Control de Recursos Públicos Federales Transferidos a los Municipios

RESUMO

O Tribunal de Contas da União possui garantias institucionais de independência e autonomia para fiscalizar e julgar com isonomia quaisquer agentes que participem da gestão de recursos públicos federais independentemente da esfera de governo em que estes recursos são geridos. O presente trabalho verifica se a indicação política dos ministros do TCU e se iniciativas formais de cooperação institucional influenciam o desempenho do órgão no controle de receitas municipais provenientes da União. A partir de dados processuais inéditos obtidos por web scraping, a análise pôde contar com todas as fiscalizações sobre os municípios entre 2005 e 2014. Os testes indicam ser irrisório o efeito da indicação dos ministros sobre a chance de condenação de contas municipais, enquanto a iniciativa própria e a atuação exclusiva da instituição de controle aumentam a chance de condenação quando comparadas à cooperação formal de instituições que informam suspeitas de irregularidade ao órgão. Os resultados sugerem que garantias de independência enfraquecem a influência de partidos políticos por meio da indicação dos ministros e que a autonomia do TCU é importante para identificar irregularidades de modo mais assertivo.

accountability; tribunais de contas; instituições de controle; corrupção

ABSTRACT

The Brazilian Federal Audit Court (TCU, acronym in Portuguese) has independence and autonomy to oversight and judge any public actors who manage federal resources regardless of the government level in which these resources are managed. This research aims to answer if the political appointment of the TCU’s heads (ministros) and formal institutional cooperation influence their oversight activities on municipal revenues from the federal level. From unpublished data obtained by web scraping, the analyze involves all the audits on municipalities between 2005 and 2014. The tests indicate that the effect of the ministers’ appointment on the odds of condemnation of municipal accounts is modest, while the started audits by own Audit Court increase the odds of condemnation than formal cooperation of other institutions which report suspected irregularity. The results suggest that institutional independence weakens the influence of political parties through the appointment of the Audit Court’s heads and that TCU´s autonomy is relevant to identify irregularities in a more assertively way.

Accountability; Courts of accounts; Control institutions; Corruption

RÉSUMÉ

Au Brésil, le Tribunal de Contas da União (TCU) dispose des garanties institutionnelles d’indépendance et d’autonomie pour taxer et juger avec isonomie tous les agents participantes à la gestion des ressources publiques fédérales, quel que soit le domaine de gouvernement dans lequel ces ressources sont gérées. Le présent travail vérifie si l’indication politique des ministres du TCU et des initiatives formelles de coopération institutionnelle ont une influence sur la performance de l’organe en matière de contrôle des recettes municipales de l’Union. En partant des informations des données de procedures non publiés, obtenues par la méthode du web scapping, l’analyse a été formée par toutes les inspections municipales entre 2005 et 2014. Les tests ont montré que l’effet de l’indication des ministres sur les chances de condamnation des comptes municipaux est négligeable, tandis que l’initiative elle-même et la performance exclusive de l’institution de contrôle augmentent les chances de condamnation par rapport aux coopération formelle des institutions signalant des soupçons d’irrégularité au corps. Les résultats suggèrent que les garanties d’indépendance affaiblissent l’influence des partis politiques par la nomination de ministres et que l’autonomie de la TCU est importante pour identifier les irrégularités de manière plus affirmée.

Responsabilité; Cours de Comptabilité; Institutions de Contrôle; Corruption

RESUMEN

El Tribunal de Cuentas de la Unión cuenta con garantías institucionales de independencia y autonomía para fiscalizar y juzgar de igual forma a cualquiera de los agentes que participan en la gestión de recursos públicos federales independientemente de la esfera de gobierno en que estos recursos son gestionados. El presente trabajo verifica si la indicación política de los ministros del TCU y si iniciativas formales de cooperación institucional influencian el desempeño del órgano en el control de ingresos municipales provenientes de la Unión. A partir de datos procesuales inéditos obtenidos por web scraping, el análisis pudo contar con todas las fiscalizaciones sobre los municipios entre 2005 y 2014. Las pruebas indican que es irrisorio el efecto de la indicación de los ministros sobre la oportunidad de condena sobre las cuentas municipales, mientras que la iniciativa propia y la acción exclusiva de la institución de control aumentan la oportunidad de condena cuando son comparadas con la cooperación formal de instituciones que informan sospechas de irregularidad al órgano. Los resultados sugieren que las garantías de independencia debilitan la influencia de partidos políticos por medio de la indicación de los ministros y que la autonomía del TCU es importante para identificar irregularidades de modo más asertivo.

accountability; tribunales de cuentas; instituciones de control; corrupción

INTRODUÇÃO

O Tribunal de Contas da União (TCU) é uma instituição importante no sistema de accountability brasileiro. Responsável pelo controle externo de recursos públicos federais e com status de órgão auxiliar do Congresso Nacional, o TCU é responsável por fiscalizar, julgar e – se for pertinente ao caso – impor sanções administrativas a quaisquer agentes, públicos e privados, que participem da administração de bens e valores públicos federais, independentemente do nível da federação em que estes recursos são geridos. No exercício de seu papel institucional, o Tribunal de Contas também possui dispositivos institucionais que visam garantir autonomia e independência.

O atual contexto político brasileiro e seus conturbados episódios provocados pela operação Lava-Jato aguçam a curiosidade dos especialistas e da opinião pública não apenas quanto ao modus operandi da corrupção política, mas também a respeito de como as instituições de controle exercem seu papel para coibir práticas ilícitas que tanto oneram os cofres públicos. Existem mecanismos institucionais eficientes para combater a corrupção? Os membros das instituições de accountability agem com neutralidade ou estariam sob a influência de partidos políticos? Para identificar mais irregularidades, deveríamos apostar em ações de cooperação institucional ou fortalecer a autonomia e a capacidade técnica dos órgãos de controle?

Em seu trabalho clássico, O’Donnell esperava que a efetividade da accountability horizontal dependeria da existência de instituições dotadas de atribuições de controle e autonomia. Em suas palavras:

... para que esse tipo de accountability [horizontal] seja efetivo deve haver agências estatais autorizadas e dispostas a supervisionar, controlar, retificar e/ou punir ações ilícitas de autoridades localizadas em outras agências estatais. As primeiras devem ter não apenas autoridade legal para assim proceder mas também, de fato, autonomia suficiente com respeito às últimas (O’Donnell, 1998:42).

O debate sobre instituições públicas de auditoria também chama a atenção para a necessidade de conferir independência e autonomia aos órgãos de accountability, para que estes consigam desempenhar seu papel de controle com eficiência e isonomia. Nessa perspectiva, os tribunais de contas deveriam ter dispositivos institucionais que impedissem pressões políticas sobre o modo como apreciam a gestão de recursos públicos, bem como autonomia para organizar seus trabalhos livremente (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.). No caso brasileiro, os dirigentes do Tribunal de Contas da União possuem garantias de independência para protegê-los de pressões políticas, tais como vitaliciedade e inamovibilidade do cargo, ao passo que também dispõem de autonomia para iniciar fiscalizações e apreciar as contas públicas.

No entanto, mesmo considerando as garantias de independência, a indicação dos dirigentes dos tribunais de contas por instituições representativas seria uma via de acesso para que partidos políticos conseguissem exercer influência sobre sua atuação (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Melo, Figueiredo e Pereira, 2009). Além disso, dado que os recursos do órgão de controle são finitos, solicitações compulsórias do Congresso Nacional e representações de instituições públicas, que informam suspeitas de irregularidades ao TCU, podem restringir a autonomia do órgão ao incentivá-lo a priorizar demandas externas em detrimento de fiscalizações por iniciativa própria.

O presente artigo investiga duas suspeitas teóricas, segundo as quais a indicação política de dirigente se iniciativas formais de cooperação institucional teriam efeito sobre o controle exercido pelo TCU. As duas suspeitas não são concorrentes, mas complementares. Na contramão das expectativas, os resultados sugerem que a indicação política dos ministros pouco afeta a chance de condenação de contas, ao passo que a autonomia do TCU para iniciar fiscalizações e sua atuação exclusiva elevam a chance de condenação de contas quando comparadas aos casos em que as instituições cooperam oferecendo suspeitas de irregularidade.

Apesar dos limites quanto à validade externa, o controle do Tribunal de Contas da União sobre recursos municipais provenientes da União é um terreno fértil para testar as suspeitas teóricas citadas. No tocante à operacionalização das hipóteses, o estudo inclui uma grande variedade de municípios governados por diferentes partidos e que pertencem à jurisdição de ministros de diferentes origens, além de envolver fiscalizações por iniciativa externa ou própria do TCU. Do ponto de vista substantivo, a importância do objeto estudado reside no fato de que as receitas municipais são majoritariamente compostas por recursos federais (Arretche, 2010ARRETCHE, Marta. (2010), “Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos?”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 3, pp. 587-620.), bem como no fato de que a identificação de irregularidades pode gerar custos de reputação a atores políticos municipais, prejudicando suas chances de sucesso eleitoral (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016; Winters e Weitz-Shapiro, 2013WINTERS, Matthew S.; WEITZ-SHAPIRO, Rebecca. (2013), “Lacking information or condoning corruption: when do voters support corrupt politicians?”. Journal of Comparative Politics, v. 45, n. 4, pp. 418-436.), atores estes que, apesar de priorizarem sua atuação na competição política local, também são importantes para o sucesso eleitoral de candidatos federais (Avelino, Biderman e Barone, 2012; Novaes, 2014NOVAES, Lucas. (2014), “Promiscuous politicians and the problem of party building: Local politicians as party brokers”. Working Paper, APSA, Washington, DC.).

O resultado desta pesquisa, segundo o qual a indicação dos ministros pouco interfere no controle exercido pelo TCU, confirma a expectativa de que garantias institucionais de independência, como vitaliciedade e inamovibilidade do cargo, contribuem para inibir pressões políticas sobre a avaliação das contas públicas (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.). Por sua vez, fiscalizações por iniciativa própria e atuação exclusiva do TCU são mais assertivas em identificar irregularidades, não apenas devido à maior especialização técnica do órgão se comparada à das instituições que cooperam oferecendo suspeitas de irregularidade, mas também porque agentes públicos podem ser motivados a provocar o Tribunal pelo interesse de gerar constrangimentos sobre gestões públicas em vez de pretenderem solucionar suspeitas reais de uso indevido de recursos públicos.

Na próxima seção, a literatura especializada que investigou instituições públicas de controle financeiro será examinada, destacando suas suspeitas, contribuições e lacunas. Na terceira, os incentivos dos atores envolvidos no controle de contas serão discutidos, a fim de levantar hipóteses a respeito da atuação do TCU sobre as contas municipais. O método empregado para evitar viés de seleção será apresentado na quarta seção, enquanto a seção seguinte descreve a elaboração do banco de dados e a operacionalização das variáveis. Na sexta seção, a análise descritiva e os modelos probabilísticos indicam que o efeito da indicação política ou técnica dos ministros pouco importa para a chance de condenação de contas, mas a autonomia do TCU eleva a chance de condenação quando comparada a iniciativas formais de cooperação institucional. Por fim, discuto as implicações dos resultados para a agenda de estudos sobre o tema.

INDEPENDÊNCIA E AUTONOMIA DAS INSTITUIÇÕES DE CONTROLE FINANCEIRO

Instituições públicas de controle financeiro exercem um papel central nas finanças públicas. Por meio de mecanismos de avaliação e monitoramento, cabe-lhes apontar a responsabilidade de agentes suspeitos de práticas irregulares e aperfeiçoar a gestão pública pela identificaçãode possíveis fontes de ineficiência, desvios e desperdícios (Schelker e Eichenberger, 2010SCHELKER, Mark; EICHENBERGER, Reiner. (2010), “Auditors and fiscal policy: Empirical evidence on a little big institution”. Journal of Comparative Economics, v. 38, pp. 357-380.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.). Embora o controle financeiro exercido por meio de procedimentos técnicos de supervisão esteja no cerne de seu objetivo institucional, as instituições públicas de auditoria também ocupam um papel central no sistema político.Dado que o produto final de suas atividades gera impacto sobre a administração pública exercida por maiorias eleitas e, até mesmo, sobre a competição democrática (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016), existe entre diferentes países uma variedade de desenhos institucionais que regulam as atribuições dos órgãos de controle financeiro e o modo como se relacionam com as instituições representativas (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.)1 1 . Para obter uma compreensão sistemática a respeito dos incentivos do desenho institucional sobre a atuação dos tribunais de contas, ver Speck (2011). .

Apesar de ser inegável a importância do papel exercido por instituições de controle financeiro, na ciência política ainda são poucos os estudos empíricos que buscam identificar quais fatores geram efeitos sobre seu desempenho. Em meio às diferentes explicações, o debate acadêmico vê com desconfiança os canais de influência da política partidária sobre a atuação dos tribunais de contas, além de salientar deficiências de coordenação entre estes órgãos e as instituições incumbidas de dar continuidade às fiscalizações e avaliações das contas públicas. Se, por um lado, as regras do jogo deveriam afastar qualquer influência dos atores políticos sobre as instituições de controle, a fim de favorecer a isonomia de sua atuação, por outro lado, o cumprimento de sanções direcionadas às práticas irregulares dependeria da coordenação e cooperação entre os órgãos de accountability e as instituições representativas e jurídicas.

Estudos da área pretenderam identificar como a política partidária gera efeito sobre a atuação independente dos tribunais de contas. Estes trabalhos mostraram que existem diferentes canais por meio dos quais atores e partidos políticos podem influenciar a performance dos tribunais. Santiso (2007)SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland. e Speck (2011)SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161. alertaram sobre o perigo de governos imporem constrangimentos orçamentários aos órgãos de controle, enquanto Melo, Figueiredo e Pereira (2009) argumentaram que o grau de competitividade eleitoral (alternância eleitoral) e a capacidade do eleitor para controlar seus representantes eleitos (volatilidade eleitoral) seriam relevantes para explicar o desempenho dos TCs.

A indicação de dirigentes por instituições representativas é o principal mecanismo que levou especialistas a suspeitarem que os partidos políticos exercem influência sobre a atuação dos tribunais de contas.Nesse sentido, pesquisas se propuseram a testar se no Brasil a indicação política ou técnica dos conselheiros dos tribunais estaduais teria efeito sobre sua atuação. Embora defendessem que a indicação dos dirigentes é importante para explicar o controle financeiro, os resultados levantam dúvidas quanto à sustentação desta hipótese. As regressões de Melo, Figueiredo e Pereira (2009) indicam que nem sempre a presença de técnicos entre os dirigentes dos tribunais de contas estaduais implica em maior performance. Considerando apenas os efeitos estatisticamente significativos, maior ativismo e livre-iniciativa na execução de auditorias estaria positivamente associada apenas à presença de auditores de carreira no corpo dirigente dos TCs, enquanto a chance de rejeição de contas estaria associada somente à presença de procuradores públicos2 2 . Entre os três conselheiros escolhidos pelo presidente da República, um é selecionado livremente, o segundo entre o corpo de auditores de carreira e o último entre os procuradores públicos. Nem sempre os governos estaduais seguem esta regra, proporcionando variação entre os TCs. Entretanto, a presença de procuradores não está positiva e estatisticamente associada à livre iniciativa e ao ativismo dos tribunais, ao passo que a presença de auditores não está positiva e estatisticamente associada à chance de rejeição de contas. . Por sua vez, Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira (2016) buscaram avançar no debate ao inserir como unidade de observação todas as contas municipais controladas por quatro tribunais de contas estaduais, mas o experimento natural proposto viola pré-requisitos que ameaçam a validade do modelo3 3 . Os autores utilizam as fiscalizações empreendidas pelos tribunais de contas de quatro estados, a saber, Maranhão, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul. A aplicação de experimento natural seria viável porque os casos em cada estado seriam distribuídos aleatoriamente entre os respectivos conselheiros de cada TC. No entanto, a aleatoriedade da distribuição dos casos entre os conselheiros ocorre exclusivamente dentro de cada estado, mas os dados foram reunidos para testes únicos envolvendo os quatro estados em conjunto. Esse procedimento viola a aleatoriedade do experimento natural, porque a aleatoriedade não envolve os conselheiros dos quatro estados em conjunto, mas sim os conselheiros de cada estado separadamente, o que exigiria testes isolados para cada estado. . Apesar disso, reconheceram que a chance de condenação de contas pouco se altera quando conselheiros provenientes dos quadros técnicos são comparados aos indicados politicamente, com exceção de tribunais com maior diversidade em sua composição4 4 . A maior parte dos testes apresentam os efeitos estimados que não passaram de 4%, quando estatisticamente significativos, com exceção dos tribunais com uma composição mais diversificada, em que a chance de condenação entre conselheiros técnicos e políticos varia em 8%. .

Além de comparar o controle de contas municipais desempenhado por conselheiros técnicos e indicados politicamente, o diagnóstico de Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira (2016) também ofereceu efeitos muito modestos quanto à capacidade de governos estaduais isentarem as contas municipais administradas por aliados mediante a indicação de conselheiros dos TCs. De modo similar, os resultados do presente artigo indicam que a origem técnica e política dos dirigentes do TCU, assim como a condição de aliado ou adversário dos municípios em relação ao partido de origem dos ministros políticos responsáveis por sua supervisão, têm efeito tênue sobre a condenação de contas municipais. Tal achado leva a indagar se, na presença de garantias institucionais de independência, o impacto da indicação política de ministros sobre a atuação da instituição é realmente relevante. Afinal, teríamos certeza de que a indicação dos dirigentes dos tribunais faz diferença para a condenação de contas, ou temos certeza de que essa diferença produzida a partir da indicação dos ministros é irrisória?

Os incentivos para justificar a importância da indicação dos dirigentes dos tribunais de contas também geram dúvidas. Dois argumentos sustentariam a diferença entre técnicos e políticos e entre aliados e não aliados. De um lado, conselheiros que pertenceram aos quadros burocráticos dos tribunais seriam tecnicamente mais qualificados para identificar irregularidades, enquanto, de outro, os conselheiros indicados politicamente recompensariam os governos que os selecionaram, eximindo suas contas e as de seus aliados (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Melo, Figueiredo e Pereira, 2009). No entanto, o TCU desafia a validade desses incentivos, visto que os ministros de origem política possuem equipes técnicas igualmente qualificadas que minimizariam disparidades de qualificação profissional, ao passo que garantias institucionais de independência, como vitaliciedade e inamovibilidade do cargo, poderiam interromper vínculos partidários pregressos.

Os especialistas da área também argumentaram que a falta de coordenação e de cooperação entre as instituições que participam do processo de accountability poderia inviabilizar a imposição de sanções aos agentes responsáveis por práticas ilícitas. Mesmo quando irregularidades e ineficiências são identificadas por tribunais de contas, a responsabilização de agentes é prejudicada pela aplicação deficiente de sanções, que depende de instituições políticas e jurídicas nas fases subsequentes (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.)5 5 . No Brasil, a efetividade da aplicação de sanções também depende da cobrança dos agentes condenados por instituições incumbidas de provocar o Judiciário. A Advocacia Geral da União, por exemplo, é responsável pela cobrança de débitos dos agentes condenados que não reconhecem os débitos impostos pelo TCU. Em caso de responsabilização criminal compete ao Ministério Público instruir processos para a apreciação do Judiciário, enquanto atores políticos só podem ser impedidos de disputar as eleições após julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral. . Entre as instituições de accountability também haveria competição por responsabilidades (Filgueiras e Aranha, 2016) e sobreposição de competências na fase de investigação em detrimento do estágio de sanção (Taylor e Buranelli, 2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.)6 6 . Inclusive, além de observar que no Brasil o Ministério Público estaria mais empenhado em investigar irregularidades do que em exercer a instrução processual, que seria mais importante para conquistar julgamento favorável do Judiciário, os autores ressaltam o avanço de instituições de controle que também priorizam a fase de investigação (Taylor e Buranelli, 2007). .

O presente artigo não pretende investigar a performance de todo o processo de accountability institucional. Entretanto, chama a atenção o fato de que deficiências no enforcement das penas não minimizam a importância da avaliação das contas públicas exercida pelos tribunais de contas. Estudos recentes vêm mostrando que a divulgação pública de irregularidades pode gerar custos de reputação a governos e, consequentemente, prejudicar o sucesso eleitoral de candidatos e partidos (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016; Winters e Weitz-Shapiro, 2013WINTERS, Matthew S.; WEITZ-SHAPIRO, Rebecca. (2013), “Lacking information or condoning corruption: when do voters support corrupt politicians?”. Journal of Comparative Politics, v. 45, n. 4, pp. 418-436.).

Parte do debate compartilha o argumento segundo o qual aprimorar a performance individual de órgãos de controle não seria suficiente para alcançar uma responsabilização mais efetiva7 7 . Inclusive, Taylor e Buranelli (2007:63) afirmaram que a extrema independência entre as instituições levaria à ineficiência da rede de accountability. . Ao contrário,seria necessário melhorar a cooperação entre as instituições responsáveis pelas diversas fases do processo de accountability (Filgueiras e Aranha, 2016; Olivieri et al., 2015OLIVIERI, Cecília et al. (2015), “Control and public management performance in Brazil: challenges for coordination”. International Business Research, v. 8, n. 8, pp. 181-190.; Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Taylor e Buranelli, 2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.). Trabalhos que buscaram analisar a interação entre instituições de controle financeiro e a administração pública também trouxeram evidências promissoras de que a cooperação poderia não apenas melhorar o processo de controle, mas também a qualidade da gestão pública, na medida em que gera informações sobre a implementação de novas políticas aos órgãos de controle e incentiva gestores públicos a adotar rotinas para apoiar inspeções (Olivieri et al., 2013OLIVIERI, Cecília et al.(2013), “Organizational learning of controllers and controlled agencies: innovations and challenges in promoting accountability in the recent Brazilian democracy”. American Journal of Industrial and Business Management, v. 3, pp. 43-51.). Embora as evidências sugiram que diálogos informais entre controladores e controlados favorecem o aprendizado organizacional, ainda cabe indagar se iniciativas formais de cooperação institucional contribuem para a efetividade das fases de fiscalização e de apreciação das contas públicas. Inclusive, especialistas identificaram o crescimento de iniciativas formais de cooperação, por meio das quais instituições políticas e burocráticas demandam auditorias ao TCU quando se deparam com suspeitas de irregularidade (Olivieri et al., 2015OLIVIERI, Cecília et al. (2015), “Control and public management performance in Brazil: challenges for coordination”. International Business Research, v. 8, n. 8, pp. 181-190.)8 8 . Além do Congresso Nacional, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal têm sido incentivados a solicitar fiscalizações ao TCU (Olivieri et al., 2015:183-184). .

Entretanto, existe uma importante implicação teórica: dado que as instituições de controle possuem recursos limitados, priorizar seus esforços em iniciativas formais de cooperação institucional poderia acarretar o custo de diminuir o número de iniciativas autônomas e exclusivas. Não se pode perder de vista que a autonomia é considerada como condição imprescindível para o desempenho de instituições de accountability (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.).

Não seria exagero supor que a atuação autônoma e exclusiva dos tribunais de contas poderia gerar um controle mais eficaz quando comparada às situações em que as fiscalizações contam com a cooperação de agentes externos. Isso porque os TCs geralmente têm quadros profissionais especializados para identificar irregularidades de modo mais assertivo (Olivieri, 2016OLIVIERI, Cecília. (2016), “A atuação dos controles interno e externo ao executivo como condicionante da execução de investimento em infraestrutura no Brasil”. Texto para Discussão, n. 2252/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, Rio de Janeiro.), além de que demandas de agentes externos podem ser motivadas pelo interesse político de constranger gestões ao invés de solucionar suspeitas verídicas de irregularidade. No Brasil, por exemplo, estudos mostram que a ampliação do acesso à Justiça incentivou atores que não conseguem alcançar seus interesses nas instituições representativas a contestar políticas públicas no Supremo Tribunal Federal (STF) (Taylor, 2007TAYLOR, Matthew. (2007), “O Judiciário e as políticas públicas no Brasil”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 50, n. 2, pp. 229-257., 2008TAYLOR, Matthew. (2008), Judging policy. Courts and Policy Reform in Democratic Brazil. Stanford: Stanford University Press.). Embora o TCU não julgue a constitucionalidade de políticas públicas, as regras institucionais que regulam a interação do órgão com outras instituições criam oportunidades para que demandas externas por fiscalização busquem impor constrangimentos a gestões públicas, visto que qualquer servidor público, em razão do cargo que ocupa, pode encaminhar representações ao órgão em caso de suspeita de irregularidade (Brasil, 2012BRASIL. (2012), Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Boletim do Tribunal de Contas da União Especial, Brasília, jan., ano XLV, n. 1., art. 232).

Na próxima seção, serão apresentadas as hipóteses para explicar a atuação do Tribunal de Contas da União sobre a gestão de recursos municipais provenientes do nível federal. Os incentivos dos atores em jogo, representados por ministros técnicos e políticos, bem como por instituições e agentes públicos que buscam cooperar, também serão debatidos, a fim de produzir hipóteses teoricamente plausíveis e empiricamente operacionalizáveis.

HIPÓTESES E INCENTIVOS INSTITUCIONAIS

O problema teórico tratado neste artigo tem relação direta com as dimensões de independência e autonomia do Tribunal de Contas da União. Enquanto autonomia se refere à capacidade dos tribunais de contas de organizar seus trabalhos e rotinas livremente, o que inclui a escolha dos casos que serão investigados, independência diz respeito à capacidade de avaliar a gestão de recursos sem pressões de instituições e agentes externos. Os conceitos se assemelham aos discutidos por parte da literatura (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland., 2015; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.), mas nem sempre os especialistas compartilham dessa definição9 9 . O conceito de autonomia já foi chamado de livre-iniciativa e ativismo (Melo, Figueiredo e Pereira, 2009), enquanto a diferença entre independência e autonomia nem sempre foi tratada com clareza (O’Donnell, 1998). . De qualquer forma, os conceitos organizam analiticamente o controle financeiro ao diferenciar a livre iniciativa para investigar e julgar (autonomia) da liberdade de apreciar os atos da administração pública sem pressões externas (independência)10 10 . As duas dimensões também não são completamente dissociadas, já que podem exercer influência uma sobre a outra. .

Embora normas constitucionais confiram garantias de independência institucional para que instituições representativas não influenciem a apreciação das contas públicas, tais como vitaliciedade e inamovibilidade do cargo, o processo de seleção política dos ministrospoderia oferecer oportunidades para que partidos prejudicassem a independência do TCU. Afinal, a indicação dos ministros titulares conta com deliberações do presidente da República e do Congresso Nacional11 11 . Um terço dos ministros titulares é escolhido pelo presidente da República: dois entre integrantes da própria instituição e um por livre escolha, todos sujeitos à aprovação do Senado. Dois terços dos titulares são escolhidos pelo Congresso Nacional. Até 2008, dois auditores adicionais exerciam o papel de ministro substituto e, mesmo quando não convocados para substituir os ministros titulares, poderiam instruir processos (Brasil, 1992, art. 63 e 78). Após 2008, uma nova legislação aumentou para três o número de auditores que poderiam exercer relatoria, fiscalizando municípios e instruindo processos (Brasil, 2008a). . Por outro lado, o Tribunal de Contas tem autonomia para iniciar fiscalizações por iniciativa própria, visto que os ministros relatores, juntamente com suas equipes técnicas, têm discricionariedade para selecionar os municípios que serão examinados. No entanto, considerando os recursos finitos do órgão, solicitações do Congresso Nacional e representações de outras instituições podem desviar seus esforços voltados para fiscalizações de iniciativa própria, restringindo sua autonomia mesmo que marginalmente.

O desempenho (variável dependente) é medido pela chance de os municípios serem fiscalizados e, principalmente, julgados por irregularidade das contas. As instituições de controle financeiro também são incumbidas de auxiliar a administração pública por meio de recomendações que buscam evitar ineficiências (Olivieri, et al. 2013; Schelker e Eichenberger, 2010SCHELKER, Mark; EICHENBERGER, Reiner. (2010), “Auditors and fiscal policy: Empirical evidence on a little big institution”. Journal of Comparative Economics, v. 38, pp. 357-380.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.). No entanto, o presente trabalho se restringe a explicar o controle sobre irregularidades devido à importância política desta atividade, não só no que se refere à coação de práticas ímprobas, como também ao potencial impacto sobre a disputa eleitoral (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016). Embora o cumprimento das sanções impostas pelo TCU dependa de outras instituições responsáveis por dar prosseguimento aos casos (Figueiredo, 2001FIGUEIREDO, A. de. (2001), “Instituições e Política no Controle do Executivo”. DADOS—Revista de Ciências Sociais, v. 44, n. 4, pp. 689-727.; Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.; Taylor e Buranelli, 2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.), informações quanto à existência de irregularidades podem atingir os eleitores (Winters e Weitz-Shapiro, 2013WINTERS, Matthew S.; WEITZ-SHAPIRO, Rebecca. (2013), “Lacking information or condoning corruption: when do voters support corrupt politicians?”. Journal of Comparative Politics, v. 45, n. 4, pp. 418-436.) e influenciar o sucesso eleitoral dos candidatos (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016).

Três hipóteses serão testadas. As duas primeiras estão inseridas no debate acerca da influência da indicação política dos ministros sobre a independência do Tribunal, enquanto a terceira se relaciona com a dimensão da autonomia. A primeira hipótese investiga se a carreira pregressa dos ministros, escolhidos a partir de quadros partidários ou técnicos, altera a chance de o órgão avaliar as contas municipais como irregulares. A literatura especializada suspeita de que ministros que percorreram carreira burocrática tenderiam a encontrar mais irregularidades, dada sua maior capacidade técnica em relação aos ministros de carreira política, bem como devido à ausência de vínculos dos primeiros com partidos e representantes eleitos (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Melo, Figueiredo e Pereira, 2009; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.). Por outro lado, é igualmente plausível supor que não haveria diferença entre ministros de origem técnica e política. Embora ministros técnicos tenham percorrido carreira especializada no controle financeiro, ministros políticos possuem quadros auxiliares igualmente qualificados (Olivieri, 2016OLIVIERI, Cecília. (2016), “A atuação dos controles interno e externo ao executivo como condicionante da execução de investimento em infraestrutura no Brasil”. Texto para Discussão, n. 2252/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, Rio de Janeiro.), que minimizariam a diferença de expertise entre ambos. Além disso, as garantias de independência que o arcabouço institucional confere aos dirigentes do TCU, tais como vitaliciedade, inamovibilidade do cargo e tempo de mandato dissociado do ciclo eleitoral, poderiam quebrar vínculos partidários oriundos de seu passado (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.).

Hipótese 1a (não esperada): municípios sob a responsabilidade de ministros que percorreram carreira técnica têm mais chances de sofrer condenação de contas quando comparados aos municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira política.

Hipótese 1b (esperada): alternativamente, estar sob a responsabilidade de ministros técnicos ou políticos não altera a chance de condenação de contas municipais.

A segunda hipótese analisa se ministros que percorreram carreira política antes de ingressar no Tribunal tendem a isentar as contas municipais geridas por aliados e a condenar os municípios governados por adversários. A literatura especializada vem apontando que a chance de sucesso eleitoral de candidatos em âmbito federal aumenta com o apoio de forças políticas municipais (Avelino, Biderman e Barone, 2012; Novaes, 2014NOVAES, Lucas. (2014), “Promiscuous politicians and the problem of party building: Local politicians as party brokers”. Working Paper, APSA, Washington, DC.). Tal achado aumenta a suspeita de que dirigentes dos tribunais de contas seriam incentivados a isentar municípios administrados por aliados de seu partido de origem caso sejam incentivados a atuar politicamente (Hidalgo, Canello e Oliveira-de-Lima, 2016). A desconfiança se torna ainda mais forte quando considerado o controle exercido pelo TCU sobre receitas municipais provenientes da União, visto que a maior parte dos recursos municipais parte de transferências do nível federal (Arretche, 2010ARRETCHE, Marta. (2010), “Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos?”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 3, pp. 587-620.). Em direção oposta, seria igualmente plausível supor que, apesar de sua origem política, os ministros interromperiam seus vínculos partidários pregressos devido às garantias de independência institucional e, consequentemente, não seriam incentivados a absolver as contas municipais de aliados de seu partido de origem, muito menos a condenar as contas de adversários.

Hipótese 2a (não esperada): municípios sob a responsabilidade de ministros que percorreram carreira política possuem menos chance de sofrerem condenação de contas quando governados por partidos aliados do partido de origem doministro-relator e teriam mais chance de condenação de contas quando governados por adversários do partido de origem do ministro-relator.

Hipótese 2b (esperada): alternativamente, a chance de condenação de contas não é influenciada por ministros-relatores de origem política quando estes são responsáveis por inspecionar municípios administrados por partidos aliados ou adversários em relação ao seu partido de origem.

A terceira hipótese analisa se a cooperação formal de outras instituições eleva a chance de condenação de contas municipais quando comparada às fiscalizações de iniciativa própria e atuação exclusiva do Tribunal de Contas. O TCU investiga municípios por iniciativa própria, mas também é provocado a realizar fiscalizações por outras instituições e agentes públicos. O Congresso Nacional pode solicitar fiscalizações compulsoriamente, enquanto instituições e agentes públicos podem direcionar suspeitas de corrupção ao órgão de controle por meio de representações12 12 . Qualquer servidor público que, em virtude do cargo que ocupe, tenha identificado irregularidades pode mover representações (Brasil, 2012, art. 232). . Além disso, é permitido a qualquer cidadão encaminhar denúncias, cabendo ao TCU avaliar se a suspeita tem requisitos mínimos de admissibilidade. Iniciativas de cooperação formal poderiam favorecer o controle financeiro ao oferecer suspeitas razoáveis de irregularidades. Em direção contrária, também é plausível supor que a iniciativa própria e a atuação exclusiva do TCU possam aumentar a chance de identificar irregularidades em comparação aos casos que contam com iniciativas formais de cooperação institucional. Primeiro, porque o Tribunal pode escolher os municípios a serem fiscalizados de modo mais assertivo devido à especialização profissional de seus quadros técnicos (Olivieri, 2016OLIVIERI, Cecília. (2016), “A atuação dos controles interno e externo ao executivo como condicionante da execução de investimento em infraestrutura no Brasil”. Texto para Discussão, n. 2252/Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Brasília, Rio de Janeiro.). Segundo, porque agentes públicos podem ser motivados a direcionar solicitações e representações ao TCU por interesses políticos que visam gerar constrangimento sobre gestões públicas, ao invés de pretenderem solucionar casos reais de uso indevido de recursos públicos, conforme discutido na seção anterior.

Hipótese 3a (não esperada): municípios fiscalizados a partir de iniciativas formais de cooperação de instituições e agentes públicostêm maior chance de sofrerem condenação de contas quando comparados aos municípios fiscalizados por iniciativa própria e atuação exclusiva do Tribunal de Contas.

Hipótese 3b (não esperada): alternativamente, as contas municipais fiscalizadas por iniciativa própria e atuação exclusiva do TCU possuem maior chance de serem avaliadas como irregulares se comparadas aos municípios fiscalizados a partir da cooperação formal de instituições e agentes públicos.

As hipóteses apresentadas nesta seção são importantes para debater se a política partidária interfere na independência do TCU por meio da seleção de ministros, bem como para discutir se ações de cooperação ou a autonomia do Tribunal são importantes para seu desempenho no controle de contas. Independentemente dos resultados, certamente o debate continuará de pé. Como salientado anteriormente, a indicação dos ministros não é o único meio à disposição de partidos para influenciar a independência do órgão (Melo, Figueiredo e Pereira, 2009; Teixeira, 2004), e especialistas indicam que diálogos informais entre controladores e controlados podem ser promissores (Olivieri et al., 2013OLIVIERI, Cecília et al.(2013), “Organizational learning of controllers and controlled agencies: innovations and challenges in promoting accountability in the recent Brazilian democracy”. American Journal of Industrial and Business Management, v. 3, pp. 43-51.), assim como iniciativas de coordenação institucional na fase de enforcement das sanções (Figueiredo, 2001FIGUEIREDO, A. de. (2001), “Instituições e Política no Controle do Executivo”. DADOS—Revista de Ciências Sociais, v. 44, n. 4, pp. 689-727.; Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.; Taylor e Buranelli, 2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.). No entanto, o presente trabalho pretende contribuir para essa discussão ao testar hipóteses relevantes para o debate, as quais estão diretamente ligadas às dimensões de independência e de autonomia do Tribunal de Contas.

MÉTODO

Este artigo pretende verificar se a indicação política de ministros e se iniciativas formais de cooperação institucional influenciam o controle sobre recursos federais geridos por municípios. Mais especificamente, almeja estimar o efeito das variáveis de interesse sobre as chances de fiscalização e, principalmente, de condenação de contas, visto que a identificação de irregularidades abre a possibilidade de aplicação futura de sanções administrativas, além de gerar custos de reputação que prejudicam o sucesso eleitoral de candidatos e partidos. Para tanto, os testes são empreendidos por meio de sample selection model, a fim de evitar o viés de seleção gerado pelo fato de que nem todos os municípios possuem iguais chances de julgamento,visto que nem todos são fiscalizados.Em outras palavras, se todos os municípios sofressem fiscalização, qual seria o impacto das variáveis de interesse sobre a chance de condenação de contas? O modelo produz um fator de correção no primeiro estágio – também conhecido como o inverso da razão de Mills –, e o insere na equação que estima o efeito sobre as chances de condenação (segundo estágio) a fim de oferecer efeitos estimados não enviesados.

Os resultados foram estimados pelo pacote sample selection desenvolvido por Henningsen e Toomet (2015) para o software R. Os autores elaboraram o pacote a partir de uma variação do modelo de Heckman (1976, 1979) desenvolvido por Greene (1997GREENE, W. (1997), “FIML estimation of sample selection models for count data”. Working Paper, n. 97-02, Department of Economics, Stern School of Business, New York University., 2003GREENE, William. (2003), Econometric analysis. 5ª ed. New Jersey: Prentice Hall.). A principal diferença entre o modelo de Greene (1997GREENE, W. (1997), “FIML estimation of sample selection models for count data”. Working Paper, n. 97-02, Department of Economics, Stern School of Business, New York University., 2003GREENE, William. (2003), Econometric analysis. 5ª ed. New Jersey: Prentice Hall.:790) e o modelo original de Heckman (1976, 1979) é que o primeiro emprega uma variável dependente binária no segundo estágio em vez de uma variável contínua. Consequentemente, a interpretação do primeiro e do segundo estágio é semelhante aos modelos logísticos, dos quais os efeitos estimados representam a razão de chances. As expressões a seguir auxiliam na compreensão intuitiva do modelo. O primeiro e segundo estágios do modelo são representados, respectivamente, pelas equações abaixo.

F i s c i = D i + c o n t r o l e s _ p r i i + U i
C o n d i = C i + c o n t r o l e s _ s D g i + E i

Em que Fisci representa a probabilidade de um município, i, ser fiscalizada, Di o tratamento do primeiro estágio e Ui o erro. No segundo estágio, Condi representa a probabilidade de um município, i, ter suas contas condenadas, Ci o tratamento do segundo estágio, e Ei o erro.Se a segunda equação não tivesse viés de seleção – ou seja, caso fosse aleatória a escolha dos municípios fiscalizados –, o estimador β2 não seria enviesado, devido à independência entre o erro, Ei, e a variável independente, Ci . A equação a seguir ilustra o argumento:

E C o n d 1 i | C i = β 2 C i + E e i = β 2 C i

Uma vez que E(e1i)=0.

Suponha que, se Fisci>0, os municípios, i , fazem parte da amostra utilizada para explicar a condenação (Cond1i ) no segundo estágio. Caso contrário, quando Fisc2i0, as observações são excluídas da amostra no segundo estágio. As equações abaixo ilustram que a condenação de contas, Cond1i , também dependeria das variáveis que explicam a fiscalização dos municípios.

E C o n d 1 i | C i , F i s c i > 0 = β 2 C i + E e i , F i s c i > 0
E C o n d 1 i | C i , F i s c i > 0 = β 2 C i + E e i , u i - β 1 D 1

Uma vez que Fisci = β1Di + ui ,

E e i , u i - D i β 1 = σ I r r e g 2 δ F i s c 2 1 2 λ i

Em que λi é o fator de correção a ser utilizado no segundo estágio. Em suma, a aplicação do fator de correção, λi, possibilita que o efeito do tratamento do segundo estágio, β2 , não seja enviesado.

BANCO DE DADOS E AS VARIÁVEIS

O banco de dados foi produzido principalmente a partir das informações processuais disponíveis na página do TCU com data de autuação entre 2005 e 201413 13 . A partir de 2005, todos os municípios de um determinado estado foram inseridos em uma mesma lista de jurisdicionados, a qual foi designada à responsabilidade de um único relator. Antes de 2005 era possível que dois ministros fossem previamente responsáveis por um mesmo conjunto de municípios, o que poderia gerar viés nos modelos estatísticos (TCU, 2002). , além de contar com outras fontes, tais como os dados eleitorais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o Banco de Dados Legislativos do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), informações demográficas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e valores transferidos aos municípios provenientes do Portal da Transparência do Governo Federal. Os dados processuais do TCU foram obtidos por web scraping, técnica recentemente empregada nas ciências sociais para baixar e sistematizar grande volume de dados por meio de códigos de programação14 14 . Apenas o número dos processos com contas julgadas como irregulares foram obtidos por meio de pedido de acesso à informação, dado que não havia um padrão nos documentos que permitisse a extração deste dado específico por programação. Todos os outros dados, como data, relator, iniciativa, etc. foram extraídos e organizados por programação computacional. .

A organização do banco de dados buscou manter a compatibilidade entre os procedimentos adotados pelo Tribunal de Contas e os pressupostos do modelo de seleção amostral proposto. As unidades de observação (linhas do banco) correspondem aos municípios. Nos casos em que mais de um município estão vinculados a um mesmo processo, os municípios foram desagregados em unidades de observação individuais, porque o TCU fiscaliza municípios individualmente e posteriormente decide se é adequado agregá-los no mesmo processo. Nenhuma fiscalização corre o risco de não ser observada, pois todas as fiscalizações realizadas pela instituição geram processos. Essa breve descrição também é oportuna para distinguir o presente banco de dados das informações divulgadas por meio dos relatórios de atividades do TCU, que nem sempre apresentam informações desagregadas no âmbito municipal15 15 . Muitos relatórios ora expõem o número de processos em vez do número de unidades fiscalizadas, ora apresentam o número de agentes condenados. Além disso, os relatórios envolvem os agentes dos três níveis da federação e não apenas do nível municipal. .

O banco de dados conta com variáveis fiscais e demográficas, utilizadas para analisar a escolha dos municípios que são fiscalizados e para controle quando outras variáveis são aplicadas como tratamento. As transferências do governo federal aos municípios foram extraídas do Portal da Transparência do Governo Federal por web scraping e deflacionados pelo índice IGP-DI da Fundação Getulio Vargas (2015)FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS (2015). Índice Geral de Preços (IGP-DI): banco de dados, sendo que cada unidade de medida equivale a um milhão de reais. O tamanho populacional dos municípios é proveniente do IBGE e foi classificado em faixas populacionais16 16 . O tamanho populacional foi dividido em cinco faixas: de até 10 mil habitantes; de 10 a 50 mil habitantes; de 50 a 100 mil habitantes; de 100 a 500 mil habitantes; e superior a 500 mil habitantes. para evitar problemas de predição17 17 . Manter o tamanho populacional em pequenas unidades – mesmo que medido por mil habitantes – gera problemas de estimação, porque a variação do valor populacional entre as unidades de observação se torna grande o suficiente para inviabilizar a execução dos modelos probit. .

Para testar a primeira hipótese, foram elaboradas variáveis ligadas ao método de indicação e à carreira pregressa dos ministros relatores.Os relatores podem interferir na escolha dos municípios que serão fiscalizados, bem como diminuir a chance de condenação de contas ao apreciar a gestão dos recursos. Cabe ressaltar que nem sempre o relator responsável pela fiscalização é responsável pela instrução dos processos e, por isso, o banco de dados conta com variáveis diferentes para ambas as situações18 18 . No caso, o perfil dos relatores responsáveis pela fiscalização será utilizado para o primeiro estágio dos modelos, enquanto que o perfil dos relatores responsáveis pela instrução dos processos será empregado no segundo estágio. . Três dummies representam, respectivamente, municípios sob a responsabilidade de ministros que (i) percorreram carreira técnica no próprio TCU e foram escolhidos pelo presidente da República com a anuência do Congresso Nacional; que (ii) percorreram carreira técnica externa ao Tribunal e foram escolhidos pelas instituições representativas; e que (iii) ocuparam cargo eletivo antes de serem escolhidos politicamente. Essa classificação foi denominada como perfil primário dos ministros.

Para testar a segunda hipótese, uma dummy indica se, entre os municípios sob a supervisão de ministros de carreira política, o partido de origem do relator e o partido do executivo municipal pertenciam ou não à coalizão do governo federal no momento em que a fiscalização foi empreendida19 19 . A variável contou com informações do Banco de Dados Legislativos do Cebrap e do Repositório de Dados Eleitorais do TSE. . Se ambos os partidos pertenciam simultaneamente à coalizão, o município foi classificado como aliado. Em sentido oposto, se ambos pertencem a grupos diferentes, os municípios foram classificados como adversários. Como exposto na terceira seção referente às hipóteses, tal operacionalização se justifica porque ministros recompensariam o partido responsável por sua escolha (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Melo, Figueiredo e Pereira, 2009) e porque ministros poderiam beneficiar ou prejudicar municípios com o objetivo de influenciar o sucesso eleitoral de candidatos federais, dado que estes também dependem do apoio prestado por atores municipais (Avelino, Biderman e Barone, 2012; Bezerra, 1999; Mainwaring, 1999; Novaes, 2014NOVAES, Lucas. (2014), “Promiscuous politicians and the problem of party building: Local politicians as party brokers”. Working Paper, APSA, Washington, DC.)20 20 . Os especialistas consideram que dirigentes dos tribunais de contas recompensariam os partidos responsáveis por sua indicação buscando isentar as contas destes últimos e de seus aliados e, ao contrário deste trabalho, não esperam que ministros onerem a gestão de partidos adversários (Ferraz e Finan, 2008; Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Pereira e Melo, 2016). De qualquer forma, vale ressaltar que ambos os modelos probabilísticos, deste artigo e dos demais, não conseguem inferir o efeito de cada um desses incentivos separadamente. Isso não significa que esta limitação implique viés estatístico, dado que os dois incentivos, da isenção e da punição, aumentariam a diferença entre as gestões municipais de partidos aliados e dos demais partidos. Ou seja, é possível estimar a diferença da chance de condenação entre os grupos, mas não qual dos dois incentivos é o predominante. . Entretanto, se os ministros buscam retribuir ao apoio conferido à sua candidatura ao cargo no TCU, como supõe a literatura, o presente artigo espera que os ministros buscarão isentar as contas municipais tanto de seu partido de origem quanto das bancadas aliadas a este na esfera federal, devido ao vínculo partidário entre ministros e sua bancada de origem, e devido às alianças que se formam no interior do Congresso Nacional na lógica coalizão-oposição (Figueiredo e Limongi, 1999FIGUEIREDO, Argelina C.; LIMONGI, Fernando. (1999), Executivo e Legislativo na Nova Ordem Constitucional. São Paulo: FGV Editora., 2000, 2007; Amorim Neto, 2002; Pereira e Mueller, 2000PEREIRA, Carlos; MUELLER, Bernardo. (2000), “Uma Teoria da Preponderância do Poder Executivo. O Sistema de Comissões no Legislativo Brasileiro”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 43, pp. 45-67.).

O modelo pressupõe que ministros podem tentar privilegiar ou prejudicar forças políticas municipais nas ocasiões em que, segundo sua percepção, as legendas partidárias em ambas as esferas de governo têm relação entre si. Nos casos em que, segundo a percepção dos ministros, não existe compatibilidade entre os partidos nos níveis municipal e federal, a expectativa é que seu comportamento não será partidário e, consequentemente, os efeitos estimados não serão enviesados, nem para mais, nem para menos. Portanto, o modelo empregado não pressupõe que as legendas partidárias nos níveis municipal e federal estão sempre conectadas, mas sim que, quando os ministros identificam semelhanças, suas ações podem ser partidariamente motivadas.

Ainda considerando a segunda hipótese, outra dummy foi construída para diferenciar os municípios sob a responsabilidade de ministros escolhidos antes e depois da alternância partidária no executivo federal em 2003, a fim de testar se as indicações sob os dois governos que lideraram a disputa presidencial influenciaram o desempenho do Tribunal de Contas.

A última hipótese emprega variáveis de interesse que representam diferentes tipos de iniciativa de fiscalização. Nesse sentido, dummies retratam iniciativas formais de cooperação institucional quando as fiscalizações contam com a presença de (i) solicitações do Congresso Nacional21 21 . As solicitações do Congresso Nacional são analisadas compulsoriamente pelo TCU. Podem requerer fiscalização os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, além dos presidentes das comissões de ambas as casas legislativas se a maioria dos membros da respectiva comissão aprovar (Brasil, 2012, art. 232). e de (ii) representações de outras instituições públicas22 22 . Podem mover representações qualquer servidor público que, em virtude do cargo que ocupe, tenha identificado irregularidades, bem como entidades privadas que identifiquem falta de lisura em processos de licitações. Nestes casos, cabe ao relator decidir sobre as providências que serão tomadas antes de decisão em colegiado. , enquanto a ocorrência de (iii) iniciativa própria e atuação exclusiva representa a autonomia do TCU quanto à escolha dos municípios que serão alvos de fiscalização. Outra variável adicional foi criada para casos de (iv) denúncia, que não representam iniciativas formais de cooperação institucional, visto que não partem de agentes políticos e burocráticos em razão do cargo que ocupam23 23 . As denúncias podem ser elaboradas por qualquer cidadão, mas a decisão de fiscalizar os denunciados pertence ao relator, após a avaliação dos requisitos de admissibilidade pela unidade técnica competente, tais como identificação do denunciado e indícios de irregularidade e ilegalidade (Brasil, 2012, art. 235). .

RESULTADOS

A análise desta seção aponta para dois resultados: (i) a indicação política dos ministros pouco afeta a chance de condenação de contas e (ii) a autonomia do TCU em iniciar fiscalizações e sua atuação exclusiva elevam a chance de condenação de contas quando comparadas aos casos em que instituições cooperam oferecendo suspeitas de irregularidade. Inclusive, o volume de recursos repassados pela União aos municípios é o principal incentivo para o Tribunal selecionar os municípios que serão fiscalizados, apesar de não ser o único.

O Gráfico 1 apresenta o volume de municípios fiscalizados e condenados segundo o ano de autuação. Os traços horizontais planos representam os valores médios24 24 . O número de fiscalizados é uma estimativa próxima do valor real, uma vez que o ano de fiscalização tem como base a data em que o município foi autuado. . O Gráfico 1 não tem a pretensão de verificar o aumento ou diminuição do julgamento por irregularidade ao longo do tempo, mas o de comparar a diferença entre a quantidade de municípios fiscalizados e o número de municípios fiscalizados no mesmo ano que futuramente foram julgados como irregulares. É preciso cautela neste ponto, pois, muito provavelmente, parte da queda de contas julgadas como irregulares nos últimos anos é consequência do fato de que os municípios fiscalizados ainda não tinham sido julgados na data da coleta dos dados25 25 . Os dados foram coletados em 2015. . A média de contas municipais condenadas equivale a aproximadamente 28% da média das cidades fiscalizadas.

Gráfico 1
Número de municípios fiscalizados e com contas julgadas como irregulares segundo o ano de autuação

O Gráfico 2 apresenta o número total de municípios fiscalizados e condenados segundo o tipo de iniciativa entre os anos de 2005 e 2014. A maior parte das fiscalizações e condenações foi provocada por iniciativa do TCU, indicando o protagonismo da instituição no controle de recursos federais transferidos aos municípios. Embora o número de fiscalizações provocadas por outras instituições públicas ocupe quase um terço do total, estas resultaram em pouquíssimas condenações. A quantidade de denúncias e solicitações do Congresso Nacional é muito pequena quando comparada às demais iniciativas, além de gerar pequeno número de condenações.

Gráfico 2
Número de municípios fiscalizados e com contas julgadas como irregulares segundo o tipo de iniciativa entre 2005 e 2014

O Gráfico 3 descreve o percentual de condenações em relação ao número de fiscalizações para cada tipo de iniciativa durante os anos de 2005 e 2014. O TCU tem maior aproveitamento de fiscalizações, visto que 46,7% de suas iniciativas geram condenações, seguidas por denúncias (13,2%), solicitações do Congresso Nacional (10,4%) e representações de outras instituições públicas (0,3%). É curioso notar que, apesar do elevado número de representações de outras instituições públicas – apontado pelo Gráfico 4 –, essas provocações implicam em baixíssima taxa de condenação, indicando que este canal de cooperação é pouco promissor para identificar irregularidades.

Gráfico 3
Taxa de municípios com contas julgadas como irregulares segundo o tipo de iniciativa entre 2005 e 2014

Gráfico 4
Número de municípios fiscalizados e com contas julgadas como irregulares segundo o perfil dos relatores entre 2005 e 2014

A indicação dos ministros por instituições representativas seria o principal canal de influência dos partidos. Nem todos os ministros escolhidos pelo Congresso Nacional percorreram carreira política e, mais importante, existem três cargos de ministro substituto provenientes do corpo de auditores do órgão, os quais não são indicados pelas instituições representativas26 26 . Até 2008, dois auditores exerciam o papel de relator e, mesmo quando não convocados para substituir os ministros, poderiam instruir processos (Brasil, 1992, art. 63 e 78). Após 2008, uma nova legislação aumentou para três o número de auditores que poderiam exercer relatoria (Brasil, 2008a). . Ao contrário dos tribunais de contas estaduais, em que auditores substitutos assumem prerrogativas dos ministros titulares esporadicamente (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016), os ministros substitutos do TCU não agem apenas em caso de vacância dos ministros titulares e também assumem a responsabilidade pela fiscalização e avaliação de contas municipais. O Quadro 1 apresenta o perfil e o partido de origem de todos os ministros que atuaram no TCU entre 1988 e 2014. No período estudado, o número total de ministros com perfil técnico (16) foi semelhante ao número de ministros provenientes de carreira política (15). Dos ministros com perfil técnico, dez fizeram parte dos quadros profissionais do próprio TCU, enquanto seis foram escolhidos pelo Congresso entre atores que percorreram carreira técnica externa ao Tribunal. Os três perfis estiveram relativamente bem distribuídos ao longo do tempo.

Quadro 1
Ministros do Tribunal de Contas da União que atuaram entre 1988 e 2014, por perfil e partido de origem

O Gráfico 4 apresenta, separadamente, o número de municípios fiscalizados e condenados segundo o perfil dos relatores e o ano de autuação27 27 . Apesar de expor com clareza como os trabalhos do Tribunal foram distribuídos ao longo do tempo, o Gráfico 6 não pode ser utilizado como um indicativo de produtividade por tipo de perfil, porque o número de ministros de cada perfil se manteve desigual desde a redemocratização. . Na maior parte do tempo os municípios fiscalizados foram designados principalmente à responsabilidade de relatores de origem dos quadros profissionais do próprio TCU, seguidos de relatores de perfil político e de carreira técnica de outras instituições. Os municípios autuados no mesmo período e que vieram a ter suas contas julgadas como irregulares apresentam uma distribuição semelhante, apesar das oscilações diferentes. O Gráfico 5, por sua vez, considera apenas os relatores de perfil político, a fim de ressaltar como os trabalhos foram distribuídos entre os executivos municipais, classificados como aliados ou adversários do partido de origem do relator. Na maior parte do tempo, a distribuição foi muito semelhante entre os relatores adversários e aliados.

Gráfico 5
Número de municípios fiscalizados e com contas julgadas como irregulares segundo o antigo vínculo partidário dos relatores de perfil político entre 2005 e 2014

O Gráfico 6 sintetiza a distribuição de fiscalizados e condenados no período28 28 . Este gráfico também não deve ser utilizado como indicador de produtividade de acordo com o perfil dos ministros, dada a quantidade desigual de ministros políticos e técnicos. . A parte esquerda do gráfico apresenta a distribuição entre os perfis primários, ao passo que a parte direita se refere exclusivamente aos relatores de perfil político, divididos entre aliados e adversários. Ambos os municípios fiscalizados e condenados estiveram majoritariamente sob a instrução de relatores de origem técnica do TCU, seguida de relatores de perfil político e provenientes de carreira técnica de outras instituições, respectivamente. Por usa vez, o número de municípios fiscalizados e condenados pouco difere entre os relatores classificados como adversários e aliados.

Gráfico 6
Número total de municípios fiscalizados e com contas julgadas como irregulares segundo o perfil do relator entre 2005 e 2014

O Gráfico 7 expõe a taxa de municípios condenados em relação ao número de fiscalizações para cada perfil dos ministros. A taxa de aproveitamento entre os perfis é muito semelhante, dado que – com exceção dos ministros que percorreram carreira técnica externa – irregularidades são identificadas em cerca de 30% das fiscalizações.

Gráfico 7
Taxa de municípios com contas julgadas como irregulares segundo o perfil do relator entre 2005 e 2014

Antes de analisar o efeito das variáveis de interesse sobre a chance de condenação de contas, modelos logísticos serão empregados para identificar o que motiva o Tribunal de Contas a escolher os municípios que serão fiscalizados. A Tabela 1 do Anexo 1 ANEXO 1 Tabela 1 Efeito de variáveis fiscais e demográficas sobre a chance de municípios sofrerem fiscalização Chance de fiscalização1 Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6 Receita transferida aos municípios2 1.0037***3 (1.0001) 1.0041*** (1.0001) 1.0039*** (1.0001) 1.0039*** (1.0001) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.2940*** (1.0284) 1.3385*** (1.0284) 1.2155*** (1.0307) 1.1683*** (1.0306) 1.2155*** (1.0307) Entre 50 e 100 mil habitantes 2.2492*** (1.0704) 1.9698*** (1.0707) 1.8000*** (1.0747) 2.0144* (1.0744) 1.8000*** (1.0747) Entre 100 e 500 mil habitantes 2.7702*** (1.0806) 1.6428*** (1.0845) 1.6555*** (1.0864) 2.7052*** (1.0827) 1.6555*** (1.0864) Superior a 500 mil habitantes 9.1583*** (1.2169) 0.8530 (1.2776) 0.9918 (1.2764) 9.0497*** (1.2212) 0.9918 (1.2764) Municípios sob a responsabilidade de ministros “adversários” 1.0543*** (1.0175) 1.0304** (1.0172) 1.0543*** (1.0175) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.2066*** (1.0169) 1.2023*** (1.0166) 1.2066*** (1.0169) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.8861*** (1.0258) 0.8948*** (1.0252) 0.8861*** (1.0258) Municípios sob a responsabilidade de ministros escolhidos antes do governo Lula 0.8404*** (1.0141) 0.8305*** (1.0138) 0.8404*** (1.0141) Constante 0.4125*** (1.0066) 0.4381*** (1.0063) 0.3806*** (1.0074) 0.3848*** (1.0144) 0.4470*** (1.0135) 0.3848*** (1.0144) Observations 60,587 53,584 53,584 49,884 49,884 49,884 Log Likelihood4 -31,053.630 -27,461.190 -26,342.940 -24,044.880 -25,092.490 -24,044.880 Akaike Inf. Crit. 62,111.270 54,932.380 52,697.880 48,109.760 50,202.990 48,109.760 Fonte: elaborado pelo autor. Notas: 1Os estimadores já foram convertidos de sua forma logarítmica para razão de chances. 2Para cada variável foram estimados, respectivamente, o efeito médio e o erro padrão. 3Os asteriscos representam p-values (p) na seguinte razão: *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01. 4Log-Likelihood não pode ser interpretado isoladamente como ajuste do modelo, dado que seu valor é função do tamanho amostral, mas é útil para comparar os coeficientes entre os modelos. Quanto menor o coeficiente, mais acurados os efeitos estimados (βs). apresenta o impacto de variáveis fiscais e demográficas estimado por meio de modelo probit, O volume de recursos transferidos pela União é o incentivo mais importante para a seleção do município a ser fiscalizado, indicando que o TCU prioriza proteger as maiores receitas. O Gráfico 8 ilustra o efeito dos recursos transferidos sobre a probabilidade de fiscalização. Os intervalos de confiança de todos os gráficos deste artigo foram estimados com 5% de confiança. Os modelos 4 e 6 têm como variáveis de controle o perfil dos ministros responsáveis por fiscalizar, e os modelos 3 e 6 controlam por população. Do menor valor de receita recebida (menos de 1 milhão) até o valor recebido pelo município do 99º percentil (443 milhões), a probabilidade de fiscalização varia entre 29,2% e 67,4%, segundo os modelos 1 e 4. Mesmo quando corrigido pela população, a mesma variação de receita transferida implica em aumento na probabilidade de fiscalização de 42,8% a 82,3% segundo o modelo 3, ou de 40,2% a78,9% de acordo com o modelo 6.

Gráfico 8
Probabilidade de os municípios serem fiscalizados segundo a receita proveniente do governo federal

O Gráfico 9, por sua vez, mostra o efeito do tamanho populacional sobre a chance de fiscalização, corrigindo pelo perfil dos ministros (modelos 5 e 6) e pelo volume de recursos provenientes do nível federal (modelos 3 e 6). Os testes podem ser consultados na Tabela 1 do Anexo 1 ANEXO 1 Tabela 1 Efeito de variáveis fiscais e demográficas sobre a chance de municípios sofrerem fiscalização Chance de fiscalização1 Modelo 1 Modelo 2 Modelo 3 Modelo 4 Modelo 5 Modelo 6 Receita transferida aos municípios2 1.0037***3 (1.0001) 1.0041*** (1.0001) 1.0039*** (1.0001) 1.0039*** (1.0001) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.2940*** (1.0284) 1.3385*** (1.0284) 1.2155*** (1.0307) 1.1683*** (1.0306) 1.2155*** (1.0307) Entre 50 e 100 mil habitantes 2.2492*** (1.0704) 1.9698*** (1.0707) 1.8000*** (1.0747) 2.0144* (1.0744) 1.8000*** (1.0747) Entre 100 e 500 mil habitantes 2.7702*** (1.0806) 1.6428*** (1.0845) 1.6555*** (1.0864) 2.7052*** (1.0827) 1.6555*** (1.0864) Superior a 500 mil habitantes 9.1583*** (1.2169) 0.8530 (1.2776) 0.9918 (1.2764) 9.0497*** (1.2212) 0.9918 (1.2764) Municípios sob a responsabilidade de ministros “adversários” 1.0543*** (1.0175) 1.0304** (1.0172) 1.0543*** (1.0175) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.2066*** (1.0169) 1.2023*** (1.0166) 1.2066*** (1.0169) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.8861*** (1.0258) 0.8948*** (1.0252) 0.8861*** (1.0258) Municípios sob a responsabilidade de ministros escolhidos antes do governo Lula 0.8404*** (1.0141) 0.8305*** (1.0138) 0.8404*** (1.0141) Constante 0.4125*** (1.0066) 0.4381*** (1.0063) 0.3806*** (1.0074) 0.3848*** (1.0144) 0.4470*** (1.0135) 0.3848*** (1.0144) Observations 60,587 53,584 53,584 49,884 49,884 49,884 Log Likelihood4 -31,053.630 -27,461.190 -26,342.940 -24,044.880 -25,092.490 -24,044.880 Akaike Inf. Crit. 62,111.270 54,932.380 52,697.880 48,109.760 50,202.990 48,109.760 Fonte: elaborado pelo autor. Notas: 1Os estimadores já foram convertidos de sua forma logarítmica para razão de chances. 2Para cada variável foram estimados, respectivamente, o efeito médio e o erro padrão. 3Os asteriscos representam p-values (p) na seguinte razão: *p<0.1; **p<0.05; ***p<0.01. 4Log-Likelihood não pode ser interpretado isoladamente como ajuste do modelo, dado que seu valor é função do tamanho amostral, mas é útil para comparar os coeficientes entre os modelos. Quanto menor o coeficiente, mais acurados os efeitos estimados (βs). . Aparentemente, quanto maior a faixa populacional do município maior a chance de fiscalização, como sugerem os modelos 2 e 5, mas quando controlado pelo volume de recursos transferidos nos modelos 3 e 6, não há necessariamente associação positiva entre o número de habitantes e a chance de fiscalização, visto que cidades entre 50 e 100 mil habitantes têm maior chance de serem selecionadas mesmo quando comparadas as duas maiores faixas populacionais. Tal resultado gera desconfiança quanto ao argumento de que dirigentes dos tribunais de contas teriam interesse de atingir maior número de eleitores com suas fiscalizações (Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016). Portanto, parece ser mais consistente a existência do interesse institucional de proteger maior volume de recursos, e não o de atingir politicamente maior volume de eleitores (Gráfico 8).

Gráfico 9
Efeito do tamanho populacional sobre as chances de municípios sofrerem fiscalização (Primeiro Estágio)

Os modelos da Tabela 2 do Anexo 2 ANEXO 2 Tabela 2 Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem fiscalização1 Modelo 7 Modelo 8 Modelo 9 Municípios sob a responsabilidade de ministros aliados2 1.0317* (1.0164) Municípios sob a responsabilidade ministros escolhidos antes do governo Lula 0.8420*** (1.0141) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.0882***3 (1.0138) 1.1078*** (1.0168) 1.1753*** (1.0145) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.8985*** (1.0233) 0.9147*** (1.0252) 0.8642*** (1.0244) Recursos federais transferidos aos municípios (deflacionado e medido em milhões de reais) 1.0040*** (1.0001) 1.0040*** (1.0001) 1.0039*** (1.0001) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.3251*** (1.0285) 1.3242*** (1.0285) 1.2159*** (1.0307) Entre 50 e 100 mil habitantes 1.9649*** (1.0708) 1.9634*** (1.0708) 1.8001*** (1.0747) Entre 100 e 500 mil habitantes 1.6448*** (1.0843) 1.6405*** (1.0843) 1.6503*** (1.0864) Superior a 500 mil habitantes 0.8969 (1.2767) 0.8934 (1.2764) 0.9875 (1.2765) Constante 0.3761*** (1.0089) 0.3694*** (1.0129) 0.3946*** (1.0117) Observations 53,584 53,584 49,884 Log Likelihood4 -26,308.8300 -26,306.9500 -24,049.5900 Akaike Inf. Crit. 52,633.6600 52,631.8900 48,117.1800 Fonte: elaborado pelo autor. Notas: 1Os estimadores já foram convertidos de sua forma logarítmica para razão de chances. 2Para cada variável foram estimados, respectivamente, o efeito médio e o erro padrão. 3Os asteriscos representam p-values (p) na seguinte razão: *p<0.1; **p<0.05; e ***p<0.01. 4Log-Likelihood não pode ser interpretado isoladamente como ajuste do modelo, dado que seu valor é função do tamanho amostral, mas é útil para comparar os coeficientes entre os modelos. Quanto menor o coeficiente, mais acurados os efeitos estimados. Fonte: elaborado pelo autor. testam se a origem dos ministros tem efeito sobre a chance de fiscalização. O Gráfico 10 simplifica o efeito das variáveis de interesse. Estar sob a responsabilidade de ministros de carreira do próprio Tribunal representa maior chance de fiscalização, o que corrobora com o argumento de Melo, Pereira e Figueiredo (2009), segundo o qual técnicos teriam maior iniciativa para investigar se comparados a dirigentes políticos. Segundo o modelo 7, em relação à chance de ser fiscalizado por ministros que percorreram carreira política (variável omitida), a chance de ser fiscalizado por ministros provenientes dos quadros profissionais do TCU corresponde a 1,09 vezes (8,8% a mais), ao passo que em relação à mesma variável omitida a chance de fiscalização de ministros de carreira externa ao Tribunal representa 0.9 vezes (ou 10,1% a menos)29 29 . Cálculo representado pela expressão 1-0.8985=0.1015. . Por sua vez, a chance de fiscalização não diminui quando municípios estão sob responsabilidade de relatores classificados como aliados (modelo 8), e a chance também não aumenta nos casos de ministros escolhidos antes do governo Lula (modelo 9), o que contraria o argumento de que vínculos partidários pregressos criariam incentivos para que ministros busquem isentar aliados ou onerar adversários.

Gráfico 10
Efeito da origem dos ministros sobre as chances de os municípios sofrerem fiscalização

Embora ministros que percorreram carreira técnica no interior do TCU apresentem maior iniciativa para fiscalizar municípios (modelo 7), ainda cabe responder se esse efeito se mantém quanto às chances de condenação de contas. Como salientado anteriormente, é o julgamento pela irregularidade de contas que abre espaço para a aplicação de sanções e que pode acarretar custos eleitorais decorrentes de danos de reputação, e não o simples fato de ser fiscalizado (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Pereira e Melo, 2016). Para testar as hipóteses 1 e 2 deste artigo, a seguir será examinado o efeito da origem dos ministros sobre a chance de condenação de contas, estimado pelo segundo estágio dos modelos da Tabela 3 do Anexo 3 ANEXO 3 Tabela 3 Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem condenação de contas Fiscalização (Primeiro Estágio) Modelo 10 Modelo 11 Modelo 12 Municípios sob a responsabilidade de ministros aliados 1.0423** (1.0165) Municípios sob a responsabilidade ministros escolhidos antes do governo Lula 0.8345*** (1.0141) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.1359*** (1.0137) 1.1636*** (1.0168) 1.2295*** (1.0144) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.9296*** (1.0232) 0.9523** (1.0251) 0.8868*** (1.0245) Recursos federais transferidos aos municípios (deflacionado e medido em milhões de reais) 1.0027*** (1.0001) 1.0027*** (1.0001) 1.0026*** (1.0001) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.3083*** (1.0293) 1.3073*** (1.0293) 1.1829*** (1.0317) Entre 50 e 100 mil habitantes 1.9723*** (1.0732) 1.9698*** (1.0732) 1.7501*** (1.0779) Entre 100 e 500 mil habitantes 1.8547*** (1.0848) 1.8517*** (1.0849) 1.8363*** (1.0872) Superior a 500 mil habitantes 1.1903 (1.2818) 1.1877 (1.2824) 1.2872 (1.2849) Constante 0.3619*** (1.0087) 0.3534*** (1.0129) 0.3801*** (1.0115) Condenação de contas (Segundo Estágio) Modelo 8 Modelo 9 Modelo 10 Municípios sob a responsabilidade de ministros aliados 0.9868 (1.0131) Municípios sob a responsabilidade ministros escolhidos antes do governo Lula 0.9892 (1.0094) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.0317*** (1.0085) 1.0250** (1.0107) 1.0472*** (1.0094) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.9590** (1.0166) 0.9535*** (1.0179) 0.9437*** (1.0192) Iniciativa do TCU 1.5804*** 1.5808*** 1.5501*** (1.0086) (1.0086) (1.0091) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.0515*** 1.0502*** 0.9845 (1.0179) (1.0179) (1.0199) Entre 50 e 100 mil habitantes 0.9455 0.9437 0.8625*** (1.0373) (1.0373) (1.0414) Entre 100 e 500 mil habitantes 0.9160** 0.9127** 0.9000*** (1.0398) (1.0398) (1.0417) Superior a 500 mil habitantes 1.0072 1.0027 1.0303 (1.0633) (1.0632) (1.0679) Constante 0.7389*** 0.7466*** 0.7343*** (1.0212) (1.0222) (1.0223) Observations 52,440 52,440 48,793 Log Likelihood5 -30,001.6800 -29,997.8800 -27,265.6600 rho4 0.5017*** (0.0255) 0.4964*** (0.0257) 0.5148*** (0.0262) Fonte: elaborado pelo autor. Notas: 1Os estimadores já foram convertidos de sua forma logarítmica para razão de chances em ambos primeiro e segundo estágios. 2Para cada variável foram estimados, respectivamente, o efeito médio, o erro padrão e o intervalo de confiança com 95%. 3Os asteriscos representam p-values (p) na seguinte razão: *p<0.1; **p<0.05; e ***p<0.01. 4Coeficiente de correlação entre os erros do primeiro e segundo estágios. 5Log-Likelihood não pode ser interpretado isoladamente como ajuste do modelo, dado que seu valor é função do tamanho amostral, mas é útil para comparar os coeficientes entre os modelos. Quanto menor o coeficiente, mais acurados os efeitos estimados (βs). Fonte: elaborado pelo autor. .

Para facilitar a compreensão dos dados, o Gráfico 11 ilustra os efeitos médios estimados e seus intervalos de confiança30 30 . As variáveis de interesse estão representadas pela cor azul. . Apesar de ministros que percorreram carreira técnica no interior do TCU acarretem maior chance de condenação de contas em relação aos ministros políticos, o efeito estimado é extremamente baixo, com 3,2% a mais em média (modelo 10). Embora tal resultado tecnicamente corrobore a hipótese 1a, a diferença entre ministros de origem técnica e política é irrisória, aproximando-se da hipótese 1b defendida pelo presente trabalho. Ou seja, a interpretação que se extrai deste resultado é que o efeito de ministros técnicos sobre o controle de contas pouco importa. Tal interpretação contraria o argumento defendido por Hidalgo, Canello e Oliveira-de-Lima (2016), os quais também encontraram efeitos muito baixos, mas os interpretaram como relevantes.

Gráfico 11
Efeito da origem dos ministros sobre as chances de os municípios sofrerem condenação de contas (Segundo Estágio)

Além disso, ministros classificados como aliados ou escolhidos antes do governo Lula não alteram a chance de condenação de contas com significância estatística, rejeitando a hipótese 2a. Mesmo se o intervalo de confiança fosse desconsiderado, segundo o modelo 11 em média municípios sob a instrução processual de ministros classificados como aliados teriam somente 1,3% a menos de chances de condenação de contas quando comparados aos dos adversários31 31 . Cálculo representado pela expressão 1-0.9868=0.0132. . Portanto, o diagnóstico contribui para a validade da hipótese 2b, segundo a qual ministros de origem política não costumam isentar municípios governados por partidos aliados em relação ao seu partido de origem32 32 . Testes adicionais foram realizados para verificar se o tamanho populacional altera o efeito das variáveis de interesse sobre a chance de condenação de contas, mas não obtiveram significância estatística. . Isso não significa que eventualmente ministros não busquem recompensar seu partido de origem, mas o modelo sugere que probabilisticamente tal comportamento é raro quando considerado o universo total de municípios.

Para verificar se a chance de condenação de contas aumenta com iniciativas formais de cooperação institucional (hipótese 3a) ou com a autonomia do TCU (hipótese 3b), a Tabela 3 do Anexo 3 ANEXO 3 Tabela 3 Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem condenação de contas Fiscalização (Primeiro Estágio) Modelo 10 Modelo 11 Modelo 12 Municípios sob a responsabilidade de ministros aliados 1.0423** (1.0165) Municípios sob a responsabilidade ministros escolhidos antes do governo Lula 0.8345*** (1.0141) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.1359*** (1.0137) 1.1636*** (1.0168) 1.2295*** (1.0144) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.9296*** (1.0232) 0.9523** (1.0251) 0.8868*** (1.0245) Recursos federais transferidos aos municípios (deflacionado e medido em milhões de reais) 1.0027*** (1.0001) 1.0027*** (1.0001) 1.0026*** (1.0001) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.3083*** (1.0293) 1.3073*** (1.0293) 1.1829*** (1.0317) Entre 50 e 100 mil habitantes 1.9723*** (1.0732) 1.9698*** (1.0732) 1.7501*** (1.0779) Entre 100 e 500 mil habitantes 1.8547*** (1.0848) 1.8517*** (1.0849) 1.8363*** (1.0872) Superior a 500 mil habitantes 1.1903 (1.2818) 1.1877 (1.2824) 1.2872 (1.2849) Constante 0.3619*** (1.0087) 0.3534*** (1.0129) 0.3801*** (1.0115) Condenação de contas (Segundo Estágio) Modelo 8 Modelo 9 Modelo 10 Municípios sob a responsabilidade de ministros aliados 0.9868 (1.0131) Municípios sob a responsabilidade ministros escolhidos antes do governo Lula 0.9892 (1.0094) Municípios sob a responsabilidade de ministros técnicos do TCU 1.0317*** (1.0085) 1.0250** (1.0107) 1.0472*** (1.0094) Municípios sob a responsabilidade de ministros de carreira técnica externa do TCU 0.9590** (1.0166) 0.9535*** (1.0179) 0.9437*** (1.0192) Iniciativa do TCU 1.5804*** 1.5808*** 1.5501*** (1.0086) (1.0086) (1.0091) Entre 10 e 50 mil habitantes 1.0515*** 1.0502*** 0.9845 (1.0179) (1.0179) (1.0199) Entre 50 e 100 mil habitantes 0.9455 0.9437 0.8625*** (1.0373) (1.0373) (1.0414) Entre 100 e 500 mil habitantes 0.9160** 0.9127** 0.9000*** (1.0398) (1.0398) (1.0417) Superior a 500 mil habitantes 1.0072 1.0027 1.0303 (1.0633) (1.0632) (1.0679) Constante 0.7389*** 0.7466*** 0.7343*** (1.0212) (1.0222) (1.0223) Observations 52,440 52,440 48,793 Log Likelihood5 -30,001.6800 -29,997.8800 -27,265.6600 rho4 0.5017*** (0.0255) 0.4964*** (0.0257) 0.5148*** (0.0262) Fonte: elaborado pelo autor. Notas: 1Os estimadores já foram convertidos de sua forma logarítmica para razão de chances em ambos primeiro e segundo estágios. 2Para cada variável foram estimados, respectivamente, o efeito médio, o erro padrão e o intervalo de confiança com 95%. 3Os asteriscos representam p-values (p) na seguinte razão: *p<0.1; **p<0.05; e ***p<0.01. 4Coeficiente de correlação entre os erros do primeiro e segundo estágios. 5Log-Likelihood não pode ser interpretado isoladamente como ajuste do modelo, dado que seu valor é função do tamanho amostral, mas é útil para comparar os coeficientes entre os modelos. Quanto menor o coeficiente, mais acurados os efeitos estimados (βs). Fonte: elaborado pelo autor. apresenta os modelos que empregam no segundo estágio variáveis independentes ligadas ao tipo de iniciativa. O Gráfico 12 ilustra de modo mais claro os efeitos estimados. Segundo o modelo 13, a chance de condenação dos municípios fiscalizados por iniciativa e atuação exclusiva do TCU é, em média, bem superior às chances de cidades fiscalizadas por solicitação do Congresso Nacional – com diferença de 22,34% entre chances – e por representação de outras instituições públicas – 37,99%33 33 . Cálculos representados respectivamente pelas expressões 1.0528-0.8294=0.2234 e 1.0528-0.6729=0.3799. . A única diferença não significativa se refere à comparação entre denúncias e iniciativa e atuação exclusiva do TCU, mas denúncias não representam cooperação institucional, pois não partem de agentes políticos e burocráticos em razão de seu cargo. Também cabe ressaltar que denúncias contra municípios são raras e que, portanto, pouco fazem parte da rotina do Tribunal de Contas, como é possível observar no Gráfico 2 apresentado no início desta seção. O diagnóstico se mantém no modelo 14, em que fiscalizações que contam com qualquer iniciativa formal de cooperação institucional têm, em média, 38,88% menos chances de gerar condenação se comparadas às iniciativas do TCU, o que fortalece a hipótese 3b34 34 . Cálculo representado pela expressão 1.0784-0.6896=0.3888. .

Gráfico 12
Efeito da iniciativa de fiscalização sobre as chances de os municípios sofrerem condenação de contas (Segundo Estágio)

Os modelos 7 e 8 empregam variáveis de interação para verificar se ministros políticos utilizam a cooperação de outras instituições para privilegiar aliados. No entanto, cooperações institucionais e denúncias não diminuem significativamente o efeito de relatores aliados sobre a chance de condenação, além de apresentarem efeitos médios muito pequenos – diferença de 2,9% e 1,7% segundo os modelos 7 e 8, respectivamente. Em suma, os resultados sugerem que a indicação política dos ministros pouco afeta a chance de condenação de contas, ao passo que a autonomia do TCU em iniciar fiscalizações e sua atuação exclusiva elevam a chance de condenação de contas quando comparadas aos casos em que instituições cooperam oferecendo suspeitas de irregularidade.

DISCUSSÃO

O presente artigo foi motivado a testar hipóteses relacionadas à independência e autonomia institucional no controle de contas. Os testes verificaram se a seleção política e técnica dos ministros influencia o controle sobre recursos municipais provenientes da União, bem como se a livre-iniciativa do TCU aumenta a chance de identificação de irregularidades, quando comparada às iniciativas de cooperação formal de instituições que informam suspeitas de irregularidade.

Em primeiro lugar, o diagnóstico indica que a primeira suspeita é pouco consistente. Se partidos políticos conseguem influenciar a atuação do órgão, isso não costuma ser feito por meio da seleção dos ministros. A chance de condenação de contas praticamente não se altera quando municípios estão sob a responsabilidade de ministros técnicos ou políticos, e nem quando os governos municipais são considerados aliados do partido de origem de ministros políticos. Ou seja, os testes indicam que esses efeitos são irrisórios. As explicações mais plausíveis para o resultado se referem ao fato de que todos os ministros possuem quadros técnicos igualmente especializados que atenuam diferenças de expertise entre técnicos e políticos e, principalmente, contam com garantias institucionais de independência que enfraquecem laços partidários pregressos. Isso não significa que não existam eventuais casos de ministros que recompensam seus partidos de origem, mas probabilisticamente tal comportamento é raro, quando se considera o universo total de municípios.

Em segundo lugar, a autonomia do TCU é mais importante para identificar irregularidades quando comparada às iniciativas formais de cooperação. Fiscalizações estimuladas por cooperação de instituições que informam suspeitas de irregularidade não geram mais condenações de contas municipais em relação à iniciativa própria e atuação exclusiva do órgão. Além do Tribunal de Contas possuir maior capacidade técnica para escolher os municípios suspeitos de modo mais assertivo, agentes públicos podem ser motivados a direcionar solicitações e representações ao TCU pelo interesse de gerar constrangimentos sobre gestões municipais ao invés de pretenderem solucionar casos reais de uso indevido de recursos públicos. Em outras palavras, manter canais de acesso para agentes públicos provocarem o TCU pode acarretar no custo de sobrecarregar a agenda do órgão com suspeitas infundadas.

No entanto, o debate está longe de ser encerrado. Apesar do diagnóstico corroborar o argumento de que a independência do Tribunal para avaliar a gestão financeira é pouco permissiva à influência partidária pela via da indicação de seus dirigentes, outros canais de influência política ressaltados pela literatura também merecem mais investigação empírica em estudos futuros (Melo, Pereira e Figueiredo, 2009, Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.)35 35 . Trabalhos destacam a possibilidade do Legislativo e do Executivo alterarem a receita de instituições de controle financeiro (Santiso, 2007; Speck, 2011), além de sugerirem que ambientes com menor competitividade eleitoral diminuiriam a independência dos tribunais de contas (Melo, Figueiredo e Pereira, 2009). . Saber se partidos políticos exercem influência sobre a atuação do órgão em outros campos de jurisdicionados, tais como altas autoridades e demais níveis de governo, continua a ser uma agenda intrigante a ser explorada. Além disso, diálogos informais entre controlados e controladores se mostraram promissores para melhorar a gestão pública (Olivieri et al., 2013OLIVIERI, Cecília et al.(2013), “Organizational learning of controllers and controlled agencies: innovations and challenges in promoting accountability in the recent Brazilian democracy”. American Journal of Industrial and Business Management, v. 3, pp. 43-51.), enquanto pouco se sabe a respeito de como iniciativas de cooperação podem favorecer fases subsequentes do processo de accountability que envolvem o cumprimento efetivo de sanções.

Este trabalho não pretendeu resolver todas estas questões, mas buscou contribuir ao debate aplicando estratégia metodológica com maior capacidade de generalização ao empregar os municípios como unidade de observação, oferecendo à análise grande volume de dados e casos muito variados. Inclusive, o TCU possui ministros de origem técnica e política e suas fiscalizações partem de diferentes iniciativas, estimuladas por autonomia do Tribunal ou por cooperação de outras instituições. Os municípios sob sua jurisdição também são governados por grande variedade de partidos e possuem atores relevantes para o sucesso eleitoral de candidatos federais (Avelino, Biderman e Barone, 2012; Bezerra, 1999; Novaes, 2014NOVAES, Lucas. (2014), “Promiscuous politicians and the problem of party building: Local politicians as party brokers”. Working Paper, APSA, Washington, DC.), além de que a maior parte de suas receitas são provenientes do nível federal (Arretche, 2010ARRETCHE, Marta. (2010), “Federalismo e igualdade territorial: uma contradição em termos?”. DADOS – Revista de Ciências Sociais, v. 53, n. 3, pp. 587-620.), o que acentua a importância do papel do TCU sobre o controle financeiro no âmbito local.

Com o discurso de almejar diminuir a impunidade e obter avaliações financeiras imparciais, parte do debate público clama por retirar dos representantes eleitos a prerrogativa de selecionar os dirigentes dos tribunais de contas. Entretanto, ainda carecemos de evidências mais convincentes e com capacidade de generalização suficiente que indiquem que essa medida alcançaria o resultado que tanto se espera. Seria mesmo a indicação dos ministros o principal meio à disposição de partidos para influenciar o desempenho das instituições de controle financeiro?

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NOTAS

  • 1
    . Para obter uma compreensão sistemática a respeito dos incentivos do desenho institucional sobre a atuação dos tribunais de contas, ver Speck (2011)SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161..
  • 2
    . Entre os três conselheiros escolhidos pelo presidente da República, um é selecionado livremente, o segundo entre o corpo de auditores de carreira e o último entre os procuradores públicos. Nem sempre os governos estaduais seguem esta regra, proporcionando variação entre os TCs. Entretanto, a presença de procuradores não está positiva e estatisticamente associada à livre iniciativa e ao ativismo dos tribunais, ao passo que a presença de auditores não está positiva e estatisticamente associada à chance de rejeição de contas.
  • 3
    . Os autores utilizam as fiscalizações empreendidas pelos tribunais de contas de quatro estados, a saber, Maranhão, Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande do Sul. A aplicação de experimento natural seria viável porque os casos em cada estado seriam distribuídos aleatoriamente entre os respectivos conselheiros de cada TC. No entanto, a aleatoriedade da distribuição dos casos entre os conselheiros ocorre exclusivamente dentro de cada estado, mas os dados foram reunidos para testes únicos envolvendo os quatro estados em conjunto. Esse procedimento viola a aleatoriedade do experimento natural, porque a aleatoriedade não envolve os conselheiros dos quatro estados em conjunto, mas sim os conselheiros de cada estado separadamente, o que exigiria testes isolados para cada estado.
  • 4
    . A maior parte dos testes apresentam os efeitos estimados que não passaram de 4%, quando estatisticamente significativos, com exceção dos tribunais com uma composição mais diversificada, em que a chance de condenação entre conselheiros técnicos e políticos varia em 8%.
  • 5
    . No Brasil, a efetividade da aplicação de sanções também depende da cobrança dos agentes condenados por instituições incumbidas de provocar o Judiciário. A Advocacia Geral da União, por exemplo, é responsável pela cobrança de débitos dos agentes condenados que não reconhecem os débitos impostos pelo TCU. Em caso de responsabilização criminal compete ao Ministério Público instruir processos para a apreciação do Judiciário, enquanto atores políticos só podem ser impedidos de disputar as eleições após julgamento pelo Tribunal Superior Eleitoral.
  • 6
    . Inclusive, além de observar que no Brasil o Ministério Público estaria mais empenhado em investigar irregularidades do que em exercer a instrução processual, que seria mais importante para conquistar julgamento favorável do Judiciário, os autores ressaltam o avanço de instituições de controle que também priorizam a fase de investigação (Taylor e Buranelli, 2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.).
  • 7
    . Inclusive, Taylor e Buranelli (2007TAYLOR, Matthew; BURANELLI, Vinicius. (2007), “Ending up in pizza: accountability as a problem of institutional arrangement in Brazil”. Latin American Politics and Society, v. 49, n. 1, pp. 59–87.:63) afirmaram que a extrema independência entre as instituições levaria à ineficiência da rede de accountability.
  • 8
    . Além do Congresso Nacional, o Ministério Público Federal e a Polícia Federal têm sido incentivados a solicitar fiscalizações ao TCU (Olivieri et al., 2015OLIVIERI, Cecília et al. (2015), “Control and public management performance in Brazil: challenges for coordination”. International Business Research, v. 8, n. 8, pp. 181-190.:183-184).
  • 9
    . O conceito de autonomia já foi chamado de livre-iniciativa e ativismo (Melo, Figueiredo e Pereira, 2009), enquanto a diferença entre independência e autonomia nem sempre foi tratada com clareza (O’Donnell, 1998).
  • 10
    . As duas dimensões também não são completamente dissociadas, já que podem exercer influência uma sobre a outra.
  • 11
    . Um terço dos ministros titulares é escolhido pelo presidente da República: dois entre integrantes da própria instituição e um por livre escolha, todos sujeitos à aprovação do Senado. Dois terços dos titulares são escolhidos pelo Congresso Nacional. Até 2008, dois auditores adicionais exerciam o papel de ministro substituto e, mesmo quando não convocados para substituir os ministros titulares, poderiam instruir processos (Brasil, 1992BRASIL. (1992); Lei 8.443, de 16 de julho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8443.htm>.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , art. 63 e 78). Após 2008, uma nova legislação aumentou para três o número de auditores que poderiam exercer relatoria, fiscalizando municípios e instruindo processos (Brasil, 2008a).
  • 12
    . Qualquer servidor público que, em virtude do cargo que ocupe, tenha identificado irregularidades pode mover representações (Brasil, 2012BRASIL. (2012), Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Boletim do Tribunal de Contas da União Especial, Brasília, jan., ano XLV, n. 1., art. 232).
  • 13
    . A partir de 2005, todos os municípios de um determinado estado foram inseridos em uma mesma lista de jurisdicionados, a qual foi designada à responsabilidade de um único relator. Antes de 2005 era possível que dois ministros fossem previamente responsáveis por um mesmo conjunto de municípios, o que poderia gerar viés nos modelos estatísticos (TCU, 2002TCU (Tribunal de Contas da União). (2002), Lista de Jurisdicionados, Biênio 2003-2004. Relatório Técnico, Brasília: TCU. Disponível em: <www.tcu.gov.br/>
    www.tcu.gov.br/...
    ).
  • 14
    . Apenas o número dos processos com contas julgadas como irregulares foram obtidos por meio de pedido de acesso à informação, dado que não havia um padrão nos documentos que permitisse a extração deste dado específico por programação. Todos os outros dados, como data, relator, iniciativa, etc. foram extraídos e organizados por programação computacional.
  • 15
    . Muitos relatórios ora expõem o número de processos em vez do número de unidades fiscalizadas, ora apresentam o número de agentes condenados. Além disso, os relatórios envolvem os agentes dos três níveis da federação e não apenas do nível municipal.
  • 16
    . O tamanho populacional foi dividido em cinco faixas: de até 10 mil habitantes; de 10 a 50 mil habitantes; de 50 a 100 mil habitantes; de 100 a 500 mil habitantes; e superior a 500 mil habitantes.
  • 17
    . Manter o tamanho populacional em pequenas unidades – mesmo que medido por mil habitantes – gera problemas de estimação, porque a variação do valor populacional entre as unidades de observação se torna grande o suficiente para inviabilizar a execução dos modelos probit.
  • 18
    . No caso, o perfil dos relatores responsáveis pela fiscalização será utilizado para o primeiro estágio dos modelos, enquanto que o perfil dos relatores responsáveis pela instrução dos processos será empregado no segundo estágio.
  • 19
    . A variável contou com informações do Banco de Dados Legislativos do Cebrap e do Repositório de Dados Eleitorais do TSE.
  • 20
    . Os especialistas consideram que dirigentes dos tribunais de contas recompensariam os partidos responsáveis por sua indicação buscando isentar as contas destes últimos e de seus aliados e, ao contrário deste trabalho, não esperam que ministros onerem a gestão de partidos adversários (Ferraz e Finan, 2008FERRAZ, Cláudio e FINAN, Frederico. (2008), “Exposing corrupt politicians: the effects of Brazil’s publicly released audits on electoral outcomes: evidence from audit reports”. Quarterly Journal of Economics, v. 132, n. 2, pp. 703-745.; Hidalgo, Canello e Lima-de-Oliveira, 2016; Pereira e Melo, 2016). De qualquer forma, vale ressaltar que ambos os modelos probabilísticos, deste artigo e dos demais, não conseguem inferir o efeito de cada um desses incentivos separadamente. Isso não significa que esta limitação implique viés estatístico, dado que os dois incentivos, da isenção e da punição, aumentariam a diferença entre as gestões municipais de partidos aliados e dos demais partidos. Ou seja, é possível estimar a diferença da chance de condenação entre os grupos, mas não qual dos dois incentivos é o predominante.
  • 21
    . As solicitações do Congresso Nacional são analisadas compulsoriamente pelo TCU. Podem requerer fiscalização os presidentes do Senado e da Câmara dos Deputados, além dos presidentes das comissões de ambas as casas legislativas se a maioria dos membros da respectiva comissão aprovar (Brasil, 2012BRASIL. (2012), Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Boletim do Tribunal de Contas da União Especial, Brasília, jan., ano XLV, n. 1., art. 232).
  • 22
    . Podem mover representações qualquer servidor público que, em virtude do cargo que ocupe, tenha identificado irregularidades, bem como entidades privadas que identifiquem falta de lisura em processos de licitações. Nestes casos, cabe ao relator decidir sobre as providências que serão tomadas antes de decisão em colegiado.
  • 23
    . As denúncias podem ser elaboradas por qualquer cidadão, mas a decisão de fiscalizar os denunciados pertence ao relator, após a avaliação dos requisitos de admissibilidade pela unidade técnica competente, tais como identificação do denunciado e indícios de irregularidade e ilegalidade (Brasil, 2012BRASIL. (2012), Regimento Interno do Tribunal de Contas da União. Boletim do Tribunal de Contas da União Especial, Brasília, jan., ano XLV, n. 1., art. 235).
  • 24
    . O número de fiscalizados é uma estimativa próxima do valor real, uma vez que o ano de fiscalização tem como base a data em que o município foi autuado.
  • 25
    . Os dados foram coletados em 2015.
  • 26
    . Até 2008, dois auditores exerciam o papel de relator e, mesmo quando não convocados para substituir os ministros, poderiam instruir processos (Brasil, 1992BRASIL. (1992); Lei 8.443, de 16 de julho de 1992. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8443.htm>.
    http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
    , art. 63 e 78). Após 2008, uma nova legislação aumentou para três o número de auditores que poderiam exercer relatoria (Brasil, 2008a).
  • 27
    . Apesar de expor com clareza como os trabalhos do Tribunal foram distribuídos ao longo do tempo, o Gráfico 6 não pode ser utilizado como um indicativo de produtividade por tipo de perfil, porque o número de ministros de cada perfil se manteve desigual desde a redemocratização.
  • 28
    . Este gráfico também não deve ser utilizado como indicador de produtividade de acordo com o perfil dos ministros, dada a quantidade desigual de ministros políticos e técnicos.
  • 29
    . Cálculo representado pela expressão 1-0.8985=0.1015.
  • 30
    . As variáveis de interesse estão representadas pela cor azul.
  • 31
    . Cálculo representado pela expressão 1-0.9868=0.0132.
  • 32
    . Testes adicionais foram realizados para verificar se o tamanho populacional altera o efeito das variáveis de interesse sobre a chance de condenação de contas, mas não obtiveram significância estatística.
  • 33
    . Cálculos representados respectivamente pelas expressões 1.0528-0.8294=0.2234 e 1.0528-0.6729=0.3799.
  • 34
    . Cálculo representado pela expressão 1.0784-0.6896=0.3888.
  • 35
    . Trabalhos destacam a possibilidade do Legislativo e do Executivo alterarem a receita de instituições de controle financeiro (Santiso, 2007SANTISO, C. (2007), Auditing for accountability: The political economy of government auditing and budget oversight in emerging economies. Tese (Doutorado), JohnsHopkins University, Maryland.; Speck, 2011SPECK, Bruno W. (2011), “Auditing institutions”, in: T. POWER; M. TAYLOR (eds.), Corruption and democracy in Brazil: The struggle for accountability. Notre Dame,University of Notre Dame Press, pp. 127-161.), além de sugerirem que ambientes com menor competitividade eleitoral diminuiriam a independência dos tribunais de contas (Melo, Figueiredo e Pereira, 2009).

ANEXO 1

Tabela 1
Efeito de variáveis fiscais e demográficas sobre a chance de municípios sofrerem fiscalização

ANEXO 2

Tabela 2
Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem fiscalização1

ANEXO 3

Tabela 3
Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem condenação de contas

ANEXO 4

Tabela 4
Efeito da origem dos ministros sobre a chance de municípios sofrerem condenação de contas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Out 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    31 Jan 2018
  • Revisado
    12 Jul 2018
  • Aceito
    12 Fev 2019
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