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Editorial

EDITORIAL

Carlos E. A. Coimbra Jr.

Desde muito cedo em suas carreiras, pesquisadores de todas as áreas vão-se familiarizando com o sistema de "revisão pelos pares" (peer reviewing) de seus manuscritos. Trata-se de importante mecanismo que, em essência, prescreve que os trabalhos científicos devem passar necessariamente pela avaliação de membros da comunidade de cientistas da área.

No que se refere às publicações científicas em geral, o processo de peer reviewing iniciou-se com a Philosophical Transactions of the Royal Society, uma das primeiras revistas científicas, fundada em Londres, em 1665, e até hoje publicada. Por ocasião da criação da revista, o Conselho da Sociedade instituiu "[that the Philosophical Transactions] ...be licensed ...being first reviewed by some members of the same"1. Tal mecanismo constitui a essência do atual sistema de revisão pelos pares tão proclamado pelos principais periódicos científicos.

Até o surgimento das revistas, a difusão do conhecimento científico fazia-se de forma morosa e restrita, em geral baseado na troca de correspondência, relatórios e/ou publicações próprias. O advento dos periódicos revolucionou o sistema de informação em ciência, pois não apenas permitiu o acesso de idéias e novas descobertas a um público maior, como também garantiu um mínimo de qualidade aos trabalhos publicados, já que os mesmos haviam que passar pelo crivo dos referee da institução responsável por sua publicação.

É interessante notar que, em seus primórdios, várias sociedades responsáveis por publicações (e.g., a Academie Française e a Royal Society) e, em particular, seus editores, tinham como praxe literalmente refazer experimentos para "autenticá-los" antes de autorizar sua publicação para garantir sua "veracidade"2,3. Nos dias de hoje, com o processamento de milhares de manuscritos por ano que são submetidos ao que poderíamos chamar de "sistema de periódicos científicos mundial", imagine se fosse de rotina conferir cada detalhe de um manuscrito, refazer experimentos ou análises estatísticas?

Atualmente, peer review consiste basicamente de um sistema de triangulação entre editores, consultores e autores que visa garantir minimamente a originalidade e, até certo ponto, a autenticidade do trabalho a ser publicado. No caso dos Cadernos de Saúde Pública, por exemplo, todos os manuscritos são revisados por, ao menos, dois consultores. Isto ocorre sem que autores e revisores saibam da identidade uns dos outros, ou seja, algo como um sistema duplo-cego. Para a revista, assim como para os autores, este mecanismo traz várias vantagens, destacando-se a verificação acerca da adequação dos métodos, indicação de referências bibliográficas e de possíveis pontos do trabalho a serem melhor explorados. No entanto, para que o sistema funcione, é fundamental que o corpo de consultores seja constituído por especialistas reconhecidos que, antes de qualquer coisa, sejam também autores.

Muitas análises críticas têm sido produzidas a respeito do sistema de peer reviewing, por vezes apontando falhas graves, contribuindo para a reflexão e aperfeiçoamento do sistema4,5,6. Alguns estudos, por exemplo, têm destacado a influência da filiação institucional dos autores na aceitação ou não de um artigo e a relativamente baixa concordância entre pareceres acerca de um mesmo manuscrito7,8.

Não restam dúvidas quanto aos problemas inerentes ao peer reviewing. Contudo, este sistema é ainda o mais utilizado para prover assessoria técnica aos editores na avaliação de manuscritos. Para o seu aperfeiçoamento, é fundamental que editores e consultores concordem com os pontos centrais que devem nortear a avaliação de um manuscrito: sua contribuição à disciplina, originalidade e adequação do desenho da pesquisa. Da parte da revista, deve ser estimulada a submissão do trabalho a um número maior de consultores (muitas revistas já trabalham com até cinco consultores por manuscrito) visando minimizar o impacto da subjetividade e preferências pessoais sobre a tomada de decisão final. Esperamos que se inicie no Brasil uma discussão mais ampla acerca do sistema de publicação científica visando o aperfeiçoamento das revistas nacionais.

Referências

(1) Bull Sci Technol Soc, 1: 427-37, 1981;

(2) Science as a Process (D. L. Hull), Chicago U. P., 1988;

(3) The Sociology of Science (K. Merto), Chicago U.P., 1973;

(4) Sci Technol Hum Values, 10: 73-81, 1985;

(5) Am Psychol, 39: 1491-94, 1984;

(6) N Engl J Med, 312: 658-59, 1985;

(7) N Engl J Med, 312: 658-59, 1985;

(8) Am Sociol Rev, 52: 631-42, 1987.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2004
  • Data do Fascículo
    Dez 1993
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