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Evidence-based healthcare in context: critical social science perspective

RESENHA BOOK REVIEW

Evidence-based healthcare in context - critical social science perspective

Pedro Mourão Roxo da MottaI; Mayara Martins TavaresII

IUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil. terapeutapedromotta@hotmail.com

IIUniversidade Estadual de Campinas, Campinas, Brasil. mayaramartins_cs@hotmail.com

Evidence-based healthcare in context - critical social science perspective. Broom A, Adams J. Farnham: Ashgate; 2011. 195p.

ISBN: 978-0-7546-7981-3

Editado por Alex Broom e Jon Adams, o livro Evidence- Based Healthcare in Context - Critical Social Science Perspective se trata de uma crítica à lógica de produção de conhecimento da medicina baseada em evidência e da prática baseada em evidência. São 10 artigos escritos por 17 autores, entre eles médicos, sociólogos e enfermeiros, cujo propósito não é desmantelar mas contextualizar, equilibrar e enfatizar algumas vozes marginalizadas por essa lógica.

No capítulo 1, A Critical Social Science of Evidence- Based Healthcare, os autores descrevem que a partir do século XX se inicia um processo de institucionalização e sistematização da ciência que, no campo da saúde, acarretou em uma padronização, regulação e abstração da pesquisa clínica, gerando o modelo da medicina baseada em evidência e da prática baseada em evidência. Tal modelo privilegia desenhos epidemiológicos-experimentais que marginalizam estudos qualitativos e interpretativos e aumentam, assim, a polarização cultural na construção do que é um conhecimento legítimo, uma evidência epistemologicamente redutiva. Evidência baseada em que perspectiva? É uma das perguntas centrais desse livro, como a técnica de captura, síntese e disseminação imbui e exclui certas ideias sobre a importância de certos tipos de conhecimento. Essa questão tem se acentuado em decorrência da pluralidade na área médica suportada por um crescente movimento de pacientes que utilizam formas de cuidado não biomédicas e não baseadas em evidência.

Evidence-Based Medicine, Clinical Uncertainty, and Learning to Doctor, capítulo 2, descreve um trabalho de campo em que foram entrevistados 17 residentes em pediatria para entender sua experiência e opinião sobre a medicina baseada em evidência. Como resultado, os autores relatam que um dos reflexos da medicina baseada em evidência é o fortalecimento da incerteza na área médica, em primeiro lugar devido às limitações cognitivas dos profissionais em relação à vasta literatura publicada diariamente, em segundo lugar por conta das motivações por trás dos estudos que muitas vezes são influenciados por fatores econômicos e, em terceiro lugar, por causa dos valores tecnológicos que impulsionam a medicina a abandonar o caminho de uma mentalidade mais aberta de um cuidado integral. A conclusão dos autores é que a padronização da medicina baseada em evidência não erradica ou reforça conhecimentos, mas fortalece incertezas.

No capítulo 3, Resisting Stratification: Imperialism, War Machines and Evidence-Based Practice, os autores analisam a prática baseada em evidência como uma forma de estratificação e um imperialismo político, a estratificação da evidência seria um "regime da verdade", uma verdade supostamente absoluta e objetiva que não existe, gerando uma exclusão dogmática de formas alternativas de pensar, ocultando relações de poder pela apropriação do conhecimento. Como solução à questão, os autores propõem uma forma de resistência a esse processo chamada máquina de guerra; trata-se de um conjunto de ferramentas para questionar, investigar e analisar sistemas rígidos de pensamentos ou crenças; é uma orientação pós-estruturalista objetivada para a desconstrução da episteme dominante.

No capítulo 4, Communally-Based Evidence in the Emerging Practice of Aorta Implante Surgery, os autores iniciam por uma distinção entre conhecimento tácito e explícito. O conhecimento explícito pode ser articulado, documentado e compartilhado; o conhecimento tácito é individual, pessoal e é desenvolvido pela experiência. Utilizaram esses conceitos para interpretar 12 entrevistas, realizadas com 5 cirurgiões vasculares e 7 radiologistas, sobre o conhecimento e disseminação da experiência de reparação endovascular. Como resultado, foi revelado que reparação endovascular é uma prática muito mais da ordem do conhecimento tácito do que do explícito, os entrevistados questionaram a necessidade de um procedimento formal guiado por diretrizes padronizadas; para eles a reparação endovascular não é somente uma técnica, mas é preciso saber lidar com situações inusitadas e com a subjetividade de cada caso. Os depoimentos revelaram que o conhecimento explícito, que é o cerne da medicina baseada em evidência, tem um papel secundário, pois a abordagem mestre-aprendiz é o instrumento mais importante no desenvolvimento dessa técnica.

Em Embodied, Embedded and Encoded Knowledge in Practice, capítulo 5, os autores discorrem sobre a importância do conhecimento tácito na escolha de tratamentos. Observou-se que protocolos como o Índice de Barthel utilizado na neuroreabilitação precisam de outros tipos de conhecimento para serem interpretados. Os autores argumentam que "o processo de formalizar o conhecimento até a exclusão de qualquer conhecimento tácito é autodestrutivo". Tal conhecimento é conectado com as experiências pessoais e é difícil de ser formalizado e comunicado, a medicina baseada em evidência, por sua vez, não reconhece suficientemente a importância e complexidade do conhecimento tácito na prática clínica, transformando-a em uma receita de bolo.

No capítulo 6, The Histories and Cultures of Evidence Utilisation, foram realizadas 25 entrevistas, com 13 médicos e 12 enfermeiros especialistas (oncologistas ou hemato-oncologistas), em dois hospitais da Austrália. Notou-se que a escolha da melhor evidência é diferente entre as especialidades e se baseia no índice de cura, mas a oncologia utiliza "evidências de alto nível" e a hemato-oncologia utiliza "evidências de baixo nível", obtendo ambas melhores resultados com suas respectivas abordagens. Isso demonstra que a melhor evidência é subjetiva a cada área médica, não existindo, portanto, um padrão ouro para todas as especialidades.

O capítulo 7, Evidence-Based Health Care and Complementary and Alternative Medicine, é constituído de 7 entrevistas com médicos que utilizam Medicina Alternativa e Complementar na Nova Zelândia. Os entrevistados defenderam que o caminho para as medicina alternativa e complementar serem incorporadas como uma face da medicina baseada em evidência é expandir o conceito de ciência. Segundo eles, o método científico envolve basicamente observação, interpretação dessas observações e conceituação em teorias, logo as medicina alternativa e complementar não são somente consideradas uma ciência, mas uma forma mais pura de ciência porque se dão no ambiente clínico natural, diferente de estudos randomizados controlados que ocorrem em circunstâncias simuladas e artificiais.

Em Patient Understanding of Evidence and Therapeutic Effectiveness, capítulo 8, foram interrogados 80 pacientes britânicos sobre o que eles entendem sobre "evidência" e a utilização da medicina alternativa e complementar no tratamento do câncer. Foi verificado que as medicina alternativa e complementar representam um crescimento significativo nos conceitos de doença e de si mesmo, a noção de autenticidade, recognição e autodeterminação, reconstrói a saúde como um processo subjetivo e individual. A utilização das medicina alternativa e complementar promove a projeção do ser, trazendo esperança, subjetividade e controle, elementos negligenciados na biomedicina.

O capítulo 9, Evidence-Based Paradigms and Contemporary Midwifery, investiga o processo político do parto domiciliar na Austrália. Neste país, os que são contra o parto domiciliar atuam perpetuando a noção de que a vigilância clínica e intervenção tecnológica é a opção mais segura, porém há inúmeras evidências que mostram que o parto domiciliar é seguro para mulheres saudáveis sem fatores de risco. A partir dessa perspectiva, a clínica retoricamente se torna refúgio do Estado, proteger as mulheres de uma capacidade de controlar e limitar os riscos do parto pré-moderno se articula com a capacidade de controlar e limitar os riscos de partos não clínicos dessa prática. Por esse processo político, pela questão de ilegalidade, de segurança e de controle profissional, a evidência real foi descartada. A questão do parto domiciliar era, e continua a ser, um processo sociopolítico em que a evidência é subjugada à política.

O último capítulo, Evidence-Based Healthcare: The future Research Agenda, fornece um esboço de uma agenda de pesquisas futuras da temática ciências sociais e medicina baseada em evidência, ressalta a necessidade de olhar para além da implementação mais ampla da medicina baseada em evidência, e suas diversas manifestações, e considerar mais detalhadamente o contexto clínico e os processos de tomada de decisão política.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Dez 2013
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