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Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores de unidades de saúde

Perceived risk from COVID-19 and depression, anxiety, and stress among workers in healthcare units

Percepción de riesgo de enfermedad por COVID-19 y depresión, ansiedad y estrés entre trabajadores de unidades de salud

Resumos

O objetivo foi analisar as associações entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e os sintomas de depressão, ansiedade e estresse em profissionais atuantes em unidades de saúde. Estudo transversal com trabalhadores de diversas categorias profissionais que buscaram voluntariamente um dos primeiros Centros de Referência em Testagem de COVID-19 no Município do Rio de Janeiro, Brasil. Os trabalhadores foram convidados a responder a um questionário online entre maio e agosto de 2020. Foram utilizadas a escala Percepção de Risco de Adoecimento por COVID-19 e a Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21). Foram estimados razão de chance (OR) e intervalo de 95% de confiança. Do total (N = 2.996), 81,5% eram mulheres com idade média de 40,7 anos. Cerca da metade apresentava grau leve, moderado ou severo de depressão, ansiedade ou estresse, sendo a frequência de trabalhadores com sintomas severos, respectivamente, 18,5%, 29,6% e 21,5%. Observou-se que as associações entre a percepção de risco e os sintomas de depressão, ansiedade e estresse foram mais fortes à medida que aumentava a classificação de gravidade de cada sintoma. Os trabalhadores com alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 apresentaram OR mais elevadas para sintomas severos de depressão (OR = 4,67), ansiedade (OR = 4,35) e estresse (OR = 4,97). Os achados apontam a demanda por medidas de proteção à saúde dos trabalhadores, que não devem se restringir aos equipamentos de proteção individual. É essencial que os gestores promovam espaços coletivos de discussão e ações que favoreçam a recuperação dos trabalhadores em contexto pandêmico de longa duração.

Palavras-chave:
Saúde Mental; COVID-19; Profissionais de Saúde; Risco


The objective was to analyze associations between perceived risk from COVID-19 and symptoms of depression, anxiety, and stress among workers in healthcare units. This was a cross-sectional study of workers from different professions who appeared voluntarily at one of the first COVID-19 Testing Centers in the municipality of Rio de Janeiro, Brazil. The workers were invited to answer an online questionnaire from May to August 2020. The COVID-19 Risk Perception Scale and the Depression, Anxiety, and Stress Scale (DASS-21) were used. Odds ratios (OR) and 95% confidence intervals were estimated. Of the total sample (N = 2,996), 81.5% were women, and mean age was 40.7 years. About half presented mild, moderate, or severe depression, anxiety, or stress, and the rates for workers with severe symptoms were 18.5%, 29.6%, and 21.5%, respectively. The associations between perceived risk and symptoms of depression, anxiety, and stress increased with the increase in each symptom’s severity. Workers with higher perceived risk from COVID-19 showed higher OR for severe symptoms of depression (OR = 4.67), anxiety (OR = 4.35), and stress (OR = 4.97). The findings point to the demand for measures to protect workers’ health and that should not be limited to personal protective equipment. It is essential for health system administrators to promote collective spaces for discussion and actions to favor workers’ recovery in the context of a prolonged pandemic.

Keywords:
Mental Health; COVID-19; Health Care Professionals; Risk


El objetivo fue analizar las asociaciones entre la percepción de riesgo de enfermedad por COVID-19 y los síntomas de depresión, ansiedad y estrés en profesionales activos en unidades de salud. Estudio transversal con trabajadores de diversas categorías profesionales que buscaron voluntariamente uno de los primeros Centros de Referencia en Tests de COVID-19 en el municipio de Río de Janeiro, Brasil. Los trabajadores fueron invitados a responder a un cuestionario online entre mayo y agosto de 2020. Se utilizaron la escala Percepción de Riesgo de Enfermedad por COVID-19 y la Escala de Depresión, Ansiedad y Estrés (DASS-21). Se estimaron razón de oportunidad (OR) e intervalo de 95% de confianza. Del total (N = 2.996), un 81,5% eran mujeres con una edad media de 40,7 años. Cerca de la mitad presentaba grado leve, moderado o severo de depresión, ansiedad o estrés, siendo la frecuencia de trabajadores con síntomas severos, respectivamente, 18,5%, 29,6% y 21,5%. Se observó que las asociaciones entre la percepción de riesgo y los síntomas de depresión, ansiedad y estrés fueron más fuertes a medida que aumentaba la clasificación de la gravedad de cada síntoma. Los trabajadores con alta percepción de riesgo de enfermedad por COVID-19 presentaron OR más elevadas para síntomas severos de depresión (OR = 4,67), ansiedad (OR = 4,35) y estrés (OR = 4,97). Los resultados apuntan la demanda de medidas de protección a la salud de los trabajadores, que no se deben restringir a equipamientos de protección individual. Es esencial que los gestores promuevan espacios colectivos de discusión y acciones que favorezcan la recuperación de los trabajadores en un contexto pandémico de larga duración.

Palabras-clave:
Salud Mental; COVID-19; Profesionales de la Salud; Riesgo


Introdução

A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou, em janeiro de 2020, que o surto da COVID-19 constitui uma Emergência de Saúde Pública de Importância Internacional (ESPII) 11. World Health Organization. WHO statement on the second meeting of the international health-regulations (2005) emergency committee regarding the outbreak of novel coronavirus (2019-ncov). https://www.who.int/news-room/detail/30-01-2020-statement-on-the-second-meeting-of-the-international-health-regulations-(2005)-emergency-committee-regarding-the-outbreak-of-novel-coronavirus-(2019-ncov) (acessado em 30/Jun/2021).
https://www.who.int/news-room/detail/30-...
, o que foi logo depois caracterizado como pandemia. Com o contínuo aumento do número de casos graves, hospitalizações e óbitos relacionados à doença, foram adotadas estratégias para reduzir o risco de exposição ao vírus por grande parte da população, como o distanciamento social 22. Wilder-Smith A, Freedman DO. Isolation, quarantine, social distancing and community containment: pivotal role for old-style public health measures in the novel coronavirus (2019-nCoV) outbreak. J Travel Med 2020; 27:taaa020.. No entanto, em direção oposta, os trabalhadores de serviços de saúde, em especial os profissionais que prestam assistência, constituem o grupo mais vulnerável à infecção pelo SARS-CoV-2 33. Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00063520.,44. Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3465-74..

Nesse contexto, um inquérito sobre a percepção de risco e preocupações entre profissionais da saúde durante a pandemia da COVID-19 mostrou que 59,2% dos trabalhadores referiram alta percepção de risco de ser infectado 55. Puci MV, Nosari G, Loi F, Puci GV, Montomoli C, Ferraro OE. Risk perception and worries among health care workers in the COVID-19 pandemic: findings from an Italian Survey. Healthcare (Basel) 2020; 8:535.. De forma semelhante, 35,5% dos trabalhadores da saúde referiram que seu local de trabalho apresentava maior risco de infecção do que outros locais 66. Lee J, Lee HJ, Hong Y, Shin YW, Chung S, Park J. Risk perception, unhealthy behavior, and anxiety due to viral epidemic among healthcare workers: the relationships with depressive and insomnia symptoms during COVID-19. Front Psychiatry 2021; 12:615387.. Morawa et al. 77. Morawa E, Schug C, Geiser F, Beschoner P, Jerg-Bretzke L, Albus C, et al. Psychosocial burden and working conditions during the COVID-19 pandemic in Germany: the VOICE survey among 3678 health care workers in hospitals. J Psychosom Res 2021; 144:110415. observaram que 27,8% dos trabalhadores da saúde referiram medo de ser infectado pelo SARS-CoV-2, destacando associação entre o medo do contágio e níveis elevados de ansiedade.

Além de mudanças no ritmo e estilo de vida, e da sobrecarga de trabalho durante a pandemia, as preocupações com o risco de infecção podem contribuir para diversos problemas relacionados à saúde mental entre os profissionais de saúde 33. Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00063520.,44. Teixeira CFS, Soares CM, Souza EA, Lisboa ES, Pinto ICM, Andrade LR, et al. A saúde dos profissionais de saúde no enfrentamento da pandemia de COVID-19. Ciênc Saúde Colet 2020; 25:3465-74.,88. McDowell CP, Herring MP, Lansing J, Brower CS, Meyer JD. Associations between employment changes and mental health: US data from during the COVID-19 pandemic. Front Psychol 2021; 12:631510.,99. Silva DFO, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SCVC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:693-710.,1010. Souza ASR, Souza GFA, Souza GA, Cordeiro AN, Praciano GAF, Alves ACS, et al. Factors associated with stress, anxiety, and depression during social distancing in Brazil. Rev Saúde Pública 2021; 55:5.. Assim, este grupo vivencia não apenas o medo de ser infectado, adoecer e morrer, como também o medo relacionado ao risco de infectar outras pessoas 1111. Silva LCA, Fontoura LB, Hendges M, Eickhoff CB, Kolankiewicz ACB, Zanella JFP. Psychological impact on health professionals in pandemic by COVID-19: approach through the problematizing methodology. Research, Society and Development 2021; 10:e5510615413.. Ademais, a pandemia impôs a necessidade de seguir protocolos que se modificam rapidamente dado o desconhecimento da patologia 1212. Ayanian JZ. Mental health needs of health care workers providing frontline COVID-19 care. JAMA Health Forum 2020; 1:e200397.. Este contexto de extrema pressão favorece dilemas éticos e morais, que contribuem para o desgaste emocional enfrentado pelos trabalhadores 1313. Greeenberg N, Docherty M, Gnanaprag S. Managing mental health challenges faced by healthcare workers during COVID-19 pandemic. BMJ 2020; 368:m1211..

De fato, revisão sistemática recente mostrou elevada prevalência de ansiedade durante a pandemia da COVID-19, porém sem diferenças entre trabalhadores nos diversos continentes, evidenciando que a ansiedade relacionada à doença entre profissionais de saúde independe do contexto cultural 99. Silva DFO, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SCVC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:693-710.. Os autores reforçam ainda que a identificação de diversos fatores de risco no trabalho, incluindo os psicossociais, devem ser priorizados nos estudos relacionados à saúde mental, a fim de contribuir para o desenvolvimento de estratégias de prevenção e tratamento destes trabalhadores 33. Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00063520..

No entanto, de forma geral, a literatura sobre as implicações da pandemia da COVID-19 à saúde mental dos trabalhadores se restringe a contextos hospitalares, sem focar os outros níveis de atenção à saúde 1414. De Kock JH, Latham HA, Leslie SJ, Grindle M, Munoz SA, Ellis L, et al. A rapid review of the impact of COVID-19 on the mental health of healthcare workers: implications for supporting psychological well-being. BMC Public Health 2021; 21:104.. Além disso, estudos realizados no Brasil ainda são escassos 99. Silva DFO, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SCVC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:693-710.,1111. Silva LCA, Fontoura LB, Hendges M, Eickhoff CB, Kolankiewicz ACB, Zanella JFP. Psychological impact on health professionals in pandemic by COVID-19: approach through the problematizing methodology. Research, Society and Development 2021; 10:e5510615413.. Assim, este estudo teve como objetivo analisar as associações entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e os sintomas de depressão, ansiedade e estresse em trabalhadores atuantes em unidades de saúde no Rio de Janeiro.

Métodos

Estudo transversal realizado entre maio e agosto de 2020 em um dos primeiros Centros de Referência em Testagem de COVID-19 para profissionais atuantes em unidades de saúde no Rio de Janeiro. Todos os trabalhadores que atuavam em unidades de saúde e que buscavam voluntariamente o Centro de Referência para a realização de testes para COVID-19 foram convidados a participar do inquérito epidemiológico intitulado Saúde Mental em Profissionais de Saúde Frente à Pandemia de COVID-19: Informação para Ações em Saúde do Trabalhador.

O estudo incluiu trabalhadores de diversas categorias profissionais que atuavam em todos os níveis de complexidade da saúde, incluindo Unidades Básicas de Saúde (UBS), Unidades de Pronto Atendimento (UPA), clínicas, Secretarias de Saúde e, principalmente, hospitais gerais e especializados públicos e privados, incluindo hospitais de campanha. De um total de 11.600 trabalhadores que buscaram voluntariamente o Centro de Referência e realizaram o teste para COVID-19, 3.484 preencheram o questionário online1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo.. Foram incluídos nas análises apresentadas 2.996 (86%) trabalhadores com dados completos nas variáveis sexo, idade, ocupação, percepção de risco no trabalho e sintomas de depressão, ansiedade e estresse.

Instrumentos e variáveis utilizadas

Os participantes responderam a um questionário online que incluiu perguntas sobre aspectos sociodemográficos, relacionadas ao trabalho e à saúde.

Exposição

A escala Percepção de Risco de Adoecimento por COVID-19 contempla aspectos da percepção do risco de se infectar e infectar outras pessoas, experiências adversas e estratégias utilizadas para lidar com circunstâncias estressantes na situação de pandemia. A escala aplicada originalmente no contexto da pandemia da síndrome respiratória aguda grave foi traduzida do inglês e adaptada ao contexto brasileiro da COVID-19, com propriedades psicométricas adequadas. A escala se apresentou como unidimensional, com todas as cargas fatoriais acima de 0,40, alfa de Cronbach de 0,738 e índices de ajuste adequados: índice de ajuste comparativo (CFI) = 0,95; índice de Tuckey-Lewis (TLI) = 0,96; e o índice de ajuste parcimonioso (RMSEA) = 0,07 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo.. A escala de 9 itens foi precedida do seguinte enunciado “Em relação ao seu trabalho durante a pandemia de COVID-19, por favor, assinale o quanto você concorda com as afirmativas a seguir”. As opções de respostas variaram de concordo totalmente (5) a discordo totalmente (1). Na versão da escala validada para o contexto brasileiro foi recomendado o uso de 8 itens para o cálculo do escore global 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo.. Após o somatório da pontuação de cada item, foi utilizada a mediana do escore global para categorizar os trabalhadores em dois grupos: “baixa” e “alta” percepção de risco de adoecimento por COVID-19 no trabalho durante a pandemia 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo..

Desfechos

Os sintomas de ansiedade, estresse e depressão foram avaliados por meio da aplicação da Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse (DASS-21). A DASS-21 é composta por três subescalas do tipo Likert de 4 pontos (variando de 0: não se aplica a mim a 3: aplica-se muito a mim, ou a maior parte do tempo). Cada subescala é composta por 7 itens destinados a avaliar os estados de depressão (itens: 3, 5, 10, 13, 16, 17, 21), ansiedade (2, 4, 7, 9, 15, 19, 20) e estresse (1, 6, 8, 11, 12, 14, 18) 1616. Vignola RCB, Tucci AM. Adaptation and validation of the Depression, Anxiety and Stress Scale (DASS) to Brazilian portuguese. J Affect Disord 2014; 155:104-9.. A pontuação de cada subescala foi calculada a partir do somatório dos itens, multiplicado por dois e categorizado em 5 grupos: depressão: normal (0-9 pontos), leve (10-13 pontos), moderado (14-20 pontos), severo (21-27 pontos) e extremamente severo (28+ pontos); ansiedade: normal (0-7 pontos), leve (8-9 pontos), moderado (10-14 pontos), severo (15-19 pontos) e extremamente severo (20+ pontos); estresse: normal (0-14 pontos), leve (15-18 pontos), moderado (19-25 pontos), severo (26-33 pontos) e extremamente severo (34+ pontos) 1717. Lovibond SH, Lovibond PF. Manual for the Depression Anxiety & Stress Scales. 2nd Ed. Sydney: Psychology Foundation; 1995.. Para o presente estudo, as categorias “severo” e “extremamente severo” foram agrupadas. Foram observados os seguintes valores para o alfa de Cronbach: 0,898 para a subescala de depressão, 0,877 para a subescala de ansiedade e 0,902 para a subescala de estresse.

Covariáveis

Foram utilizadas as seguintes covariáveis: sexo (feminino, masculino); idade (anos completos); escolaridade (Ensino Médio, Ensino Superior); situação conjugal (solteiro/separado, casado/vive em união); mora sozinho (sim, não); cuida de crianças e/ou idosos (sim, não); local de trabalho (vigilância/telessaúde/Secretaria de Saúde, UPA/pronto atendimento/unidade móvel, hospital geral, hospital especializado, UBS, policlínica/clínica especializada); ocupação (técnico/auxiliar de Enfermagem, enfermeiro, médico, outras profissões de nível superior, outras profissões de nível médio, técnico de laboratório, estudante); carga horária de trabalho antes da pandemia (até 40 horas/semana, mais de 40 horas/semana); carga horária de trabalho durante a pandemia (até 40 horas/semana, mais de 40 horas/semana); e comportamento altruísta - variável mensurada pela seguinte pergunta: “Em relação ao seu trabalho durante a pandemia de COVID-19, o quanto você concorda com a afirmativa a seguir. Aceito os riscos envolvidos para ajudar as pessoas”. As opções de respostas variaram de concordo totalmente (1) a discordo totalmente (5). Foi classificado com comportamento altruísta o trabalhador que respondeu “concordo totalmente” ou “concordo parcialmente” 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo..

Análise de dados

Para a descrição da amostra de estudo, as variáveis categóricas foram expressas em frequências absolutas e relativas e as variáveis quantitativas expressas em média e desvio padrão (DP), utilizando-se testes de tendência linear. Para testar as associações entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e os sintomas de depressão, estresse e ansiedade, foram estimadas razões de chances (OR) e seus respectivos intervalos de 95% de confiança (IC95%), por meio de modelos de regressão multinomial, ajustados por potenciais confundidores. Foram considerados confundidores as variáveis associadas tanto à exposição percepção de risco 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo. quanto ao desfecho. Foi considerado o nível de significância de 5%. Todas as análises estatísticas foram conduzidas no programa R, versão 3.6.1 (http://www.r-project.org).

Considerações éticas

Estudo aprovado pelos Comitês de Ética em Pesquisa do Instituto Oswaldo Cruz, Fundação Oswaldo Cruz (CAAE 31065020.1.0000.5248) e da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (CAAE 31065020.1.3001.5282). Foram enviados convites de participação por e-mail e WhatsApp, a partir das informações do cadastro de testagem do Centro de Referência, incluindo o objetivo da pesquisa e os requisitos para a participação. O preenchimento do questionário foi realizado logo após o de acordo no Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

Resultados

Descrição do perfil da amostra estudada

Os trabalhadores eram em maioria do sexo feminino (81,5%) e tinham em média 40,7 (DP = 9,8) anos de idade. As profissões mais frequentes foram técnicos/auxiliares de enfermagem (27,9%), enfermeiros (23,1%), médicos (7,4%) e outros profissionais de saúde de nível superior (23,1%). A maioria trabalhava em hospitais (51,8%), sejam hospitais especializados (27%) ou hospitais gerais (24,8%). O total de 11,4% trabalhava em UBS e 11,1% em policlínicas ou clínicas especializadas.

Sintomas de depressão severa e moderada foram observados, respectivamente, em 18,5% e 17,1% do grupo. Observou-se frequências crescentes dos níveis de depressão (leve para severa) entre as mulheres, os mais jovens, os solteiros/separados, aqueles que cuidam de criança/idoso, os que moram sozinhos, que trabalhavam mais de 40 horas/semana durante a pandemia e entre os classificados com alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 (Tabela 1).

Tabela 1
Sintomas de depressão segundo fatores sociodemográficos e ocupacionais em trabalhadores atuantes em unidades de saúde durante a pandemia da COVID. Rio de Janeiro, Brasil, 2020.

No que se refere à ansiedade, 29,6% dos trabalhadores foram classificados com sintomas de ansiedade severa e 17,9% com sintomas de ansiedade moderada. Foram observadas indicações de gradiente linear segundo a gravidade do sintoma para a frequência de mulheres, solteiros/separados, os que cuidam de criança/idoso, que trabalhavam mais de 40 horas/semana antes da pandemia, que trabalhavam mais de 40 horas/semana durante a pandemia e de trabalhadores com alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 (Tabela 2).

Tabela 2
Sintomas de ansiedade segundo fatores sociodemográficos e ocupacionais em trabalhadores atuantes em unidades de saúde durante a pandemia da COVID-19. Rio de Janeiro, Brasil, 2020.

Sintomas de estresse severo ou moderado foram observados, respectivamente, em 21,5% e 14,2% dos trabalhadores. Observou-se tendência de associação linear de acordo com a gravidade dos sintomas de estresse, com frequências crescentes dos níveis de estresse (leve para severa) entre as mulheres, os mais jovens, os solteiros/separados, aqueles que cuidam de criança/idoso, aqueles que trabalhavam mais de 40 horas/semana antes da pandemia, os que trabalhavam mais de 40 horas/semana durante a pandemia e entre os classificados com alta percepção de risco (Tabela 3).

Tabela 3
Sintomas de estresse segundo fatores sociodemográficos e ocupacionais em trabalhadores atuantes em unidades de saúde durante a pandemia da COVID-19. Rio de Janeiro, Brasil, 2020.

Associação entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e o sofrimento mental

Os resultados dos modelos de regressão brutos e ajustados mostram que a alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 está associada aos três sintomas: depressão, ansiedade e estresse. Os trabalhadores classificados com alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 apresentaram razões de chance mais elevadas para sintomas de depressão leve (OR = 2,48), moderada (OR = 3,15) e severa (OR = 4,67), comparados àqueles com baixa percepção de risco, mesmo após ajuste por potenciais confundidores. Resultados semelhantes, com magnitudes levemente menores, foram observados para as associações entre a alta percepção de risco e sintomas de ansiedade leve (OR = 2,01), moderada (OR = 2,73) e severa (OR = 4,35). No que se refere ao estresse, também foram observadas razões de chances mais elevadas quanto mais graves os sintomas de estresse. Os trabalhadores classificados com alta percepção de risco de adoecimento por COVID-19 apresentaram razões de chance mais elevadas para sintomas de estresse leve (OR = 3,07), moderado (OR = 3,03) e severo (OR = 4,97), comparados àqueles com baixa percepção de risco, mesmo após ajuste por potenciais confundidores (Tabela 4).

Tabela 4
Associação entre a percepção de risco para o adoecimento por COVID-19 e sintomas de depressão, ansiedade e estresse entre trabalhadores atuantes em unidades de saúde. Rio de Janeiro, Brasil, 2020.

Discussão

Cerca de metade dos trabalhadores atuantes em unidades de saúde apresentava algum grau de depressão, ansiedade ou estresse, seja leve, moderado ou severo. Além disso, observaram-se associações entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e os sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Os resultados mostraram associações mais fortes à medida que aumentava a classificação de gravidade de cada sintoma avaliado.

Estudos sobre o sofrimento mental durante a pandemia têm mostrado elevadas taxas de adoecimento, principalmente entre os profissionais de saúde 1818. Dantas ESO. Saúde mental dos profissionais de saúde no Brasil no contexto da pandemia por COVID-19. Interface (Botucatu) 2021; 25 Suppl 1:e00203.,1919. Gupta S, Sahoo S. Pandemic and mental health of the front-line healthcare workers: a review and implications in the Indian context amidst COVID-19. Gen Psychiatr 2020; 33:e100284.. De forma semelhante ao observado neste estudo, artigo de revisão sobre a saúde mental de trabalhadores da saúde mostrou prevalências de sintomas de ansiedade que variam entre 44,6% e 62%; cerca de 30% tinha nível moderado ou grave de ansiedade. Cerca de 50% dos profissionais de saúde apresentou sintomas depressivos 1919. Gupta S, Sahoo S. Pandemic and mental health of the front-line healthcare workers: a review and implications in the Indian context amidst COVID-19. Gen Psychiatr 2020; 33:e100284.. Já um inquérito com profissionais de enfermagem de serviços de saúde de média e alta complexidade mostrou que 39,6% e 38% apresentaram, respectivamente, sintomas severos de ansiedade e de depressão 2020. Santos KMR, Galvão MHR, Gomes SM, Souza TA, Medeiros AA, Barbosa IR. Depressão e ansiedade em profissionais de enfermagem durante a pandemia da COVID-19. Esc Anna Nery Rev Enferm 2021; 25:e20200370.. Uma revisão sistemática com metanálise para avaliar a ansiedade nos profissionais da saúde durante a pandemia da COVID-19 mostrou que a prevalência geral de ansiedade (leve, moderada e grave) foi de 35%, variando de 7% a 70,8% 99. Silva DFO, Cobucci RN, Soares-Rachetti VP, Lima SCVC, Andrade FB. Prevalência de ansiedade em profissionais da saúde em tempos de COVID-19: revisão sistemática com metanálise. Ciênc Saúde Colet 2021; 26:693-710.. Essa variação pode decorrer de diferenças de contextos culturais ou de métodos na avaliação dos sintomas 1010. Souza ASR, Souza GFA, Souza GA, Cordeiro AN, Praciano GAF, Alves ACS, et al. Factors associated with stress, anxiety, and depression during social distancing in Brazil. Rev Saúde Pública 2021; 55:5.. A este respeito, investigação em hospitais na Etiópia com base no mesmo instrumento de avaliação apontou prevalências pouco mais altas que as observadas neste estudo, exceto em relação aos sintomas de estresse, observados em 63,7% dos profissionais de saúde 2121. Asnakew S, Amha H, Kassew T. Mental health adverse effects of COVID-19 pandemic on health care workers in North West Ethiopia: a multicenter cross-sectional study. Neuropsychiatr Dis Treat 2021; 17:1375-84..

Artigo de revisão incluindo dados da população geral e de profissionais de saúde mostrou a contribuição da pandemia para os quadros de ansiedade, depressão, estresse e transtorno de estresse pós-traumático, sendo as mulheres, os estudantes e os enfermeiros os mais acometidos pelo adoecimento mental 2222. Moreira WC, Sousa AR, Nóbrega MPSS. Adoecimento mental na população geral e em profissionais de saúde durante a COVID-19: scoping review. Texto Contexto Enferm 2020; 29:e20200215.. A este respeito, recente revisão sistemática com metanálise não apontou diferença na prevalência de ansiedade e depressão entre os profissionais de saúde e a população geral. Os autores ressaltam que estudos longitudinais precisam ser conduzidos para determinar se essa ausência de diferença está relacionada a estratégias para lidar na linha de frente do enfrentamento da doença 2323. Cenat JM, Blais-Rochette C, Kokou-Kpolou CK, Noorishad PG, Mukunzi JN, McIntee SE, et al. Prevalence of symptoms of depression, anxiety, insomnia, posttraumatic stress disorder, and psychological distress among populations affected by the COVID-19 pandemic: a systematic review and meta-analysis. Psychiatry Res 2021; 295:113599..

Artigo de revisão sistemática sobre o impacto da COVID-19 na saúde mental em profissionais da saúde mostrou que um dos principais fatores associados aos problemas relativos à saúde mental foi a percepção de risco de adoecimento, ou seja, a preocupação em ser infectado ou em infectar outras pessoas 2424. Muller AE, Hafstad EV, Himmels JPW, Smedslund G, Flottorp S, Stensland SØ, et al. The mental health impact of the COVID-19 pandemic on healthcare workers, and interventions to help them: a rapid systematic review. Psychiatry Res 2020; 293:113441.. O estudo da relação entre problemas psíquicos e comportamentos não saudáveis em resposta à pandemia da COVID-19 mostrou que os profissionais de saúde que apontaram seu local de trabalho como de maior risco de infecção apresentavam mais estresse e ansiedade 66. Lee J, Lee HJ, Hong Y, Shin YW, Chung S, Park J. Risk perception, unhealthy behavior, and anxiety due to viral epidemic among healthcare workers: the relationships with depressive and insomnia symptoms during COVID-19. Front Psychiatry 2021; 12:615387.. Além disso, a alta percepção de risco de se infectar pela COVID-19 foi significativamente associada aos sintomas de ansiedade 2525. Mohd SSH, Azman N, Nik Jaafar NR, Mohd Daud TI, Baharudin A, Ismail AK, et al. Health anxiety and its correlations with self-perceived risk and attitude on COVID-19 among Malaysian healthcare workers during the pandemic. Int J Environ Res Public Health 2021; 18:4879.. Os autores discutem que, particularmente para os profissionais de saúde, a percepção de que se encontram sob maior risco de exposição ao vírus do que a população em geral pode levá-los a ampliar suas percepções de risco, aumentando assim os níveis de ansiedade 2525. Mohd SSH, Azman N, Nik Jaafar NR, Mohd Daud TI, Baharudin A, Ismail AK, et al. Health anxiety and its correlations with self-perceived risk and attitude on COVID-19 among Malaysian healthcare workers during the pandemic. Int J Environ Res Public Health 2021; 18:4879., o que pode ser atribuído também aos sintomas de depressão e estresse.

Nessa perspectiva, estudo sobre a percepção de risco de COVID-19 em países da Europa, América e Ásia mostrou que as pessoas que vivenciaram a infecção apresentaram percepção de risco significativamente maior do que aquelas que não tiveram a experiência 2626. Dryhurst S, Schneider CR, Kerr J, Freeman ALJ, Recchia G, Van Der Bles AM, et al. Risk perceptions of COVID-19 around the world. J Risk Res 2020; 23:994-1006.. Além disso, a percepção de risco correlacionou-se significativamente com a adoção de comportamentos preventivos de saúde. Os autores argumentaram que quanto mais as pessoas acreditam que é importante fazer algo em benefício do outro e/ou da sociedade, mesmo que tenha algum custo para elas individualmente, maior é a percepção de risco 2626. Dryhurst S, Schneider CR, Kerr J, Freeman ALJ, Recchia G, Van Der Bles AM, et al. Risk perceptions of COVID-19 around the world. J Risk Res 2020; 23:994-1006.. No contexto dos profissionais atuantes em serviços de saúde aqui estudados, a percepção de risco foi associada ao comportamento altruísta, mas tal comportamento não se associou aos sintomas de depressão, ansiedade ou estresse.

Para Phua et al. 2727. Phua J, Weng L, Ling L, Egi M, Lim CM, Divatia JV, et al. Intensive care management of coronavirus disease 2019 (COVID-19): challenges and recommendations. Lancet Respir Med 2020; 8:506-17., em situações de pandemia, as unidades de saúde precisam se preparar para os desafios não só relacionados à infraestrutura e aos suprimentos, mas também a ações de proteção contra a transmissão hospitalar e promoção do bem-estar mental. Visto que o setor saúde está em primeiro lugar no que diz respeito ao risco que envolve seus funcionários, reduzir esse risco é o primeiro passo para uma prestação de cuidados de saúde de qualidade. A percepção de risco dos profissionais de saúde pode afetar fortemente não apenas sua saúde mental, mas também sua exposição a este risco 2828. Abdel Wahed WY, Hefzy EM, Ahmed MI, Hamed NS. Assessment of knowledge, attitudes, and perception of health care workers regarding COVID-19, a cross-sectional study from Egypt. J Community Health 2020; 45:1242-51..

Este estudo se beneficia da avaliação da percepção de risco de adoecimento por COVID-19 por meio da adoção de uma escala utilizada pioneiramente no Brasil, com evidências de boas propriedades psicométricas 1515. Griep RH, Silva-Costa A, Santos RS, Alves DSB, Rotenberg L. Percepção de risco de adoecimento por COVID-19 em trabalhadores de unidades de saúde. Rev Bras Saúde Ocup; no prelo.. A utilização da escala torna a avaliação mais robusta, dada a abrangência da avaliação do risco, considerando o medo de ser infectado, de adoecer e morrer, como também o medo relacionado ao risco de infectar amigos e familiares. O estudo é pioneiro na avaliação da associação entre a percepção de risco de adoecimento por COVID-19 e a saúde mental, com base na gravidade dos sintomas de depressão, ansiedade e estresse. Assim, este estudo dá uma contribuição ao campo do conhecimento ao investigar uma amostra abrangente representada por profissionais atuantes em diferentes níveis de atenção à saúde.

Apesar das forças destacadas, o estudo apresenta limitações, como a falta de representatividade da amostra estudada, obtida por adesão voluntária ao preenchimento de um questionário online, o que pode ter gerado um viés de autosseleção. Embora a adoção de coleta de dados online tenha se propagado durante a pandemia, em resposta às recomendações de distanciamento social, e o questionário tenha sido elaborado por pesquisadores experientes na área da saúde do trabalhador e pré-testado em voluntários, foram obtidas respostas em branco ou inconsistentes. A avaliação seccional apresentada pode remeter à discussão de causalidade reversa, uma vez que trabalhadores com histórico de sofrimento mental antes da pandemia podem ter mais chance de apresentar maior percepção de risco de adoecimento do que aqueles sem sintomas de depressão, ansiedade e estresse. De toda forma, estudo que aborda a visão de trabalhadores da linha de frente na pandemia indica que estes atribuem o sofrimento psíquico às mudanças no trabalho, em especial aquelas relacionadas ao risco de contaminação 2929. Rotenberg L, Oliveira SS, Ferreira JP, Santos RS, Alves DSB, Silva-Costa A, et al. Sofrimento mental e trabalho na pandemia de COVID-19: com a palavra, profissionais da saúde de UTIs e emergências no Rio de Janeiro. In: Portela MC, Reis LGC, Lima SML, organizadoras. COVID-19: desafios para organização e repercussões no sistema e serviços de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2021. p. 335-45.. Apesar do caráter seccional, em que as variáveis classificadas como exposição e desfecho foram obtidas no mesmo momento, destaca-se que, para esta abordagem, a discussão ultrapassa as questões de causalidade, dado que a força das associações entre a percepção do risco de adoecimento e os problemas com a saúde mental é de considerável relevância para a elaboração de estratégias de enfrentamento a situações de pandemia, principalmente no que se refere aos trabalhadores atuantes nos serviços de saúde.

Destacamos ainda que o estudo abordou os trabalhadores na primeira fase da epidemia, momento de muita tensão e medo diante do novo contexto. O estresse crônico e a elevada carga física e mental dos trabalhadores tendem a se perpetuar ao longo do tempo. Os profissionais de saúde, principalmente quando em contato direto com pacientes infectados, precisam ter sua saúde mental monitorada com regularidade 33. Ornell F, Halpern SC, Kessler FHP, Narvaez JCM. The impact of the COVID-19 pandemic on the mental health of healthcare professionals. Cad Saúde Pública 2020; 36:e00063520.. No entanto, não foi possível monitorar a percepção de risco e a saúde mental nos diversos momentos da pandemia, que se alastrou de forma muito especial, com patamares elevados de morbimortalidade no Brasil. No contexto brasileiro de crise política, econômica e social, a ausência de um alinhamento entre as recomendações da OMS e as medidas adotadas no país dificultou o controle da pandemia no país 3030. Benítez MA, Velasco C, Sequeira AR, Henríquez J, Menezes FM, Paolucci F. Responses to COVID-19 in five Latin American countries. Health Policy Technol 2020; 9:525-59., contribuindo para o sofrimento mental da população. Além disso, a vacinação tardia (quando comparada a outros países) também pode ter afetado a percepção de risco e a saúde mental dos trabalhadores de maneira muito mais severa do que aquela captada nos achados apresentados. Estudo sobre a saúde mental de enfermeiros sugere que ser vacinado garante não apenas a proteção imunológica contra o vírus, mas pode também reduzir o medo e a preocupação de se infectar ou infectar outras pessoas 3131. Labrague LJ. Pandemic fatigue and clinical nurses' mental health, sleep quality and job contentment during the COVID-19 pandemic: the mediating role of resilience. J Nurs Manag 2021; 21:10.1111/jonm.13383. e, portanto, reduzir a chance dos sintomas analisados neste artigo.

A associação entre a alta percepção de risco de adoecimento e o agravamento do sofrimento mental aponta a demanda por medidas de proteção à saúde dos trabalhadores. Tais medidas não devem se restringir à disponibilização de equipamentos de proteção individual (EPIs), treinamento e apoio psicológico, que são imprescindíveis, como aponta a literatura de forma unânime. É essencial que os gestores busquem promover espaços coletivos de discussão sobre o trabalho na própria unidade, além de ações que favoreçam a recuperação dos trabalhadores, como maior número de folgas, novas contratações e locais adequados para a alimentação e repouso, medidas que potencialmente reduzem o impacto à saúde mental dos profissionais de saúde 2424. Muller AE, Hafstad EV, Himmels JPW, Smedslund G, Flottorp S, Stensland SØ, et al. The mental health impact of the COVID-19 pandemic on healthcare workers, and interventions to help them: a rapid systematic review. Psychiatry Res 2020; 293:113441.,2929. Rotenberg L, Oliveira SS, Ferreira JP, Santos RS, Alves DSB, Silva-Costa A, et al. Sofrimento mental e trabalho na pandemia de COVID-19: com a palavra, profissionais da saúde de UTIs e emergências no Rio de Janeiro. In: Portela MC, Reis LGC, Lima SML, organizadoras. COVID-19: desafios para organização e repercussões no sistema e serviços de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2021. p. 335-45.. Trata-se de valorizar a força de trabalho em uma situação de extrema sobrecarga física e mental decorrente do excesso de demandas conjugado ao afastamento de colegas por adoecimento e à sensação de impotência diante da doença, com potenciais riscos psíquicos. Neste contexto, os profissionais da saúde se ressentem da pouca preocupação da gestão com a saúde dos trabalhadores, mesmo em situações em que estes adoecem por COVID-19, ressaltando que são procurados apenas para confirmar seu retorno à atividade, e não para acompanhar seu estado de saúde 2929. Rotenberg L, Oliveira SS, Ferreira JP, Santos RS, Alves DSB, Silva-Costa A, et al. Sofrimento mental e trabalho na pandemia de COVID-19: com a palavra, profissionais da saúde de UTIs e emergências no Rio de Janeiro. In: Portela MC, Reis LGC, Lima SML, organizadoras. COVID-19: desafios para organização e repercussões no sistema e serviços de saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2021. p. 335-45.. Em suma, em um contexto pandêmico de longa duração, somente uma força de trabalho bem atendida do ponto de vista da organização do trabalho e de ações em saúde do trabalhador poderá prover assistência de qualidade nas diversas unidades de saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Mar 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Ago 2021
  • Revisado
    11 Out 2021
  • Aceito
    22 Out 2021
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