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Debate sobre o artigo de Gil Sevalho

Debate on the paper by Gil Sevalho

DEBATE DEBATE

Maria Helena Cabral de Almeida Cardoso

Departamento de Genética, Instituto Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil.

Debate sobre o artigo de Gil Sevalho

Debate on the paper by Gil Sevalho

O artigo de Gil Sevalho, dentro do contexto atual da discussão científica/acadêmica, traz aos epidemiologistas o alerta de que a disciplina a que se dedicam apropriou-se de uma categoria fundamental para o historicidade do adoecer humano, sem refletir a respeito dela e quanto ao impacto que exerce sobre as formulações das suas propostas de construção do conhecimento. Sem sombra de dúvida, a epidemiologia emerge do tempo e nele se embrenha para erigir conceitos que lhe são instrumentais e, entretanto, não explicita tal fato, talvez até porque o saber do que é o tempo, é uma coisa, e conceituá-lo, outra, totalmente diferente.

Desse modo, interessa-me dirigir este comentário aos aportes que a disciplina da história pode oferecer à discussão acerca dos procedimentos epidemiológicos, mesmo porque as ligações desta com o pensamento de Prigogine encontram-se bem desenvolvidos pelo autor.

A apropriação das concepções de tempo elaboradas pela metodologia da história ­ notadamente as proposições braudelianas, por trazerem embutida a idéia da multiplicidade e, conseqüentemente, as de ruptura e regularidade ­ apontam para sua instrumentalização profícua à epidemiologia, na medida em que abrangem as noções de retrospecção e prospecção que lhe são tão caras. A longa, a média e a curta duração formam uma estrutura pensada em termos de totalidade que facilita desde a produção de desenhos metodológicos até a formulação histórica do adoecimento, porque não faz tabula rasa do pretérito e permite a operacionalização mais inteligível da idéia de processo.

O edifício braudeliano convida a lidar com as generalizações e com o reconhecimento da regularidade, princípio básico da concepção da longa duração dialeticamente articulada à média e à curta duração. Talvez seja este ingrediente o que mais atrações pode oferecer à reflexão epidemiológica, uma vez que permite valorizar tanto as diferenças como as semelhanças na busca de uma Epidemiologia total análoga a uma História total.

Ao trazer para a discussão os três tempos propostos por Reis (p.16), e assim mostrar a correlação estreita que este estabelece com o modelo dos três tempos de Braudel, sobretudo como trabalhados em "Civilização Material, Economia e Capitalismo", o autor permite a leitura de uma concepção hegeliana, na qual o terceiro tempo, sugerido como aquele da História, funcionaria como espécie de síntese, realizando-se à maneira de campo de aplicação e manifestação dos dois primeiros. Esta abrangência da epidemiologia, aliás bastante semelhante ao da História científica dos Annales, encontraria nas reflexões metodológicas desta um caminho para realizar-se. Contudo, a ambigüidade e o inexato constituem o verdadeiro reino da história, e é exatamente este o ponto sobre o qual uma epidemiologia não positivista deveria debruçar-se com coragem reflexiva.

A separação entre natureza/cultura ou natureza/sociedade, razão/mito ou ciência/mito ­ como quer que chamemos ­ desde há cinco décadas vem sendo questionada diante da descoberta que sua operacionalização não nos despertou para aquilo que socialmente havia sido produzido e que não se encaixava, de maneira estrita, em nenhum desses pólos/pilares construídos pelo entendimento positivista da vida neste planeta. Trazer a função da historicidade para dentro da epidemiologia, mais do que pensar os três tempos braudelianos, é, no meu entender, um meio de partir da complexidade, sendo também a grande contribuição de Sevalho. Pensar a historicidade é substituir critérios epistemológicos circunscritos a objetos e métodos por novos paradigmas, nos quais as permutas, as transferências, as apropriações, as trocas, o inexato, as ambigüidades, as mediações, as metáforas... se entrelaçam, compondo enredos e narrativas a respeito do adoecer, cujo substrato histórico processual seja o leitmotiven que poderá dar outro sentido aos estudos epidemiológicos.

Se a História, para Sevalho, "é a ciência do tempo social Humano" (p.23), a Epidemiologia que ele busca seria "a compreensão do fenômeno do adoecer humano coletivo" (p.27). Neste caso, sua afinidade com a História proposta pelos Annales apresenta-se completa e coerente. Mas será que o desejo de totalidade, tanto o da Epidemiologia como o da História, é possível de ser totalmente realizável?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2001
  • Data do Fascículo
    Jan 1997
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