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Impactos da violência na escola: um diálogo com professores

RESENHAS BOOK REVIEWS

Corina Helena Figueira Mendes

Instituto Nacional de Saúde da Criança, da Mulher e do Adolescente Fernandes Figueira, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, Brasil. corinamendes@iff.fiocruz.br

IMPACTOS DA VIOLÊNCIA NA ESCOLA: UM DIÁLOGO COM PROFESSORES. Assis SG, Constantino P, Avanci JQ, organizadoras. Rio de Janeiro: Ministério da Educação/Editora Fiocruz; 2010. 270p.

ISBN: 978-85-7541-194-0.

Nas últimas décadas, houve considerável aumento na produção de publicações com base em pesquisas na área de violência. Várias delas, frutos da consolidação de trabalhos do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, Fundação Oswaldo Cruz (CLAVES/ENSP/Fiocruz). O livro Impactos da Violência na Escola: um diálogo com professores é um bom exemplo da trajetória de implicação do CLAVES com a demanda governamental e a produção de publicações voltadas para a formação de profissionais de setores como a saúde, a assistência social e a educação.

Este livro oferece ao leitor conteúdos sobre o enfrentamento das violências que ocorrem no contexto escolar ou que são identificadas pelos que atuam neste espaço relacional. Por meio de estrutura textual que propõe a reflexão a partir da prática e retrata a complexa realidade brasileira em casos fictícios, agrega-se à publicação o frescor do estilo de materiais produzidos para cursos de educação a distância, constituindo ponto de partida na capacitação em ato dos profissionais da área de educação.

Apresentado em nove capítulos, tem início com Por uma Cultura de Educação em Direitos Humanos, exposição que abrange desde a múltipla conceituação de direitos humanos à compreensão do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) no percurso de constituição cotidiana do Estado de Direito. Este primeiro capítulo já sinaliza a perspectiva que será privilegiada ao longo de toda a obra, em que se busca instrumentalizar o leitor para refletir sobre como a atividade em sala de aula pode, e deve, promover a cultura em direitos humanos. Tudo isso sem fórmulas preconcebidas, mas por intermédio da implicação dos atores do sistema educacional com a temática da violência, além do nexo que pode ser estabelecido entre a convivência escolar e a promoção de cidadania e saúde.

O segundo capitulo, Reflexões sobre Violência e suas Manifestações na Escola, soma-se ao primeiro na composição do arcabouço teórico da publicação ao trazer à cena a dificuldade de conceituar "violência", considerando sua complexidade e multicausalidade, sem reduzi-la à mera descrição de atos praticados pelos atores que compõem o "cenário da escola". Na apresentação do modelo ecológico 1 1 . Bronfenbrenner U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Editora Artes Médicas; 1996. , também empregado no campo da saúde para a compreensão da violência, são retratadas as relações sistêmicas e a responsabilidade de cada esfera - individual, relacional, comunitária e social - na produção das violências, em seu enfrentamento e na promoção de comportamentos protetores. Mediante a apresentação das diversas categorizações da violência, os autores enfatizam aquelas mais visíveis nos ambientes escolares e projetam luzes sobre as mais silenciosas, mas não pouco frequentes, como a violência autoinfligida. Na problematização dos conceitos, possibilitam a reflexão sobre preconceitos que favorecem as violências institucional e simbólica, presentes no cerne das temáticas do Capítulo 3, Violência na Escola, da Escola e Contra a Escola; do Capítulo 4, Bullying Escolar; e do Capítulo 5, Gênero, Sexualidade e 'Raça': Dimensões da Violência no Contexto Escolar.

No Capitulo 3, também encontramos a análise sobre a precariedade estrutural das escolas, em especial "a desvalorização social e empobrecimento do professor" (p. 66). Ao abordar a temática da violência que ocorre "na" escola, a autora não se exime de colocar em cena a necessidade de reflexão sobre a violência que pode provir do professor contra o aluno. Ao final do capítulo, o texto nos instiga com a pergunta: "De quem é a culpa?". Longe de ter uma resposta que atenda à complexidade dos fatores envolvidos, o leitor se sente esperançoso ao partilhar com a autora a crença de que a escola é, sim, local privilegiado para iniciativas de prevenção da violência.

Em Quando a Violência Familiar Chega até a Escola, Capítulo 6, é apresentada uma análise sobre o papel fundamental da escola na identificação e na prevenção da violência familiar. Encontramos uma competente problematização desta forma de violência, enfatizando a necessidade de se trabalhar com a família numa ótica que considere a diversidade e a pluralidade dos arranjos desta instituição social. Este capítulo também aborda a dificuldade do professor, assim como ocorre com os profissionais de saúde, em lidar com os casos suspeitos ou confirmados de violência familiar, em virtude dos medos de se envolver em conflitos desta esfera privada de relações. O capítulo ainda oferece importantes instrumentos de trabalho para os educadores nas seções Como Apoiar as Crianças e as Famílias Envolvidas em Violência Familiar e Alguns Caminhos para a Escola Seguir em Caso de Violência Familiar.

O Capítulo 7, Reflexões sobre Promoção da Saúde e Prevenção da Violência na Escola, articula estes eixos de ações no enfrentamento da violência ao analisar como a atuação da escola pode interferir no desenvolvimento infanto-juvenil. São abordados os efeitos imediatos e tardios da violência; os danos físicos, emocionais, comportamentais e cognitivos; a obesidade de crianças e adolescentes e como a violência pode estar entre as causas que contribuem para esta morbidade; a associação entre drogas e violência; e a vulnerabilidade a vários outros comportamentos de risco, como a gravidez indesejada e o abandono escolar. Também apresenta o potencial do professor como "educador resiliente" diante de todas essas situações e na promoção da qualidade de vida na escola.

Em A Escola e a Rede de Proteção de Crianças e Adolescentes, Capítulo 8, a escola é estimulada a pensar não só em seu papel no Sistema de Garantia de Direitos e em suas articulações, especialmente com o Conselho Tutelar, mas também em como realizar a notificação (comunicação) de casos suspeitos ou confirmados de maus-tratos, como prevê o ECA em seu art. 245 2 2 . Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº. 8069 de 13 jul. 1990. Brasília: Ministério da Justiça; 2010. .

O último capítulo, Elaborando um Projeto de Intervenção Local para Enfrentar a Violência na Escola, no mesmo sentido dos capítulos anteriores, propõe a reflexão sobre e oferta de subsídios teóricos e metodológicos.

Ao terminar a tarefa de resenhar este livro, partilho o que imagino ser o sentimento de muitos educadores ao conhecerem esta obra: a sensação de não estar tão só no encontro com os retratos ou indícios da violência, que se manifestam na ambiente escolar, contra crianças e adolescentes.

Volto, então, à página 38 da publicação, quando o poeta Thiago de Mello é citado em Estatuto do Homem: "Fica então decretado que agora vale a verdade, / agora vale a vida, / e de mãos dadas, / marcharemos todos pela vida verdadeira".

  • 1
    . Bronfenbrenner U. A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Editora Artes Médicas; 1996.
  • 2
    . Brasil. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal nº. 8069 de 13 jul. 1990. Brasília: Ministério da Justiça; 2010.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Nov 2011
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