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Jovens, trajetórias, masculinidades e direitos

RESENHAS REVIEWS

Elaine Ferreira do Nascimento

Doutoranda IFF/Fiocruz

Adorno RCF, Alvarenga AT & Vasconcelos, MPC (organizadores). Jovens, trajetórias, masculinidades e direitos. São Paulo: Fapesp/Edusp. 2005. 293p.

O livro aborda a questão das masculinidades pela ótica da saúde sexual e reprodutiva de homens jovens ao longo dos seus treze artigos, buscando trabalhar, em uma perspectiva plural, a necessidade que este tema atinge.

Os organizadores, logo na introdução, revelam que este produto é fruto de um exercício profundo e intenso gerado em uma ampla discussão que se originou em um seminário realizado em 2001, com o apoio da United Nations Population Fund (UNFPA) e da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo (USP). O evento reuniu diversos pesquisadores/militantes que, além de se preocuparem com a questão conceitual e legal, também se ocupam da abordagem/intervenção empregada pelos serviços e programas de saúde a esse segmento da população, buscando compreender e problematizar acerca da saúde, sexualidade e prevenção.

A primeira parte do livro, que reúne um conjunto de três artigos, problematiza o marco legal/direitos a partir dos seguintes temas: "Sexualidade e reprodução na adolescência: uma questão de direitos", "Sujeitos de direito x sujeito sexual: conflitos sobre os direitos sexuais dos adolescentes", e "Relações de gênero e poder: os adolescentes e os direitos sexuais e reprodutivos no Estatuto da Criança e do Adolescente".

O conjunto desses artigos trata da importância de se identificar questões e contextos específicos nos quais se deve intervir no campo das desigualdades nas relações de gênero, raça/etnia, classe social, saúde e trabalho. Os textos problematizam a importância da lei como um instrumento de avanço importante, porém criticam que a efetividade da mesma precisa ser perseguida.

Trata os direitos sexuais e direitos reprodutivos de adolescentes e jovens como direitos humanos. Aponta diversos avanços: documento das Nações Unidas que reconhece a criança e o adolescente como sujeitos sociais portadores de direitos e deveres e a concretização destes no Estatuto da Criança e do Adolescente.

Os autores apontam a necessidade da adoção de uma fala no plural que abarque várias adolescências, sexualidades, processos e expressões de autonomia, garantindo assim uma diversidade dinâmica de explicações para os fenômenos envolvidos, além da construção de critérios democráticos que possam definir, no campo dos direitos e deveres, autonomia, liberdade, capacidades e responsabilidades.

Nesta perspectiva, a reflexão sobre a proteção de crianças e adolescentes deve rediscutir a normatização da interdição no tocante a aspectos da vida sexual e reprodutiva dos mesmos, pois esta pode retardar avanços mais significativos na diminuição de sua vulnerabilidade aos agravos à saúde sexual e reprodutiva.

A segunda parte do livro, que reúne um conjunto de cinco artigos, aborda questões de sexualidade e reprodução; vale-se para tal de pesquisas promovidas com jovens sobre suas experiências cotidianas, abrangendo questões tais como: heterossexualidade, homossexualidade, posição de universitários em relação ao aborto provocado, drogas, vulnerabilidades e saúde reprodutiva. Os artigos desse conjunto são: "Dilemas e desafios em torno do aborto provocado: o discurso dos estudantes da Universidade de São Paulo", "Como os nossos pais? Homens e gerações em três contextos diferentes em Pernambuco", "Liberdade, sexo e drogas: a vulnerabilidade de homens jovens em camadas populares", "O cavalgar sem sela: desafios na promoção da saúde sexual entre homens jovens com práticas homossexuais", e "Homens de baixa renda falam sobre saúde reprodutiva e sexual".

No artigo sobre discursos de estudantes acerca do aborto provocado fica nítida a presença de uma polêmica sobre o assunto, pois esses discursos partem de pressupostos diferentes. No entanto, as narrativas dos jovens revelam que a concepção e a gestação são exclusivamente do âmbito do feminino, ou seja, há um reforço da idéia de que a mulher é a principal responsável pela contracepção e que a gravidez acontece por seu erro ou descuido. Porém, os discursos contrários ao direito de a mulher decidir estão fortemente relacionados com a questão dos papéis de gênero e suas assimetrias.

Os artigos sobre geração em três contextos diferentes em Pernambuco e o uso de drogas se articulam na medida em que podem se constituir em elementos de vulnerabilidade aos homens de forma geral, pois ambos retratam, de certa maneira, que as ausências governamentais associadas a elementos que compõem as masculinidades podem ser fatores de vulnerabilidade a estes homens.

O primeiro artigo aponta a questão da cultura e do incentivo do setor público na preservação da cultura como um elemento importante de resgate da história e de práticas de solidariedade de um povo, que hoje vive a sua própria sorte sem trabalho e perspectiva, além de sofrer um processo de aculturação por parte dos meios de comunicação. Um outro elemento é que com esta ausência a violência tem se perpetuado nestes espaços, ocasionando dor, sofrimento e morte de homens jovens.

E o segundo elenca uma série de fatores associados que compõem o universo masculino de grupos populares e que tornam os homens, particularmente os mais jovens, vulneráveis ao uso de drogas e às doenças sexualmente transmissíveis, dentre elas o HIV/ Aids. Esta vulnerabilidade se constrói ou está dada pelas próprias formas de construção da masculinidade, que tem na juventude um de seus nódulos centrais. O processo de iniciação sexual masculina com ênfase no aprendizado de uma técnica corporal pode trazer conseqüências de angústia e sofrimento para os jovens.

Um elemento importante a ser destacado é o papel do grupo de pares na construção da masculinidade entre os jovens homens, demonstrando que as abordagens devem tomar como foco os grupos sociais aos quais estes se vinculam.

"O cavalgar sem sela" é um artigo que busca articular dois eixos de discussão: juvenilização da epidemia do HIV/Aids e práticas de sexo desprotegidas.

Para discutir o segundo eixo o autor utiliza a discussão de scripts sexuais, os quais permitem eleger múltiplos repertórios de práticas, ações, palavras e gestos disponíveis para serem vivenciados pelos diferentes atores envolvidos nas interações.

O autor, por um lado, faz uma crítica contundente e substancial às políticas preventivas no campo do HIV/Aids apontando que o aspecto autoritário dificulta a compreensão e a interação, em particular, com o grupo de jovens adeptos de práticas homossexuais; chamando a atenção para o caráter exclusivamente tecnicista das políticas. E, por outro lado, também critica a guetização dos diversos grupos envolvidos com a temática, seja a acadêmica, os movimentos sociais e os serviços.

No artigo sobre os homens de baixa renda, os autores consideram as relações entre classe social e papéis tradicionais de gênero, em que a construção social hegemônica da masculinidade coloca os homens como dominadores e opressores. Todavia, essa posição pode trazer aos homens uma certa fragilidade e dificuldade em enfrentar problemas de saúde que são fundantes desta masculinidade.

Fatores como a falta de emprego, condições de vida, trabalho estressante, novas relações de poder dentro das famílias somadas aos problemas com o modelo de masculinidade adotado podem se constituir uma armadilha para os próprios homens.

A terceira e última parte do livro, que reúne um conjunto de quatro artigos, aborda questões de sexualidade, reprodução, gênero e relação com os serviços de saúde. Os artigos desse conjunto são: "Violência, sexualidade e saúde reprodutiva: contribuições para o debate sobre políticas públicas de saúde para rapazes", "Homens jovens no contexto do cuidado: leituras a partir da paternidade adolescente", "Programas de salud reproductiva para adolescentes en Argentina, Brasil y México: una evaluación cualitativa", e "Agentes comunitários de saúde e suas inquietações com as masculinidades: um problema de gênero".

Os artigos que tratam da discussão da violência e saúde reprodutiva se articulam com o de paternidade, pois todos sugerem a adoção de uma perspectiva de gênero tanto nas políticas de saúde como nos serviços de saúde para adolescentes e jovens, além de promover o aumento da participação masculina nas decisões reprodutivas.

O texto fala da importância de se dar visibilidade à questão da paternidade em geral, e da adolescência em particular, também chama a atenção para a onda patologizante das adolescências, estimula estudos nesta área que vão além da superficialidade da discussão "adolescência e sexualidade" e trabalha a questão da cultura na consolidação de papéis de gênero.

O artigo que relata a experiência de programas e serviços de saúde reprodutiva para adolescentes em três cidades da América Latina, Buenos Aires, México ­ DF e São Paulo, dá ênfase às dificuldades políticas, econômicas e institucionais que interferem na qualidade desses serviços.

Este artigo que discute agentes comunitários de saúde e masculinidades dentro de um programa de PSF trouxe a questão da próstata como um fator que incide sobre a saúde dos homens. Os homens do estudo trazem o medo como uma dificuldade principal para o exame de toque retal para a prevenção. O artigo aponta também o despreparo do setor saúde para lidar com este segmento além dos próprios profissionais de saúde não estarem aptos para tal acolhimento.

O texto assinala a importância da incorporação de sexualidade, questões de gênero e vulnerabilidades masculinas como eixo nas políticas de saúde, qualificando, desta forma, os programas de prevenção e os serviços de saúde.

O livro nos brinda com uma temática que tem sido a cada dia mais investigada, porém longe de ser esgotada. Trata-se de um exercício primoroso de diálogo entre as leis, os serviços, os sujeitos, as demandas e as resolutividades, estas são trajetórias que podem ser pensadas e construídas para a promoção de saúde dos homens e das mulheres, portanto a saúde da humanidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Jun 2007
  • Data do Fascículo
    Mar 2006
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