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Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetória

RESENHAS BOOK REVIEWS

Menicucci TMG. Público e privado na política de assistência à saúde no Brasil: atores, processos e trajetória. Rio de Janeiro: Fiocruz; 2007. 320 p.

Giovanni Gurgel Aciole

Departamento de Medicina, Universidade Federal de São Carlos

Há praticamente vinte anos, se persegue consolidar no país um sistema nacional de atenção à saúde - o sistema único de saúde. Mas a dura realidade que persiste é de uma dualidade que segmenta os cidadãos entre usuários do SUS e beneficiários do sistema de planos privados de saúde; ou seja, consolida-se um mix público/privado em que convivem formas estatais e privadas de assistência à saúde. Esta realidade denunciaria a impossibilidade de um sistema público, universal e único? Teriam razão os que cada vez mais agitam bandeiras em torno do fracasso do SUS? Tudo não passaria de utopia ou quimera reformista de socialistas e comunistas saudosos de uma leitura de realidade que se configurou equivocada e frustra?

Sem que tenha pretendido responder a perguntas tão diretas, embora tenha formulado argumentos em torno deste campo de inquietações, o livro de Telma Menicucci crava uma marcante reflexão que nos permite compreender os porquês da atual situação da política de saúde. Partindo dos pressupostos do que é denominado de novo institucionalismo conjunto de idéias que reconsidera o papel das organizações e instituições políticas como condicionantes da própria política, o que faz delas atores políticos e não apenas arenas nas quais se disputa a formulação das políticas - erige, sob este ponto de Arquimedes, um estudo interessante cujo argumento central é o da dependência da política à trajetória prévia das políticas anteriores e aos efeitos de feedback das instituições políticas e organizações sobre as escolhas políticas posteriores. Ao analisar a constituição do contexto político e organizacional do setor saúde dos anos sessenta em diante, reúne um conjunto de reflexões e elementos que possibilitam um olhar analítico e crítico sobre as possibilidades e limites da institucionalização do SUS, visto que o marco legal de sua criação carregou ventos de mudança e de conservação, denunciado pelo fato de que as políticas prévias das décadas anteriores - que a autora disseca no seu texto - condicionaram e, até, determinaram, as escolhas que acabaram por ser feitas e que resultaram tanto na consolidação legal do Sistema Único de Saúde, como obrigaram, quase uma década depois, a regulamentação do que ficou denominado de Saúde Suplementar. Tais fatos confirmam o que nas palavras da autora seria um efeito de feedback das organizações: As regras e os procedimentos institucionalizados na configuração que assumiu a assistência à saúde, caracterizada pela segmentação e constituição de um mix privado/público, tiveram como um de seus efeitos a atribuição de significados à realidade e a conformação de determinadas concepções sobre o público e o privado (p. 32). Ou ainda, porque em muitos aspectos, o modelo atual de assistência á saúde é uma continuidade do que foi estabelecido a partir dos anos 60, de forma que a alteração constitucional não significou uma mudança de rota na assistência á saúde, considerada em sua totalidade, ou seja, considerando conjuntamente os segmentos público e privado. Totalidade, determinações, efeitos de feedback, condicionantes: empregando tais termos, a autora desenvolve um estudo bastante instigante da historicidade da nossa política de saúde sem maiores temores de ser tomada como marxista, numa época em que nos damos ao luxo de jogar fora a criança junto com a água do banho.

Como alude Mercês Somarriba, na orelha do livro, a autora atualiza a velha máxima marxista de que os homens fazem história em circunstâncias que não escolheram. Acrescentaríamos que não apenas atualiza (no melhor sentido epistemológico que o termo carrega) como nos adverte que, a despeito de não escolhermos, fazemos história e, por isso mesmo, temos a necessidade imperativa de refletir sobre as condições em que esta história se faz e de que opções é constituída. É o caso deste livro, originário de sua tese de doutorado premiada com menção honrosa no Concurso Brasileiro CNPq/Anpocs de Obras Científicas e Teses Universitárias em Ciências Sociais em 2004.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Ago 2008
  • Data do Fascículo
    Out 2008
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