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Diálogos interseccionais sobre beleza, corpo e saúde

O presente Número Temático visa tomar a beleza como uma categoria analítica e, a partir principalmente da perspectiva das Ciências Humanas e Sociais em Saúde, promover Diálogos interseccionais sobre beleza, corpo e saúde com análises que buscam colocar em pauta a construção e materialização da beleza a partir de seus mais diversos atravessamentos relacionados à sexualidade, gênero, raça/etnia, classe social, geração, localidade geográfica, políticas e serviços de saúde, movimentos geopolíticos, migração, subjetividade, entre outros.

Arriscamos afirmar que a própria construção de uma imagem corporificada de si como mais ou menos bela se dá a partir de agenciamentos coletivos de enunciação11 Guattari F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense; 1985. que, por oferecerem as condições de possibilidade da própria construção do humano, produzem processos de diferenciação e corporificação (embodiment) nos quais uma ideia de beleza parece necessariamente estar presente. Assim, a construção de uma corporalidade de algum modo reconhecida socialmente como bela parece pressupor certa hierarquização valorativa do que seria esteticamente tido como mais ou menos belo/desejável/legítimo para aquele grupo social, justamente porque os processos de subjetivação e socialização do corpo se dão através de diferentes técnicas corporais - como dieta, cosmética, vestimentas, cirurgias plásticas e tratamentos estéticos diversos etc. - que passam por processos de normatização de acordo com os valores, normas e práticas de determinado grupo social, contexto e período histórico.

Assim, a construção do corpo como belo põe em cena práticas cotidianas de produção de si que, de formas diversas, reiteram e/ou subvertem o dito padrão majoritário de beleza da sociedade ocidental contemporânea, o qual, por exemplo no caso das feminilidades, muitas vezes é concebido como o próprio feminino ou como uma feminilidade hegemônica22 Ochoa M. Queen for a day. Transformistas, Beauty Queens, and the Performance of Femininity in Venezuela. Durham: Duke University Press; 2014.. Neste sentido, utilizamo-nos de uma perspectiva interseccional de gênero para na quase totalidade deste Número Temático analisar a produção da beleza em feminilidades diversas, visto o corpo assignado ou assumido como feminino ser majoritariamente constituído como mais manipulável e/ou objeto de diferentes intervenções visando justamente a construção daquilo identificado como beleza.

Se uma ideia de beleza encarnada no corpo pode parecer quase sobreposta às noções de corpo e corporalidade, visto que aquela se relaciona diretamente à própria inscrição de símbolos e significados culturais no corpo, observamos como há uma constante disputa na própria produção daquilo que é tido como beleza nos mais diversos grupos sociais e períodos históricos, literalmente produzindo o embodiment daquele corpo e sua distinção perante algo ou outrem visto como seu outro constitutivo33 Figueroa MGM. Displaced looks: The lived experience of beauty and racism. Feminist Theory 2013; 14(2):137-151..

Deste modo, buscamos trazer neste Número Temático dois eixos principais de análise: 1) Reflexões acerca da construção social da beleza e os modos como tal constructo invariavelmente modulará tanto nossa própria forma de percepção da alteridade como os saberes e práticas no campo da saúde, assistência social, entre outros; 2) Análises dos processos de construção da beleza como diferença a partir de marcadores sociais inscritos no corpo que se dão tanto em relação a serviços e instituições oficiais de saúde (e suas relações com o mercado estético-cosmético) - de modo que muitas vezes a beleza é lida ou significada socialmente como sinônimo de saúde - como à margem da oficialidade do setor saúde.

Referências

  • 1
    Guattari F. Revolução molecular: pulsações políticas do desejo. São Paulo: Brasiliense; 1985.
  • 2
    Ochoa M. Queen for a day. Transformistas, Beauty Queens, and the Performance of Femininity in Venezuela. Durham: Duke University Press; 2014.
  • 3
    Figueroa MGM. Displaced looks: The lived experience of beauty and racism. Feminist Theory 2013; 14(2):137-151.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    Fev 2024
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