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EPIDEMIOLOGIA DA LEPTOSPIROSE EM BOVINOS

EPIDEMIOLOGY OF LEPTOSPIROSIS IN CATTLE

Resumos

A leptospirose é uma zoonose causada por 'ima bactéria que pertence ao gênero Leptospira e a espécie L. interrogans a qual apresenta mais de 200 sorovares diferentes. A principal fonte de infecção desta doença são os roedores peri-domésticos, tais como o rato e o camundongo. Dentre os animais domésticos, os suínos são os principais reservatórios de leptospiras. Esses animais eliminam o agente através da urina, contaminando a água, o solo e os alimentos, principais vias de transmissão da doença. O sêmen de touros infectados também pode transmitir o agente, através da monta natural e da inseminação artificial. A suscetibilidade dos bovinos varia de acordo com alguns fatores, tais como idade, estado fisiológico, utilização e densidade populacional. No Continente Americano, os sorovares predominantes nesta espécie são hardjo, pomona e grippotyphosa. A prevalência varia considerável mente entre rebanhos, entre regiões e entre países.

bovinos; epidemiologia; leptospirose


Leptospirosis is a zoonosis caused by a bacteria belonging to genus Leptospira and to the spicies L. interrogans which has more than 200 different serovars. The principal infection source of this disease are rodents, such as the rat and the mouse. Among domestic animals, swine are the principal reservoirs of leptospires. These animals eliminate the bacteria through the urine infecting water, soil and foods, which are the principal ways of transmission of the disease. The semen of infected bulls also can transmit the bacterium through eigther natural service or artificial insemination. The suscetibility of the cattle vary according to several factors such as age, physiological state, utilization and populational density. In the American Continent, the predominant serovars of this species are hardjo, pomona and grippotyphosa. The prevalence varies among herds, regions and countries.

cattle; epidemiology; leptospirosis


EPIDEMIOLOGIA DA LEPTOSPIROSE EM BOVINOS

EPIDEMIOLOGY OF LEPTOSPIROSIS IN CATTLE

- REVISÃO BIBLIOGRÁFICA -

Claudiomar Soares Brod1 1 Médico Veterinário, Professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Centro de Controle de Zoonoses, prédio 42, Campus Universitário, 96010-900 Pelotas, RS. Marta Fernanda Fehlberg2 1 Médico Veterinário, Professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Centro de Controle de Zoonoses, prédio 42, Campus Universitário, 96010-900 Pelotas, RS.

RESUMO

A leptospirose é uma zoonose causada por 'ima bactéria que pertence ao gênero Leptospira e a espécie L. interrogans a qual apresenta mais de 200 sorovares diferentes. A principal fonte de infecção desta doença são os roedores peri-domésticos, tais como o rato e o camundongo. Dentre os animais domésticos, os suínos são os principais reservatórios de leptospiras. Esses animais eliminam o agente através da urina, contaminando a água, o solo e os alimentos, principais vias de transmissão da doença. O sêmen de touros infectados também pode transmitir o agente, através da monta natural e da inseminação artificial. A suscetibilidade dos bovinos varia de acordo com alguns fatores, tais como idade, estado fisiológico, utilização e densidade populacional. No Continente Americano, os sorovares predominantes nesta espécie são hardjo, pomona e grippotyphosa. A prevalência varia considerável mente entre rebanhos, entre regiões e entre países.

Palavras-chave: bovinos, epidemiologia, leptospirose.

SUMMARY

Leptospirosis is a zoonosis caused by a bacteria belonging to genus Leptospira and to the spicies L. interrogans which has more than 200 different serovars. The principal infection source of this disease are rodents, such as the rat and the mouse. Among domestic animals, swine are the principal reservoirs of leptospires. These animals eliminate the bacteria through the urine infecting water, soil and foods, which are the principal ways of transmission of the disease. The semen of infected bulls also can transmit the bacterium through eigther natural service or artificial insemination. The suscetibility of the cattle vary according to several factors such as age, physiological state, utilization and populational density. In the American Continent, the predominant serovars of this species are hardjo, pomona and grippotyphosa. The prevalence varies among herds, regions and countries.

Key words: cattle, epidemiology, leptospirosis.

INTRODUÇÃO

A leptospirose é uma enfermidade amplamente disseminada e de grande importância econômica em muitos países do mundo.

A prevalência em bovinos varia consideravelmente entre rebanhos, entre áreas e entre países, sendo mais elevada em regiões tropicais onde ocorrem grandes precipitações pluviais e o solo é neutro ou alcalino.

As perdas econômicas em rebanhos bovinos ocorrem devido a abortos, redução na produção de leite, interinidade e elevação dos coeficientes de mortalidade. Além disso, a enfermidade exerce papel de destaque em termos de saúde pública, pois pode ser transmitida ao homem através da urina de animais infectados.

Devido à complexidade da cadeia epidemiológica da leptospirose, torna-se necessário um estudo detalhado de cada um dos três elos que a compõe, pois as medidas de prevenção e controle da enfermidade deverão ser dirigidas a todos os integrantes desta cadeia.

CARACTERÍSTICAS DO AGENTE

O agente da leptospirose é uma bactéria da família Spirochaetaceae, da ordem Spirochaetalis, gênero Leptospira e espécie L. interrogans (TORTEN, 1979). Atualmente, são reconhecidos aproximadamente 200 sorovares pertencentes a esta espécie (MYERS, 1985). Embora seja considerada uma bactéria gram-positiva, cora-se com dificuldade, não sendo classificada como tal (TORTEN, 1979).

As leptospiras são microorganismos flexíveis e helicoidais que medem 6 a 20Mm de comprimento por 0,1 a 0,2Mm de diâmetro. Apresentam formato de gancho em uma ou ambas extremidades. São fortemente espiraladas, característica que pode ser observada em microscopia de campo escuro com aumento de 600 a 1.000 x. Não são visualizadas em microscopia ordinária, pois seu índice de refração a luz é semelhante ao das lâminas de vidro (TORTEN, 1979). Podem ser detectadas em cortes histológicos de tecidos ou esfregaços em lâmina através de impregnações com prata, coloração negativa por vermelho congo ou nigrosina, e ainda em cortes histológicos de tecidos ou em sedimentos de urina através de fluorescência (OLIVEIRA, 1984).

As leptospiras são microorganismos aeróbios estritos com preferência por condições microaerófilas. Quando cultivadas em um meio adequado a 30°C, se reproduzem em um período de 7 a 12 horas (MYERS, 1985). Este é um dos principais motivos pêlos quais ocorre a contaminação das culturas por outras bactérias de crescimento mais rápido, e a conseqüente morte das leptospiras (TORTEN, 1979). Em meios semi-sólidos, o crescimento se observa em forma de um ou mais anéis densos abaixo da superfície do meio (MYERS, 1985). O ph ótimo para crescimento está entre 7,2 e 7,4. Diferente da maioria das outras bactérias, requerem ácidos graxos específicos como fonte de carbono e energia, e utilizam também glicose. Os sais de amônia podem ser utilizados como única fonte de nitrogênio, e há requerimentos mínimos de vitamina B12, tiamina e sais (TORTEN, 1979).

A estrutura antigênica das leptospiras é bastante complexa, ocorrendo muita semelhança nas propriedades imunológicas entre os diversos sorovares. Os determinantes antigênos responsáveis pela positividade nas reações de soroaglutinação são os antigênos de superfície, específicos para cada sorovar. Os antigênos somáticos, localizados no interior do corpo bacteriano, são comuns aos diversos sorovares e parecem ser responsáveis, multas vezes, por reações sorológicas cruzadas. Estes antigênos são liberados quando ocorre a ruptura da bactéria (ROTHSTEIN & HIATT, 1956).

A maioria dos autores acredita que as leptospiras são antigenicamente estáveis, e que relatos de mutação ou desvio antigênico são errôneos (COMBIESCU et al, 1960). Entretanto alguns autores acreditam que a estrutura antigênica é passível de modificações desde que suas culturas sejam colocadas em contato repetido com o anti-soro homólogo (BESSEMANS & DERON, 1947), ou mesmo com um anti-soro heterólogo (JOHNSON et al, 1969).

As leptospiras penetram no organismo do hospedeiro ativamente através da pele a das mucosas, invadem rapidamente a corrente circulatória e se disseminam através dos órgãos internos (OLIVEIRA, 1984). STAVITSKI (1945) sugeriu que a grande velocidade com que as leptospiras se revolvem em movimentos semelhantes a um saca-rolha permite a invasão do tecido conjuntivo. VOLLAND & BREDE (1952) observaram a presença de hialuronidase em fluídos filtrados de culturas de leptospiras, e citaram-na como uma possível causa da propriedade invasiva.

Duas atividades enzimáticas, uma lipolítica e outra aminopeptidásica, contribuem para o metabolismo das leptospiras e para a sua persistência no hospedeiro (BERG et al, 1969; BURTOM et al. 1970).

Achados clínicos e histopatológicos nas infecções por leptospiras levam a crer que estes microorganismos produzem endotoxinas. ABDUSSALAM et al, (1972) sugeriram a possibilidade de que produtos lipídicos do metabolismo das leptospiras "in vivo" poderiam vir a ser tóxicos. As endotoxinas leptospirais têm ação a nível de capilares, provocando uma dilatação do endotélio e um aumento da permeabilidade capilar, que levam a edemas e hemorragias (BRITO, 1968). Ocorre uma capilarite sistêmica (pancapilarite) que leva a lesões por anóxia ou hipóxia (SAN JUAN, 1971).

CADEIA EPIDEMIOLÓGICA DA LEPTOSPIROSE

Primeiro elo da cadeia: fonte de infecção

São considerados fontes de infecção de leptospirose todos os animais vertebrados enfermos, portadores e reservatório de leptospiras. Nestes animais, o agente se localiza na luz, dos túbulos renais, sendo excretado vivo na urina durante semanas ou meses (OLIVEIRA, 1984).

Os animais enfermos normalmente são identificados através dos sinais clínicos característicos da doença e de exames sorológicos e bacteriológicos, tendo pouca importância epidemiológica, pois podem ser facilmente afastados dos hospedeiros suscetíveis e tratados (OLIVEIRA, 1984). Os sinais clínicos da leptospirose variam de acordo com a espécie animal. Em bovinos adultos, os principais sinais clínicos observados são aborto e mamite. Em terneiros, a doença é mais severa, ocorrendo febre, icterícia e homoglobinúiria (OLIVEIRA, 1984; ACHA & BORIS, 1977). Em suínos, observa-se principalmente aborto e nascimento de leitões fracos, podendo também ocorrer icterícia, hemoglobinúria, convulsões e transtornos gastrointestinais, principalmente em leitões (OLIVEIRA 1984). Em eqüinos, a doença é subclínica na maioria das vezes, mas pode ocorrer febre e sinais entéricos. A lesão mais evidente nesta espécie é a oftalmia periódica, que pode se instalar vários meses após a fase febril (TORTEN, 1979; ACHA & BORIS, 1977). Em cães, observa-se febre, anorexia, depressão, vômito e diarréia. Após alguns dias, pode ocorrer icterícia, hemorragias e nefrite intersticial aguda (TORTEN, 1979).

Os animais portadores, representados por bovinos sem manifestações aparentes da doença. podem ser divididos em três categorias.

Os portadores em incubação têm pouca importância epidermiológica, pois neste período, que oscila entre 2 e 19 dias, ainda não estão eliminado o agente(ACHA & BORIS, 1977).

Os portadores convalescentes, por outro lado, têm grande importância epidemiológica, pois mesmo tendo apresentado o quadro clínico e se recuperado, continuam a eliminar o agente através da urina durante semanas ou meses. Estudos realizados em bovinos têm demonstrado que o período de leptospirúria pode variar de 38 (BLENDEN, 1975) a 120 dias (LYUBASHENKO et al, 1966). MARGERY et al (1982), analisando rebanhos leiteiros, com e sem história de aborto, encontraram leptospirúria em 50% das vacas que tinham abortado.

Os portadores sadios, que apresentam leptospirúria mesmo sem apresentar nenhum sinal clínico da doença, também são muito importantes do ponto de vista epidermiológico, pois só podem ser identificados através de exames sorológicos e bacteriológicos (OLIVEIRA, 1984).

Os reservatórios de leptospiras, representados pêlos animais vertebrados com exceção dos bovinos, que não apresentam sinal clínico característico da doença, mas eliminam leptospiras por um período de tempo prolongado, são extremamente importantes como fonte de infecção de leptospirose.

Os principais reservatórios da doença são os roedores que vivem nas habitações humanas ou próximo a elas (FEIGEN & ANDERSON, 1975; ABDUSSALAM, 1975). Na América do Sul, as principais espécies de roedores encontrados pertencem a família Muridae e são representados pelo Rattus norvegicus, pelo Rattus rattus e pelo Mus musculus. Estas espécies tornaram-se tão bem adaptadas, que são encontradas em todos os locais onde os seres humanos estão estabelecidos (MACKENZIE, 1972). No Brasil, vários estudos têm sido realizados para determinar a prevalência da infecção em roedores. BROD et al (1987) verificou que 63,3% dos ratos no Município de Pelotas, RS, eram portadores.

Dentre os animais domésticos, os suínos são os reservatórios mais importantes de leptospirose, pois apresentam uma leptospirúria abundante e prolongada (ACHA & BORIS, 1977). Isto ocorre porque a urina dos suínos é favorável à sobrevivência do agente, devido a sua alcalinidade. A maioria dos animais infectados não apresentam sinais clínicos característicos (TORTEN, 1979). MITCHELL et al (1966) revelaram leptospirúria em suínos por um período de até 2 anos. Os eqüinos têm pouca importância como reservatórios. BRYANS (1955) relatou que esta espécie mantém uma leptospirúria por um período muito curto de tempo, após a infecção. TORTEN (1979) considera os cães menos importantes como fonte de infecção do que espécies de animais domésticos devido ao baixo pH de sua urina, que não permite a sobrevivência de leptospiras por mais de alguns minutos. Por outro lado, BRUNER & MEYER (1949) consideram os cães perigosos, pois encontram períodos de leptospirúria variando de 2 a 6 meses nesta espécie.

Investigações realizadas em várias partes do mundo revelaram que as leptospiras estão amplamente distribuídas na vida silvestre (GUIMARÃES et al, 1983), principalmente entre os mamíferos. Alguns isolamentos têm sido realizados também em aves, répteis e anfíbios (1979).

Segundo elo da cadeia vias de transmissão

Eliminação

A principal via de eliminação de leptospiras é a urina dos animais infectados (FEIGIN & ANDERSON, 1975). A sobrevivência das leptospiras na urina depende primeiramente da dieta do animal. Em carnívoros, devido ao baixo pH urinário, as leptospiras são destruídas rapidamente. Por outro lado, em herbívoros, que apresentam urina levemente alcalina, as leptospiras podem permanecer virulentas por um tempo bem mais prolongado (TORTEN, 1979). Segundo ZUELZER (1935), o rato geralmente apresenta uma urina com o pH ao redor de 5,4 a 5,8 mas caso este se alimente principalmente de vegetais, os níveis de pH sobem para 7,0 a 8,0. É importante salientar que as leptospiras que colonizam os túbulos renais podem reaparecer em forma virulenta na urina tão logo seu pH torne-se favorável.

O sêmen também é uma importante via de eliminação de leptospiras. Segundo SLEIGHT & WILLIANS (1961), o sêmen pode ser contaminado por leptospiras através da urina infectada, devido à relação anatômica dos aparelhos urinário e reprodutor. Vários isolamentos de leptospiras do sêmen de touros infectados têm sido realizados (SLEIGHT & WILLIANS, 1961; RODINA, 1971). Diversos estudos têm demonstrado que as lepstopiras são resistentes ao congelamento, tanto no processo rápido como no lento (CESSI & LODETTI, 1969; ALEXANDER et al, 1972) e aos antibióticos utilizados no processamento do sêmen (BLENDSEN, 1975; POGORZELSKI, 1989).

Durante a fase de leptospiremia, o sangue e todas as secreções corporais podem conter leptospiras (HANSON et al 1972), no entanto é pouco provável que estes materiais desempenhem papel importante como vias de eliminação. No colostro e no leite normal, as leptospiras não persistem por muito tempo (TRBIC, 1975). A secreção de leptospiras através da saliva ainda não foi bem estabelecida (FEING & ANDERSON, 1975).

Os produtos do aborto também têm pouca importância, pois a autólise destrói rapidamente o agente (SMITH, 1973).

Transmissão

A principal via de transmissão da leptospirose é a água (BLENDEN, 1975). As águas de superfície, como lagoas, lagos e açudes, nas quais os microorganismos são excretados, podem permanecer infectados por várias semanas, se as condições forem favoráveis. As leptospiras requerem para a sua sobrevivência água doce, com pH neutro ou levemente alcalino. As águas salgadas, congeladas ou poluídas são desfavoráveis (THIERMAN, 1984; FEIGIN & ANDER80N, 1985).

Os solos úmidos, com pH neutro ou levemente alcalino, também são favoráveis à manutenção das leptospiras no ambiente. OKAZAKI & RINGER (1957) documentaram a sobrevivência de L. pomona durante 183 dias em solo úmido. Por outro lado TORTEN (1979) sugeriu que altas precipitações não são requeridas para a manutenção de leptospiras; ele observou que oásis em solos áridos e desertos podem tornar-se zonas endêmicas bem definidas pela introdução de animais portadores. Outros estudos indicam variações significantes na duração da sobrevivência de vários sorovares, dependendo do pH do solo SMITH & SELF, (1955). NUIKIN (1972) constatou que quanto maior for o percentual de pastagem produzida em solo ácido, menor será a freqüência de leptospirose entre bovinos mantidos neste local.

Os alimentos contaminados, principalmente as pastagens cultivadas em locais úmidos, são outra importante via de transmissão da doença (ACHA & BORIS, 1977). Os alimentos concentrados só terão importância se forem consumidos imediatamente após terem sido contaminados, pois as leptospiras não resistem à dessecação (OKAZAKI, 1957).

Os objetos também só terão importância quando entrarem em contato com o bovino suscetível logo após terem sido contaminados (OKAZAKI, 1957).

A possibilidade de que insetos hematófagos possam aluar como vetores na transmissão da leptospirose tem sido considerada REITER (1916) demonstrou que a mosca hematófaga Haematopota pluvialis é capaz de transmitir mecanicamente leptospiras a cobaias. BURGDOFER & PICKENS (1956) e BURGDOFER (1956) demonstraram que os carrapatos podem se infectar por leptospiras e conservá-la por longos períodos em seus órgãos internos.

Penetração

As leptospiras penetram no organismo do hospedeiro suscetível ativamente através da pele e das mucosas (OLIVEIRA, 1984).

A via dérmica é uma das principais vias de penetração. As leptospiras podem penetrar tanto na pele lesada, como na pele íntegra, devido a seus movimentos semelhantes a de um saca-rolhas e a produção de hialuronidase (STAVITSKI, 1945; VOLLAND & BREDE, 1952).

Outra importante via de penetração para bovinos é a urogenital. A transmissão da doença pode ocorrer tanto por monta natural, como por inseminação artificial (SLEIGHT & WILLIANS, 1961).

A via digestiva, por outro lado, tem pouca importância na transmissão, pois as leptospiras são rapidamente destruídas pelo suco gástrico (TORTEN, 1979), só tendo possibilidade de penetrar no organismo através da mucosa oral.

Terceiro elo da cadeia: hospedeiro suscetível

A suscetibilidade de bovinos à leptospirose varia de acordo com diversos fatores, tais como a idade, o sexo, o estado fisiológico, a utilização e a densidade populacional.

A infecção mostra-se mais severa entre os animais jovens, em particular nos primeiros meses de vida. Os principais sinais clínicos observados em torneiros são febre, icterícia e hemoglobinúria, e a letalidade é elevada Em bovinos adultos, os mais evidentes são aborto, mamite, queda na produção de leite e infertilidade, e a letalidade é baixa, ocorrendo devido a complicações do aborto (FENNESTAD, 1963; GUIMARÃES, 1983; OLIVEIRA. 1984).

Bovinos de ambos, os sexos são suscetíveis, mas as perdas são mais significantes em fêmeas (TORTEN. 1979).

O estado fisiológico das fêmeas determina uma diferença nos sinais clínicos observados. Cerca de 20 a 40% das fêmeas prenhas abortam quando a infecção ocorre no terço final da gestação (STALHEIM, 1975). Pode ocorrer também o nascimento de torneiros fracos, que morrem nos primeiros meses de vida (TORTEN, 1979). As vacas em lactação podem apresentar mamite clínica ou subclínica, e agalaxia nos casos graves.

Quanto à utilização dos animais, OLIVEIRA (1984) afirma que o manejo empregado em rebanhos leiteiros propicia um maior número de animais infectados, por outro lado, em um estudo realizado por MILLER et al (1991), as taxas de isolamento de leptospiras em tecido renal de bovinos foram significativamente mais altas para bovinos de corte.

Outro fator a ser considerado é a densidade populacional, que apresenta uma relação direta com o risco de exposição (BLENDEN, 1975).

Os bovinos, assim como todas as outras espécies de animais domésticos, são suscetíveis a todos os sorovares de L. interrogans (FEIGIN & ANDERSON, 1975). No Continente Americano, os sorovares predominante nesta espécie são hardjo, pomona e grippotyphosa (ACHA & BORIS, 1977).

Vários estudos têm sido realizados sobre a prevalência da doença em bovinos. MILLER et al (1991) estudaram a prevalência da leptospirose em bovinos nos Estados Unidos. De um total de 5.111 amostras de soro, 2.493 (49%) foram positivas para um ou mais sorovares. Leptospiras foram isoladas de 88 (1,7%) de um total de 5.142 amostras de tecido renal. Deste Isolamento, 83% foram identificados como sorovar hardjo, dentre os quais 85% foram identificados como sendo do genotipo hardjo-bovis A, e 15%, ao genotipo hardjo-bovis B.

CORDEIRO (1973) estudou a prevalência de leptospirose no Estado do Rio de Janeiro. De um total de 1.562 amostras de soro, 312 (21,8%) apresentaram reações positivas, sendo o sorovar wolffi o de maior evidência.

No Rio Grande do Sul, ADIL & OLIVEIRA (1978) examinaram 71 amostras de soro de touros utilizados em inseminação artificial, encontrado 38 (53,5%) positivas.

No Município de Pelotas, RS, BROD et al (1981) examinaram 92 amostras de soros bovinos, procedentes de nove estabelecimentos leiteiros, encontrando uma prevalência de 34,78% nos soros analisados, com predominância para o sorovar hardjo. Dos estabelecimentos analisados, oito apresentaram-se positivos.

No mesmo Município, BROD et al (1988) examinaram 168 amostram de soros de bovinos de leite, procedentes de 16 propriedades rurais, encontrados uma prevalência sorológica de 8,9%, e 50% de positividade para propriedades.

CONCLUSÕES

O agente da leptospirose apresenta uma resistência relativamente baixa a nível ambiental, mas por outro lado, é capaz de se manter por tempo prolongado na maioria das espécies de animais domésticos, peri-domésticos e silvestres, sendo constantemente eliminado ao meio. Além disso, deve-se considerar que a L. interrogans apresenta um grande número de sorovares, e que espécies de vertebrados são suscetíveis a todos os sorovares conhecidos. Devido a estas características desenvolvidas pelo agente, o combate efetivo da leptospirose em bovinos só poderá ser alcançado se as medidas de prevenção e controle da enfermidade forem aplicadas aos três elos da cadeia epidemiológica.

2Médico Veterinário, Aluno do Curso de Pós-Graduação em Sanidade Animal da Faculdade de Veterinária, UFPEL.

Recebido para publicação em 25.08.92. Aprovado para publicação em 02.09.92.

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    Médico Veterinário, Professor do Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL). Centro de Controle de Zoonoses, prédio 42, Campus Universitário, 96010-900 Pelotas, RS.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Set 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 1992

    Histórico

    • Aceito
      02 Set 1992
    • Recebido
      25 Ago 1992
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