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“Silicone também é cultura”: comentários sobre o legado de Néstor Perlongher *

“Silicone is Also Culture”, Comments on Nestor Perlongher’s Legacy

Resumo

Neste texto proponho realizar uma breve reflexão sobre o legado de Néstor Perlongher, estabelecendo um contraponto entre alguns aspectos de sua obra e sua trajetória na Universidade Estadual de Campinas/Unicamp, onde foi aluno e professor. Minha intenção é articular aspectos de escritos sobre sua obra literária e sua militância pelos direitos homossexuais na Argentina, seus estudos sobre prostituição masculina e o percurso desse autor em nossa universidade. Interessa-me, particularmente, sua participação nas discussões que conduziram à criação do Pagu, com destaque para os debates sobre sexualidade e diferenças – que nesse momento não chamávamos de gênero, nem de interseccionalidades. Reflito sobre esse percurso tomando como referência a convivência com Néstor Perlongher e com colegas e amigos compartilhados, na universidade e em espaços públicos e íntimos, desde 1984 até sua morte.

Perlongher; Unicamp; Sexualidade; Interseccionalidades; Gênero; Prostituição

Abstract

In this article I reflect on Néstor Perlongher’s legacy, in a counterpoint between some aspects of his writing and his trajectory at the State University of Campinas, Unicamp, in São Paulo where he was a student and later professor. My aim is to articulate aspects considered in texts about his literary work and his political activism directed towards the promotion of homosexual rights in Argentina, his studies about male prostitution and the paths of this author in our university. I’m particularly interested in tracing his participation in the discussions that were relevant for Pagu, the Center of Gender Studies at Unicamp, highlighting the debates about sexuality and differences – that at that point we did not call gender nor intersectionality. I reflect about those paths taking as reference the time we spent together at the university and in public and intimate life, since 1984 up to his death.

Perlongher; Unicamp; Sexuality; Interseccionalities; Gender; Prostitution

Dedico este texto a Oscar Blanco, que participou com entusiasmo

de sua primeira formulação e não chegou a vê-lo concluído.

Apresentação

“Silicone também é cultura!” afirmava Néstor Perlongher batendo com força na mesa, em uma acalorada discussão com Marco Aurélio Garcia, professor do departamento de história da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)1 1 Autor de diversos textos sobre política externa, integração latinoamericana, o Partido dos Trabalhadores, transição democrática, gênero e militância. Mais tarde seria Secretário de Cultura de Campinas e da cidade de São Paulo e, posteriormente, Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais nos governos de Lula e Dilma Roussef. . O tema era cultura e juventude. Com essa frase, Néstor chamava a atenção para as exclusões realizadas em nome da “cultura”, deixando fora aquelas/es não consideradas/os dignas/os produtoras/es e portadoras/es dela.

A ferocidade do debate resultava divertida levando em conta o local, o momento, as vestes e as particularidades de cada um dos participantes. Estavam na cozinha da casinha simples na qual vivi durante décadas no bairro Taquaral, em Campinas. Era madrugada de uma noite quente na metade da década de 1980 e os dois estavam sem camisa. Néstor usava uma cueca slip com desenho de oncinha. A virilidade de Marco Aurélio, um gaúcho cortês, irônico e erudito, contrastava com a performance de “marica”2 2 Termo que alude a um homossexual estereotipadamente feminilizado, em gíria da Argentina. argentina de Néstor, que brigou com firmeza, até o fim, em “portunhol”, língua cultuada por ele, em tons de voz que oscilavam entre graves e intensamente agudos.

Essa é uma das muitas lembranças que tenho de Néstor. Boa parte delas remete ao espaço daquela casa, que dividi com minha companheira Ana Fonseca3 3 Autora de diversos estudos e reflexões sobre política social e distribuição de renda. Naquele período, era pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp e preparava sua dissertação de mestrado, defendida em 1992 sob a orientação de Stella Bresciani no departamento de História da Unicamp: Das Raças à Família: o debate sobre a construção da nação. Mais tarde, coordenaria o programa de garantia de renda mínima do munícipio de São Paulo, o programa Bolsa-Família do governo federal, seria secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e Secretária Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza, em governos do Partido dos Trabalhadores. e foi palco da minha convivência com ele. Era uma espécie de “república”4 4 Nome que se dá em muitos lugares do Brasil às moradias coletivas, com relações “horizontais”, de alunos e, às vezes, de professores. Nesse sentido, nossa república era mista. com intensa circulação de pessoas de esquerda, professoras/es e alunas/os que faziam parte de diversos movimentos sociais, feminista, homossexual, negro e, mais tarde, de apoio às reivindicações das trabalhadoras sexuais. Naqueles tempos, muito anteriores à existência dos telefones celulares, as pessoas chegavam, tocando a campainha a qualquer hora da tarde e da noite. Sempre havia colchões disponíveis para os que precisavam pernoitar e era comum preparar coletivamente comidas e sobremesas de madrugada - as mais almejadas eram panquecas com doce de leite argentino, que, naquela época, só conseguíamos por amigos e parentes que o traziam do exterior.

Naquele contexto de intensa sociabilidade e discussão intelectual e política, Néstor, assim como Marco Aurélio, foi durante vários anos nosso hospede permanente nos dias da semana em que os dois, residindo em São Paulo, vinham dar aulas na Unicamp, à qual todos estávamos vinculados. E, embora Marco Aurélio reclamasse dos prolongados banhos “de Cleópatra” que Néstor tomava no único banheiro com chuveiro da casa, atrasando-nos todos na saída para a Unicamp, ambos eram interlocutores que se respeitavam.

Evoco aqui essas lembranças para pensar sobre a trajetória e o legado de Néstor Perlongher. Nos últimos anos, nos quais perdemos tantas pessoas importantes na história das ciências sociais e na história política no Brasil, participei de diversas homenagens e organizei algumas delas. Nesse marco, refleti mais de uma vez sobre a produção das memórias individuais, coletivas e institucionais. Refiro-me ao que é lembrado, ao que é silenciado, esquecido, e também à “invenção” de lembranças que acabam transformando-se em tradições orais.

Neste ponto, vale retomar as reflexões clássicas de Halbwachs (2006)HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. São Paulo, Editora Centauro, 2006. , para quem nada na memória escapa à trama sincrônica da existência social do presente. Segundo esse autor, o que é lembrado responde às necessidades da ação atual, que operam à maneira de um filtro, alimentando a seleção das tradições que são transmitidas ou esquecidas. E, longe de ser fixo, o que é lembrado se altera no âmbito das modificações dos grupos que as narram. Nas memórias, as lembranças pessoais seriam reconstruídas a partir de um presente social, situadas na encruzilhada de redes de solidariedade com as quais os indivíduos estão comprometidos. No entanto, se essas reconstruções falam de um presente que estabelece limites para as lembranças e que continuamente as molda, as recordações também falam do passado.

Ciente disto, tomo como referência minhas lembranças da convivência com Néstor em espaços públicos e, sobretudo, íntimos, desde 1984 até sua morte, estabelecendo um contraponto com aspectos de seu trabalho e de sua trajetória na Unicamp. Nessa polifonia, alterno entre lembranças e escritos sobre a obra literária de Néstor e sobre sua militância pelos direitos homossexuais na Argentina, seus estudos sobre prostituição masculina e seu percurso na Unicamp, detendo-me particularmente em sua participação nas discussões que conduziram à criação do Pagu, o Núcleo de Estudos de Gênero da Unicamp, com destaque para os debates sobre sexualidade e diferenças.

Alguns críticos literários consideram as trajetórias pessoais irrelevantes para a análise da obra de um autor5 5 Comunicação pessoal de Oscar Blanco, crítico literário e escritor argentino, em Campinas, janeiro de 2021. . Acho que, dependendo da perspectiva de análise, essa reflexão faz sentido. A polifonia que proponho aqui não conduz a contestar essa abordagem. No entanto, ela torna evidente a estreita imbricação entre os aspectos marcantes da obra literária e antropológica de Néstor Perlongher, sua trajetória política e seu posicionamento na vida íntima, no cotidiano que acompanhei. Destaco que, nesses últimos âmbitos, a singular combinação de criatividade, erudição, arrojo teórico e coragem para enfrentar diversas dimensões das ordens estabelecidas se articulava com uma elevada dose de solidariedade e generosidade, intelectual, material e emocional.

Hóspede/amigo

Fui amiga de Néstor e sua “irmã” de orientação de mestrado. Ele foi o segundo orientando de Mariza Corrêa6 6 A obra de Mariza Corrêa é imensa, abrangendo diversas problemáticas em uma perspectiva feminista: violência, crimes de honra, história da antropologia e das antropólogas no Brasil, relações raciais, família, intersexos, mutilação genital, teorias feministas. , antropóloga marcante, professora da Unicamp. A primeira foi Heloísa Pontes7 7 Os dois passaram pouco depois a integrar o corpo de professores do Departamento de antropologia e eu, em 1996, inaugurei o corpo de pesquisadoras do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp. e, quando cheguei da Argentina em 1984, fui sua terceira mestranda. Mariza estava permanentemente engajada com o pensamento feminista e naquele momento estava seriamente interessada nos estudos sobre família. Tinha escrito alguns ensaios sobre o tema e estava empenhada em um trabalho de etnografia histórica sobre famílias de comerciantes de Porto Alegre ( Corrêa, 1984CORRÊA, Mariza. Mulher & Familia: um debate sobre a literatura recente. Boletim Informativo e Bibliográfico de Ciências Sociais (BIB), n.18, Rio de Janeiro, 1984, pp.27-44. ; 1993CORRÊA, Mariza. Apresentação e Repensando a Família Patriarcal Brasileira em Colcha de Retalhos. Estudos sobre a família no Brasil. 2. ed. São Paulo, Brasiliense Editora da Unicamp, 1993. ). Heloísa estudava práticas feministas, tomando como referência as dinâmicas de um coletivo feminista de São Paulo8 8 Defendeu em 1986 a dissertação: “Do palco aos bastidores: o SOS-Mulher e as práticas feministas contemporâneas no mestrado em antropologia social da Unicamp”. . Para alegria da minha orientadora, fui pesquisar as relações entre amor, paixão e casamentos entre famílias de poderosos cafeicultores do Sul de Minas Gerais.9 9 “Amor, paixão e casamento. Escolha de Cônjuge em famílias de camadas médias e altas numa cidade do sul de Minas Gerais”, defendida em 1990 no mestrado em antropologia social da Unicamp. Néstor estudava prostituição homossexual em São Paulo.

Nesse ambiente feminista, em um momento no qual estávamos preocupadas por desvendar como as famílias operavam em termos políticos, subordinando as mulheres, e nossos referenciais eram trabalhos que repensavam a família em uma ótica feminista ( Thorne e Yalom, 1982THORNE, Barrie; YALOM, Marilyn. Rethinking the Family. Some Feminist Questions. New York, Longman, 1982. ), Néstor trazia um diálogo com um referencial teórico distante de nossas discussões, com autores como Gilles Deleuze, Félix Guattari. Nem sempre o compreendíamos, mas nos instigava. E Mariza admirava profundamente sua formação filosófica, sociológica e literária. Nesse contexto, marcado pela proximidade entre alunas/os e professoras/es criada em um ambiente de intensa sociabilidade, muitas festas e infinitas trocas acadêmicas, participei, recém-chegada, dos seminários semanais em que os alunos apresentavam os seus trabalhos em andamento para os seus colegas e para a maior parte do corpo docente do departamento de antropologia. Lembro como me impressionou ouvir pela primeira vez Néstor apresentando o seu material de pesquisa e suas reflexões sobre ele, no âmbito desses seminários.

Eu o tinha conhecido pouco tempo antes, nos primeiros dias de dezembro do ano anterior, na Plaza de Mayo, em Buenos Aires. No clima de euforia que marcou os dias anteriores a que Raul Alfonsín fora empossado como primeiro presidente da democracia na Argentina, após o golpe militar, eu marchava em uma manifestação, portando um cartaz de ATEM, grupo feminista de esquerda ao qual era próxima naquele momento10 10 ATEM (Asociación de Trabajo y Estudio de la Mujer) 25 de Noviembre foi fundada em 1982. É considerado o primeiro grupo feminista que relacionou violência política com violência sexual e se interessou pelas organizações de Madres, Abuelas de Plaza de Mayo y Familiares de detenidos-desaparecidos. Publica a revista Brujas ( Fechas Marcadas, 2015 ). . Néstor chegou a Buenos Aires com a missão, atribuída a ele por Bela Feldman Bianco, chefe do departamento de antropologia da Unicamp à época, de me localizar. O departamento tinha recebido minhas cartas de recomendação para prestar seleção no mestrado, mas os demais documentos tinham se perdido. Néstor se hospedou na casa de Sara Torres11 11 Para uma localização de Sara Torres e de ATEM na história do feminismo na Argentina, ver Trebisacce (2011). , uma feminista histórica de Buenos Aires, amiga em comum e quem lhe disse onde me achar. E ele me encontrou na Plaza, me passou as informações e ficou carregando o cartaz em meu lugar enquanto eu corria para resolver a situação.

Voltamos a nos encontrar por acaso poucos dias depois, no consulado do Brasil em Buenos Aires. Nessa ocasião percebi pela primeira vez como Néstor navegava pela vida enfrentando normas e regulações com criatividade. Vendo minha aflição porque, para me outorgar o visto, o consulado exigia uma carta da Unicamp que jamais chegaria a tempo considerando a maneira de operar dos correios na Argentina naqueles anos, ele cochichou no meu ouvido que concordasse com o funcionário. Na saída, me mostrou várias laudas com o papel timbrado da Unicamp que ele carregava, já carimbadas, pronto para resolver os frequentes problemas burocráticos que surgiam nos consulados. Redigiu o texto que precisava copiar, e minha tarefa foi achar uma bolinha de máquina de escrever elétrica com os acentos apropriados. Dois dias depois entreguei a carta no consulado e obtive o meu visto.

Continuamos nos encontrando em São Paulo, no apartamento que ele dividia com Teca, Maria Tereza Aarão, militante histórica brasileira, feminista e do movimento lésbico, na Rua Rego Freitas, no centro da cidade12 12 Um gênio na área digital, Teca integraria a organização, em 1985, do histórico II Encontro Feminista Latinoamericano e do Caribe, em Bertioga, litoral de São Paulo. . Ela foi uma das pessoas mais próximas de Néstor no tempo que ele passou no Brasil. Nesse apartamento circulava parte da intelectualidade literária e do movimento feminista em São Paulo. Poucos meses depois, Néstor se tornou meu hóspede em Campinas, naquele período efervescente, cheio de solidariedade e de trocas intelectuais da década de 1980.

Néstor fez parte ativa desse clima. Correndo para entregar um projeto para um edital de pesquisa da Fundação Carlos Chagas/Ford, ele revezou comigo e com Marco Aurélio Garcia a escrita durante uma noite inteira, na minha maquininha elétrica portátil vermelha, para que conseguisse postar no correio no horário certo, considerado deadline. E todos celebramos a obtenção desse financiamento. Quando os dois ainda éramos bolsistas de mestrado, beirando a pobreza, e ganhei uma bolsa para estudar durante um semestre na Inglaterra, ele nos deu um envelopinho cheio de dólares - que nunca compreendi como conseguiu poupar, para colaborar na viagem da minha companheira para me encontrar. Néstor era profundamente urbano, detestava bichos e natureza - dizia que ela era boa para os cavalos, mas cuidou durante várias horas do meu fox-terrier moribundo, pondo de quinze em quinze minutos gotinhas na boca dele, enquanto o ninava para acalmá-lo.

Acompanhei o tempo de produção da dissertação de mestrado de Néstor e sua defesa de tese, na qual jogamos uma cesta inteira de pétalas de rosa nele, como se faz com as noivas. E ele as recebeu com prazer; foi um dia de alegria. Néstor chegou para sua defesa “produzido” e com uns bandaids cruzados no pescoço, que, na minha percepção, evocavam uma mordida sexual. Mariza Corrêa estava contente e também apreensiva, como costumava ficar nas bancas dos orientandos cujos trabalhos desafiavam parâmetros estabelecidos. Ela os recebia com o seu espírito intelectual imensamente aberto, mas ficava preocupada nas bancas. Mariza estudou o visual de Néstor atentamente e disse: “está tudo ótimo, mas tira esses bandaids! Parece que você está provocando”. Ele obedeceu.


Defesa da dissertação de mestrado de Néstor Perlongher, Unicamp, 1986. Arquivo pessoal.

Fui testemunha da luta de Néstor pela obtenção de visto de residência, em um tempo no qual a formação de casais homoafetivos não possibilitava a obtenção de residência aos estrangeiros no Brasil, o que também me afetava. Minha companheira foi sua procuradora durante o tempo que ele passou na França, já no doutorado. Quando ele retornou, deu de presente a ela uns belíssimos brincos “de dama antiga” que guardo até hoje. Ela, que era brasileira, se ofereceu para casar com ele para que obtivesse o visto, mas ele declinou. Ponderando que isso poderia nos ocasionar complicações no futuro, optou por uma via mais complicada para obtê-lo. Posteriormente, acompanhei o interesse de Néstor pelo Santo Daime, sua aflição ante as manchas na pele, que eram as primeiras manifestações da AIDS, e a evolução da doença. O visitei algumas vezes durante esse período, mas mesmo que os encontros físicos fossem escassos, nos comunicávamos permanentemente por telefone. Conversei exaustivamente com ele até o final sobre seus diversos projetos, intelectuais e de vida. No entanto, apesar disso tudo, levei certo tempo para perceber a dimensão da obra e da trajetória de Néstor.

Poeta decolonial e militante

No âmbito internacional, Néstor Perlongher é reconhecido principalmente como poeta, por ter desenvolvido o estilo que denominou como neobarroso ( Rossetti, 2013ROSSETTI, Lucia. Caminada. Palimpsesto, n. 16, ano 12, 2013, Estudos (8), pp.2. ), parodiando, desde o Sul, a noção de neobarroco, aludindo à fusão entre o neobarroco com o barro, a lama do Rio de la Plata. Esse estilo é tido como uma modalidade da nova literatura latino-americana que se destaca pelo uso da linguagem em termos de resistência - política, sexual e social.

Segundo a crítica literária Cecilia Rossetti, o neobarroco está vinculado a poéticas da resistência na literatura latino-americana. A partir dos anos ’70, ele se apresenta como uma forma estética original e característica da América Latina, cujos representantes foram fundamentalmente escritores cubanos - Severo Sarduy e José Lezama Lima. Um rasgo distintivo do neobarroco é configurar uma nova linguagem caracterizada pelo erotismo, o excesso, o kitsch, o fragmentário e a sensualidade. Essa forma literária implica um enfrentamento no que se refere a conceitos europeus do Barroco, pois apontaria para a reivindicação de um cânon marcado pelo caos, pelo excesso e por imagens retóricas corporificadas.

De acordo com essa autora, o neobarroso do Rio de la Plata estaria marcado por esse excesso, pela fusão das linguagens, em uma poética de resistência que incorpora gírias e palavrões. Nele, a linguagem operaria um corte, uma ferida, e seria uma vingança estética contra a herança ocidental. Assim, na perspectiva dos críticos literários, em termos de poética, Néstor é percebido como um autor decolonial.

Na Argentina, país em que Néstor nasceu, ele é reconhecido como poeta, mas também é profundamente admirado como militante político. Marcelo Manuel Benítez (2017) afirma que os militantes que conheceram Néstor desde os tempos do Frente de Liberación Homosexual sabiam que ele foi essencialmente um homem político e um político da homossexualidade. Esse autor chama a atenção para o fato de que frente à ideia da esquerda de que a luta dos trabalhadores devia ser a luta primordial, Néstor destacou uma concepção diferente: a de que a derrota do mundo da injustiça seria obtida mediante uma infinidade de pequenas lutas aliadas entre si. Segundo Benitez, em termos de sexualidade, Néstor via na “marica” o autêntico homossexual rebelde, o verdadeiro desafio aos papéis sexuais estereotipados e a mais autêntica ruptura com a cultura machista.

A atuação de Néstor no Grupo Eros, no Frente de Liberación Homosexual (FLH), foi registrada por diversos autores. Carlos Reina (2018) afirma que, além de ser uma estrela da contracultura literária de sua época, por sua atuação política foi tido como pai do movimento gay argentino, título que ele recusava dizendo: “me chamam o pai quando sabem que sou a tia”. Carlos Eduardo Figari (s/d) comenta a passagem de Néstor por essa frente, em que era apelidado de Rosa, aludindo a Rosa de Luxemburgo, e chama a atenção para as articulações, pouco usuais na Argentina daquela época, com outros coletivos que reivindicavam direitos, particularmente os grupos feministas13 13 Nesse sentido vale a pena a leitura do diálogo entre Néstor e a ativista feminista Sara Torres, em Belluci e Queiroz (2022) . .

Pessoalmente, conhecia várias histórias da militância de Néstor na Argentina. No entanto, foi recebendo um amigo argentino na casinha do Taquaral, Fernando Brumana14 14 Fernando Giobellina Brumana foi professor de antropologia social da Universidad de Cádiz, na Espanha. Pesquisou o campo religioso no Brasil durante mais de 30 anos, com foco nas religiões afro-brasileiras. , também antropólogo e da mesma geração intelectual que Néstor, que tive uma percepção mais forte da coragem nela envolvida. Fernando era um homem grande, heterossexual e tinha sido da agrupação política argentina Montoneros, antes de partir para o exílio na Suécia. No encontro, foi evidente o imenso respeito de Fernando por Néstor. Só depois que Néstor foi embora, Fernando me contou sobre a razão dessa reverência, com raízes no passado militante de ambos e nos encontros nas reuniões políticas na Faculdade de Filosofia e Letras da Universidade de Buenos Aires, que cheguei a conhecer, pois estudei ali poucos anos depois que eles. Eram reuniões imensas, com centenas de militantes, muito aguerridas, às vezes violentas. Nos relatos de Fernando, Néstor, aquela figura miúda e feminilizada, entrava nelas com umas poucas pessoas do Frente de Liberación Homosexual , sendo xingado por uma multidão de esquerda enfurecida ante as reivindicações dos homossexuais. Fernando dizia que poucas vezes tinha visto alguém com semelhantes colhões: “um verdadeiro macho”.

Nos termos de Carlos Reyna (2018)REYNA, Carlos. El cadáver de Néstor Perlongher. Il Gatopardo, 27 nov. 2018 [https://gatopardo.com/perfil/Néstor-perlongher-poeta-activista-gay/ - consultado em dez. 2019].
https://gatopardo.com/perfil/Néstor-perl...
, os exageros nos gestos e na voz expressavam como Néstor percebia o seu próprio corpo como veículo de uma atuação para expor suas ideias, pretendendo reivindicar os insultos que recebia como resposta contra o estabelecido. Posso dizer que, no cotidiano, ele insistia nisso, apesar das reações negativas que recebia. Fui testemunha dos efeitos das performances de “marica” no dia a dia dele, fora do âmbito acadêmico. Refiro-me aos bancos, aos trâmites burocráticos, às compras. O “excesso” que se manifestava em sua corporalidade, no desmunhecar exagerado e provocativo, na entonação aguda que às vezes imprimia à voz, muitas vezes o tornava alvo de intensa rejeição. Ele sabia disso e, em lugar de evitar essas situações, parecia provocá-las. Talvez essas atitudes recriassem o espírito que, segundo ele narrava, permeou o episódio de quando muito jovem foi enxotado da casa familiar em Avellaneda, um bairro popular de Buenos Aires, pelo pai taxista, após levar uma surra por ter levado à casa um amigo considerado “suspeito”.

Néstor lutou contra a doença que lhe causou efeitos devastadores, trabalhando até o último momento. Em seu último ano de vida ganhou uma disputada bolsa da Fundação Guggenheim, na área de poesia15 15 Cf. https://www.gf.org/fellows/all-fellows/nestor-osvaldo-perlongher/1992 - acesso em: 03 nov. 2022. . Na última semana, concluiu um dos seus poemas célebres, “Canción de una muerte en bicicleta” (2011) que ditou para uma amiga e que só recentemente tive coragem de ler. O poema fez todo o sentido para mim, expressando a dor de não poder escrever para quem a escrita era essencial na vida:

Ahora que me estoy muriendo,

Ahora que me estoy muriendo

Lápices que se alzaban nunca más se levantan,

duermen el sueño de la tristeza en sábanas de tergopol

o mausoleos de mármol donde toda virtud es yacer

aterciopelado en el anclaje definitivo de los huesos

Florencia, uma amiga argentina de Néstor, me ligou em uma madrugada para anunciar a morte dele, pedindo-me que avisasse ao departamento de antropologia da Unicamp. O fiz, telefonando para Mariza Corrêa.

O enterro foi um evento desolador. Marco Aurélio Garcia, profundamente abalado, me levou até à Unicamp. Lembro-me dele me segurando pela mão nos pátios do IFCH. Fui da universidade ao cemitério, em São Paulo, com Edgar Dedecca e Margareth Rago, professores do departamento de história. Encontramos poucas pessoas na cerimônia. Néstor tinha me contado que, após o casamento do pai com uma senhora que o aceitava um pouco mais do que ele, a relação familiar tinha melhorado. Mas ninguém da família consanguínea estava presente. Estava, sim, sua amiga Sara Torres, que veio de Buenos Aires quando soube que era o fim de Néstor, mas não chegou a encontrá-lo com vida. E, além dela, alguns amigos significativos, entre eles Teca, Silvia Artacho e Edward MacRae, antropólogo, militante do movimento homossexual, acompanhado por integrantes do Santo Daime que seguiram o caixão cantando músicas do culto. Vários colegas passaram por seu velório. Mas muitas vezes me perguntei o motivo de tantas ausências nesse enterro. Até hoje não sei bem a resposta. Só sei que Mariza Corrêa, ocupada com o cotidiano do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas e com dificuldades para lidar com questões vinculadas à morte, não me acompanhou naquele dia. Sempre o lamentou. Acho que só consegui imaginar a dimensão de sua dor quando, muitos anos depois, perdi uma jovem orientanda, recém-doutora, brilhante e muito amada, Paula Togni16 16 Autora da esplêndida etnografia A Europa é o Cacém. Mobilidades, gênero e sexualidade nos deslocamentos de jovens brasileiros para Portugal, publicada em 2010, por Etnográfica Books, Lisboa [ https://books.openedition.org/etnograficapress/93 - acesso em: 03 nov. 2022]. .

Viajei pouco depois a Buenos Aires e uma imagem na calle Florida, no centro da cidade, me deixou sem ar. Ao passar por uma das mais tradicionais livrarias da cidade, El Ateneo, que não chamaria exatamente de progressista, vi a vitrine inteira exibindo os livros de poesia de Néstor, um ao lado do outro, mostrando uma obra que me pareceu gigantesca. Essa vitrine dava uma dimensão de sua obra e também de um reconhecimento que, na minha percepção, contrastava com a limitada importância a ele concedida no Brasil, naquele momento.

Sexualidades e diferenças

No Brasil, Néstor também tem sido reconhecido como poeta e ativista. No entanto, provavelmente sua maior influência tenha sido como antropólogo, sobretudo pelo seu livro, O Negócio do Michê ( Perlongher, 1987PERLONGHER, Néstor. O negócio do Michê, prostituição viril em São Paulo. São Paulo, Brasiliense, 1987. ), baseado na extraordinária dissertação de mestrado que defendeu na Unicamp, em 1986.

No período da defesa e da publicação do livro, a posição do Néstor no campo da antropologia brasileira era, do meu ponto de vista, ambíguo. Sua erudição e conhecimentos literários o tornavam alvo de respeito. A dissertação de Néstor, porém, defendida de maneira brilhante, em uma banca presidida por Mariza Corrêa e integrada também pelo antropólogo Peter Fry e por Luiz Benedicto Orlandi, professor do Departamento de Filosofia da Unicamp, obteve um aprovado com distinção , mas sem o louvor que era a máxima qualificação, naquele momento, nas defesas. E o seu trabalho etnográfico era, às vezes, alvo de comentários subalternizantes.

Naqueles tempos, flagrei mais de uma vez reconhecidos antropólogos que faziam parte do departamento ou o visitavam e trabalhavam com temas tidos como relevantes, como violência e segurança pública ou teoria antropológica, debochando da pesquisa de Néstor. Não saberia dizer se era pela irrelevância concedida ao tema, pelo fato de estar fazendo uma antropologia em casa ( Strathern, 2014STRATHERN, Marilyn. Os limites da autoantropologia. In: STRATHERN, Marilyn. O efeito etnográfico e outros ensaios. São Paulo, Cosac Naif, 2014, pp.133-159. ) que envolvia o próprio corpo, mas que, à diferença do trabalho de Wacquant sobre o uso da aprendizagem corporal na pesquisa etnográfica sobre box (2004), o fazia no terreno/tabu do exercício da própria sexualidade e, ainda, no terreno do sexo comercial homoerótico. Esses antropólogos conviviam com outros que, sim, apreciavam o trabalho de Néstor, e com dezenas de alunos que seguiam, encantados, as aulas dele.

No final da década de 1980 e nos primeiros anos de 1990, Néstor participou das primeiras reuniões que deram lugar, mais tarde, à fundação do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu17 17 O Pagu foi institucionalizado em 1993. O primeiro número do cadernos pagu , que tive a honra de organizar, foi publicado também nesse ano. . Foi parte de um pequeno grupo convocado por Mariza Corrêa, do qual participaram professoras do departamento de história da Unicamp, Stella Bresciani, Margareth Rago; Elizabeth Souza Lobo18 18 Elizabeth Souza Lobo foi autora de diversos estudos sobre gênero e trabalho, entre eles o livro A classe operária tem dois sexos , sobre sociologia no Brasil e sobre Emma Goldman. Foi casada com Marco Aurélio Garcia. , professora da USP e, naqueles momentos, entre 1989 e 1991, também professora visitante na Unicamp; Suely Kofes, do departamento da antropologia; e eu, então doutoranda na Unicamp. As reuniões mais formais se esticaram em muitos almoços, cafés e conversas na minha casa.

Olhando para trás, essas reuniões são altamente significativas. Várias das participantes nesse grupo tinham estado voltadas para o que, na linguagem da época, era considerado “questão da mulher” – vale lembrar que no período em que tiveram lugar essas reuniões, Michelle Perrot e sua história das mulheres marcavam os interesses de muitas historiadoras. O grupo compartilhava o desconforto com os estudos sobre mulher e o feminismo identitário “daquela época” que pensavam de maneira quase monolítica em feminilidades e masculinidades.

Os trabalhos de feministas desconstrutivistas19 19 Embora não desenvolvendo estritamente a metodologia de Derrida, muitas autoras envolvidas nos debates contemporâneos de gênero consideravam trabalhar numa abordagem desconstrutivista, uma vez que olhavam criticamente para os supostos sustentados pelas diversas disciplinas, examinando e desmontando seus modos de discurso. estavam começando a circular entre nós - primeiro Donna Haraway20 20 Introduzida para nós por Hebe Vessury, professora do Instituto de Geociências/ IG da Unicamp. , depois Joan Scott, introduzida por Elizabeth Souza Lobo. Eram trabalhos considerados “não identitários” que enfatizavam as diferenças entre mulheres, formularam o conceito de gênero e coincidiam nos esforços por esboçar conceitualizações para descrever as múltiplas configurações de gênero existentes. No entanto, Néstor afirmava que os “avanços” atribuídos às contestações ao “identitário” não eram suficientes. Nesse sentido, o conceito de gênero, como o elaboraríamos pouco depois de sua morte, também seria insuficiente.

No grupo, aderimos com rapidez às leituras que incitavam à reflexão sobre os procedimentos políticos a partir dos quais gênero é concebido fixando identidades. Demoramos mais, porém, para incorporar a séria necessidade de alargar o espectro das diferenciações a serem consideradas, levando em conta a necessidade de desenvolver formulações que, em condições históricas específicas, fossem simultaneamente teorias da diferença racial.

Na minha trajetória, em particular, isso se tornou crucial anos depois, quando os meus campos de pesquisa me exigiram considerar perspectivas que trabalhavam com a ideia de “localização” ( Mohanty; Russo; Torres, 1991MOHANTY, Chandra; RUSSO, Ann; TORRES, Lourdes (ed.). Third World Women and thee Politics of Feminism. Indiana University Press, 1991. ; Alexander; Mohanty, 1997ALEXANDER, Jacqui; MOHANTY, Chandra Talpade (ed.). Feminist Genealogies, Colonial Legacies, Democratic Futures. Routledge, 1997. ; Grewal; Kaplan, 1994GREWAL, Inderpal; KAPLAN, Caren (ed.). Scattered Hegemonies. Postmodernity and Transnational Feminist Practices. University of Minnesota Press, 1994. ). Refiro-me às linhas que procuravam compreender a participação de gênero, articulado com outras diferenciações, na produção de linhas de desigualdade que atravessam as relações transnacionais, nacionais e locais. Essas perspectivas prestam atenção à distribuição complexa de espaços hegemônicos de produção de conhecimento espalhados no mundo, nos países do Norte e do Sul, as scattered hegemonies, e questionam a imposição de categorias de análise que apagam as diferenças entre culturas, países, regiões, como por exemplo, certas versões de “raça” ( Grewal; Kaplan, 1994GREWAL, Inderpal; KAPLAN, Caren (ed.). Scattered Hegemonies. Postmodernity and Transnational Feminist Practices. University of Minnesota Press, 1994. ).

A questão é que Néstor, participando em nossas discussões, tinha uma leitura muito mais fluida, aberta e articulada da operação de diferenças da que as feministas participantes nessas discussões tínhamos no final da década de 1980. Os estudos sobre prostituição não eram uma novidade no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Peter Fry orientou uma dissertação extremamente interessante sobre o confinamento das prostitutas em Campinas, analisando à luz dos conceitos de pureza e perigo as diversas violências de Estado às quais elas estiveram expostas ( Mazzariol, 1977MAZZARIOL, Regina. Mal Necessário. Ensaio sobre o confinamento da prostituição na cidade de Campinas. Dissertação (Mestrado em Antropologia Social), Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1977. ).

A diferença é que Néstor, em sua etnografia sobre prostituição masculina, se centrava na sexualidade, concedendo fundamental centralidade à produção do desejo. E o faz pioneiramente, mesmo em um contexto em que já existiam trabalhos antropológicos sobre sexualidade em termos amplos e de maneira mais específica sobre homossexualidade, e em uma universidade que, nos relatos de Mariza Corrêa, tinha já, entre finais da década de 1970 e inícios de 1980, oferecido curso sobre sexualidade na graduação, tendo entre alunos pessoas como Sérgio Carrara21 21 Sérgio Carrara fez graduação na Unicamp, mestrado e doutorado no Museu Nacional, e tem uma vasta produção na área de estudos sobre sexualidade. , que se tornaria depois uma referência nesse campo de estudos. No entanto, o boom dos estudos sobre sexualidade só teria lugar mais tarde, nas décadas de 1990 e 2000, vinculado à expansão de diversos movimentos sociais, mas também ao significativo apoio de agências internacionais.

Além dessa inovação, em sua etnografia Néstor trazia outra, em termos teóricos: nessa produção do desejo, os “tensores libidinais” tinham relação indissolúvel com diversas diferenciações que, permeadas por relações desiguais de poder, se conectavam. Nesse ponto, devo dizer que, no grupo que conduziu a fundação do Pagu, só anos depois de sua morte, chegamos à plena compreensão e à incorporação de parte importante das ideias que Néstor estava propondo, na linha das articulações/intersecções entre categorias de diferença.

O negócio do michê foi publicado pela editora Brasiliense pouco depois da defesa da dissertação de mestrado na qual se baseia. Ana e eu ganhamos, cada uma, uma cópia autografada com palavras que evocam a relação que ele tinha conosco. Entesouro essas cópias que Néstor nos deu de presente em abril de 1987: “Para Adriana, con amistad de plazas, vigílias, vidalitas, los laberintos de goces y de cuerpos”. “Para Ana, con emocionada amistad, estos paseos por los populosos desiertos de la noche. Con un beso, de Néstor”.


Autógrafos no livro O negócio do michê . Campinas, 1987.

O livro tornou-se uma obra de referência sobre a qual tem se escrito consideravelmente. É interessante observar que se tornou referência não apenas para os estudos sobre homossexualidades, prostituição e, de maneira mais específica, prostituição masculina, mas também para os estudos urbanos e sobre marginalidades nas cidades. O belo prefácio ao livro escrito por Peter Fry, em 1996, chama a atenção para como no livro é concedida centralidade ao desejo na constituição do social, e também à mútua produção do desejo socialmente aceitável e do desejo maldito. A esse prefácio somam-se as considerações de Richard Miskolci e Larissa Pelúcio (2008)MISKOLCI, Richard; PELUCIO, Larissa. Prefácio à nova edição. In: PERLONGHER, Néstor. O Negócio do Michê: prostituição viril em São Paulo. São Paulo, Perseu Abramo, 2008. , doze anos depois, no prefácio à segunda edição do livro. Esses autores consideram que o livro foi sendo incorporado ao longo dos anos sobretudo em função do seu trabalho com territorialidades, mas destacam a importância da reflexão que Néstor realiza sobre o social sob a perspectiva do desejo, mostrando como ele está inscrito na regulação da ordem social, e a aguda análise que ele produz sobre a ordem heterossexual.

Júlio Simões (2008)SIMÕES, Julio. O negócio do desejo. cadernos pagu (31), Campinas,SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu, julho-dezembro de 2008, pp.535-546. , no mesmo ano, em um esplêndido texto publicado no cadernos pagu , destaca a antecipação do trabalho de Néstor, em pensar os modelos classificatórios como formas instáveis de categorias que circulam por diferentes relações. O autor também sublinha como, no livro, os sujeitos são fragmentados em diversas segmentaridades, reagindo ao imperialismo conceitual da identidade. Além disso, Simões destaca a inovação em termos de conceder atenção à operação de marcadores de diferença que operam em articulação, desencadeando fugas desejantes e recapturando-as em códigos, prescrições e dispositivos de controle operantes no mercado do sexo, os “tensores libidinais”.

Simões chama a atenção, e eu reforçaria esta observação, para como Néstor dota de sentido as relações que as pesquisas atuais sobre intercâmbios sexuais e econômicos no âmbito dos mercados do sexo denominariam de “transacionais”. Isto é, trocas envolvendo sexo, dinheiro e inclusive afetos em relações de longa duração entre homens desigualmente posicionados, sobretudo em termos de classe e idade, mas também raciais e em termos de “localização”. Essas interpretações seminais têm sido desenvolvidas em trabalhos posteriores sobre mercados do sexo transnacionais heterossexuais, em meus estudos envolvendo brasileiras ( Piscitelli, 2013PISCITELLI, Adriana. Trânsitos, brasileiras nos mercados transnacionais do sexo. Rio de Janeiro, Eduerj/Garamond, 2013. ), e, em relações homoeróticas, entre homens estrangeiros e brasileiros no Brasil, nos estudos de Gregory Mitchell (2011)MITCHELL, Gregory. Padrinhos gringos: turismo sexual, parentesco queer e as famílias do futuro. In: PISCITELLI, Adriana; ASSIS, Glaucia de Oliveira; OLIVAR, José Miguel Nieto (org.). Gênero, sexo, afetos e dinheiro: mobilidades transnacionais envolvendo o Brasil. Campinas, SP, Núcleo de Estudos de Gênero-Pagu, 2011, pp.31-55. Coleção Encontros. , e entre homens brasileiros, por Guilherme Passamani (2018)PASSAMANI, Guilherme. Batalha de Confete: envelhecimento, condutas homossexuais e regimes de visibilidade no Pantanal-MS. Rio de Janeiro, Papéis Selvagens Edições, 2018. .

Concluindo: Um antropólogo decolonial?

Encerrando este artigo, acho que vale perguntar-nos se Néstor, em sua etnografia alimentada por seus posicionamentos políticos, e em uma escrita inspirada em uma resistência corporificada desde as margens, não produziu, também na análise antropológica, um conhecimento que pode ser considerado “decolonial” em diversos sentidos. Estou pensando em uma linha diferente da colonialidade do poder, de Aníbal Quijano (2011)QUIJANO, Anibal. Colonialidad del poder y clasificación social. Contextualizaciones latino-americanas, n. 5, julio/diciembre, 2011, pp.1-33. , com a centralidade absoluta que esse autor concede à raça para produzir uma leitura decolonial.

Penso sobretudo nas linhas feministas decoloniais que, como Gayatri Spivak (1984) sugere, não “abandonam” o conhecimento tido como “ocidental”. Não o abandonam porque preferem usá-lo de modo estratégico, considerando que o gesto de repúdio é contraprodutivo. No entanto, o desafiam considerando as experiências/saberes de sujeitos concretos, marcados por posicionamentos desiguais. E, desde as “margens”, criam novo conhecimento a partir desse enfrentamento. Acho que, nesses termos, Néstor Perlongher pode ser pensado não apenas como poeta, mas também como antropólogo decolonial.

Néstor, poeta-antropológo-anarquista-militante-homossexual, morreu com apenas 42 anos. Trinta anos após sua partida, a influência de sua obra literária e antropológica e de sua trajetória política continua aumentando. Foi para mim uma sensação maravilhosa apresentar uma primeira versão deste texto, refletindo sobre esse processo em uma sala lotada, com a presença de vários dos seus colegas e de gerações de jovens antropólogos que não o conheceram pessoalmente.


VI Reunião de Antropologia Equatorial, Salvador, 2019. Participantes da Mesa Redonda sobre os 70 anos de Nestor Perlongher, organizado por Guilherme Passamani, Roberto Efrem Filho e Roberto Marques.

E é magnífica a impressão de estar concluindo este artigo a ser apresentado para publicação em um dossiê sobre sua obra no cadernos pagu , revista que, por alguns meses, ele não chegou a ver. Acho que esse processo dota de pleno sentido expressar hoje, na linguagem atual, as palavras que não foram ditas em seu enterro: Néstor Perlongher, presente!

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  • WACQUANT, Loïc. Body & Soul: Notebooks of an Apprentice Boxer. New York, Oxford University Press, 2004.
  • 1
    Autor de diversos textos sobre política externa, integração latinoamericana, o Partido dos Trabalhadores, transição democrática, gênero e militância. Mais tarde seria Secretário de Cultura de Campinas e da cidade de São Paulo e, posteriormente, Assessor Especial da Presidência da República para Assuntos Internacionais nos governos de Lula e Dilma Roussef.
  • 2
    Termo que alude a um homossexual estereotipadamente feminilizado, em gíria da Argentina.
  • 3
    Autora de diversos estudos e reflexões sobre política social e distribuição de renda. Naquele período, era pesquisadora do Núcleo de Políticas Públicas da Unicamp e preparava sua dissertação de mestrado, defendida em 1992 sob a orientação de Stella Bresciani no departamento de História da Unicamp: Das Raças à Família: o debate sobre a construção da nação. Mais tarde, coordenaria o programa de garantia de renda mínima do munícipio de São Paulo, o programa Bolsa-Família do governo federal, seria secretária executiva do Ministério do Desenvolvimento Social e Secretária Extraordinária para a Superação da Extrema Pobreza, em governos do Partido dos Trabalhadores.
  • 4
    Nome que se dá em muitos lugares do Brasil às moradias coletivas, com relações “horizontais”, de alunos e, às vezes, de professores. Nesse sentido, nossa república era mista.
  • 5
    Comunicação pessoal de Oscar Blanco, crítico literário e escritor argentino, em Campinas, janeiro de 2021.
  • 6
    A obra de Mariza Corrêa é imensa, abrangendo diversas problemáticas em uma perspectiva feminista: violência, crimes de honra, história da antropologia e das antropólogas no Brasil, relações raciais, família, intersexos, mutilação genital, teorias feministas.
  • 7
    Os dois passaram pouco depois a integrar o corpo de professores do Departamento de antropologia e eu, em 1996, inaugurei o corpo de pesquisadoras do Núcleo de Estudos de Gênero Pagu, da Unicamp.
  • 8
    Defendeu em 1986 a dissertação: “Do palco aos bastidores: o SOS-Mulher e as práticas feministas contemporâneas no mestrado em antropologia social da Unicamp”.
  • 9
    “Amor, paixão e casamento. Escolha de Cônjuge em famílias de camadas médias e altas numa cidade do sul de Minas Gerais”, defendida em 1990 no mestrado em antropologia social da Unicamp.
  • 10
    ATEM (Asociación de Trabajo y Estudio de la Mujer) 25 de Noviembre foi fundada em 1982. É considerado o primeiro grupo feminista que relacionou violência política com violência sexual e se interessou pelas organizações de Madres, Abuelas de Plaza de Mayo y Familiares de detenidos-desaparecidos. Publica a revista Brujas ( Fechas Marcadas, 2015FECHAS Marcadas. Página 12, Las 12, 06 mar. 2015 [https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/las12/13-9543-2015-03-06.html - consultado em: abril 2022].
    https://www.pagina12.com.ar/diario/suple...
    ).
  • 11
    Para uma localização de Sara Torres e de ATEM na história do feminismo na Argentina, ver Trebisacce (2011).
  • 12
    Um gênio na área digital, Teca integraria a organização, em 1985, do histórico II Encontro Feminista Latinoamericano e do Caribe, em Bertioga, litoral de São Paulo.
  • 13
    Nesse sentido vale a pena a leitura do diálogo entre Néstor e a ativista feminista Sara Torres, em Belluci e Queiroz (2022)BELLUCI, Mabel; QUEIROZ, Juan. Sara Torres dialoga con Néstor Perlongher. Una alianza marica y feminist surgida en los años setenta. Moléculas Malucas, Archivos y memorias fuera del margen, 31 de março de 2022 [https://www.moleculasmalucas.com/post/sara-torres-dialoga-con-Néstor-perlongher?fbclid=IwAR1ednQndUUM9WE45JEX0PKwBEIt3IVaB9rSVrqYrt0dvHYbMUsyegj7BSs - consultado em março de 2022].
    https://www.moleculasmalucas.com/post/sa...
    .
  • 14
    Fernando Giobellina Brumana foi professor de antropologia social da Universidad de Cádiz, na Espanha. Pesquisou o campo religioso no Brasil durante mais de 30 anos, com foco nas religiões afro-brasileiras.
  • 15
  • 16
    Autora da esplêndida etnografia A Europa é o Cacém. Mobilidades, gênero e sexualidade nos deslocamentos de jovens brasileiros para Portugal, publicada em 2010, por Etnográfica Books, Lisboa [ https://books.openedition.org/etnograficapress/93 - acesso em: 03 nov. 2022].
  • 17
    O Pagu foi institucionalizado em 1993. O primeiro número do cadernos pagu , que tive a honra de organizar, foi publicado também nesse ano.
  • 18
    Elizabeth Souza Lobo foi autora de diversos estudos sobre gênero e trabalho, entre eles o livro A classe operária tem dois sexos , sobre sociologia no Brasil e sobre Emma Goldman. Foi casada com Marco Aurélio Garcia.
  • 19
    Embora não desenvolvendo estritamente a metodologia de Derrida, muitas autoras envolvidas nos debates contemporâneos de gênero consideravam trabalhar numa abordagem desconstrutivista, uma vez que olhavam criticamente para os supostos sustentados pelas diversas disciplinas, examinando e desmontando seus modos de discurso.
  • 20
    Introduzida para nós por Hebe Vessury, professora do Instituto de Geociências/ IG da Unicamp.
  • 21
    Sérgio Carrara fez graduação na Unicamp, mestrado e doutorado no Museu Nacional, e tem uma vasta produção na área de estudos sobre sexualidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    Nov 2022

Histórico

  • Recebido
    30 Maio 2022
  • Aceito
    04 Nov 2022
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