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Mulheres cientistas? A representação das mulheres na ciência nos livros didáticos de história em Portugal

Women Scientists? The Representation of Women in Science in History Textbooks in Portugal

Resumo

Este artigo discute a representação da contribuição das mulheres na história da ciência nos livros didáticos do ensino secundário português. A análise exaustiva dos livros didáticos de história revelou que o papel das mulheres na ciência é negligenciado, à exceção de Marie Curie, que é citada várias vezes. Continua-se a retratar a ciência silenciando contributos do trabalho e persistência de mulheres cujo papel como (co)-autoras de descobertas científicas foi apagado ou ignorado, persistindo o “efeito Matilda”. As mulheres aparecem nas imagens como auxiliares, corpos ou consumidoras dos benefícios da ciência.

Livros didáticos; Mulheres cientistas; História da ciência; Efeito Matilda

Abstract

This article discusses how the contribution of women to the history of science is portrayed in high school textbooks in Portugal. An exhaustive analysis of history textbooks revealed that the role of women in science is neglected, except for Marie Curie, who is referred several times. Portrayals of science continue to ignore the contributions of women´s work and their persistence. The role of women as (co)-authors of scientific discoveries have been erased or neglected, and the “Matilda effect” persists. Women appear in images as assistants, bodies, or consumers of the benefits of science.

Textbooks; Women scientists; History of science; Matilda effect

Introdução

A partir da década de 1960, a história das mulheres e de outros grupos socialmente desfavorecidos começou a ganhar relevo na pesquisa historiográfica e nos livros didáticos, que aos poucos foram incorporando informação sobre movimentos históricos de emancipação e de libertação. Nas últimas décadas, registraram-se progressos notáveis no que respeita à inclusão de tópicos relativos às questões de gênero e à “história das mulheres”. No entanto, estudos realizados em diversos países indicam que as mulheres nos livros didáticos continuam a ser frequentemente caracterizadas não como agentes históricos, mas como representantes de um grupo marginalizado, nas margens da história, ou então como token, servindo como modelo que se destaca pela sua excepcionalidade.

No âmbito da história da ciência, Rossiter (1993)ROSSITER, Margaret. The Matthiew Matilda Effect in Science. Social Studies of Science, v.23, SAGE Publications, 1993, pp.325-341. reportou que as mulheres cientistas não recebem o mesmo reconhecimento por conquistas semelhantes às dos homens cientistas, ou mesmo têm seus nomes apagados em trabalhos realizados, cunhando o termo “Efeito Matilda”. O termo é uma homenagem à sufragista Matilda Joslyn Gage que publicou, em 1893, o ensaio Woman as an inventor. Ensaio este que mostrava as contribuições de mulheres na ciência em protesto contra a ideia de que as mulheres não teriam genialidade para invenções.

No caso de Portugal, um país que viveu uma das mais longas ditaduras da Europa ocidental (1926-1974), os efeitos das políticas adotadas pelo Estado Novo1 1 O Estado Novo foi o regime político que vigorou em Portugal de 1926 até 1974, na qual a Constituição, publicada em 1933, reforçava os poderes do Chefe de Governo e limitava os poderes da Assembleia Nacional. O Estado Novo defendia como valores “Deus, Pátria e Família”, respeitando e reconhecendo António Salazar como chefe de governo. A Revolução de 25 de abril de 1974 pôs fim ao regime autoritário do Estado Novo, que na época era comandado por Marcelo Caetano. O ideal feminino para o Estado Novo era o de uma mãe e esposa dedicada, preparada desde cedo para cuidar dos afazeres do lar, submissa ao poder patriarcal e mais tarde do marido. A sua ambição devia ser um bom casamento. A lei portuguesa designava o marido como chefe de família, a mulher não podia viajar sem a autorização do marido e não tinha os mesmos direitos na educação dos filhos. Em termos profissionais, a mulher não tinha acesso a determinadas posições, já que estas deviam apenas ser ocupadas por homens, como, por exemplo, a magistratura e a diplomacia (Couto, 2005). – muito penalizadoras para as mulheres e para o desenvolvimento de uma cultura científica na população – ainda se fazem sentir. A taxa de analfabetismo das mulheres sempre foi superior às dos homens. De acordo com os dados dos Censos2 2 Os Recenseamentos da População e da Habitação, os Censos, são realizados a cada 10 anos em Portugal, sob coordenação do Instituto Nacional de Estatística (INE), desde 1940, a partir do qual os dados são também analisados pela PORDATA – Base de Dados de Portugal Contemporâneo, desde 2009 (https://www.pordata.pt/Home). (PORDATA/INE), em 1960, 39% das mulheres e 26,6% dos homens não sabiam ler nem escrever. Os dados referentes a 1970 mantêm a tendência, com 26% da população analfabeta, sendo a maioria mulheres. Em 1981, o analfabetismo diminuiu para 18% da população, coincidindo com as medidas implementadas após a Revolução de 25 de abril de 1974. A democracia trouxe, de alguma forma, a retomada das políticas de igualdade de gênero com a publicação da Nova Constituição, em 1976, a adesão de Portugal ao Conselho da Europa e a revisão do Código Civil, em 1977 (Rêgo, 2012RÊGO, Maira do Céu Cunha. Políticas de igualdade de género na União Europeia e em Portugal: influências e incoerências. EX Aequo, (25), 2012, pp.29-44.). A partir de 1990, são notórias as transformações do sistema educativo: as mulheres passam a ter mais oportunidades de acesso à educação e há maior procura por parte delas. A transformação foi de tal forma que o número de mulheres a ingressar no ensino superior tornou-se superior ao número de ingressos de homens (Amâncio, 2017AMÂNCIO, Lígia. Assimetria simbólica. Breve história de um conceito. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.17-36.). No entanto, os Censos de 2021 indicaram que o analfabetismo da população geral era de aproximadamente 6%, verificando-se, mais uma vez, que a maioria destes eram do sexo feminino. Portanto, apesar de todos os avanços e as políticas públicas instituídas, a taxa de analfabetismo feminina continuou superior à masculina.

Os livros didáticos correspondem a uma fonte de informação privilegiada na medida em que são um dos principais recursos utilizados no sistema de ensino formal. Nesse sentido, importa trazer uma perspectiva interdisciplinar para análise de livros didáticos de ensino de história em vigor no ensino secundário português. Buscamos identificar as representações das figuras de mulheres considerando a visualidade (Hayes, 2005HAYES, Patricia. Introduction: Visual Genders. In: Visual genders, visual histories (Gender & Histories). Oxford, Blackwell Publishing Ltd. 2005, pp.519-537.), ou seja, as conotações discursivas e retóricas, não apenas a visibilidade no sentido de ter imagens, uma vez que “visibilidade não significa necessariamente dar voz ou capacitação” (Hayes, 2005HAYES, Patricia. Introduction: Visual Genders. In: Visual genders, visual histories (Gender & Histories). Oxford, Blackwell Publishing Ltd. 2005, pp.519-537.:522). Além disso, focaremos na representação social das mulheres na história da ciência nos manuais didáticos da disciplina de história.

A nossa análise parte da identificação de imagens de pessoas nos livros didáticos para um modelo de análise interseccional (Cabecinhas; Laisse, 2021CABECINHAS, Rosa; LAISSE, Sara. "Quem quer ser apagada"? Imagens de mulheres em manuais de História no Ensino em contexto moçambicano. Vista (8), 2021, e021010. https://doi.org/10.21814/vista.3517
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; Cabecinhas; Balbé, 2022CABECINHAS, Rosa; BALBÉ, Alice. Qui veut être inivisibilizée? Les femmes em tant qu'addendum dans les manuels scoilares de l'histoire em viguer dans l'enseignement portugais. Didactica Historica, 8, 2022, pp.77-83. https://doi.org/10.33055/DIDACTICAHISTORICA.2022.008.01.77
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), no qual se considera que cada pessoa pertence a diversos grupos sociais, construídos socialmente em termos de idade, classe social, gênero, etnicidade, entre outros, e com posições sociais assimétricas num dado contexto cultural. Buscamos, assim, identificar: Quem são as mulheres com rosto e com nome nos livros didáticos de História? Quem são as mulheres que são mencionadas nos livros didáticos no que concerne à história da ciência? De que forma são representadas as mulheres na ciência e quais as mulheres às quais é atribuída agência?

Desigualdades sociais, desafios e propostas de igualdade

No último século, tem crescido o número de mulheres cientistas, ainda que segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO, 2019UNESCO. Women in Science, n. 55, UNESCO Institute for Statistics (UIS), 2019.), represente hoje menos de 30% dos investigadores no mundo. A igualdade de gênero faz parte dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável da Agenda 2030 das Nações Unidas – corresponde ao objetivo cinco: alcançar a igualdade de gênero e empoderar mulheres e meninas. A União Europeia (UE) lançou a Estratégia para a Igualdade de Género 2020-2025 com um plano de ação para integrar a perspectiva de gênero em todos os domínios de intervenção.

Em Portugal, a Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género, lançou um Guião de educação género e cidadania. De salientar, também o Plano Estratégico Igualdade de Género e Empoderamento das Mulheres no âmbito da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) e o V Plano Nacional para a Igualdade de Género, Cidadania e Não-discriminação. No relatório Gender in the Portugal Research Arena: A Case Study in European Leadership (2021), demonstra os resultados dos investimentos feitos em Portugal na área da igualdade de gênero, já que as mulheres representam cerca de 48% dos autores de publicações científicas em Portugal, colocando o país próximo da paridade de gênero para todos os 27 países da União Europeia. No entanto, também revela que apesar de as mulheres representarem mais de 50% dos doutorados, cientistas, engenheiros e profissionais com formação superior e profissionais contratados, as mulheres representam menos de 30% dos gestores de instituições no ensino superior.

De acordo com Anchietta (2011:100), a “mulher, como noção cultural, está sujeita a oscilações históricas que ainda não se resolveram”, ao mesmo tempo que foram exaltadas e idealizadas, pela beleza, maternidade e até divindade, as mulheres foram marginalizadas, controladas e colocadas à margem de posições de prestígio, representadas no âmbito da vida privada e da vida pública numa “sequência contraditória de imagens femininas que se acumula anacronicamente”.

As mulheres, entre o século XIX e XX, além de enfrentarem opositores ao acesso à educação, também passaram a ser vistas como uma “ameaça” aos homens para justificar a segregação nas instituições de maior prestígio (Amâncio, 2005AMÂNCIO, Lígia. Reflections on science as a gendered endeavour: changes and continuities. Social Science Information, 44(1), 2005, pp.65–83 [https://doi.org/10.1177/0539018405050444 - acesso em: 5 de maio de 2021].
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). O levantamento de proibições e obstáculos à educação e o fim da Segunda Guerra Mundial possibilitaram o acesso de mulheres à academia, especialmente no contexto europeu e americano. Os movimentos sociais que eclodiam no período provocaram conjuntamente mudanças no desenvolvimento e na procura por disciplinas das áreas das ciências sociais.

Nos Estados Unidos da América, em 1935, foi criado o termo affirmative action, primeiramente utilizado no trabalho, dando origem posteriormente a medidas de ação positiva nos direitos civis (Santos, 2017SANTOS, Maria Helena. Desigualdades de género em profissões qualificadas e resistências à mudança - Um percurso de investigação. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.55-74.). A partir da década de 1960, o governo baniu de empresas (com contratos com o Estado) a discriminação racial, de cor, religião e nacionalidade. Em 1966 a lei passou a ser aplicada às mulheres. As medidas visavam eliminar a discriminação de grupos desfavorecidos, como mulheres e minorias, e promover a igualdade e diversidade. No âmbito internacional foi realizada a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação contra mulheres, na Assembleia das Nações Unidas, em 1979. Na política, também se identifica uma genderização3 3 Caracterização por sexo-gênero. com maior número de homens em cargos políticos.

Esta assimetria simbólica, entre homens e mulheres, atribui características masculinas a estereótipos de adulto, transformados em agentes de mudança, enquanto o estereótipo feminino é associado ao sexo, ao corpo e a características de dependência (Amâncio, 2017AMÂNCIO, Lígia. Assimetria simbólica. Breve história de um conceito. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.17-36.). Dessa forma, as mulheres são despersonalizadas enquanto pessoa em detrimento de um grupo de semelhantes, como a categoria mulher, e os homens mantém a sua singularidade, ainda que pertencentes a um grupo (Amâncio, 2017AMÂNCIO, Lígia. Assimetria simbólica. Breve história de um conceito. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.17-36., Santos, 2017SANTOS, Maria Helena. Desigualdades de género em profissões qualificadas e resistências à mudança - Um percurso de investigação. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.55-74.).

Estudos sobre memória coletiva evidenciam um forte androcentrismo na forma como os jovens representam a história mundial e também a história nacional. Por exemplo, estudos realizados com estudantes universitários de sete países de língua oficial portuguesa, nomeadamente Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal e Timor-Leste, revelaram um apagamento das mulheres como personalidades da história da humanidade. Entre as dez personalidades mais citadas, não há mulheres: “As poucas mulheres evocadas espontaneamente pelos participantes são sobretudo figuras públicas envolvidas em causas humanitárias, ações de caridade, papéis de cuidado e outras funções de expressividade, exercendo papéis consonantes com os estereótipos tradicionais de género” (Cabecinhas2018CABECINHAS, Rosa. Quem quer ser apagada? Memória coletiva e assimetria simbólica. In: OLIVEIRA, João Manuel; NOGUEIRA, Conceição (ed.). Lígia Amâncio: o género como ação sobre o mundo. Lisboa, CIS-IUL, 2018, pp.113-132.:120), como a Madre Teresa de Calcutá. O mesmo padrão havia sido também identificado em estudos de Liu et al. (2005)LIU, James H. et alii. Social representation of events in world history across 12 cultures. Journal of Cross-Cultural Psychology, 36, 2005, pp.171-191., que evidenciam um forte androcentrismo nas representações sociais da história mundial, embora tal não tenha sido objeto de análise pelos autores.

Os diversos estudos realizados sobre representações sociais da história revelam um claro predomínio dos eventos políticos perante outros marcos como científicos, tecnológicos e econômicos. Verifica-se também um predomínio de personalidades ligadas à política, sendo muito escassas as nomeações de cientistas. O único cientista que figurou entre as dez personalidades mundiais mais referidas foi Einstein (Cabecinhas et al., 2006CABECINHAS, Rosa; LIMA, Marcus; CHAVES, António. Identidades nacionais e memória social: hegemonia e polémica nas representações da história. In: MIRANDA, Joana; JOÃO, Maria Isabel (ed). Identidades Nacionais em Debate. Oeiras, Celta Editora, 2006, pp.67-92.). As personalidades mais evocadas são homens oriundos de países ocidentais, e as evocações de personalidades femininas são apenas cerca de 5% do total de nomeações. A única cientista espontaneamente mencionada pelos estudantes nos vários países foi Marie Curie (Cabecinhas, 2018CABECINHAS, Rosa. Quem quer ser apagada? Memória coletiva e assimetria simbólica. In: OLIVEIRA, João Manuel; NOGUEIRA, Conceição (ed.). Lígia Amâncio: o género como ação sobre o mundo. Lisboa, CIS-IUL, 2018, pp.113-132.).

Corpus de análise

Os livros didáticos analisados neste estudo são da disciplina de história do ensino secundário (10º, 11º e 12º ano), em vigor entre 2019-2021 em Portugal e utilizados pelo maior número de alunos a nível nacional, segundo a Direção-Geral da Educação (DGE). Esses livros são da Porto Editora, História A, que por sua vez estão divididos em três volumes por cada ano escolar do ensino secundário, num total de nove volumes.

A nossa análise partiu da identificação de todas as imagens utilizadas nos livros didáticos, numa análise quantitativa do corpus. As imagens foram primeiramente catalogadas em uma grelha de análise para imagens (Balbé et al., 2022BALBÉ, Alice; CAMANHO, Luís; TRINDADE, Elaine; CABECINHAS, Rosa. Representações visuais nos manuais escolares: uma proposta de análise. In: MARTINS, Moisés; BALBÉ, Alice; MACEDO, Isabel; MABASSO, Eliseu (ed.). Portugal e Moçambique - Travessias identitárias e imaginários do passado e do presente. Famalicão, Húmus, 2022, pp.129-151.) distinguindo artefatos/documentos, cartogramas, gráficos, fotografias e formato retrato para, em uma primeira fase, identificar pessoas e representações de pessoas entre os recursos visuais utilizados pelos livros didáticos.

De um total de 2.270 imagens presentes nos nove volumes analisados, 1.009 imagens representam pessoas sozinhas ou em grupo. Ao observarmos imagens em formato retrato (i.e., 348 imagens), é de se observar que o número de retratos de mulheres corresponde a um terço dos retratos encontrados nos livros didáticos, o que demonstra uma assimetria quantitativa, observada também na análise qualitativa.

Na segunda fase, foi aprofundada a análise das imagens de pessoas aplicando um quadro analítico interseccional (Cabecinhas; Laisse, 2021CABECINHAS, Rosa; LAISSE, Sara. "Quem quer ser apagada"? Imagens de mulheres em manuais de História no Ensino em contexto moçambicano. Vista (8), 2021, e021010. https://doi.org/10.21814/vista.3517
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), tendo em conta não apenas as assimetrias de gênero, mas a forma como essas se cruzam com outras assimetrias, nomeadamente, idade, etnicidade, nacionalidade e classe. Buscamos assim identificar quem são as mulheres representadas com imagens, qual a agência dessas mulheres e de que forma são representadas na história da ciência nos livros didáticos da disciplina de história no ensino secundário em Portugal.

Mulheres na história da ciência: rostos e vozes

Os livros didáticos analisados abordam o desenvolvimento científico ao longo dos séculos e apresentam capítulos específicos sobre o tema, como é o caso das unidades “Alargamento do conhecimento do mundo” (H10-2019-parte3)4 4 Optamos por identificar os livros didáticos no formato: Ano escolar (e.g. H10 – História 10.ºano), Ano da edição e Parte, pois os livros didáticos do ensino secundário possuem os mesmos editores e ano de edição e estão divididos em três partes por ano (por opção da Porto Editora), visando assim facilitar a leitura e identificação do ano do livro didático correspondente. , “A construção da modernidade europeia” (H11-2019-parte1) e “As transformações económicas na Europa e no Mundo” (H11-2019-parte3). Nesse último, por exemplo, há uma seção “A ligação ciência-técnica; novos inventos e novas formas de energia” sobre a Revolução Industrial. De modo a refletir sobre as representações de mulheres na ciência nos livros didáticos de história, apresentaremos os resultados da análise em ordem cronológica, a partir das representações icônicas das mulheres, visando identificar quem tem rosto, nome e voz.

No dossiê sobre a Idade Média, encontramos uma imagem de um grupo em que uma mulher é nominada. O texto de abertura do dossiê diz:

No imaginário europeu, a Idade Média é um tempo de cavaleiros nobres e corajosos e de belas damas indefesas, quantas vezes prisioneiras numa alta torre. Porque nos ficou esta imagem idílica? Como se relaciona a violência do ofício de armas com a delicadeza feminina? (H10-2019-parte2:128).

A página com título “Damas e cavaleiros” apresenta Christiane de Pisan: “Uma dama ensina a arte da cavalaria”. Entre textos sobre “Amadis, perfeito cavaleiro” e “o cavaleiro recompensado” Christine, é descrita como: “Famosa escritora de língua francesa, Christine de Pisan (1364-1430) foi a primeira mulher a viver da literatura, que cultivou nos mais variados gêneros: poesia, história, política, moral, religião e, o que é verdadeiramente notável para uma mulher, estratégia militar (H10-2019-parte2:129). A imagem é uma Iluminura do Livro dos Feitos das Armas e da Cavalaria, com a legenda “Christine de Pisan conversa, no seu estúdio, com a deusa da estratégia, Minerva”, sem detalhar os contributos de Pisan na área da retórica como prática científica (Bruce; McWebb, 2007BRUCE, Donald M.; McWEBB, Christine. Rhetoric as a Science in the Prose Works of Christine de Pizan. Dalhousie French Studies, JSTOR, 80, 2007, pp.3-13 [http://www.jstor.org/stable/40838404 - acesso em: 3 de dezembro de 2021].
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).

No desenvolvimento da ciência quinhentista, há uma gravura “extraída de Margarita Philosophica (1504)” (H10-2019-parte3:33), a qual tem um vulto feminino e ilustra a Aritmética.

Noutro dossiê, sobre o século XVIII, intitulado “A difusão da ciência”, encontramos imagens de três mulheres ligadas à ciência com retrato, nome e descrição. O texto de abertura do dossiê explica do seguinte modo as mudanças sociais do período:

No século XVIII, vencido o ceticismo e as restrições religiosas, a ciência ganha novo alento. Os sábios trocam livremente correspondências e ideias, editam-se obras de divulgação das principais descobertas e o público assiste, entusiasmado, às experiências mais curiosas. A ciência torna-se moda e ocupa lugar de destaque que mantém no mundo de hoje (H11-2019-parte1:129).

No dossiê, são destacados os “sábios” da Europa, as publicações acadêmicas e a comunicação entre cientistas e o contributo dos jornais para divulgação de ciência. As mulheres aparecem em dois retratos neste dossiê com título “A ciência interessa às damas” (H11-2019-parte1:131). As referidas “damas” são identificadas no livro didático como a Marquesa de Châtelet e a Madame Le Ferrand, com legenda única, em que somente uma delas é mencionada:

Emilie de Breteuil, marquesa de Châtelet (1706-1749), foi uma das mais ilustres mulheres do seu tempo, tendo-se dedicado à ciência com enorme entusiasmo. Entre outras obras, publica Dissertação sobre a Natureza e a Propagação do Fogo, Lições de Física e uma tradução anotada dos Principia Mathematica, de Isaac Newton. Newton foi, aliás, um dos cientistas mais famosos do século XVIII, dado a conhecer “às damas” através da obra do conde italiano Francesco Algarotti, publicada pela primeira vez em 1737 e depois reeditada e traduzida em várias línguas.

Figura 1
– A ciência interessa às damas

A Madame Elisabeth Ferrand, que acaba por ser ignorada na descrição, foi uma matemática e filósofa que se dedicou aos estudos de Newton, antecedendo Châtelet. Ferrand declarava-se newtoniana, o que a ela significava “apreciar o raciocínio elegante, entender matemática e talvez até cálculo (embora isso não seja certo), aceitar a lei da atração e abraçar uma visão ordenada e legal da natureza” (Gelbart, 2021GELBART, Nina Rattner. Mathematician and Philosopher: The “Celebrated Mlle Ferrand” (1700–1752), Minerva's French Sisters: Women of Science in Enlightenment France. Yale Scholarship Online, 2021, pp.16-57 [https://doi.org/10.12987/yale/9780300252569.003.0003 - acesso em: 29 jul. 2022].
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, s.p.). Já Madame Châtelet, além da tradução para o francês, tornando esse volume o mais consultado, fez importantes contributos com as anotações à teoria da gravidade de Newton e nos ensaios matemáticos de Aléxis-Claude Clairaut, sobre o formato da Terra, e de Daniel Bernoulli sobre a influência da Lua e do Sol nas marés (Zinsser, 2001ZINSSER, Judith. Translating Newton’s ‘Principia’: The Marquise Du Châtelet’s Revisions and Additions for a French Audience. Notes and Records of the Royal Society of London. JSTOR, 55 (2), 2001, pp.227-45 [http://www.jstor.org/stable/532097 - acesso em: 10 dez. 2021].
http://www.jstor.org/stable/532097...
).

No mesmo livro didático, há outro dossiê dedicado a publicação da “A Enciclopédia” e as polêmicas envolvendo a obra, em uma das quais se destaca a influência de uma mulher para que a publicação fosse realizada. A obra é descrita como:

A Enciclopédia. Uma “obra gigantesca”, capaz de ser consultada sobre todos os assuntos’, eis como Diderot classifica o dicionário enciclopédico a cuja publicação dedicará mais de 20 anos da sua vida. Repositório da ideia das Luzes, da ciência e da técnica do século XVIII, a Enciclopédia contou com mais de 160 colaboradores que, em conjunto, redigiram 71 818 artigos (H11-2019-parte1:140).

Na descrição, consta a “polémica” da época, com destaque à Madame Pompadour, e um retrato dela, obra de Quentin de la Tour, em 1755.

favorita de Luís, XV, e Malesherbes, o responsável pela censura real, foram dois aliados de vulto da Enciclopédia. A sua influência na corte permitiu a publicação da obra, apesar das condenações que a mesma foi sujeita. Em cima da mesa distinguem-se La Henriade, poema épico de Voltaire, que apela à tolerância religiosa, O Espírito das Leis, de Montesquieu, bem como o volume da Enciclopédia, em lugar de destaque (H11-2019-parte1:141).

Figura 2
– Uma obra polémica

Ou seja, sobre a Madame Pompadour, é referido que ela sofreu “condenações” por apoiar a publicação e é apontada como influente na corte e “favorita de Luís XV”. Já a Marquesa de Châtelet recebe a descrição de “uma das mais ilustres mulheres do seu tempo” pela dedicação também na interpretação da obra de Newton, destacando um certo pioneirismo dela na área.

Na unidade sobre a “Construção da modernidade europeia”, a única mulher portuguesa retratada é D. Leonor de Almeida, a Marquesa de Alorna (1759-1839), neta dos Marqueses de Távora, também referida como uma das “mais insignes mulheres do seu tempo” devido à “vasta cultura e ao seu talento como poetisa” (H11-2019-parte1:150). A Marquesa surge “Ombreando com os mais distintos vultos femininos da História Europeia” e como “uma exceção no Portugal da época, onde mesmo os elementos das melhores casas nobres recebiam, frequentemente, uma educação elementar” (H11-2019-parte1:150).

Figura 3
– Marquesa de Alorna

Na legenda, descreve-se a biografia da Marquesa, destacando a sua excecionalidade como intelectual:

Aos 8 anos, na sequência do processo que levou seus avós ao cadafalso, foi encerrada no Convento de Chelas, onde passou 18 anos. Aí lê avidamente as obras dos principais autores da época, aprende várias línguas, distingue-se na poesia. Mais tarde, casada com conde de Oeynhausen, frequenta os círculos cultos das cortes de Espanha, França e Viena, que rendem homenagem à sua vasta cultura e ao seu talento como poetisa. Falece aos 84 anos, deixando atrás de si uma obra literária composta por traduções de Horácio, Pope, Chateaubriand, entre outros, e por um vasto conjunto de poemas, coligidos em 6 volumes sob o título Obras Poéticas de Leonor de Almeida... conhecida entre os poetas portugueses pelo nome de Alcipe (H11-2019-parte1:150).

O retrato da Marquesa é colocado logo a seguir aos excertos de textos de Luís António Verney com a proposta “Verney e a pedagogia das Luzes”, resumida em três aspectos: “A- A base do saber”, “B - O ensino das ciências” e “C – A instrução das mulheres”. O texto refere as influências externas e dos “estrangeirados” para a “Reforma do ensino” português, como a criação de escolas e universidade.

Ainda no mesmo período, há um dossiê “Nascer no século XVIII” sobre os desafios para redução da mortalidade infantil e os hábitos disseminados na época, como enfaixamento de bebês, as amas de leite, o aleitamento materno (ambos com imagens de mulheres anônimas a amamentar) e o abandono de crianças, os “enjeitados”, em instituições de caridade.

A primeira página é dedicada aos desenvolvimentos na área dos partos, com destaque para uma ilustração publicada no “Compêndio de Arte dos Partos”, de autoria de Madame du Coudray, publicado em 1759, sobre o qual comenta: “A autora fez questão de o mandar ilustrar com gravuras primorosas”, e o fórceps, desenvolvido no século XVII, em Inglaterra, e aprimorado pelo médico francês André Levret (1703-1780). Não há imagem da Madame du Coudray, e a descrição da invenção dela utilizada nas formações está no rodapé da página: “Espécie de manequim5 5 Para uma descrição mais detalhada da invenção de Madame Du Coudray e do material utilizado, ver Miller (2005). em tamanho natural utilizado por Madame du Coudray para as suas explicações. Reproduzia, com minúcia, a mãe e o filho e permitia simular as diversas situações que ocorrem nos partos. – Tours, 31 de outubro de 1777” (H11-2019-parte1:21).

Os contributos de Madame du Coudray são explicitados por excertos de textos do rei da França Luís XV, que a nomeou para ensinar “a arte dos partos em toda extensão do reino”, em 1767, “ministrando cursos e certificando as mulheres que exercem o ofício de parteira” e da Carta-circular enviada pelo intendente de Tours a todos os párocos, incitando-os a recrutar mulheres para os cursos. A Carta destaca que a falta de conhecimento da “arte dos partos” nas zonas rurais, “expostos à prática de mulheres ignorantes, choram a perda de vidas e, muitas vezes, também os ferimentos que geram a infertilidade das mães”, para qual a formação de Coudray é preciosa e que a invenção “muito engenhosa” faz “demonstrações necessárias” (H11-2019-parte1:21). Nota-se, ainda, que o caso do dossiê sobre partos é uma exceção à usual representação de contributos científicos de mulheres ao propor aos alunos uma questão de análise de documentos que os provoca a identificar “a inovação introduzida por Madame du Coudray no ensino da obstetrícia” (H11-2019-parte1:24).

No âmbito da história da ciência, encontramos outros vultos femininos. Uma gravura de 1793 ilustra a “Unificação dos pesos e medidas” com um vulto feminino a segurar a balança (H11-2019-parte2:35). Sobre a indústria alimentar, de 1866, uma publicidade de extrato de carne, desenvolvido pelo químico Justus von Liebig (H11-2019-parte3:13), tem um vulto feminino com avental e uma colher à mão, a única que não possui um chapéu de chef, possivelmente remetendo a uma “dona de casa”. Noutro caso, o cartaz da empresa eletrotécnica alemã AEG que anuncia os direitos do fabrico da lâmpada de Edison, em 1888, traz um vulto feminino a segurar a lâmpada, a trazer “luz” (H11-2019-parte 3:28). É curioso que há diversos exemplos de imagens que indicam que as mulheres foram beneficiadas pela ciência, mas como consumidoras (e.g. a ver televisão). O cartaz da Exposição Internacional do Progresso – Ciências e Artes Industriais para celebração ao jubileu científico em 1893, a “era do progresso”, em Paris (H11-2019-parte3:12), também traz dois vultos femininos.

Noutro caso, sobre os progressos da medicina, é utilizada a imagem da radiografia da mão de Anna Lugwig “esposa de Rontgen”, inventor da radiografia, em 1895 (H11-2019-parte3:131). Anna é um exemplo de objetificação, ela não tem rosto, é usada apenas para tranquilizar o público e ilustrar que não há o que recear na radiografia uma vez que Rontgen usa a própria esposa como cobaia do novo procedimento científico.

A cientista Marie Curie é a única mulher que tem um dossiê somente com o nome dela, “Marie Curie”, em que ela é definida como “cientista de renome internacional, ser humano de uma tenacidade admirável, Madame Curie não só marcou a ciência de seu tempo como contribuiu para destruir preconceitos sobre o valor da mulher e a sua posição na sociedade” (H11-2019-parte3:132). Outro destaque é dado na legenda do retrato que ilustra o dossiê: “Marie Sklodowska Curie na fotografia oficial do Prémio Nobel de 1903. Marie é, até hoje, a única laureada em duas disciplinas científicas diferentes”.

Figura 4
Marie Curie

Nesse contexto, há uma fotografia com os participantes da conferência de Solvay, cuja legenda traz informações sobre os cientistas, com o título “o reconhecimento” e destaque para a presença de Einstein. Nota-se que esta conferência já tinha sido mencionada anteriormente, mas Curie recebe destaque somente no dossiê sobre ela.

Participantes na Primeira Conferência de Solvay, em 1911, que reuniu os mais reputados cientistas da época. Madame Curie troca impressões com Henri Poincaré. Atrás, encontra-se Albert Einstein (segundo a contar da direita). Einstein considerará Marie Curie a única celebridade que a fama não conseguiu corromper (H11-2019-parte3:133).

Figura 5
Primeira conferência de Solvay

Noutra referência à Conferência de Solvay, em 1927, há uma fotografia no livro didático do grupo de renomados cientistas participantes da primeira edição que retrata 29 pessoas reunidas, dentre as quais a cientista Marie Curie é a única mulher (H12-2019-parte1:53). O nome dela está na lista da fotografia oficial, no entanto, não recebe qualquer referência na legenda da imagem no livro didático (Figura 6).

Figura 6
Uma conferência de gênios

Há ainda no dossiê uma imagem da família com título “Trabalho e família” com a legenda: “O casal Curie com a filha mais velha, Irène, em data incerta. Os Curie sempre se recusaram a registrar qualquer patente das suas descobertas, alegando que os resultados do seu trabalho pertenciam à ciência”. Ao lado, é apresentado um excerto de uma carta de Marie Curie à sua irmã Bronya (1899), na qual Marie conta que trabalha muito e descreve com tristeza algum isolamento social, mas sem queixas: “Não me posso queixar de nada (...) a menina cresce bem e tenho o melhor marido com que alguém pode sonhar. Nunca imaginei encontrar alguém como ele. É um verdadeiro presente do céu e quanto mais vivemos juntos mais nos amamos”.

É curioso que esse dossiê, sobre a única cientista que é destacada no livro didático, nada explique sobre as adversidades enfrentadas pelas mulheres cientistas na época e foque na descrição do seu amor pelo marido e na preocupação com os filhos. Além disso, a forma como são apresentadas as tarefas que são solicitadas aos estudantes reforça o androcentrismo; por exemplo, pede-se ao estudante que explique “o papel relevante que o marido assumiu na sua vida profissional” (H11-2019-parte3:133).

Também no dossiê, o rosto de uma mulher ilustra a publicidade de um creme de beleza à base de rádio e tório, o Tho-Radia, patrocinado pelo médico francês Alfred Curie. Embora não tivesse relação com o casal Curie, o nome induzia a ligação à família (H11-2019-parte3:133).

Mais uma vez a referência ao trabalho científico de uma mulher não deixa de estar associada à sua vida familiar, nomeadamente em relação à sua filha e ao seu marido. Essa ideia é ainda reforçada pela imagem de produtos essencialmente usados por mulheres na mesma página na qual aparece a referência à cientista – não sendo, assim, possível descolar a imagem da mulher profissional e o seu contributo para a ciência com as dinâmicas da sua vida familiar.

Duas mulheres são usadas como exemplo do povo ariano sobre a violência racista do nazismo (H12-2019-parte1:118). A primeira delas é uma gravura publicada em um livro para crianças, em 1936, com a legenda “Um judeu tentando seduzir uma mulher ariana projeta o mito nazi de que os judeus corrompiam o sangue germânico” e a segunda, com título “Uma pseudociência”, é um retrato de uma “medição dos elementos faciais de uma ariana (foto de 1937)”, na qual é comparada às medições faciais de um “cigano”. Ambos são exemplos de objetificação. Os retratos ilustram o argumento da “existência de diferentes raças” para as quais diferenciavam através da antropometria do crânio e face, cor dos olhos e cabelo, defendendo a superioridade da “raça ariana” promovendo o eugenismo. Curiosamente, embora o livro didático saliente o “racismo” inerente à “pseudociência” baseada na antropometria e outras medidas da alegada superioridade ariana, nada é dito sobre o sexismo científico, que, tal como o racismo científico, operou uma violência extrema baseada em pseudoevidências científicas.

A seção sobre “O progresso científico e a inovação tecnológica” destaca os avanços nas áreas da Física, Química e Biologia, após 1945, com ênfase na produção de energia nuclear, desenvolvimento da eletrônica, informática e cibernética, além dos progressos médicos como as vacinas e na produção de alimentos. Na área da página que se destina a informações extra (DOC), há três fotografias com mulheres. A primeira, “Computador, maravilha da eletrónica” é uma mulher sozinha, sem nome, que está ao telefone utilizando um IBM 7090, a 2ª geração de computadores (H12-2019-parte2:159), ao lado de uma imagem do computador de 1ª geração, o Electronic Numerical Integrator and Computer – Eniac. Na página seguinte, a foto do casal Lesley e John Brown “com a pequena Louise, o primeiro ‘bebé-proveta’” ilustram o desenvolvimento científico da fertilização in vitro em 1978 (H12-2019-parte2:160). A terceira fotografia é de uma família, de 1950, “A chegada da televisão a um lar americano” (H12-2019-parte2:164).

Os livros didáticos, ao falar de ciência, focam nas ciências ditas exatas ou naturais em detrimento das ciências sociais. Há uma breve menção a Simone de Beauvoir, referida como companheira de Sartre na legenda de uma fotografia em que aparecem juntos, não havendo qualquer referência à revolução operada na ciência com a sua obra O Segundo Sexo (1949) ou sobre as novas epistemologias científicas com grande impacto social, cultural e científico.

Invisibilização das mulheres cientistas e das suas contribuições para a sociedade

A primeira vez que o termo “cientista” aparece referenciado, é em um texto de 1834 de William Whewell sobre o trabalho de Mary Fairfax Somerville. Este diz que “por analogia com o artista, pode se criar o cientista” (Whewell, 1834:71). Richard Holmes (2014HOLMES, Richard. In Retrospect: On the Connexion of the Physical Sciences. Nature 514 (7523), 2014, pp.432-33 [https://doi.org/10.1038/514432a].
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:433) explica que foi Mary Fairfax Sommerville que lançou a escrita científica (ou a linguagem sobre ciência) com seu livro On the connexion of the Physical Sciences, publicado pelo editor John Murray em 1834. É Somerville que contextualiza a ciência como um projeto global. O seu trabalho foi um dos livros científicos mais vendidos até à publicação do livro de Charles Darwin On the Origin of Species, em 1859 (Holmes, 2014HOLMES, Richard. In Retrospect: On the Connexion of the Physical Sciences. Nature 514 (7523), 2014, pp.432-33 [https://doi.org/10.1038/514432a].
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:432), tendo contributos para o desenvolvimento das ciências em diferentes áreas, como a matemática, astronomia, física, química entre outras disciplinas. Citando Richard Holmes (2014HOLMES, Richard. In Retrospect: On the Connexion of the Physical Sciences. Nature 514 (7523), 2014, pp.432-33 [https://doi.org/10.1038/514432a].
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:433): “Na verdade, o livro estimulou a criação de um novo conceito profissional e uma nova palavra guarda-chuva para defini-lo, cunhado por Whewell em sua crítica de 1834: ‘cientista’”. Até então, a referência utilizada era “homem de ciência” e a leitura do livro de Somerville suscitou a inquietação de Whewell para que houvesse “uma palavra de género neutro” (Wooton, 2017:45). Whewell defendia que houvesse “traço de unidade” em um termo que pudesse ser utilizado na descrição e referência às atividades de conhecimento científico coletivamente, pois há uma tendência de separação e desmembramento das áreas (Ross, 1962ROSS, Sydney. Scientist: The story of a word. Annals of Science, 18:2, 1962, pp.65-85 [https://doi.org/10.1080/00033796200202722].
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).

A história da ciência mostra que as mulheres tiveram contributos importantes nas ciências naturais, física e matemática, seja como entusiastas, investigadoras ou apoiantes de familiares, mas foram afastadas e mesmo impedidas de entrar no ensino superior por anos. Schiebinger (1987)SCHIEBINGER, Londa. The history and philosophy of women in science: A review essay. Signs: Journal of Women in Culture and Society, 12, 1987, pp.305-332. revela-nos que o primeiro trabalho sobre mulheres na ciência foi publicado em 1913, ainda que utilizando pseudônimos, nomeadamente H. J. Mozans. Nas publicações da Royal Society of London, é possível identificar diversos nomes de mulheres que contribuíram para a “revolução científica”, como descreveu Cook (1997)COOK, Alan. Ladies in the Scientific Revolution. Notes and Records of the Royal Society of London, JSTOR, 51 (1), 1997, pp.1-12., especialmente no Journal of the history of science. Entre elas, destacou o contributo da Marquesa de Châtelet na tradução da pesquisa de Newton, Caroline Herschel no desenvolvimento da astronomia e matemática, e, ainda, os cálculos de Mme Lepaute, a “parisiense”, com a previsão de retorno do cometa Halley (Cook 1997COOK, Alan. Ladies in the Scientific Revolution. Notes and Records of the Royal Society of London, JSTOR, 51 (1), 1997, pp.1-12.). Também na França, houve exemplos de mulheres à frente dos “gabinetes de curiosidade”, como Melle Biheron e Mme Thiroux d'Arconville (Gargam, 2009).

A análise efetuada aos livros do ensino secundário evidencia de modo claro os efeitos persistentes da criptomnesia social6 6 O conceito descreve um esquecimento da origem da inovação ou a falta de crédito que é dada a descobertas ou inovações por parte de “minorias sociais” que provocaram transformações sociais, ou seja, a “apropriação” das conquistas por grupos dominantes para que fossem mais bem aceites (Vernet; Butera, 2005). (Vernet; Butera, 2005VERNET, Jean-Pierra; BUTERA, Fabrizio. Women, women’s rights and feminist movements. Social Science Information, 44, 2005, pp.175-188.), na forma como é retratada a história da ciência, e não só. Pois continua-se a retratar a ciência silenciando os numerosos contributos que são fruto do trabalho, criatividade e persistência de muitas mulheres cujo papel como (co)-autoras de descobertas científicas foi sistematicamente apagado ou não reconhecido, reforçando a persistência do efeito Matilda (Rossiter, 1993ROSSITER, Margaret. The Matthiew Matilda Effect in Science. Social Studies of Science, v.23, SAGE Publications, 1993, pp.325-341.). Em contrapartida, as mulheres aparecem nas imagens como auxiliares da ciência (segurando equipamentos), como corpos da ciência (o exemplo da radiografia) ou como consumidoras dos benefícios da ciência (a lâmpada, por exemplo), não havendo qualquer referência ao sexismo científico (Belkhir, 1994BELKHIR, Jean. Race, Sex, Class & “Intelligence” Scientific Racism, Sexism & Classism, Spring. Race, Sex & Class, 1(2), 1994, pp.53-83.).

Especialmente quando analisamos quem tem rosto e nome e sobretudo nas unidades sobre o desenvolvimento científico, há muito menos imagens de mulheres do que de homens. Mesmo no que se refere ao desenvolvimento das áreas que contribuíram para a que hoje é conhecida como ciência da computação, duas mulheres matemáticas tiveram papel fundamental na área da programação, Ada Lovelace (século XIX) e Grace Hopper (que desenvolveu a primeira linguagem de programação, em 1959), e, ainda, Margaret Heafield Hamilton que desenvolveu o software que permitiu o pouso na Lua, em 1969, na Missão Apollo 11 (a missão estava prestes a ser abortada devido a um erro no radar, a ela também é atribuído o uso do termo engenharia de software). Sobre a “corrida espacial” (H12-2019-parte2:62-63) os livros didáticos citam apenas os nomes dos astronautas (Neil Armstrong, Edwin Aldrin e Michael Collins, da Missão Apollo, e Yuri Gagarin, do Sputink 1). Há inclusive casos mediatizados por filmes sobre dezenas de cientistas mulheres, e.g. Hidden Figures (2016) e o documentário The Computers (2014), que também não são citados. Apesar disso, há uma única imagem de uma mulher, sem nome, utilizando um computador – curiosamente, ela veste uma blusa cor-de-rosa.

Já no caso do ADN, nos livros didáticos de história analisados não há uma única referência a Rosalind Franklin. Em “O ADN e o mundo da genética”, é apresentada uma fotografia de James Watson e Francis Crick como “os ‘pais’ do ADN” (H12-2019-parte2:161). Não minimizando as contribuições dos referidos cientistas para a descoberta da estrutura dessa molécula e seu impacto no mundo, mas a conquista não teria sido possível sem a contribuição fundamental de Rosalind Franklin e a sua análise cristalográfica da estrutura. Deve-se ao seu trabalho a capacidade de usar o sequenciamento de ADA e a cristalografia de raio-X na investigação de vírus, como o atual SARS-COV-2. Apesar de ela ser conhecida essencialmente pelo seu artigo publicado na Nature (Franklin & Gosling, 1953FRANKLIN, Rosalind E.; GOSLING, R. G. Molecular Configuration in Sodium Thymonucleate. Nature, 171 (4356), 1953, pp.740–41 [https://doi.org/10.1038/171740a0].
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), crucial para a determinação da estrutura de dupla hélice do ADN, o seu legado para a ciência é extenso (Editorial, 2020EDITORIAL. Rosalind Franklin was so much more than the ‘Wronged Heroine’ of DNA. Nature 583 (7817), 2020, 492 [https://doi.org/10.1038/D41586-020-02144-4 - acesso em: 01 dez. 2021].
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:492). É importante realçar não só a sua contribuição científica como a falta de reconhecimento pelos seus pares: Watson e Crick receberam o prémio Nobel de Medicina em 1962.

Identificamos frequentemente uma inclusão simbólica que podemos atribuir ao tokenismo, ou seja, a inclusão de membros de grupos desfavorecidos em posições dentro de um grupo favorecido, quando normalmente esses espaços são negados (Santos, 2017SANTOS, Maria Helena. Desigualdades de género em profissões qualificadas e resistências à mudança - Um percurso de investigação. In: OLIVEIRA, João Manuel; AMÂNCIO, Lígia (ed.). Géneros e Sexualidades: Interseções e tangentes. Lisboa, Centro de Investigação e de Intervenção Social (CIS-IUL), 2017, pp.55-74.) a qualquer grupo sub-representado. Quando falamos na perspectiva de gênero, o impacto negativo é maior nas mulheres do que nos homens, uma vez que estas sentem-se limitadas no espaço profissional e, muitas vezes, culpadas por estarem deixando de lado a “função social do feminino” lhes atribuída para assumirem funções profissionais atribuídas ao masculino. Além disso, o tokenismo acaba por reforçar a ideologia dominante do mérito individual para atingir objetivos, desconsiderando o grupo em questão e ignorando a discriminação que ele sofre.

A retratação das mulheres dentro desses padrões não reflete o atual conhecimento histórico. O fato de que, atualmente, há crescente investimento público no incentivo de meninas em carreiras nas STEM (ciência, tecnologia, engenharia e matemática) poderá explicar por que os poucos exemplos históricos de mulheres na ciência apresentados nos livros didáticos sejam nesses campos em detrimento do contributo das mulheres nas ciências sociais, apagando, assim, não só as mulheres enquanto agentes históricos, como grande parte da história da ciência. Há poucos estudos focados nos livros didáticos de história sobre ciência e não está feita uma história interseccional.

Considerações finais

De um modo geral, os padrões de representação nos livros didáticos analisados refletem a tendência geral para celebrar a liderança e realização individuais em detrimento da coletiva e não abordam a amplitude, diversidade e profundidade dos contributos das mulheres na história, e, em especial, na história da ciência.

Apesar de nos livros didáticos analisados haver a preocupação de enquadrar a ação das mulheres em contextos econômicos, legislativos, culturais ou políticos mais amplos, elas continuam a ser representadas como uma minoria, nas margens da história. Interessa salientar que, nos casos dos dossiês, o de Marie Curie e da rainha D. Maria II, uma parte significativa de cada um é dedicada à vida familiar (pai, marido e filhos), algo que não acontece nos dossiês dedicados a personalidades masculinas.

As nossas conclusões vão ao encontro das obtidas em outros estudos recentes. Por exemplo, Gonçalves et al. (2019) analisaram a invisibilidade das mulheres na história da ciência, em particular nos livros didáticos de ciência do sexto ao nono ano utilizados em uma escola da rede estadual, no município de Goiânia, tendo chegado à conclusão de que é notória a falta de protagonismo das mulheres na ciência nos livros didáticos, com poucos exemplos. Como aponta Gonçalves et al.:

A Ciência é uma construção histórica, portanto sua representatividade, produção e transmissão estão vinculadas a esse contexto, portanto possui intencionalidade. Mulheres dentro dessa construção foram apagadas, ora por estarem restritas ao espaço doméstico, ora por não terem suas ideias validadas (2019:15481).

Esses resultados são ainda convergentes com o padrão de resultados obtido por Cerqueira e Cabecinhas (2015)CERQUEIRA, Carla; CABECINHAS, Rosa. A cobertura jornalística do dia Internacional das Mulheres na imprensa portuguesa: mudanças, persistências e reconfigurações. Novos Olhares, 4(1), 2015, pp.37-51. https://doi.org/10.11606/issn.2238-7714.no.2015.102209
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na análise da cobertura noticiosa portuguesa do Dia Internacional das Mulheres. O aspecto da conciliação ou conflito entre família e trabalho é “pergunta frequente para mulheres consideradas bem-sucedidas na esfera pública, focam sempre no casamento, nos filhos e no que elas conseguem para articular as várias dimensões, acentuando a ligação ao biológico” (Cerqueira; Cabecinhas, 2015CERQUEIRA, Carla; CABECINHAS, Rosa. A cobertura jornalística do dia Internacional das Mulheres na imprensa portuguesa: mudanças, persistências e reconfigurações. Novos Olhares, 4(1), 2015, pp.37-51. https://doi.org/10.11606/issn.2238-7714.no.2015.102209
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:46).

Além disso, de forma geral, as mulheres que possuem nome e rosto nos livros didáticos são as mulheres-exceção ou pioneiras, sendo-lhes atribuídas características como “mais insignes do seu tempo” ou “verdadeiramente notável para uma mulher”, depreendendo-se que só mulheres verdadeiramente excecionais serão capazes de realizar tarefas “notáveis”, nomeadamente na ciência.

Apenas uma cientista aparece nomeada mais do que uma vez: “Madame Curie”, sendo que a sua biografia é apresentada em um dossiê especial ou em arquivo “doc”, ou seja, como adenda (Cabecinhas; Balbé, 2022CABECINHAS, Rosa; BALBÉ, Alice. Qui veut être inivisibilizée? Les femmes em tant qu'addendum dans les manuels scoilares de l'histoire em viguer dans l'enseignement portugais. Didactica Historica, 8, 2022, pp.77-83. https://doi.org/10.33055/DIDACTICAHISTORICA.2022.008.01.77
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). Essas mulheres parecem ter sido acrescentadas com o simples objetivo de incluir mulheres, sem ter sido feito o trabalho de devida contextualização. As mulheres às quais é atribuída agência são europeias ou norte-americanas, apresentadas como nobres ou burguesas.

Se à questão de género ainda associarmos a questão racial, essa ausência de representatividade fica ainda mais evidente. A análise da representação das mulheres negras nos livros didáticos de biologia aprovados pelo PNLD – 2015, apresentada por Silva (2018)SILVA, Lauana Araújo. Mulheres negras e suas representações nas coleções de livros didáticos de Biologia aprovados pelo PNLD – 2015. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2018 [http://dx.doi.org/10.14393/ufu.di.2019.916].
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demonstra a ausência de relatos sobre a presença de mulheres negras na ciência. O estudo envolveu os livros didáticos do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio. Nesse caso, as mulheres negras, além de terem que lutar contra o sexismo, ainda têm que lutar contra o racismo, representadas sem um lugar singular, em que os livros didáticos não contribuem para a “localização da mulher negra com um sujeito social importante” (Silva, 2018SILVA, Lauana Araújo. Mulheres negras e suas representações nas coleções de livros didáticos de Biologia aprovados pelo PNLD – 2015. Dissertação (Mestrado em Educação), Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, 2018 [http://dx.doi.org/10.14393/ufu.di.2019.916].
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:117).

Será possível questionar um aluno sobre quem foi, por exemplo Jane Wright, e qual o seu papel no desenvolvimento da ciência e bem-estar da sociedade? Dificilmente. Jane Wright, mulher negra pioneira no tratamento do câncer. Ou Alice Ball, que desenvolveu um tratamento eficaz contra a Lepra (antes do aparecimento do antibiótico); Helena Carla Castro, pioneira no tratamento de diversas doenças como AIDS. Como referido anteriormente, o caso de Rosalind Franklin e o seu papel na descoberta da estrutura do ADN, o qual valeu a Watson e Crick o prémio Nobel, deixando Rosalind de fora. Ou Margaret Heafield Hamilton, sem a qual não teria sido possível o pouso na Lua, mas os nomes eternizados são o de Neil Armstrong e Edwin Aldrin. E nos futuros livros didáticos de história, quando se abordará a pandemia de Covid-19, será que estarão Jacqueline Goes de Jesus e Kizzekia Corbett e o seu papel preponderante na sequenciação do vírus SARS-COV2 e desenvolvimento da primeira vacina para SARS-COV2?

As imagens das mulheres que surgem nos livros didáticos ao abordarem a ciência – e não só! – assemelham-se a objetos com o desígnio de embelezamento, não dando valor à sua contribuição para o desenvolvimento científico. Mais ainda, tais imagens parecem ter sido incluídas com o propósito explícito de acrescentar imagens de mulheres, de modo a cumprir as recomendações de organismos nacionais e internacionais, mas tais imagens são incluídas sem desestabilizar o cânone, que continua a ser ditado no masculino, invisibilizando o contributo das mulheres enquanto agente histórico e especificamente enquanto cientistas. Nos trabalhos futuros, por meio de grupos focais, mas não só, procuraremos explorar, entre outras questões: como é que essas imagens são interpretadas pelos estudantes do ensino secundário, de que modo esse tipo de retratação das mulheres influencia suas visões do mundo, as suas escolhas vocacionais e os seus percursos de vida. Também analisaremos e discutiremos o problema descrito a montante, desde a concepção do currículo à escolha dos documentos a serem incluídos nos livros didáticos, nomeadamente as imagens.

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Livros didáticos citados

  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. Um Novo Tempo da História 10, parte 2. Porto, Porto Editora, 2019a [H10-2019-parte2].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. Um Novo Tempo da História 10, parte 3. Porto, Porto Editora, 2019b [H10-2019-parte3].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. Um Novo Tempo da História 11, parte 1. Porto, Porto Editora, 2019c [H11-2019-parte1].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. Um Novo Tempo da História 11, parte 2. Porto, Porto Editora, 2019d [H11-2019-parte2].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. Um Novo Tempo da História 11, parte 3. Porto, Porto Editora, 2019e [H11-2019-parte3].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. 2019f. Um Novo Tempo da História 12, parte 1. Porto, Porto Editora, 2019f [H12-2019-parte1].
  • COUTO, Célia e ROSAS, Maria. 2019g. Um Novo Tempo da História 12, parte 2. Porto, Porto Editora, 2019g [H12-2019-parte2].
  • 1
    O Estado Novo foi o regime político que vigorou em Portugal de 1926 até 1974, na qual a Constituição, publicada em 1933, reforçava os poderes do Chefe de Governo e limitava os poderes da Assembleia Nacional. O Estado Novo defendia como valores “Deus, Pátria e Família”, respeitando e reconhecendo António Salazar como chefe de governo. A Revolução de 25 de abril de 1974 pôs fim ao regime autoritário do Estado Novo, que na época era comandado por Marcelo Caetano. O ideal feminino para o Estado Novo era o de uma mãe e esposa dedicada, preparada desde cedo para cuidar dos afazeres do lar, submissa ao poder patriarcal e mais tarde do marido. A sua ambição devia ser um bom casamento. A lei portuguesa designava o marido como chefe de família, a mulher não podia viajar sem a autorização do marido e não tinha os mesmos direitos na educação dos filhos. Em termos profissionais, a mulher não tinha acesso a determinadas posições, já que estas deviam apenas ser ocupadas por homens, como, por exemplo, a magistratura e a diplomacia (Couto, 2005COUTO, Anabela. O retrato da mulher durante o Estado Novo. Jornalismo Porto Net, Opinião, 2005 [https://www.jpn.up.pt/2005/04/26/o-retrato-da-mulher-durante-o-estado-novo/ - acesso em: 4 jun. 2021].
    https://www.jpn.up.pt/2005/04/26/o-retra...
    ).
  • 2
    Os Recenseamentos da População e da Habitação, os Censos, são realizados a cada 10 anos em Portugal, sob coordenação do Instituto Nacional de Estatística (INE), desde 1940, a partir do qual os dados são também analisados pela PORDATA – Base de Dados de Portugal Contemporâneo, desde 2009 (https://www.pordata.pt/Home).
  • 3
    Caracterização por sexo-gênero.
  • 4
    Optamos por identificar os livros didáticos no formato: Ano escolar (e.g. H10 – História 10.ºano), Ano da edição e Parte, pois os livros didáticos do ensino secundário possuem os mesmos editores e ano de edição e estão divididos em três partes por ano (por opção da Porto Editora), visando assim facilitar a leitura e identificação do ano do livro didático correspondente.
  • 5
    Para uma descrição mais detalhada da invenção de Madame Du Coudray e do material utilizado, ver Miller (2005)MILLER, Leslie Adrienne. Madame Du coudray's Woman Machine, 1756. Prairie Schooner, JSTOR, 79 (2) 2005, pp.27-28 [http://www.jstor.org/stable/40637960].
    http://www.jstor.org/stable/40637960...
    .
  • 6
    O conceito descreve um esquecimento da origem da inovação ou a falta de crédito que é dada a descobertas ou inovações por parte de “minorias sociais” que provocaram transformações sociais, ou seja, a “apropriação” das conquistas por grupos dominantes para que fossem mais bem aceites (Vernet; Butera, 2005VERNET, Jean-Pierra; BUTERA, Fabrizio. Women, women’s rights and feminist movements. Social Science Information, 44, 2005, pp.175-188.).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    Maio 2023

Histórico

  • Recebido
    10 Fev 2022
  • Aceito
    22 Set 2022
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