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Dia do orgulho heterossexual: a reação conservadora à visibilidade de pessoas LGBTQIA+

Heterosexual Pride Day: Conservative Backlash To The Visibility Of LGBTQIA+ People

Resumo

Este trabalho analisou proposições legislativas com o objetivo de criar o dia do orgulho heterossexual em municípios, estados e em nível federal. A análise de conteúdo, realizada nas justificativas dos projetos de lei apresentados, identificou que, para os parlamentares brasileiros que os propuseram, a necessidade de institucionalizar o orgulho heterossexual está relacionada à defesa da família tradicional, a valores morais e religiosos e à ideia de que a heterossexualidade está em risco. Além disso, utiliza-se a crise da masculinidade como categoria analítica para relacionar tais projetos de lei em um movimento internacional de oposição às políticas de promoção de direitos destinados à população LGBTQIA+.

Crise da masculinidade; Parlamentares evangélicos; Ofensiva conservadora

Abstract

This paper analyzed bills with the goal of creating Heterosexual Pride Day at the municipal, state and federal levels. The Content Analysis carried out in the justifications of the presented bills, identified that for the Brazilian parliamentarians who proposed them, the need to institutionalize the Heterosexual Pride Day is related to the defense of the traditional family, moral and religious values and the idea that heterosexuality is at risk. In addition, the crisis of masculinity is used as an analytical category to relate such bills in an international movement of opposition to the policies of promotion of rights for the LGBTQIA+.

Crisis of masculinity; Evangelical politicians; Conservative offensive

Introdução

Seja como estratégia de visibilidade política ou como forma de expressão cultural, uma das ações mais utilizadas pelo movimento de pessoas LGBTQIA+1 1 Utiliza-se, nesse artigo, a sigla LGBTQIA+ para fazer referência ao movimento formado pelas pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais identidades e orientações sexuais consideradas dissidentes da heterossexualidade. é a organização de paradas, marchas e desfiles que começaram a acontecer a partir de 1970. Com o objetivo de celebrar o pertencimento à essa comunidade, no ano do cinquentenário de Stonewall 2 2 Em 1969, as pessoas LGBTQIA+ que frequentavam o bar Stonewall Inn , na cidade de Nova Iorque, cansadas das inúmeras e violentas batidas policiais, revidaram e iniciaram uma rebelião que se estendeu por três dias. Liderada por draq queens e transexuais, a rebelião de Stonewall é considerada o marco histórico de fundação política do movimento LGBTQIA+. , as paradas do orgulho LGBTQIA+, somente no Brasil, aconteceram em pelo menos 297 cidades, reunindo milhões de pessoas. Por ser um evento político, cultural e turístico importante, inúmeras cidades e Estados incluíram as celebrações do dia do orgulho LGBTQIA+ em seus calendários oficiais, que passaram a receber apoio financeiro e logístico estatal. Já em nível federal, durante a gestão de Luís Inácio Lula da Silva (2003-2010), foi sancionado, em 4 de junho de 2010, o Decreto nº 12.635, que institucionalizou o dia 17 de maio como o Dia Nacional de Combate à Homofobia. Entretanto, na passagem para o século XXI, a ampliação das políticas de gênero que visam garantir visibilidade e igualdade jurídica às pessoas LGBTQIA+ no Brasil e no mundo, tem provocado a reação e a articulação de partidos políticos, movimentos e organizações conservadoras, religiosas, nacionalistas, antidemocráticas e masculinistas.

Como resposta, esses grupos têm organizado grandes manifestações públicas pela valorização e pelo orgulho da heterossexualidade em países como Chile, Estados Unidos, Espanha, França, Hungria, Áustria, Polônia, Costa Rica, México, Brasil, entre outros. Além disso, parlamentos ao redor do mundo têm aprovado legislações restritivas à população LGBTQIA+ com o intuito de: a) impedir que docentes, currículos e materiais escolares abordem a questão da diversidade sexual; b) restringir o casamento, a adoção de crianças e transfusão de sangue a pessoas heterossexuais; c) impedir ou dificultar a organização política desses grupos; d) perseguir e punir ativistas; e) não reconhecer a existência de pessoas transexuais e intersexuais; f) aprovar legislações que proíbem publicidade envolvendo pessoas LGBTQIA+; e, mais recentemente, g) proibir o uso de linguagem neutra.

Outra estratégia utilizada por parlamentares que representam ou se aliam a esses grupos é a apresentação de propostas para a criação do dia do orgulho heterossexual, em países como Estados Unidos (onde foi protocolada a primeira dessas iniciativas em 1982), Itália, Rússia, Canadá, Espanha, Alemanha, Brasil, entre outros. O caso brasileiro é singular tanto pela quantidade de iniciativas como pela diversidade ideológica dos partidos políticos que propuseram esses Projetos de Lei (PL), da centro-esquerda à extrema direita, assim como pela origem dessas propostas (Câmaras Municipais, Assembleias Legislativas e Congresso Nacional).

Sobre essa questão, o trabalho realizado por Lau (2016) debruçou-se sobre os primeiros PLs apresentados por parlamentares brasileiros; o PL nº 294/2005 do vereador paulistano Carlos Apolinário e o PL nº 1672/2011 do Deputado Federal Eduardo Cunha. Analisando suas respectivas justificativas e utilizando como método a análise do discurso de linha francesa, o autor concluiu que as formações discursivas expressas nos PLs buscaram dar forma às identidades heterossexuais e homossexuais no campo da cidadania. Enquanto às primeiras foram legitimadas, as segundas foram marginalizadas.

Para interpretar as proposições em questão, definiu-se como metodologia a Análise de Conteúdo, a partir de Krippendorf (2018)KRIPPENDORF, Klaus. Content Analysis. An Introduction to its methodology. 4th edition. London, Sage, 2018. , estabelecida em três etapas: na primeira, identifica-se o problema e estabelecem-se as questões norteadoras da pesquisa; na segunda, selecionam-se as unidades e subunidades de análise, criam-se e definem-se as categorias e realiza-se o pré-teste dessas categorias, além do teste de confiabilidade inicial e a categorização propriamente dita; na terceira etapa, organiza-se a tabulação e aplicam-se procedimentos estatísticos, interpretam-se e reportam-se os resultados e estabelecem-se ações de validação e replicabilidade. Após esse processo, chegamos à formulação de três categorias fundamentais: heterossexualidade em risco, defesa da família tradicional e defesa de valores morais e religiosos.

Entende-se, a partir de então, que a ação política de minorias sexuais desencadeia a ofensiva conservadora que unifica grupos de interesses diversos (desde nacionalistas fundamentalistas religiosos) e que tem provocado instabilidades no conceito e nas vivências da masculinidade. Dessa forma, ao utilizar a crise da masculinidade como categoria analítica, parte-se do pressuposto de que as políticas de promoção de direitos das pessoas LGBTQIA+ são interpretadas pelos grupos conservadores como uma afronta à heteronormatividade e à chamada ordem natural e divina dos papéis e padrões sexuais.

Concluiu-se, dessa forma, que as iniciativas brasileiras, ao relacionarem orgulho heterossexual à defesa da família patriarcal e a valores religiosos e morais, fazem parte de um movimento internacional que se opõe à igualdade jurídica de pessoas LGBTQIA+ por serem consideradas pecaminosas e uma ameaça à preservação da espécie humana e da pátria. A inclusão do Dia do Orgulho Heterossexual nos calendários oficiais faz parte desse movimento de disputa não apenas moral, mas também política.

O trabalho será apresentado em três partes: na primeira, busca-se identificar as origens da crise da masculinidade; na segunda, apresentam-se as reações masculinistas à crise; por fim, apresentamos a metodologia e os resultados obtidos a partir da Análise de Conteúdo realizada nos PLs identificados.

A masculinidade está em crise?

É evidente que a diferenciação entre homens e mulheres não está restrita aos aspectos anatômicos, mas foi a partir deles que as sociedades humanas estabeleceram espaços e funções distintos tendo como base o sexo biológico. Essa diferenciação corporal, especialmente aquela relacionada aos órgãos genitais e reprodutivos, é ressignificada pela cultura e pela linguagem. Dessa forma, as sociedades desenvolveram representações simbólicas, políticas, culturais e econômicas para dar sentido à essa distinção, definindo papéis sociais específicos para homens e mulheres.

Entendidos como um conjunto de condutas e expectativas atribuídas respectivamente aos homens (por terem pênis) e às mulheres (por terem vagina), os papéis sexuais têm como fundamento não o gênero, mas o corpo. Essa perspectiva, por vincular aos corpos, determinados modos de agir, pensar e se relacionar, produz conceitos frágeis, uma vez que omitem as relações de poder, a violência e a desigualdade material. Por ser biologicamente determinista e a-histórica, essa perspectiva acaba não considerando nem as complexidades no interior da masculinidade e da feminilidade e nem as diversas maneiras e possibilidades que as pessoas podem ter para vivenciarem seu gênero.

Como contraponto à ideia de papéis sexuais, Connell (1997CONNELL, Raewyn W. La organización social de la masculinidade. In: VALDÉS, Teresa; OLAVARRIA, José (org.). Masculinidad/es Poder y Crisis. Santiago de Chile, Isis Internacional/Flacso Chile, 1997. , 2003CONNELL, Raewyn W. Masculinidades. Ciudad de México, Universidad Nacional Autonoma de Mexico, 2003. , 2013) vincula o conceito de gênero a um sistema cuja estrutura é definida a partir de três dimensões: as relações de poder, as relações de produção e a cathesis (vínculo emocional). As primeiras se referem ao sistema de poder que submete as mulheres aos homens (denominado pelas feministas como patriarcado); as segundas tratam da divisão sexual do trabalho e da apropriação desigual dos dividendos do trabalho social pelos homens; e a terceira está relacionada ao desejo sexual, às formas que as relações entre as pessoas acontecem e onde estão situadas (se permitidas, questionadas ou proibidas).

A partir dessa ideia de gênero como estrutura, Connell (1997CONNELL, Raewyn W. La organización social de la masculinidade. In: VALDÉS, Teresa; OLAVARRIA, José (org.). Masculinidad/es Poder y Crisis. Santiago de Chile, Isis Internacional/Flacso Chile, 1997.: 8) define masculinidade como sendo [...] “uma configuração de prática em torno da posição dos homens na estrutura das relações de gênero”( tradução nossa).3 3 No original: “una configuración de la práctica en torno a la posición de los hombres en la estructura de las relaciones de género" Connell (1997: 8). Essa definição permite analisar a masculinidade a partir da ideia de que: i) não existe apenas uma masculinidade, mas várias; ii) ela não deve ser considerada a partir de expectativas e normas de comportamento, mas pela forma que é realmente vivenciada pelas pessoas; iii) ela não é mera reprodução social, mas determinada socialmente; iv) ela está inserida numa estrutura mais ampla que envolve o Estado, a economia, a família e a sexualidade; v) suas práticas têm racionalidade e significado histórico.

Por conta desses fatores, a autora reconhece a existência de uma constante disputa em torno da definição social do modelo de masculinidade a ser alcançado. Isso significa dizer que o grupo que conquista o poder de definir o modelo de masculinidade hegemônica, ao mesmo tempo que possui o privilégio de usufruir dos dividendos patriarcais (vantagens materiais e psicológicas inerentes a essa posição), é também, por esse motivo, constantemente ameaçado pelos homens em posições subordinadas.

Uma vez que se trata de relações de dominação e subordinação, para manterem-se nessa posição de privilégio, esse mesmo grupo hegemônico utiliza-se da violência que pode ser simbólica, como nos termos de Foucault, ou entendida como a praticada pelo Estado e suas organizações, como nos termos weberianos. Além do mais, as questões de gênero (de modo geral) e de masculinidade (de forma específica), somente fazem sentido quando estão relacionadas com outras estruturas como classe social, raça e etnia, por exemplo.

Entretanto, é importante salientar que, independentemente do lugar em que se encontram, se mais próximos ou mais distantes da masculinidade hegemônica, os homens de modo geral beneficiam-se de alguma forma das desigualdades de gênero. Isso fica evidente pelo fato de serem os homens os que possuem mais e melhores oportunidades de trabalho, além de ocuparem mais posições de poder econômico e político do que as mulheres. Essa ordem de gênero, que define modelos a serem incansavelmente perseguidos pelos homens, que é justificada como natural e que produz o discurso de que a masculinidade hegemônica pode ser alcançada por mérito ou direito, traz em seu interior as contradições geradoras de crises, uma vez que nem todos os homens conseguem satisfazer plenamente suas exigências.

A partir da década de 1970, tanto os movimentos feministas como os movimentos LGBTQIA+ passaram a denunciar suas insatisfações em relação à masculinidade hegemônica. Essas queixas se tornaram mais intensas e abrangentes na medida em que se somavam às transformações ocorridas no mundo do trabalho, decorrentes da restruturação produtiva neoliberal que, em pouco mais de quarenta anos, transformou o mercado e as subjetividades. A desregulamentação das economias, o encolhimento do Estado e a supremacia do mercado afetaram a classe trabalhadora que passou a receber menores salários, ao esmo tempo que era obrigada a trabalhar mais e cada vez mais rápido. Sem a proteção do Estado e com sindicatos enfraquecidos, os contratos de trabalho, quando existem, garantem cada vez menos direitos, e as políticas de assistência e seguridade social tornam-se ainda mais frágeis, provocando fissuras na concepção de masculinidade.

Até a década de 1980, segundo Nayak (2006NAYAK, Anoop. Displaced Masculinities: Chavs, Youth and Class in the Post-industrial City. Sociology, v.40, n.5, 2006, pp.813-831.: 814), a atividade industrial fordista, que empregava parte significativa dos homens da classe trabalhadora, especialmente no Norte Global [...] “proporcionava conhecimentos qualificados, os benefícios materiais de um salário regular, estabilidade, segurança e um emprego vitalício” (tradução nossa)4 4 No original [...] “this work was, it was seen to provide skilled knowledge, the material benefits of regular pay, stability, security and a ‘job for life” ( Nayak, 2006: 814). . Essas características (re)produziam as desigualdades entre homens e mulheres na medida em que eram produtos da divisão sexual do trabalho, da relação entre trabalho e força física e da obrigação patriarcal dos homens proverem à família. O trabalho remunerado, principal símbolo da identidade masculina ( Nolasco, 1993NOLASCO, Sócrates. O mito da masculinidade. Rio de Janeiro, Rocco, 1993. ), libertou os homens do trabalho doméstico, conectando-os ao mundo fora de casa, onde se realizam como homens e como seres humanos. Nesse sentido, identidade masculina e sociedade capitalista compartilham os mesmos valores (poder e status), de forma que não possível identificar os limites entre uma e outra.

Essa relação de dominação do homem sobre a mulher, segundo Engels (2019), é a forma mais elementar de propriedade, na medida em que os homens, ao serem responsáveis pelo sustento da família, não se apropriavam apenas das riquezas produzidas por eles mesmos, mas também do trabalho doméstico realizado pelas mulheres. Enquanto aos homens eram conferidos poder e honra, o trabalho doméstico era considerado invisível ou visto como de pouco valor. Em outra direção, o esforço e a força física, também característicos da identidade masculina, passaram a ser valorizados como ferramentas de trabalho. Com isso, a força física masculina, imbuída de seu caráter simbólico, ultrapassou a relação de subordinação de homens sobre as mulheres, sendo apropriada e reforçada pelo capitalismo. Por essa razão, os corpos dos trabalhadores, disciplinados, moralizados e aptos ao trabalho pesado, transformam-se em elementos importantes no processo de industrialização, conforme Pigenet (2013)PIGENET, Michel. Virilidades Operárias. In: CORBIN, Jean-Jacques C.; GEORGES, Vigarello. História da virilidade. Vol.2: O triunfo da virilidade - o século XIX. Petrópolis, Vozes, 2013. .

Apesar de a divisão sexual do trabalho conferir às mulheres à responsabilidade pelo trabalho doméstico, isso não impedia que as mais pobres desempenhassem alguma atividade remuneratória, o que era [...] “tolerado como uma fatalidade da pobreza e/ou resultado da ausência de provento adequado e também visto como identidade provisória – que deveria ser interrompida por ocasião do casamento ou do nascimento de um filho”, conforme Borelli (2013BORELLI, Andrea. Trabalho. Espaço feminino no mercado produtivo. In: PINSK, Carla B; PEDRO, Joana M. (org.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo, Editora Contexto, 2013.: 159). Como a questão da igualdade de oportunidades já fazia parte das exigências do movimento feminista desde a década de 1970, a participação feminina na força-de-trabalho passou a contar com maior presença de mulheres da classe média, contribuindo para comprometer a até então estável estrutura da ordem de produção.

Essas mudanças acabaram alterando a divisão androcêntrica do trabalho que além de enfraquecerem as relações de autoridade e subordinação entre homens e mulheres, também passaram a ameaçar os fundamentos patriarcais dos arranjos de poder político e econômico. Diante das dificuldades enfrentadas pelos homens de cumprirem com a sua obrigação patriarcal de prover à família, e diante do novo papel desempenhado pelas mulheres na vida pública e privada, a masculinidade teria entrado em crise.

A partir do exposto, a crise da masculinidade pode ser compreendida como [...] “uma série de redefinições sociais e subjetivas das funções públicas e privadas dos homens onde os papéis tradicionais que lhes são atribuídos, que deram origem aos estereótipos de masculinidade em nossa sociedade, são questionados” ( Jiménez-Guzmán, 2013JIMÉNEZ-GUZMÁN, Maria. L. Effects of labor, precarization and unemployment on men and on gender equity. Acta Colombiana de Psicología , v. 16, n. 2, 2013, pp.93-101.: 95, tradução nossa).5 5 No original: [...] “a series of social and subjective redefinitions of the public and private functions of men and the traditional roles assigned to them, which gave rise to the stereotypes of masculinity in our society are being questioned” (Jiménez-Guzmán, 2016:95). Ao associar a autoridade e o respeito patriarcais à capacidade dos homens de suprir as necessidades da família, com as novas configurações neoliberais, essa capacidade de manutenção torna-se ainda mais complexa, uma vez que a rede de proteção estatal tornou-se menor e menos abrangente. Neste cenário de mudanças, em que há, por um lado, uma demanda crescente por consumo e, por outro, o aumento dos custos de vida, ser capaz de atender a essa exigência patriarcal tornou-se uma aspiração inatingível para muitos homens.

Ao contrário do que vimos até aqui, para Heartfield (2002)HEARTFIELD, James. There is no masculinity crisis. Genders, v. 35, 2002, pp1-15. , é um erro acreditar que o poder masculino tenha diminuído em razão da entrada de mulheres no mercado laboral. Em sua análise a partir do cenário britânico, o autor reconhece a diminuição dos postos de trabalho tradicionalmente ocupados por homens (indústria siderúrgica, metalúrgica, petrolífera, automobilística e mineradora) e o aumento do número de mulheres na força de trabalho. Porém, para o autor, os homens continuam ocupando as vagas mais bem remuneradas e aquelas com poder de decisão. Além disso, ele afirma que as mulheres (e não os homens) são as pessoas mais afetadas pelas transformações neoliberais porque ocupam a maioria das vagas de trabalho de meio-período, com direitos trabalhistas mais frágeis, além de serem sobrecarregadas pelo trabalho doméstico e pelos cuidados com a família. Por essa razão, sendo homens e mulheres igualmente vítimas da reestruturação produtiva, não haveria uma crise da masculinidade, mas, sim, uma crise da classe trabalhadora. Mesmo que esses aspectos sejam verdadeiros, Heartfield, ao negar que as transformações econômicas neoliberais são generificadas, não leva em consideração que homens e mulheres são afetados de forma diferente pelo neoliberalismo e não percebe as rupturas causadas na subjetividade masculina.

A luta pela autonomia econômica por parte das mulheres somou-se às diversas conquistas no campo dos direitos sexuais e reprodutivos. Essas conquistas têm modificado a estrutura familiar na medida em que as mulheres passaram também a ser responsáveis pelo sustento da família e como consequência, os homens, confrontados com as novas realidades econômicas e sociais e despostos de seu lugar de chefes incontestáveis da família, sentem-se intimidados tanto na esfera pública como na esfera privada. Ao serem obrigados a dividir espaços de poder e decisão, muitos homens passaram a ver os movimentos de minorias sexuais como ameaçadores à sua identidade e aos seus privilégios. Seja por não cumprirem satisfatoriamente com suas obrigações patriarcais ou por serem impedidos de usufruir de direitos e recompensas instituídos pelas desigualdades de gênero, os homens não conseguem comprovar sua própria masculinidade, gerando sentimentos de humilhação e vergonha.

Ao não serem capazes de cumprir com suas tradicionais funções patriarcais, a crise na identidade masculina não afeta apenas os homens, mas se reflete também no conceito de família e na própria ideia de nação. Por sentirem que seus direitos estão sendo prejudicados, os homens têm procurado retomar o ideal de masculinidade, e, para isso, buscam retomar o controle de corpos e mentes, como veremos na próxima seção.

Reações à sensação de direito perdido

A sensação de emasculação e privação de direitos considerados ancestrais dos homens, intensificada pela percepção de serem eles os perdedores do processo de globalização, tem ocasionado reações políticas e sociais incontestáveis. O sucesso eleitoral de partidos conservadores de feição nacionalista e religiosa e de movimentos antifeministas, anti-imigração, antiglobalização, anti-LGBTQIA+ e em defesa da família e de valores tradicionais são as faces mais visíveis dessa objeção dos homens às mudanças na estrutura de gênero. É nesse sentido que Kovats; Pöim (2015), afirmam que as questões de gênero têm sido a “cola simbólica” que unifica discursos e ações desses partidos e movimentos que objetivam recolocar a identidade masculina no centro da organização e do poder social.

Essas reações, que tendem a associar família, nação e fé, têm provocado instabilidades democráticas e recuos importantes em políticas de direitos humanos, assim como aconteceu durante o Governo de Jair Bolsonaro. Percebendo-se como vítimas, os homens se veem impedidos de expressar o que consideram ser a “verdadeira masculinidade” levando à preponderância masculina no apoio aos movimentos de extrema-direita. Essa prevalência está relacionada ao discurso que afirma que, uma vez no poder, tais movimentos e partidos possibilitariam que os homens revivessem e expressassem uma suposta masculinidade perdida.

Mesmo que partidos e movimentos de extrema-direita façam parte do cenário político internacional contemporâneo, a recessão econômica de 2008 tem sido apontada como o marco temporal de seu ressurgimento (Brown, 2019; Creig, 2019; Cornwall; Karioris; Lindsfarne, 2016), provocada sobretudo pela sensação de insegurança subjacente à instabilidade de estruturas sociais tradicionais, como classe social, família e religião. Inseguras e temerosas por perder direitos e privilégios, as pessoas, principalmente os homens, têm sido atraídas por discursos da extrema-direita. Responsabilizando as elites econômicas, a política tradicional e a atuação de grupos sociais minoritários pela crise econômica, política e moral, o mal-estar masculino e seus medos e ansiedades estão sendo transformados em discurso e estratégia político-eleitoral.

Como a intenção é devolver aos homens o que julgam pertencer a eles como direito natural e divino, o renascimento da extrema-direita pode ser entendido como parte do movimento que promove políticas de identidade masculinista na intersecção de gênero, classe social, religião, etnia, nacionalidade e sexualidade. Como resultado dessa perspectiva, a utilização de discursos que traduzem sentimentos de medo (de migrantes, de feministas, de pessoas LGBTQIA+, de políticas progressistas), de raiva (contra as elites econômicas), de solidariedade (de “nós” contra “eles”) e de amor (ao país, às tradições, à religião) acabam atraindo a atenção masculina. A extrema-direita, ao canalizar e transformar esses sentimentos, oferece uma narrativa que recria a imagem da masculinidade heroica que protege as mulheres, a família, a religião e a nação de influências consideradas prejudiciais, que podem vir tanto de grupos nacionais ou internacionais.

Essa fórmula, apesar das particularidades nacionais, alcançou o poder em países como o Brasil, Estados Unidos, Turquia, Índia, Filipinas, Rússia e países que formavam a ex-União Soviética, além do antigo comunista do Leste Europeu, e tem conquistado parte significativa do eleitorado na Europa Ocidental e na América Latina. Esses governos não desvalorizam apenas as mulheres (seja na composição de seus governos e nas políticas públicas), mas também inferiorizam tudo aquilo que é considerado feminino, numa evidente transformação da misoginia como estratégia de governo ( Kaul, 2021KAUL, Nitasha. The Misogyny of authoritarians in contemporary democracies. International Studies Review, v. 1, n. 27, 2021, pp.1-27. ).

Por outro lado, os ambientes virtuais da internet têm se transformado num espaço cada vez mais amplo de produção e disseminação de críticas violentas às políticas de igualdade de gênero. Os ativistas pelos direitos dos homens têm estabelecido uma extensa rede de organizações hospedada em perfis nas redes sociais, em blogs, fóruns na deepweb , comunidades e subculturas interconectadas, formando um grupo de ações mais extremas do que as anteriores (Ging, 2019). Para o autor, o elemento comum dessa rede mundial de misoginia, conhecida como manosfera , é a filosofia da pílula vermelha (em alusão ao filme Matrix ), que tem como objetivo conscientizar os homens do perigo do feminismo e das políticas de inclusão destinadas às pessoas LGBTQIA+. Reunindo incels (contração de involuntary celibates ), gamers, coaches e conselheiros sexuais que ensinam táticas para seduzir mulheres (como o MGTOW - Homens Fazendo Seu Próprio Caminho, em sua sigla em inglês), esses grupos promovem uma campanha de vingança contra as mulheres, às políticas progressistas de inclusão de modo geral, às pessoas LGBTQIA+ e até aos “machos alfa”, que os privam de sucesso sexual.

Fora dos ambientes virtuais, esses grupos passaram a se articular internacionalmente a partir da década de 1990, quando a Organização das Nações Unidas começou a incluir, nos debates sobre políticas de direitos humanos, as discussões sobre igualdade de gênero. A Comissão de Direitos Humanos da entidade, que tem servido de base para que denúncias de violência estatal contra pessoas LGBTQIA+ sejam efetivadas, tem produzido uma série de resoluções, monções e orientações que buscam instituir uma política contrária às discriminações de orientação sexual e identidade de gênero. Por causa da movimentação política de organizações internacionais de promoção da cidadania LGBTQIA+ nos organismos internacionais, a aliança formada pelo Vaticano, por países governados por partidos/coalizões/movimentos conservadores cristãos, por países islâmicos e por organizações religiosas tem se mostrado fortemente contrários às nossas demandas, como atentam Terto e Souza (2015)TERTO, Ângela P.; SOUZA, Pedro H. N. De Stonewall à Assembleia Geral da ONU: reconhecendo os direitos LGBT. Monções. v.3, n.6. 2015, pp.120-148. , Levitsky & Ziblatt (2018)LEVITSKY, Steven; ZIBLATT, Daniel. Como as democracias morrem. Rio de Janeiro, Zahar, 2018. , Rodrigues et al. (2021)RODRIGUES, Gilberto et al. Desconstrução dos Direitos Humanos na Política Externa Brasileira. In: MARINGONI, Gilberto; SCHUTTE, Giorgio R; BERRINGER, Tatiana (org.) Relações internacionais num mundo em transformações. As bases da política externa bolsonarista. Santo André, Editora da UFABC, 2021, pp.89-99. , por exemplo.

Esta aliança acusa o movimento LGBTQIA+ de promover políticas que podem influenciar, prejudicar e ameaçar o desenvolvimento das crianças; de exigir tratamento privilegiado em detrimento de outros grupos sociais minoritários; de atentarem contra a liberdade religiosa por tratar concepções de fé como discursos de ódio e de promoverem um estilo de vida pecaminoso que coloca a sociedade em risco.

Particularmente no Brasil, a ofensiva conservadora continua provocando impactos na definição de políticas públicas, principalmente no campo da educação, dos direitos humanos e da saúde, especialmente no debate sobre direitos sexuais e reprodutivos e na política de enfrentamento à violência contra pessoas LGBTQIA+ nas instituições de ensino. Dessa forma, as propostas de criação do dia do orgulho heterossexual são apenas uma entre inúmeras estratégias utilizadas por parlamentares ligados a esses grupos conservadores, para questionarem e impedirem o avanço de políticas sociais destinadas a essa população, como veremos a seguir.

Ofensiva em defesa da heterossexualidade

Apesar das diferentes formatações, um Projeto de Lei expressa a necessidade de criação do ornamento jurídico que rege a vida social, econômica, política, etc. No Brasil, a Constituição Federal atribui aos poderes executivos e legislativos municipais, estaduais e federal as prerrogativas de criação de leis, além de incluir as iniciativas populares. Entretanto, para além da necessidade meramente jurídica, os Projetos de Lei expressam ideologias, valores e visões de mundo. Nesse sentido, as proposições com o objetivo de criação do Dia do Orgulho Heterossexual serão analisadas a partir da segunda premissa.

O conjunto das proposições que serviram de corpus para esse trabalho foi reunido a partir de levantamento realizado primeiramente nos portais virtuais e oficiais do Congresso Nacional, das Assembleias Legislativas estaduais e da Câmara Legislativa do Distrito Federal. Posteriormente, incluíram-se os portais das Câmaras Municipais das capitais estaduais, totalizando 55 sites pesquisados. Entretanto, nem todos os portais disponibilizavam o acesso aos arquivos legislativos e por essa razão, optou-se por enviar mensagens via e-mail, além de realizar contatos telefônicos com os setores responsáveis pelo registro das atividades legislativas. Por fim, com a intenção de verificar se propostas semelhantes foram apresentadas em cidades do interior, não foi possível utilizar a mesma estratégia de levantamento em virtude do grande de número de municípios no Brasil (mais de 5.500) e devido às dificuldades de acesso às informações nos portais legislativos locais. Em decorrência desse fator, utilizou-se também a busca em portais de notícias e no Google .

Após essa fase, foram identificados dezessete PLs, assim distribuídos: dois apresentados no Congresso Nacional; sete PLs apresentados em Assembleias Legislativas (Bahia, Ceará, Distrito Federal, São Paulo, Paraíba e dois apresentados no Rio de Janeiro), sete PLs apresentados em Câmaras Municipais de capitais estaduais (Belém, Cuiabá, Fortaleza, Goiânia, dois projetos apresentados no Rio de Janeiro e São Paulo) e um PL em Câmara Municipal de cidade do interior (Arraial do Cabo/RJ), conforme tabela abaixo.

PL AUTOR(A) PARTIDO ANO LOCAL STATUS 01 294 Carlos Apolinário PDT 2005 Cidade de São Paulo Arquivado 02 1672 Eduardo Cunha MBD 2011 Câmara Federal Arquivado 03 267 Ciro Albuquerque PTC 2011 Fortaleza Arquivado 04 1085 Carlos Bolsonaro PP 2011 Cidade do Rio de Janeiro Arquivado 05 026 Fabrício Vargas MDB 2011 Arraial do Cabo Aprovado 06 3254 Fábio Silva PR 2014 Estado do Rio de Janeiro Arquivado 07 21018 Pastor Isidório AVANTE 2015 Estado da Bahia Arquivado 08 820 Cezinha Madureira PSD 2015 Estado de São Paulo Arquivado 09 1269 Jimmy Pereira e outros PRTB 2015 Cidade do Rio de Janeiro Arquivado 10 2391 Sargento Silvano PSD 2017 Belém Arquivado 11 1813 Rodrigo Delmasso PRB 2017 Distrito Federal Tramitando 12 925 Pastor Isidório AVANTE 2019 Câmara Federal Tramitando 13 5119 Alana Passos PSL 2021 Estado do Rio de Janeiro Tramitando 14 3324 Wallber Virgolino PATRIOTAS 2021 Estado da Paraíba Tramitando 15 519 Ten. Coronel Pacolla PATRIOTAS 2021 Cuiabá Arquivado 16 619 Ronilson Reis PODEMOS 2021 Goiânia Tramitando 17 04 André Fernandes PL 2022 Estado do Ceará Tramitando

A primeira iniciativa foi apresentada pelo vereador paulistano Carlos Apolinário, em 2005, chegando a ser aprovada em plenário pelo conjunto de vereadores e contando inclusive com o apoio do prefeito Gilberto Kassab, que pretendia sancionar a lei. Entretanto, ele foi obrigado a vetá-la devido às inúmeras reações do movimento LGBTQIA+ e de outros movimentos sociais e políticos. A segunda iniciativa, dessa vez em nível federal, foi proposta pelo Deputado Federal Eduardo Cunha, mas foi considerada inconstitucional e, portanto, foi arquivada. Essas duas iniciativas pioneiras inspiraram a maior parte dos projetos apresentados desde então e, por essa razão, em catorze deles, o terceiro domingo de dezembro foi indicado como o dia ser comemorado o orgulho de ser heterossexual.

Apesar das polêmicas que envolveram esses PLs, nenhum deles obteve êxito, com exceção do projeto apresentado pelo vereador Fabrício Vargas, de Arraial do Cabo – RJ. Sua proposição foi aprovada pelo plenário da Câmara Municipal, em 2011, sendo sancionada pelo prefeito Wanderson Cardoso de Brito (MDB) tornando-se, até o momento, a única iniciativa relacionada que se transformou em lei no Brasil. Entretanto, ainda tramitam os PLs apresentados na Câmara Municipal de Goiânia, na Câmara Legislativa do Distrito Federal, nas Assembleias Legislativas do Ceará, do Rio de Janeiro e da Paraíba e o PL do Deputado Federal Pastor Isidoro.

Na próxima seção, apresentamos os resultados obtidos a partir da análise realizada nas justificativas dos projetos apresentados.

Por Deus, em defesa da família, da natureza e da espécie humana

A análise de conteúdo realizada nos projetos de lei seguiu os parâmetros estabelecidos por Krippendorf, sendo realizada em três estágios, e contou com a utilização do software NVivo para tratamento dos dados. No primeiro estágio, foi realizado o processo de codificação com objetivo de transformar os dados brutos em unidades que permitem uma descrição exata das características pertinentes do conteúdo. Após a leitura inicial dos projetos de lei, destacaram-se os argumentos utilizados pelos parlamentares para expressar os motivos e as justificativas de sua apresentação. Esses trechos destacados receberam códigos, de forma a exemplificar uma mesma ideia. Ao final deste primeiro estágio, obteve-se uma lista de códigos descritivos que serviram de base para o segundo estágio da análise de conteúdo, que consiste na categorização. Seu objetivo é transformar os códigos descritivos em categorias abstratas, que expressam tipos de relações conceituais. Posteriormente, os dados obtidos foram confrontados com a fundamentação teórica que sustenta este trabalho. Dessa forma, com base no percurso metodológico, as argumentações dos autores dos PLs foram agrupadas em três grandes categorias: defesa da família tradicional; defesa de valores morais e religiosos; e heterossexualidade em risco.

Defesa da família tradicional: Ao partirem de um ponto de vista criacionista e de complementaridade biológica entre homens e mulheres, os parlamentares consideram as relações heterossexuais como primordiais para a perpetuação da espécie humana e por essa razão, nos PLs analisados, os parlamentares associam orgulho heterossexual à família tradicional. Para o Deputado Federal Pastor Isidório, por exemplo, a família tradicional é considerada como a base formadora da sociedade e a heterossexualidade, por ele definida como a única natural e de acordo com os desígnios de Deus são argumentos utilizados para justificar a criação do dia do orgulho heterossexual. Conforme o deputado, a inclusão do orgulho heterossexual nos calendários oficiais se justificaria porque “[...] nós queremos ter a nossa opção pela família de DEUS sendo alardeada com orgulho. HOMEM + MULHER = FILHOS” (PL nº 21018/2015). Já a justificativa do PL nº 267/2011, de autoria do vereador Ciro Albuquerque, utiliza o discurso da maioria versus minoria para a criação do dia do orgulho heterossexual, uma vez que sua intenção é “homenagear, com muito orgulho e de forma oficial, os heterossexuais, grande da população” (PL nº 267/2011).

A ofensiva conservadora dissemina o discurso de que a família tradicional está sob ataque do movimento LGBTQIA+ e do movimento feminista, e exigem que o Estado promova políticas que reafirmem a família como fundamento da sociedade. Para o vereador Ciro Albuquerque, por exemplo, que caracteriza a família como a “união de pessoas por laços sanguíneos”, o Dia do Orgulho Heterossexual tem o objetivo de defender a família do que ele denomina “modernidades”. Em sua justificativa, o vereador afirma que “a autonomia financeira das mulheres além de provocar o aumento do número de divórcios impede que elas assumam suas responsabilidades domésticas” (PL nº 267/2011). Ainda segundo o vereador por Fortaleza, essa data serviria para “rever os conceitos de família e o papel dentro dela uma vez que os pais priorizam outras atividades”. Já para o Deputado Distrital Rodrigo Dalmasso, o objetivo de sua proposição é de fortalecer a união entre homens e mulheres e a valorização da família. Por isso, criar uma data para “as pessoas que fizeram opção pela família serviria para que elas se orgulhassem de sua condição e para não se envergonharem de serem heterossexuais” (PL nº 1813/2017). Por considerarem as pessoas LGBTQIA+ como “fora dos padrões normais da sociedade”, como expresso nos textos do PLs apresentados pelo do vereador Carlos Apolinário (PL nº 294/2005) e do Deputado Estadual Cezinha Madureira (PL nº 820/2015), a intenção de instaurar o Dia do Orgulho Heterossexual, segundo o Deputado Federal Eduardo Cunha, é “salvaguardar direitos e garantias aos heterossexuais de se orgulharem e não serem discriminados por isso” (PL nº 1672/2011).

Defesa de valores cristãos: A moralidade cristã atravessa as justificativas analisadas, identificadas pelas referências bíblicas e a Deus, ao criacionismo e às identidades religiosas dos parlamentares, cujos perfis oficiais na internet e nas redes sociais foram base para a realização do levantamento. A partir dele, identificamos que todos os parlamentares são membros de igrejas evangélicas de diferentes denominações, com exceção do vereador carioca Carlos Bolsonaro, que é católico. Em suas justificativas, alegam que os serem humanos foram criados por Deus e que a sociedade brasileira é regida por princípios cristãos. Além disso, afirmam que seus PLs objetivam manter os “padrões éticos, morais e religiosos”, como assevera o Deputado Federal Pastor Sargento Isidório que segundo ele, se “nada for feito, os heterossexuais sentirão vergonha de manifestarem a natureza de Deus” (PL nº 1295/2019).

Nesse mesmo sentido, para o vereador Carlos Bolsonaro, sua intenção ao propor a inclusão do dia do orgulho heterossexual no calendário oficial carioca foi de homenagear “os padrões de afetividade responsáveis pela existência de nós no planeta” (PL nº 1085/2011), numa evidente alusão ao criacionismo. A questão religiosa ainda pode ser observada no PL de autoria do vereador Ciro Albuquerque, que alega que “as igrejas estão unidas em defesa da família” (PL 267/2011). Por outro lado, mesmo que os vereadores Jimmy Pereira, Alexandre Isquierdo e Eliseu Kessler afirmassem que suas motivações não possuem conotação religiosa, eles defendem a ideia criacionista ao afirmarem que “no início, foram criados o homem e a mulher” (PL nº 1269/2015), partindo da ideia de que a heterossexualidade é primordial para a continuidade da espécie. Por fim, o Deputado Federal Pastor Isidório, em seu PL, afirma que a criminalização da homofobia seria uma afronta a cláusulas pétreas da liberdade religiosa e que as pessoas heterossexuais “precisam se orgulhar de sua biologia natural e divina” (PL nº 1295/2019).

Heterossexualidade em risco: Essa terceira categoria é uma estratégia discursiva utilizada amplamente pelos parlamentares evangélicos, que, apesar de afirmarem que defendem o “livre arbítrio para a escolha de opções sexuais” (como observado nos PLs nº 1672/2011; PL 026/2011; 21018/2015; 2391/2017; 925/2019; 519/2021; 619/2021 e 04/2022), recorrem, em seus projetos, ao artigo 5º da Constituição Federal - que estabelece o princípio da igualdade jurídica - para afirmarem que os direitos e políticas específicos da população LGBTQIA+ são por eles considerados privilégios. Nessa perspectiva, as políticas sociais destinadas a essa parcela da população transformaria a mesma numa “classe especial”, porque supostamente exigem direitos “que sequer os heteros tem”, como expressa o vereador Carlos Apolinário (PL nº 294/2005). Para ele, as pessoas que defendem a família tradicional são atacadas pelo politicamente correto, pela mídia e pelo movimento LGBTQIA+, e, por isso, ele afirma que são “os homossexuais que discriminam” e que, “por não respeitarem os padrões de convívio social, usam de violência contra as pessoas que não concordam com seu estilo de vida”. Seguindo o mesmo padrão, o Deputado Eduardo Cunha afirma que “os heterossexuais foram transformados em reacionários pela mídia” e que “o debate sobre o direito das pessoas LGBTQIA+ trouxe como consequência o surgimento do preconceito contra as pessoas heterossexuais” (PL nº 1672/2011).

Por essa razão, segundo os parlamentares, o movimento LGBTQIA+ tem promovido o estímulo à homossexualidade e, por conta dessa suposta apologia, coloca a sociedade em risco. O Deputado distrital rodrigo Delmasso (PL n 1812/2017), a Deputada Estadual Alana Passos (PL 5119/2021) e o Deputado Federal Eduardo Cunha (PL 1672/2011) afirmam “o estímulo à ideologia gay supera o combate ao preconceito”. Além disso, como sugere o PL nº 925/2019 do Deputado Federal Pastor Isidório, as propostas de criminalização da homobilesbotransfobia provocariam “derramamento de sangue por colocar homos x heteros”, evidenciando o caráter beligerante de sua proposta. Por acreditarem que são as pessoas LGBTQIA+ que discriminam as pessoas heterossexuais e que as primeiras precisam aprender a respeitar a sociedade para então serem respeitadas, os PLs do vereador Carlos Apolinário (PL nº 294/2005) e do Deputado Estadual Cezinha Madureira (PL nº 820/2015) defendem que o dia do orgulho heterossexual seria uma forma de resistência diante do que identificam como “ditadura gay”. Não por coincidência, das dezessete proposições identificadas, dezesseis foram propostas por parlamentares homens.

Conclusão

A intenção das ações de promoção do orgulho LGBTQIA+ é fazer um contraponto à ideia de vergonha e invisibilidade. A heterossexualidade, ao ser definida como modelo a ser seguido, e sendo a orientação sexual considerada “natural e divina”, estigmatiza e marginaliza as pessoas LGBTQIA+, colocando-as numa situação de fragilidade social, política e econômica. Por essa razão, as políticas públicas destinadas a promover direitos a essa população possuem um caráter de empoderamento que se opõe à ideia de inferiorização e segregação. Nesse sentido, as iniciativas parlamentares analisadas neste trabalho distorcem a ideia de orgulho, uma vez que pessoas heterossexuais não têm suas vidas e histórias invisibilizadas, não sofrem preconceito ou discriminação por conta de sua orientação sexual e nem sofrem qualquer tipo de violência por conta dela.

Da mesma forma, os Projetos de Lei, ao relacionarem argumentos de base moral e religiosa como justificativa para criação do dia do orgulho heterossexual, não afrontam apenas a laicidade do Estado, que, em tese, deve garantir tratamento jurídico igualitário a todas as pessoas; os PLs também desconsideram a opressão, discriminação e marginalização enfrentadas historicamente pela comunidade LGBTQIA+. O esforço desses parlamentares consiste em manter as coisas exatamente como estão, reforçando normas morais, em vez de promover a equidade e a inclusão de todas as orientações sexuais, num sinal evidente da ofensiva conservadora e da hostilidade com que estes parlamentares tratam as questões relacionadas à nossa comunidade.

Como forma de enfrentar o preconceito e a violência contra essa população, durante o Governo Lula (2003-2010), iniciativas como as Conferências LGBTQIA+, o Programa Brasil sem Homofobia e o Plano Nacional de Direitos Humanos foram instituídas, mas sofreram forte oposição de setores conservadores e religiosos, principalmente após o golpe sofrido pela Presidenta Dilma Rousseff. Articulados em frentes parlamentares em Câmaras Municipais, em Assembleias Legislativas e no Congresso Nacional, esses parlamentares aqui citados, apesar de suas diferenças políticas, ideológicas e teológicas, uniram-se para impedir que as ações de promoção de direitos e visibilidade destinadas às pessoas LGBTQIA+ sejam implementadas.

Apesar dos inquestionáveis avanços conquistados em várias partes do mundo, é preciso enfatizar que, em setenta e um países, existem leis que criminalizam as pessoas LGBTQIA+ e, em quinze deles, elas podem ser condenadas à morte, de acordo com o Relatório de 2020 da ILGA (International Lesbian, Gay, Bissexual, Trans e Intersex Association). E, mesmo nos países em que direitos foram conquistados (com maior ou menor amplitude), há hoje forte e articulado movimento internacional formado principalmente por grupos religiosos, conservadores e nacionalistas que se opõem às nossas reivindicações por direitos fundamentais. A situação do Brasil é ainda mais preocupante, porque há anos é o país com maior número de assassinatos de pessoas LGBTQIA+ no mundo, atingindo particularmente o segmento transgênero, conforme Benevides (2022)BENEVIDES, Bruna G. Dossiê Assassinatos e violências contra travestis e transexuais brasileiras em 2022. Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais). Brasília, Distrito Drag/Antra, 2022. .

Nesse sentido, as proposições para a criação do dia do orgulho heterossexual no país expressam como as questões de gênero têm sido reinterpretadas e ressignificadas pelos setores conservadores e como eles têm agido para manter a ordem de gênero patriarcal. Uma vez que algumas dessas iniciativas continuam em tramitação, as próximas pesquisas sobre esse tema podem revelar se elas prosperaram ou não. Após a finalização desta pesquisa, o Deputado Estadual Cristiano Caporezzo (PL-MG) apresentou projeto com o mesmo objetivo na Assembleia Estadual de Minas Gerais, em julho de 2023. Além disso, acompanhar a movimentação política da nova direita evangélica ( Fonseca, 2019FONSECA, Alexandre B. Discursos evangélicos de uma nova direita cristã à brasileira. In: GALLEGO, Esther S. (org.). Brasil em colapso. São Paulo, Editora UNIFESF, 2019. ) é imprescindível, não apenas para as pessoas LGBTQIA+, mas para todas as pessoas defensoras dos direitos humanos, uma vez que as proposições políticas desse grupo de parlamentares invariavelmente representam retrocessos.

Referências bibliográficas

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  • ARRAIAL DO CABO. Câmara Municipal PL nº 026/2011. Dispõe sobre a criação do Dia do Orgulho Heterossexual no município de Arraial do Cabo.
  • BAHIA. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 21081/2015. Institui o “Dia Estadual do Orgulho Heterossexual”, a ser comemorado no 3º domingo de dezembro.
  • BELÉM. Câmara Municipal. Processo nº 2391/2017. Inclui o Dia do orgulho heterossexual no calendário do município de Belém e dá outras providências.
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 925/2019. Institui o “Dia Nacional do Orgulho Heterossexual”, a ser comemorado anualmente no terceiro domingo de dezembro.
  • BRASIL. Câmara dos Deputados. Projeto de Lei nº 1672/2011. Institui o “Dia do Orgulho Heterossexual”, a ser comemorado no terceiro domingo de dezembro.
  • CEARÁ. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 04/2022. Institui o Dia do Orgulho Hetero no calendário oficial do Estado do Ceará.
  • CUIABÁ. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 519/2021. Institui o Dia do Orgulho Hetero no calendário oficial do município de Cuiabá.
  • DISTRITO FEDERAL. Câmara Legislativa. Projeto de Lei nº 1813/2017. Institui a Semana de Difusão da Cultura Heterossexual.
  • FORTALEZA. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 267/2011. Dispõe sobre a criação do Dia do Orgulho Heterossexual na Cidade de Fortaleza que será comemorado no dia 08 de dezembro, a data em que homenageia as famílias brasileiras.
  • GOIÂNIA. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 619/2021. Institui e Inclui no calendário do município de Goiânia o “Dia do Orgulho Hetero” a ser comemorado anualmente no terceiro domingo de dezembro.
  • RIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 5119/2021. Altera a Lei nº 5.645, de 6 de janeiro de 2010, incluindo no calendário oficial do Estado do Rio de Janeiro o “Dia do orgulho hetero”.
  • RIO DE JANEIRO. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 1269/2015. Inclui o Dia do Orgulho Hetero no calendário oficial da cidade consolidado pela lei nº 5.146/2010.
  • RIO DE JANEIRO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 3254/2014. Inclui no anexo da consolidação das datas comemorativas do Estado do Rio de Janeiro, o Dia do orgulho heterossexual, a ser comemorado no terceiro domingo de dezembro.
  • RIO DE JANEIRO. Câmara Municipal Projeto de Lei nº 1085/2011. Altera a Lei nº 5.146 de 07 de janeiro de 2010, para incluir o “Dia do orgulho heterossexual” no calendário oficial de eventos e datas comemorativas da Cidade do Rio de Janeiro.
  • SÃO PAULO. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei nº 820/2015. Institui, no Estado de São Paulo, o Dia do Orgulho Heterossexual, e dá outras providências.
  • SÃO PAULO. Câmara Municipal. Projeto de Lei nº 294/2005. Institui, no Município de São Paulo o Dia do Orgulho Heterossexual, e dá outras providências.
  • PARAÍBA. Assembleia Legislativa. Projeto de Lei Ordinária nº 3324/2021. Dispõe sobre a criação do Dia do Orgulho Heterossexual no âmbito da Paraíba.
  • 1
    Utiliza-se, nesse artigo, a sigla LGBTQIA+ para fazer referência ao movimento formado pelas pessoas lésbicas, gays, bissexuais, transexuais, queer, intersexuais, assexuais e demais identidades e orientações sexuais consideradas dissidentes da heterossexualidade.
  • 2
    Em 1969, as pessoas LGBTQIA+ que frequentavam o bar Stonewall Inn , na cidade de Nova Iorque, cansadas das inúmeras e violentas batidas policiais, revidaram e iniciaram uma rebelião que se estendeu por três dias. Liderada por draq queens e transexuais, a rebelião de Stonewall é considerada o marco histórico de fundação política do movimento LGBTQIA+.
  • 3
    No original: “una configuración de la práctica en torno a la posición de los hombres en la estructura de las relaciones de género" Connell (1997CONNELL, Raewyn W. La organización social de la masculinidade. In: VALDÉS, Teresa; OLAVARRIA, José (org.). Masculinidad/es Poder y Crisis. Santiago de Chile, Isis Internacional/Flacso Chile, 1997.: 8).
  • 4
    No original [...] “this work was, it was seen to provide skilled knowledge, the material benefits of regular pay, stability, security and a ‘job for life” ( Nayak, 2006NAYAK, Anoop. Displaced Masculinities: Chavs, Youth and Class in the Post-industrial City. Sociology, v.40, n.5, 2006, pp.813-831.: 814).
  • 5
    No original: [...] “a series of social and subjective redefinitions of the public and private functions of men and the traditional roles assigned to them, which gave rise to the stereotypes of masculinity in our society are being questioned” (Jiménez-Guzmán, 2016:95).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    17 Ago 2022
  • Aceito
    18 Set 2023
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