Acessibilidade / Reportar erro

Evidências de validade e fidedignidade do Teste de Fala Comprimida com Figuras

RESUMO

Objetivo

Buscar evidências de validade e fidedignidade para o Teste de Fala Comprimida com Figuras.

Método

O estudo foi subdividido em três etapas: validação de construto, critério e fidedignidade. Todos os participantes tinham idade entre 6:00 e 8:11. Para o construto, aplicou-se o Fala Comprimida com Figuras e o teste padrão ouro Fala Comprimida Adaptado em crianças com desenvolvimento fonológico típico. Para análise de critério, aplicou-se o Fala Comprimida com Figuras em dois grupos, com desenvolvimento fonológico típico (G1) e atípico (G2). Por fim, os protocolos de aplicação passaram pela análise de duas Fonoaudiólogas, com experiência na área do Processamento Auditivo Central, buscando obter uma análise de fidedignidade interavaliadores.

Resultados

O teste de correlação indicou um construto quase perfeito (Rho=0,843 para orelha direita e Rho=0,823 para orelha esquerda). Na análise de critério, percebeu-se que ambos os grupos apresentaram resultados satisfatórios (G1 = 99,6 a 100%; G2 = 96 a 96,5%). Já a análise de fidedignidade demonstrou que o protocolo é de fácil análise, pois ambos os profissionais apresentaram respostas unânimes.

Conclusão

Foi possível obter evidências de validade e fidedignidade para o instrumento de Fala Comprimida com Figuras. A análise de construto evidenciou que o instrumento mede a mesma variável que o teste padrão outro, com correlação quase perfeita. Na análise de critério, ambos os grupos apresentaram desempenho semelhante, demonstrando que o instrumento não parece diferenciar populações com e sem transtorno fonológico leve. A análise de fidedignidade interavaliador demonstrou que o protocolo é de fácil análise e pontuação.

Descritores:
Validade dos Testes; Criança; Fala; Percepção Auditiva; Transtornos da Percepção Auditiva

ABSTRACT

Purpose

To seek evidence of validity and reliability for the Compressed Speech Test with Figures.

Methods

The study was subdivided into three stages: construct validation, criteria and reliability. All participants were aged between 6:00 and 8:11. For the construct, Compressed Speech with Figures and the gold standard Adapted Compressed Speech test were applied to children with typical phonological development. For criterion analysis, Compressed Speech with Figures was applied in two groups, with typical (G1) and atypical (G2) phonological development. Finally, the application protocols underwent analysis by two Speech Therapists, with experience in the area of Central Auditory Processing, seeking to obtain an inter-evaluator reliability analysis.

Results

The correlation test indicated an almost perfect construct (correlation 0.843 for the right ear and 0.823 for the left ear). In the criterion analysis, it was noticed that both groups presented satisfactory results (G1 = 99.6 to 100%; G2 = 96 to 96.5%). The reliability analysis demonstrated that the protocol is easy to analyze, as both professionals presented unanimous responses.

Conclusion

It was possible to obtain evidence of validity and reliability for the Compressed Speech with Figures instrument. The construct analysis showed that the instrument measures the same variable as the gold standard test, with an almost perfect correlation. In the criterion analysis, both groups presented similar performance, demonstrating that the instrument does not seem to differentiate populations with and without mild phonological disorder. The inter-evaluator reliability analysis demonstrated that the protocol is easy to analyze and score.

Keywords:
Test Validity; Child; Speech; Auditory Perception; Auditory Perception Disorders

INTRODUÇÃO

O Processamento Auditivo Central (PAC) refere-se a um conjunto de habilidades específicas das quais o sujeito depende para compreender o que ouve(11 Dillon H, Cameron S. Separating the causes of listening difficulties in children. Ear Hear. 2021;42(5):1097-108. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069. PMid:34241982.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
). Mais especificamente, o PAC é a construção feita com base no sinal auditivo, visando tornar a informação útil, não podendo ser resumido apenas na percepção do som, mas também na identificação, localização, atenção, análise, memorização e recuperação da informação(22 Katz J, Wilde L. Desordens do processamento auditivo. In: Katz J. Tratado de audiologia clínica. 4. ed. São Paulo: Manole; 1999. p. 486-98.).

Para avaliar as habilidades do PAC são necessários diferentes testes comportamentais, que simulam situações desafiadoras do cotidiano. A bateria completa deve ser composta por testes monoaurais de baixa redundância, dicóticos, processamento temporal e testes de interação binaural(33 Martins JH, Alves M, Andrade S, Falé I, Teixeira A. Auditory processing disorder test battery in European Portuguese: development and Normative Data for Pediatric Population. Audiology Res. 2021;11(3):474-90. http://dx.doi.org/10.3390/audiolres11030044. PMid:34562882.
http://dx.doi.org/10.3390/audiolres11030...
).

Nos testes monoaurais de baixa redundância, categoria alvo deste estudo, ocorre uma redução extrínseca do sinal de fala, por meio da modificação de frequência, tempo e intensidade. Entretanto, até então, todos os testes padronizados dessa categoria exigiam respostas verbais(44 Rabelo CM. Processamento Auditivo: Teste de fala comprimida em português em adultos normo-ouvintes. [tese]. Universidade de São Paulo; 2004.), o que se tornou um obstáculo na avaliação dessa habilidade auditiva em crianças com transtorno dos sons da fala, por exemplo, visto que não era possível decifrar se o erro advinha da falta de discriminação do som ou por uma produção de fala ininteligível. Assim, entendeu-se a necessidade da construção de um novo teste, com base em figuras(55 Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.).

A elaboração de um instrumento em qualquer área da saúde exige uma imersão na Psicometria, para analisar se o mesmo realmente mede o que se propõe e se suas respostas são confiáveis(66 Echevarria-Guanilo ME, Gonçalves N, Romaniski PJ. Propriedades psicométricas de instrumentos de medidas: bases conceituais e métodos de avaliação - parte I. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1600017. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0311.
http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-...
). A literatura internacional ainda enfatiza que somente após estudos de validade e de fidedignidade os materiais devem ser disponibilizados para uso, seja na prática clínica ou científica(77 Kirk C, Vigeland L. A psychometric review of norm-referenced tests used to assess phonological error patterns. Lang Speech Hear Serv Sch. 2014;45(4):365-77. http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-0053. PMid:25091265.
http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-...
).

Sendo assim, após a etapa de elaboração do teste(55 Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.), como sugerem os estudos psicométricos, o instrumento foi aplicado em uma amostra piloto, demonstrando-se de fácil e rápida aplicabilidade. Assim, o objetivo desse estudo foi dar continuidade ao processo de validação do instrumento de Fala Comprimida com Figuras(55 Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.), buscando evidências de validade de critério, construto e fidedignidade em crianças com desenvolvimento fonológico típico e transtorno fonológico.

MÉTODO

Aspectos éticos

Este estudo possui caráter quantitativo e transversal. O mesmo seguiu todos os preceitos éticos conforme a resolução 510/16 do Conselho Nacional de Saúde. As coletas iniciaram após a aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa, sob o número 5.197.934, o qual exigia que todos os participantes assentissem a participação voluntária e assinassem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) ou Termo de Assentimento, no qual, continham informações sobre os procedimentos realizados, riscos, benefícios e confidencialidade dos dados da pesquisa. Todas as avaliações foram realizadas no Ambulatório de Audiologia de uma instituição de ensino superior.

Participantes e procedimentos

A amostra total foi composta por 30 sujeitos, de ambos os sexos, com idade entre 6:00 e 8:11, os quais foram recrutados por conveniência. A faixa-etária foi selecionada com base em estudos que consideram o transtorno fonológico até os nove anos de idade, sendo denominado erro residual de fala após tal período(88 Alexandre PD, Beber BC, Dias RF. Erros Residuais de Fala - estudo preliminar sobre características dos sistemas fonético/fonológico em falantes do Português Brasileiro. Distúrb Comun. 2020;32(4):649-57. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2020v32i4p649-657.
http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.202...
), assim como, os estudos que sugerem a investigação precoce das habilidades auditivas centrais como fator preditivo para o desenvolvimento da fala(11 Dillon H, Cameron S. Separating the causes of listening difficulties in children. Ear Hear. 2021;42(5):1097-108. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069. PMid:34241982.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
,99 Sahlén B, Brännström KJ, Lyberg Åhlander V, Rudner M. Children listen: psychological and linguistic aspects of listening difficulties during development. Front Psychol. 2020;11:584034. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584034. PMid:33192912.
http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584...
). Os sujeitos passaram pelos seguintes procedimentos:

1) Inspeção visual do meato acústico externo, por meio do otoscópio da marca Mikatos;

2) Audiometria Tonal Liminar e Logoaudiometria, utilizando o Audiômetro da marca Interacoustics, modelo AD229e;

3) Medidas de Imitância Acústica, por meio do Imitanciômetro da marca Interacoustics, modelo AT235;

4) Avaliação Miofuncional Orofacial com Escore (AMIOFE)(1010 Felício CM, Folha GA, Gaido AS, Dantas MMM, Azevedo-Marques PM. Protocolo de avaliação miofuncional orofacial com escores informatizado: usabilidade e validade. CoDAS. 2014;26(4):322-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140021. PMid:25211692.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014...
), buscando identificar alterações dos órgãos fonoarticulatórios e das funções do sistema estomatognático que pudessem interferir na produção correta dos sons;

5) Instrumento de Avaliação Fonológica (INFONO)(1111 Ceron MI, Gubiani MB, Oliveria CR, Keske-Soares M. Instrumento de Avaliação Fonológica (INFONO): estudo piloto. CoDAS. 2020;32(4):e20190105. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019105. PMid:32756856.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2020...
), buscando analisar a presença de transtorno fonológico, por meio da aplicação da etapa de nomeação de figuras.

Todas as crianças deveriam apresentar limiares auditivos dentro dos padrões de normalidade bilateralmente, isto é, 15 dB até os sete anos de idade(1212 Northern JL, Downs MP. Hearing in children. USA: Lippincott Williams & Wilkins; 2002.) e até 20 dB para idades superiores(1313 WHO: World Health Organization [Internet]. Prevention of blindness and deafness. Geneva: WHO; 2020 [citado em 2020 Mai 28]. Disponível em: http://www.who.int/publications-detail/basic--ear-and-hearing-care-resource
http://www.who.int/publications-detail/b...
); Logoaudiometria compatível com os limiares de audibilidade; curvas timpanométricas tipo A, isto é, ponto máximo de compliância ocorre entre +100 e -100 daPa e a amplitude entre 0,3 e 1,6 ml(1414 Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002. PMid:5455571.
http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970....
); reflexos acústicos contralaterais presentes nas frequências de 0,5, 1, 2 e 4 kHz bilateralmente; normalidade no Exame Miofuncional Orofacial(1010 Felício CM, Folha GA, Gaido AS, Dantas MMM, Azevedo-Marques PM. Protocolo de avaliação miofuncional orofacial com escores informatizado: usabilidade e validade. CoDAS. 2014;26(4):322-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140021. PMid:25211692.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2014...
). Sujeitos que apresentaram alterações neurológicas e/ou psicológicas evidentes, desvio fonético, malformações e síndromes congênitas orofaciais foram excluídos da amostra. Cabe ressaltar que todas as avaliações foram realizadas em um único dia, levando cerca de 1 hora e 30 minutos, cada.

O resultado do INFONO foi determinante para a distribuição da amostra. O Grupo 1 (G1) foi composto por 22 crianças com desenvolvimento fonológico típico, as quais responderam aos testes de Fala Comprimida Adaptado (FCA)(1515 Folgearini JS, Goulart LLA, Silva DD, Vellozo FF, Mezzomo CL, Garcia MV. Teste de fala comprimida: adaptação e validação. Rev CEFAC. 2016;18(6):1294-301. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161861816.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
), padrão ouro, e Fala Comprimida com Figuras (FCF)(55 Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.). Já o Grupo 2 (G2) foi composto por oito crianças com desenvolvimento fonológico atípico, que responderam apenas ao teste FCF, devido ao transtorno de fala.

O Quadro 1 apresenta a descrição dos participantes quanto ao sexo e à idade.

Quadro 1
Descrição da amostra quanto a sexo e idade

O estudo foi realizado em três etapas: 1. Validação de construto; 2. Validação de critério; 3. Fidedignidade. O Quadro 2 apresenta a descrição dos participantes e critérios de seleção para cada etapa da pesquisa.

Quadro 2
Descrição dos participantes e critérios de seleção

O teste FCA(1515 Folgearini JS, Goulart LLA, Silva DD, Vellozo FF, Mezzomo CL, Garcia MV. Teste de fala comprimida: adaptação e validação. Rev CEFAC. 2016;18(6):1294-301. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161861816.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161...
) consiste na apresentação de duas listas com 25 palavras dissílabas, cada, de modo monoaural, comprimidas em 60% do tempo. A criança foi orientada a repetir a palavra ouvida aceleradamente, do modo que entendesse. Já o teste FCF(55 Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.), apesar de possuir a mesma estrutura, isto é, duas listas com 25 palavras dissílabas cada, com compressão de tempo em 60%, possui o apoio de material visual para que a criança, ao invés de repetir as palavras ouvidas, possa apontar a imagem que a representa. Portanto, durante a aplicação, a criança permaneceu com o livreto de imagens em mãos para que pudesse responder ao teste. Ambos os testes foram aplicados com intensidade de 40 dB NS, apresentação monoaural, após calibração do audiômetro AD229e, utilizando fones supra-aurais.

Como supracitado, inicialmente, foi realizada a análise de construto com base nas respostas do G1, por meio de uma comparação entre FCA e FCF. Para tanto, foi realizada uma análise de correlação de Spearman.

Posteriormente, realizou-se a análise de critério através da comparação entre G1 e G2 no teste FCF. Foi realizada uma análise de normalidade para as variáveis FCF OD (%) e FCF OE (%) por meio do teste de Kolmogorov-Smirnov, o qual rejeitou a hipótese (p = 0,001). Portanto, as variáveis foram comparadas através do teste não-paramétrico de Wilcoxon.

Ainda, após realização dos testes, os protocolos de aplicação passaram pela análise de duas Fonoaudiólogas, com experiência na área do PAC, buscando obter uma análise de fidedignidade interavaliadores. Todos os dados foram armazenados e analisados através do software estatístico SPSS v.22, sendo considerados resultados significativos p ≤ 0,05.

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta um resumo das variáveis analisadas quanto à validade de construto. As variáveis FCA orelha direita (OD) e FCF OD apresentaram-se positiva e fortemente correlacionadas (Rho=0,843; p ≤0,001), bem como FCA orelha esquerda (OE) e FCF OE (Rho=0,823; p ≤0,001). Portanto, é possível inferir que os instrumentos avaliam a mesma variável, carregando uma correlação quase perfeita e excelente validade de construto.

Tabela 1
Correlação entre os Testes de Fala Comprimida Adaptado e Fala Comprimida com Figuras por orelha

Para análise de critério, é importante salientar que não houve associação entre o sexo e os grupos com desenvolvimento fonológico típico e atípico, G1 e G2, respectivamente (p=0,341). Cabe ressaltar ainda que todas as crianças apresentaram transtorno fonológico de grau leve.

A Tabela 2 apresenta a comparação do desempenho entre os grupos no teste FCF. É possível observar que em ambos os grupos, o teste não apontou diferença significativa entre os percentuais de OD e OE. Isso demonstra que o instrumento não parece diferenciar populações com e sem transtorno fonológico leve, isto é, ambos os grupos têm desempenho semelhante. No entanto, percebe-se que o G2 apresenta média de acertos um pouco menor que o G1.

Tabela 2
Descrição e comparação de desempenho entre os grupos com desenvolvimento fonológico típico (G1) e atípico (G2)

Na análise de fidedignidade interavaliador não foi possível aplicar testes estatísticos de comparação, visto que a pontuação dos protocolos realizados pelos avaliadores foram 100% compatíveis. Isso demonstra que o protocolo é de fácil análise e pontuação.

DISCUSSÃO

A união dos estudos de linguagem e PAC trouxe grandes ganhos para os profissionais e pacientes das áreas(11 Dillon H, Cameron S. Separating the causes of listening difficulties in children. Ear Hear. 2021;42(5):1097-108. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069. PMid:34241982.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
,99 Sahlén B, Brännström KJ, Lyberg Åhlander V, Rudner M. Children listen: psychological and linguistic aspects of listening difficulties during development. Front Psychol. 2020;11:584034. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584034. PMid:33192912.
http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584...
,1616 Marchetti PT, Dalcin LM, Balen AS, Mezzomo CL. Processamento auditivo temporal e os traços distintivos de crianças com transtorno fonológico. Rev CEFAC. 2022;24(3):e2022. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/20222432022s.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2022...
). É possível visualizar o aumento no número de estudos que comprovam que a produção de uma fala inteligível depende tanto das capacidades de programação e execução motora, como também da habilidade de processar os paradigmas do processo acústico. Sendo assim, percebe-se a existência de uma íntima relação entre a percepção acústica e a produção dos sons da fala. Hoje é claro que o atraso nas etapas de maturação das habilidades auditivas podem ser um fator preditivo dos transtornos no desenvolvimento da fala e da linguagem oral, por isso a importância de avaliá-las precocemente(11 Dillon H, Cameron S. Separating the causes of listening difficulties in children. Ear Hear. 2021;42(5):1097-108. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069. PMid:34241982.
http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000...
,99 Sahlén B, Brännström KJ, Lyberg Åhlander V, Rudner M. Children listen: psychological and linguistic aspects of listening difficulties during development. Front Psychol. 2020;11:584034. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584034. PMid:33192912.
http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584...
,1616 Marchetti PT, Dalcin LM, Balen AS, Mezzomo CL. Processamento auditivo temporal e os traços distintivos de crianças com transtorno fonológico. Rev CEFAC. 2022;24(3):e2022. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/20222432022s.
http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/2022...
).

Um recente estudo(1717 Luís C, Abrantes A, Oliveira C, Alves M, Martins JH. Desenvolvimento e validação de conteúdo de um Programa de Intervenção em Processamento Auditivo para crianças em idade escolar. CoDAS. 2023;35(1):e20210146. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20212021146pt. PMid:36327393.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2021...
) serve como base para compreender que nos dias atuais, obrigatoriamente, os procedimentos adotados em um processo de construção e validação devem ser rigorosos e baseados em evidências científicas. A literatura internacional(77 Kirk C, Vigeland L. A psychometric review of norm-referenced tests used to assess phonological error patterns. Lang Speech Hear Serv Sch. 2014;45(4):365-77. http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-0053. PMid:25091265.
http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-...
,1818 Mcleod S, Verdon S. A review of 30 speech assessments in 19 languages other than English. Am J Speech Lang Pathol. 2014;23(4):708-23. http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJSLP-13-0066.
http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJSLP-13-...
) aponta como essencial que instrumentos utilizados para fins de diagnóstico passem por estudos psicométricos de validade e fidedignidade e, sugerem, que somente após esses estudos, devem ser disponibilizados para uso.

Em 2004, Rabelo elaborou o Teste de Fala Comprimida para o português brasileiro, devido a impossibilidade de avaliar a habilidade auditiva de fechamento com compressão de tempo no Brasil(44 Rabelo CM. Processamento Auditivo: Teste de fala comprimida em português em adultos normo-ouvintes. [tese]. Universidade de São Paulo; 2004.). Como supracitado, o teste foi amplamente utilizado na prática clínica e em pesquisas científicas, porém, tornou-se um grande dilema a aplicação em sujeitos com transtorno de fala, devido a exigência de respostas verbais. Portanto, o presente estudo buscou, após etapa de validação de conteúdo, realizar validação de construto e critério, assim como, análise fidedignidade para liberar o instrumento ao meio científico e possibilitar novos estudos sobre o tema.

A validade de construto está relacionada ao grau em que um instrumento está medindo o construto de interesse. Essa validade é a mais complexa e difícil de ser determinada, uma vez que estuda o grau em que as pontuações da medida se relacionam com outras pontuações de construtos conceitualmente relacionados(1919 Polit DF, Yang FM. Measurement and the measurement of change. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2016.). No presente estudo, fez-se uso da validade convergente, isto é, aplicação de teste de correlação entre as medidas do instrumento proposto e um teste padrão ouro (Tabela 1). Assim, pode-se inferir que o instrumento realmente avalia o que se propõe, devido à forte correlação entre o novo instrumento e o teste já existente.

Já a validade de critério busca verificar se o instrumento realmente é capaz de detectar alterações(1919 Polit DF, Yang FM. Measurement and the measurement of change. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2016.). A comparação entre os resultados do Fala Comprimida com Figuras nos grupos com desenvolvimento fonológico típico e atípico demonstrou que até mesmo crianças com transtorno fonológico leve obtiveram resultados satisfatórios (Tabela 2). Acredita-se que a falta de relação estatisticamente significante pode ser explicada, em parte, pela constituição do grupo de sujeitos avaliados. Na amostra não houve variação na gravidade do transtorno fonológico, tendo todas as crianças apresentado um sistema pouco alterado.

Além disso, o teste em análise apresenta um grande diferencial em relação aos já existentes, o material visual de apoio, normalmente compreendido como um instrumento mais fácil (conjunto fechado). Um estudo de adaptação que realizou todas as etapas de validade e fidedignidade sugeriu que o seu protocolo em conjunto fechado fosse aplicado quando os indivíduos obtivessem baixo desempenho na aplicação em conjunto aberto, já enfatizando também essa diferença entre os materiais(2020 Araújo MEB, Lima MCO, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Adaptation of the Brazilian Functional Auditory Performance Indicators - Short Version. CoDAS. 2021;33(1):e20190261. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019261. PMid:33886746.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2020...
). Portanto, entende-se como uma limitação do presente estudo a aplicação em apenas uma amostra de crianças com baixa dificuldade, sendo necessário o uso do instrumento em outras populações, com diferentes graus de transtorno fonológico e até mesmo outras patologias associadas.

Ademais, um instrumento é considerado fidedigno quando reproduz de forma consistente os resultados aplicados em diferentes ocasiões ou por diferentes avaliadores, representando uma das principais propriedades de medida. Sendo assim, o presente estudo utilizou como base a análise interavaliador. Alguns estudos(2020 Araújo MEB, Lima MCO, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Adaptation of the Brazilian Functional Auditory Performance Indicators - Short Version. CoDAS. 2021;33(1):e20190261. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019261. PMid:33886746.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2020...
,2121 Ceron MI, Gubiani MB, Oliveira CR, Keske-Soares M. Evidence of validity and reliability of a phonological assessment tool. CoDAS. 2018;30(3):e20170180. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017180. PMid:29972445.
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/2018...
) também consideraram fundamental analisar a vulnerabilidade do instrumento às fontes de erro, que constituem ameaças à validade do teste. O presente estudo, assim como os estudos supracitados, apresentou resultados unânimes entre os avaliadores e, portanto, confiáveis.

Assim, seguindo os preceitos psicométricos, foi possível finalizar as etapas de validação de construto, validação de critério e análise de fidedignidade. As autoras sugerem que, em futuros estudos, o instrumento seja aplicado em diferentes amostras com diferentes graus de transtorno fonológico, patologias e grupos pareados, a fim de qualificar e analisar suas respostas.

CONCLUSÃO

Foi possível obter evidências de construto, de critério e de fidedignidade para o instrumento de Fala Comprimida com Figuras. A análise de construto evidenciou que o instrumento mede a mesma variável que o teste padrão ouro, com correlação quase perfeita. Na análise de critério, ambos os grupos apresentaram desempenho semelhante, demonstrando que o instrumento não parece diferenciar populações com e sem transtorno fonológico leve. Já a análise de fidedignidade demonstrou que o protocolo é de fácil análise e pontuação.

  • Trabalho realizado na Universidade Federal de Santa Maria - UFSM - Santa Maria (RS), Brasil.
  • Fonte de financiamento: nada a declarar.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Dillon H, Cameron S. Separating the causes of listening difficulties in children. Ear Hear. 2021;42(5):1097-108. http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069 PMid:34241982.
    » http://dx.doi.org/10.1097/AUD.0000000000001069
  • 2
    Katz J, Wilde L. Desordens do processamento auditivo. In: Katz J. Tratado de audiologia clínica. 4. ed. São Paulo: Manole; 1999. p. 486-98.
  • 3
    Martins JH, Alves M, Andrade S, Falé I, Teixeira A. Auditory processing disorder test battery in European Portuguese: development and Normative Data for Pediatric Population. Audiology Res. 2021;11(3):474-90. http://dx.doi.org/10.3390/audiolres11030044 PMid:34562882.
    » http://dx.doi.org/10.3390/audiolres11030044
  • 4
    Rabelo CM. Processamento Auditivo: Teste de fala comprimida em português em adultos normo-ouvintes. [tese]. Universidade de São Paulo; 2004.
  • 5
    Sanguebuche TR. Teste de Fala Comprimida com Figuras: construção e validação do instrumento [doutorado]. Universidade Federal de Santa Maria; 2023.
  • 6
    Echevarria-Guanilo ME, Gonçalves N, Romaniski PJ. Propriedades psicométricas de instrumentos de medidas: bases conceituais e métodos de avaliação - parte I. Texto Contexto Enferm. 2017;26(4):e1600017. http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0311
    » http://dx.doi.org/10.1590/1980-265x-tce-2017-0311
  • 7
    Kirk C, Vigeland L. A psychometric review of norm-referenced tests used to assess phonological error patterns. Lang Speech Hear Serv Sch. 2014;45(4):365-77. http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-0053 PMid:25091265.
    » http://dx.doi.org/10.1044/2014_LSHSS-13-0053
  • 8
    Alexandre PD, Beber BC, Dias RF. Erros Residuais de Fala - estudo preliminar sobre características dos sistemas fonético/fonológico em falantes do Português Brasileiro. Distúrb Comun. 2020;32(4):649-57. http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2020v32i4p649-657
    » http://dx.doi.org/10.23925/2176-2724.2020v32i4p649-657
  • 9
    Sahlén B, Brännström KJ, Lyberg Åhlander V, Rudner M. Children listen: psychological and linguistic aspects of listening difficulties during development. Front Psychol. 2020;11:584034. http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584034 PMid:33192912.
    » http://dx.doi.org/10.3389/fpsyg.2020.584034
  • 10
    Felício CM, Folha GA, Gaido AS, Dantas MMM, Azevedo-Marques PM. Protocolo de avaliação miofuncional orofacial com escores informatizado: usabilidade e validade. CoDAS. 2014;26(4):322-7. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140021 PMid:25211692.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/201420140021
  • 11
    Ceron MI, Gubiani MB, Oliveria CR, Keske-Soares M. Instrumento de Avaliação Fonológica (INFONO): estudo piloto. CoDAS. 2020;32(4):e20190105. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019105 PMid:32756856.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019105
  • 12
    Northern JL, Downs MP. Hearing in children. USA: Lippincott Williams & Wilkins; 2002.
  • 13
    WHO: World Health Organization [Internet]. Prevention of blindness and deafness. Geneva: WHO; 2020 [citado em 2020 Mai 28]. Disponível em: http://www.who.int/publications-detail/basic--ear-and-hearing-care-resource
    » http://www.who.int/publications-detail/basic--ear-and-hearing-care-resource
  • 14
    Jerger J. Clinical experience with impedance audiometry. Arch Otolaryngol. 1970;92(4):311-24. http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002 PMid:5455571.
    » http://dx.doi.org/10.1001/archotol.1970.04310040005002
  • 15
    Folgearini JS, Goulart LLA, Silva DD, Vellozo FF, Mezzomo CL, Garcia MV. Teste de fala comprimida: adaptação e validação. Rev CEFAC. 2016;18(6):1294-301. http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161861816
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-021620161861816
  • 16
    Marchetti PT, Dalcin LM, Balen AS, Mezzomo CL. Processamento auditivo temporal e os traços distintivos de crianças com transtorno fonológico. Rev CEFAC. 2022;24(3):e2022. http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/20222432022s
    » http://dx.doi.org/10.1590/1982-0216/20222432022s
  • 17
    Luís C, Abrantes A, Oliveira C, Alves M, Martins JH. Desenvolvimento e validação de conteúdo de um Programa de Intervenção em Processamento Auditivo para crianças em idade escolar. CoDAS. 2023;35(1):e20210146. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20212021146pt PMid:36327393.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20212021146pt
  • 18
    Mcleod S, Verdon S. A review of 30 speech assessments in 19 languages other than English. Am J Speech Lang Pathol. 2014;23(4):708-23. http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJSLP-13-0066
    » http://dx.doi.org/10.1044/2014_AJSLP-13-0066
  • 19
    Polit DF, Yang FM. Measurement and the measurement of change. Philadelphia: Wolters Kluwer; 2016.
  • 20
    Araújo MEB, Lima MCO, Carvalho WLO, Brazorotto JS. Adaptation of the Brazilian Functional Auditory Performance Indicators - Short Version. CoDAS. 2021;33(1):e20190261. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019261 PMid:33886746.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20202019261
  • 21
    Ceron MI, Gubiani MB, Oliveira CR, Keske-Soares M. Evidence of validity and reliability of a phonological assessment tool. CoDAS. 2018;30(3):e20170180. http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017180 PMid:29972445.
    » http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017180

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    15 Mar 2023
  • Aceito
    20 Jun 2023
Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia Al. Jaú, 684, 7º andar, 01420-002 São Paulo - SP Brasil, Tel./Fax 55 11 - 3873-4211 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@codas.org.br