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Da paixão do conhecimento ao eterno retorno* * Tradução de Maurício Uzêda de Faria

From the Passion of Knowledge to the Eternal Return

Resumo:

O primeiro fragmento em que Nietzsche menciona o seu pensamento do eterno retorno é conhecido por sua grande obscuridade. Propomo-nos neste artigo a contribuir com a gênese filosófica desse pensamento, localizando-o no contexto da filosofia experimental a partir de Aurora e identificando os liames entre esse fragmento e os textos que o precedem a partir de 1880. O pensamento do eterno retorno parece então se apoiar sobre uma outra representação da realidade, resultante do que Nietzsche chama “a paixão do conhecimento”, noção que ele reivindica constantemente e que inaugura a filosofia da afirmação.

Palavras-chave:
eterno retorno; paixão do conhecimento; filosofia da afirmação; criação de valores; Versuch

Abstract:

The first fragment in which Nietzsche refers to the eternal recurrence is known for its obscurity. In this paper, we intend to contribute to the philosophical genesis of this thought, by contextualizing it in the experimental philosophy since Dawn and by determining the links between this fragment and the previous texts since 1880. Therefore, the idea of eternal recurrence appears to be based on a different representation of reality, resulting from what Nietzsche calls “the passion of knowledge”, a crucial notion that introduces his philosophy of affirmation.

Keywords:
eternal recurrence; passion of knowledge; philosophy of affirmation; creating values; Versuch

O pensamento do eterno retorno aparece pela primeira vez em um fragmento bem conhecido datado do mês de agosto de 1881.1 1 NF/FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494. Referimo-nos frequentemente a esse texto como um tipo de memorial pascal, devido ao entusiasmo que Nietzsche demonstra com a descoberta desse pensamento e do qual sua correspondência testemunha, mas sobretudo devido ao relato retrospectivo que fez dele em Ecce HomoNIETZSCHE, F. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras , 1995.:

Contarei agora a história do Zaratustra. A concepção fundamental da obra, o pensamento do eterno retorno, a mais elevada forma de afirmação que se pode em absoluto alcançar, é de agosto de 1881: foi lançado em uma página com o subescrito: “seis mil pés acima do homem e do tempo”. Naquele dia eu caminhava pelos bosques perto do lago de Silvaplana; detive-me junto a um imponente bloco de pedra em forma de pirâmide, pouco distante de Surlei. Então veio-me esse pensamento” (EH/EH, Por que escrevo tão bons livros, ZA, 1, KSA 6.335).

Esse relato parece sugerir que o pensamento do retorno, “concepção fundamental” de Assim falou Zaratustra2 2 O que é atestado, por exemplo, pelo fato de que o primeiro plano esboçado às pressas para o Zaratustra segue de perto o aparecimento do eterno retorno. Ver NF/FP 1881, 11 [195-197], KSA 9.519, datado de 26 de agosto de 1881. , teria ocorrido como uma forma de revelação mística, independentemente da vontade e das orientações filosóficas de seu autor. É preciso, no entanto, precaver-se da impressão buscada por esse relato. Se há uma revelação, ela parece mais próxima da inspiração poética do que da experiência religiosa, como Nietzsche sugere algumas linhas depois em Ecce HomoNIETZSCHE, F. Ecce homo: como alguém se torna o que é. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras , 1995., como para advertir o leitor a não interpretar mal sua encenação [mise en scène].3 3 EH/EH, Por que escrevo tão bons livros, ZA, 3, KSA 6.339: “— Alguém, no final do século XIX, tem nítida noção daquilo que os poetas de épocas fortes chamavam inspiração? Se não, eu o descreverei. — Havendo o menor resquício de suprestição dentro de si, dificilmente se saberia afastar a ideia de ser mera encarnação, mero porta-voz, mero medium de forças poderosíssimas. A noção de revelação, no sentido de que subitamente, com inefável certeza e sutileza, algo se torna visível, audível, algo que comove e transtorna no mais fundo, descreve simplesmente o estado de fato”. Por outro lado, o pensamento do eterno retorno não surgiu por acaso no seio do questionamento nietzschiano. É possível fazer a gênese, identificar as fontes das diferentes leituras filosóficas e científicas desse período, como já foi minuciosamente feito.4 4 Cf. P. D’Iorio, 1995, s. 62-123. Sobre a relação de Nietzsche com as ciências de seu tempo, Cf. principalmente T. Brobjer; G. Moore, 2004. É importante também situar essas primeiras análises em uma pesquisa intensa que pode ser constatada desde os anos 1880 e 1881, acompanhando o percurso de Nietzsche de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004. a A gaia ciênciaNIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.. Propomo-nos, no presente artigo, a contribuir para essa contextualização filosófica do surgimento do pensamento do eterno retorno, examinando os vínculos entre a primeira versão do pensamento do retorno e uma noção que adquire uma importância crescente durante esse período, a paixão do conhecimento (die Leidenschaft der Erkenntnis).5 5 Em algumas páginas de um estudo já publicado, havíamos sugerido a importância da noção de paixão do conhecimento para o eterno retorno, mas sem aprofundá-la suficientemente nem estudá-la por ela mesma. Cf. A. Fillon, 2019, p. 255-273. O presente artigo é sua retificação e aprofundamento. Esse esforço de contextualização permite desfazer a ilusão retrospectiva de uma inspiração tão repentina quanto inesperada, esclarecer o significado deste obscuro fragmento 11[141], e também compreender mais precisamente as questões que não cessam de acompanhar este pensamento, principalmente sua relação com a doutrina da “afirmação mais elevada que se pode alcançar”, da qual o eterno retorno pretende ser a fórmula e o instrumento.

Versuch e paixão do conhecimento entre Aurora e A Gaia Ciência

Als Versucher” (JGB/BM 42, KSA 5.59)

AuroraNIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004. se distingue particularmente das obras anteriores de Nietzsche por sua exigência de ir além da análise crítica das apreciações morais que estruturam as formas da vida humana. A partir desse período, a criação de novos valores e a busca dos instrumentos práticos para torná-la possível tornam-se o horizonte primordial do filósofo.6 6 Essa tarefa permanece urgente nos textos póstumos até o aparecimento do eterno retorno, cf. NF/FP 1881, 11 [76], KSA 9.470: “A mudança de estimativa de valor - é a minha tarefa”. Ela permanecerá primordial até os últimos textos de Nietzsche. É por isso que o quinto livro de Aurora, consagrado principalmente a essa nova orientação da filosofia, caracteriza principalmente o filósofo como Versucher7 7 Essa figura adquire uma importância primordial em Para além de bem e mal para determinar a natureza da filosofia do futuro. Pode-se considerar nesta obra que o Versucher é a figura intermediária entre o espírito livre e o ideal do filósofo legislador. Ver em particular Para além de bem e mal, § 42, § 205 e § 210. [experimentador]. O Versucher é, em primeiro lugar, um espírito livre, um espírito que pensa e sente de outra forma, que se libertou, graças à sua probidade, de crenças e preconceitos diversos, mas que transpõe na ordem da vida e da ação sua liberdade de espírito. Seu nome indica portanto que a filosofia não deve somente pensar de outra forma, se libertar de seus preconceitos e ser um exercício crítico; ela deve converter seu conhecimento novo em ação, fazendo experiências e tentativas sobre as apreciações de valores, que é a única maneira de criá-los. Um filósofo assim é desprovido da crença no caráter absoluto e incondicionado dos valores, e navega sem certezas. É um cético, mas animado por um ceticismo criador, um ceticismo que quer proceder às experiências, conforme será definido no § 51 de A gaia ciênciaNIETZSCHE, F. A gaia ciência. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.: “Eu elogio todo ceticismo ao qual posso responder: ‘Tentemos!’ Mas já não quero ouvir falar de todas essas coisas e questões que não permitem o experimento” (FW/GC 51, KSA 3.415). Essa disposição de espírito incita a fazer novas experiências, tentativas em múltiplas direções, acolhendo o risco de insucesso. Nietzsche o descreve ao mesmo tempo como homem do conhecimento e aventureiro, no que revela tudo o que a busca do conhecimento implica de incógnito, de exploração aventureira, e toda a coragem que ela exige. Essa imagem da experimentação e da exploração representa o trabalho de criação de valores. O filósofo deve multiplicar os métodos, os saberes, as experiências, para se desprender dos valores dominantes, guardar suficiente distância e lucidez diante deles, e avaliá-los, para então começar a experimentar os caminhos que se abrem a novas formas de viver. Nenhum método seguro, nenhum critério teórico pode definir previamente um bom caminho. Não se pode mais que avançar às apalpadelas, improvisar, fazer as experiências que podem se verificar fecundas ou decepcionantes. O §432 de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004. coloca nesse sentido o Versuch [experimento, ensaio] como o único método possível para essa tarefa prática: “Não existe um método da ciência que seja o único a levar ao saber! Temos que lidar experimentalmente com as coisas, sendo ora maus, ora bons para com elas e agindo sucessivamente com justiça, paixão e frieza em relação a elas. […] Como todos os conquistadores, descobridores, navegantes, aventureiros, nós, investigadores, somos de uma moralidade temerária, e temos que admitir ser considerados maus no conjunto (M/A 432, KSA 3.266).

O caráter experimental e incerto da criação de valores resulta igualmente do diagnóstico de Nietzsche sobre a modernidade. O niilismo constitui uma necessária derrocada dos juízos morais que eram até o presente dominantes nas culturas europeias, mas ele se compreende igualmente por uma total incerteza quanto às possíveis direções que essas culturas podem tomar em uma tal situação. A modernidade é um período transitório, um “interregno moral”, como a define o importante § 453 de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004.: nós não podemos mais viver segundo os antigos juízos morais, cujas fundações se revelaram equivocadas e estão ruindo por si mesmas, mas não conhecemos de maneira certa e prévia os valores que podem regular no futuro nossas formas de sentir, de agir e de pensar, nem o melhor modus operandi [mode opératoire] para estabelecê-las de maneira durável. Uma incerteza fundamental reina sobre a maneira como se deve “construir novamente as leis da vida e do agirˮ (M/A 453, KSA 3.274), e não existe outro meio, para se voltar em direção ao futuro, a não ser fazer tentativas, experiências sobre os procedimentos para estabelecer essas novas leis - o que supõe, para o filósofo, probidade (Redlichkeit) e coragem: “De modo que levamos uma existência provisória ou uma existência póstuma, conforme o gosto e o talento, e o melhor que fazemos, nesse interregno, é ser o máximo possível nossos próprios reges e fundar pequenos Estados experimentais. Nós somos experimentos: sejamo-lo de bom grado!ˮ (Idem). O Versuch define assim o único modus operandi possível para trabalhar pela instauração de novos valores. Ele implica que já se tenha abandonado a crença no caráter absoluto dos valores, e que se reconheça capaz de criar, de inventar as próprias apreciações, o que constitui a herança do espírito livre. É por isso que Nietzsche sistematicamente a elogia: “Os espíritos livres experimentam uma nova forma de vida, inestimável! Os homens morais deixariam o mundo estiar. As estações experimentais da humanidade” (NF/FP 1880, 1 [38], KSA 9.14).8 8 Cf. também KSA 9. 202, 313.

A paixão do conhecimento

Em um estudo fundamental,9 9 M. Brusotti, 1997a; 1997b, p. 199-225; K. Ansell-Pearson, 2018. Marco Brusotti também mostrou a importância da noção de “paixão do conhecimentoˮ para a compreensão da filosofia nietzschiana de AuroraNIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais. Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004. a Assim falava Zaratustra. Por trás dessa fórmula enigmática que redefine, em certo sentido, a ética do filósofo, esconde-se um conjunto de análises extremamente nuançadas e complexas sobre o estatuto axiológico e afetivo do conhecimento. Essas análises são decisivas para compreender o sentido das primeiras ocorrências do pensamento do eterno retorno.10 10 O que já ressaltou Brusotti, 1997a, p. 311-379. Este último só aparece, com efeito, no fragmento 11 [141], como procedente da paixão do conhecimento, como se constata na passagem seguinte, e é exatamente a transição de uma ao outro que é o verdadeiro objeto de análise de Nietzsche:

1. A incorporação dos erros fundamentais. 2. A incorporação das paixões. 3. A incorporação do saber e do saber renunciado (Paixão do conhecimento). 4. O inocente. O indivíduo como experimento. O aliviamento da vida, degradação, enfraquecimento - transição. 5. A novo peso: o eterno retorno do mesmo (KSA 9. 494).

Além da importância argumentativa dessa noção nessa passagem, sobre a qual retornaremos, é preciso também ressaltar que Nietzsche consagra um número considerável de análises a ela, de 1880 até algumas linhas que precedem esse texto, e, bem entendido, além dele. Com essa expressão enigmática, Nietzsche afirma sobretudo que o conhecimento é uma paixão, que ele contém uma atividade afetiva intensa indicando sua proveniência pulsional. Esse é o seu primeiro significado. O conhecimento revela que não é distinto das paixões, separável do mundo dos afetos de nossos corpos e de sua necessidade de crença, mas que é uma emanação de nossa atividade pulsional e que permanece submisso, como toda outra atividade humana, a seu modo de organização. Mas o que torna a explicação desses textos tão difícil é que eles concernem tanto ao conhecimento, como objeto de investigação crítica, quanto ao discurso nietzschiano em si mesmo, pois este último se reconhece, enquanto filósofo e espírito livre, animado desta paixão do conhecimento, - uma paixão à qual tudo é sacrificado, tão poderosa que ela mesma se toma por objeto de conhecimento enquanto paixão. É fundamental ter em mente que a ideia de paixão do conhecimento não concerne somente às análises sobre o instinto de conhecer da humanidade moderna, mas também sobre o Versuch do filósofo. A expressão “paixão do conhecimento” é com efeito sempre conotada positivamente durante esse período, e a filosofia experimental de Nietzsche a reivindica constantemente. Em um texto póstumo do período de Aurora, ele descreve, falando de sua própria experiência vivida, o paradoxo de uma tal paixão, ao mesmo tempo fonte de “beatitude” e de “angústia”:

Sopraram-me algo sobre a tranquilidade da felicidade do conhecimento - mas não a encontrei, e sim a detestei, agora que conheço a beatitude da infelicidade do conhecimento. Estou entediado? Sempre angustiado, sempre ansioso com a espera ou com a decepção! Abençoo esse infortúnio, o mundo se torna rico através dele! Nisso dou o passo lento e sorvo o doce amargo. Não mais quero conhecimento sem perigo: que para o pesquisador o mar seja sempre traiçoeiro, a montanha sempre impiedosa! (NF/FP 1880, 7 [165], KSA 9. 350).

A paixão do conhecimento se distingue do modo de vida ascético da vita contemplativa que caracteriza o velho ideal da filosofia. A busca do conhecimento não se orienta mais por uma concepção antiga de beatitude, uma ausência de perturbações e de paixões que seria alcançada uma vez que o intelecto estivesse plenamente livre do sensível e contemplasse a verdade. Ele vive, ao contrário, da maneira mais apaixonada11 11 Ibid., 6 [65], KSA 9.210: “Nas questões do espírito é grandioso aquele que, como grande exceção, sente fortemente as coisas do conhecimento e se comporta diante das coisas distantes como diante das próximas, de modo que elas lhe causam dor, estimulam a paixão, podem produzir grande elevação, em resumo que elas estão nele misturadas com os impulsos mais fortes. [...] Paixão por abstrações, e a incapacidade de tomar uma abstração por indiferente é o que faz o pensadorˮ. sua busca, mesmo que sofra e pereça por ela. Ele se nutre de sua vida afetiva, plena de desejos, de frustrações, de angústias, de derrotas e de vitórias. Uma vida orientada pelo conhecimento é uma vida de “perigo”, aventureira - e nós reconhecemos aqui, por trás dessa fórmula à primeira vista bem pouco nietzschiana, um espírito livre menos frio, menos crítico e mais fecundo que aquele de Humano, demasiado humano,12 12 Sobre a maneira como a paixão do conhecimento pode se constituir como uma estação entre a potência do espírito livre em Humano, demasiado humano e a alegria afirmativa de A gaia ciência, remetemos a Keith Ansell-Pearson, 2018, p. 63-87. Inegavelmente, se o exercício da fria probidade em Humano, demasiado humano era a garantia, para o espírito livre, de se libertar de todas as cadeias de diferentes crenças, é igualmente necessário, para garantir a incorporação de novos valores, fazer desta probidade uma paixão, e que ela consiga se reconhecer também como proveniente do mesmo mundo pulsional que coloca em evidência de maneira crítica, a fim que de que possa tornar possível a incorporação de seu saber criador. a encarnação do Versucher. Assim, a paixão do conhecimento é um exemplo mesmo de uma paixão nobre, que pode aparecer como louca, excessiva, inútil ao homem ordinário, como Nietzsche nos descreve no primeiro livro de A gaia ciência.13 13 Em particular nos § 2, 3 e 55.

A paixão do conhecimento como Versuch

Por trás dessa fórmula se encontra uma primeira tentativa da parte de Nietzsche de instaurar novos valores, uma experimentação de existência livre de apreciações morais, que se esforça para julgar quais valores podem surgir desde que se sacrifique toda sua existência à paixão do conhecimento, desde que a vida mesma se torne um meio para conhecer. Ela representa assim um período de busca ao mesmo tempo ativa e instável, que toma gradualmente a direção da afirmação, que tenta superar o ascetismo e o pessimismo das apreciações modernas, e que conhece muitas estações, muitas paradas que culminam na aparição do pensamento do retorno. Nosso fragmento 11 [141] define essa tentativa, esse Versuch, de maneira muito precisa como o esforço para saber “em que medida uma metamorfose do homem se produz desde que não se vive enfim mais que para conhecer.14 14 “Em suma: esperar até onde o saber e a verdade podem ser incorporar - e em que medida ocorre uma metamorfose do homem quando ele finalmente viva apenas para conhecer. - Esta é a consequência da paixão do conhecimento […]ˮ (KSA 9. 494). Essa experiência feita com a vida e o conhecimento se caracteriza por uma certa desmedida, até uma loucura, mas ela deve sempre se exercer com alegria.15 15 NF/FP 1882, 3 [1], KSA 10. 61: “A vida em função do conhecimento talvez seja algo louco: mas ainda é um signo de alegria. O homem dessa vontade pode ser visto como tão engraçado quanto um elefante que tenta ficar em pé pela cabeça. Não se deve, portanto, confundi-la de maneira caricatural com o idealismo do conhecimento,16 16 No § 123 de A gaia ciência, Nietzsche designa a paixão do conhecimento como uma paixão nova. A ciência se desenvolveu assim sem a necessidade dessa paixão. cujo ascetismo nega a vida, pois ela será, em A gaia ciência, a expressão de seu ideal antagonista, um poder de afirmação da vida pelo que ela é - como o § 324, um dos textos mais afirmadores de Nietzsche, sublinha com júbilo:

E o conhecimento mesmo: para outros pode ser outra coisa, um leito de repouso, por exemplo, ou a via para esse leito, ou uma distração, ou um ócio - para mim ele é um mundo de perigos e vitórias, no qual também os sentimentos heroicos têm seus locais de dança e de jogos. “A vida como meio de conhecimento” - com este princípio no coração pode-se não apenas viver valentemente, mas até viver e rir alegremente! E quem saberá rir e viver bem, se não entender primeiramente da guerra e da vitória (FW/GC 324, KSA 3. 552).

Em que essa nova paixão constitui uma primeira tentativa no horizonte da tarefa prática do filósofo? O conhecimento não é mais, na perspectiva do Versucher, uma consolação possível, uma tentativa de justificar a vida submetendo-a às categorias que a negam, consequentemente um meio ascético para suportar a existência; ele se põe, em razão de seu caráter passional, como fim da existência mesma. Ao fazê-lo, a vida se torna ela mesma meio de conhecimento, ou seja, um objeto de experimentação para o filósofo. Não se trata de negar a vida através das categorias da razão para tentar, de alguma maneira, viver, mas de tirar da vida uma experimentação radical, tentando formular as estimativas de valor e as transformações possíveis que ocorrem logo que se sacrifica tudo ao instinto de conhecimento e não se vive mais que para conhecer.

É possível, com razão, espantar-se com a escolha desse critério de experimentação, dado o perigo, potencialmente destrutivo, segundo Nietzsche, do instinto de conhecer. Ele pode ser compreendido, contudo, à luz do esforço nietzschiano para agir sobre a cultura do homem moderno e se ajustar à sua condição fisiológica. Se se busca modificar os julgamentos que influenciam nosso pensamento e nosso agir, falta ainda identificar os afetos fundamentais dos quais eles são a expressão, procurar conhecer a sua configuração, a fim de poder em seguida jogar com eles, quer dizer, ajustar-se a eles e produzir os efeitos capazes de transformá-los. De acordo essa questão crucial, numerosas análises identificam o instinto de conhecimento como o instinto dominante e estruturante do tipo do homem moderno. Se esse instinto pôde se desenvolver na história da cultura sem paixão, de maneira secundária, em compensação sua progressiva hipertrofia, sustentando o progresso das ciências, ele liberou essa paixão nova, que Nietzsche compartilha com seus contemporâneos. O §429 de Aurora analisa com precisão a predominância tirânica do instinto de conhecimento, tornado paixão primordial, assim como os perigos que daí podem resultar:

Mas nosso impulso ao conhecimento é demasiado forte para que ainda possamos estimar a felicidade sem conhecimento ou a felicidade de uma forte e firme ilusão; apenas imaginar esses estados é doloroso para nós! [...] O conhecimento, em nós, transformou-se em paixão que não vacila ante nenhum sacrifício e nada teme, no fundo, senão a sua própria extinção; nós acreditamos honestamente que, sob o ímpeto e o sofrimento dessa paixão, toda a humanidade tenha de acreditar-se mais sublime e consolada do que antes, quando ainda não havia superado a inveja do bem-estar grosseiro que acompanha a barbárie. E talvez até que a humanidade pereça devido a essa paixão do conhecimento! [...] Sim, odiamos a barbárie - preferimos todos o fim da humanidade ao retrocesso do conhecimento! E, afinal: se a humanidade não perecer de uma paixão, perecerá de uma fraqueza: o que é preferível? Eis a questão principal. Queremos para ela um final em luz e fogo ou em areia (M/A 429, KSA 3.264).

O europeu moderno é inteiramente dominado por seu impulso ao conhecimento; ele lhe sacrificará tudo, mesmo se esses sacrifícios desconhecidos colocam em perigo sua própria existência. Ele preferirá “o fim da humanidade ao retrocesso do conhecimento”. Nessa situação, o conhecimento se torna o único propósito da existência, e a vida, a humanidade mesma, torna-se o meio de alimentar o desencadeamento desse impulso.17 17 NF/FP 1880, 7 [171] KSA 9.352 : “Sim, pereceremos por essa paixão do conhecimento! Mas isso não é um argumento contra ela. Senão a morte seria um argumento contra a vida do indivíduo. Temos de perecer, como homem e como humanidade!”. Há algo de terrível no fato de que o conhecimento se torna a única paixão, um “fim trágicoˮ,18 18 NF/FP , 7 |302], KSA 9.381. em primeiro lugar na desmedida que demonstra, chegando a considerar a vida como um meio a seu serviço, mas de maneira mais estrutural, na impossibilidade radical de se satisfazer. Todo saber virá alimentar esse impulso, reforçá-lo, mas não preenchê-lo. O conhecimento não pode satisfazer seu desejo de apreender e possuir as coisas mesmas. Se a possibilidade de um conhecimento absoluto do real, ou mesmo de um simples conhecimento objetivo, é a expressão mesma do impulso de conhecer, a direção à qual tende é impossível, daí a alternativa trágica que ela abre entre a ilusão idealista segundo a qual “Ou tudo deve se dissolver em conhecimento ou ele se dissolve nas coisas - essa é sua tragédia (o último é sua morte e o páthos delaˮ (NF/FP 1881, 11 [69], KSA 9.467) e a morte. O conhecimento apaixonado do Versuch nietzschiano, por outro lado, tirou lições da crítica da vontade de verdade incondicional. Ele não procura mais reduzir o real a uma verdade absoluta; seu saber novo, procedente do mais radical ceticismo, caracteriza-se ao contrário pelo reconhecimento da resistência da realidade à lógica do conhecimento. Ele experimenta uma vida animada por sua probidade e sua curiosidade e capaz de “Mas estar em meio a essa rerum concordia discors [discordante concerto das coisas] e toda a maravilhosa incerteza e ambiguidade da existência” (FW/GC 2, KSA 3.374).

De uma imagem ideal da existência à outra: pensamento da morte e pensamento do eterno retorno

As imagens ideais da existência

Avaliemos melhor a audácia da tentativa de Nietzsche: trata-se, para o filósofo Versucher, de aprofundar até o extremo esta paixão do conhecimento que pode consumir o homem moderno, de radicalizá-la, a fim de ver que transformação do homem pode suceder. Desse ponto de vista, Nietzsche se esforça já, antes do pensamento do retorno, para radicalizar o niilismo, a fim de revertê-lo, para assumir até o fim o pessimismo do intelecto para ver se é possível formular um julgamento afirmativo sobre a existência.19 19 Ver o início do fragmento citado anteriormente que interroga a possibilidade de produzir uma vida afirmativa apesar do poder destrutivo da paixão do conhecimento que nega todos os fins da existência: “A paixão do conhecimento se vê como o fim da existência - se ela nega os fins, então ela se vê com o resultado mais valioso de todos os acasos. Ela negará esses valores? Ela não pode afirmar ser o mais alto prazer? Mas persegui-lo? Formar a criatura mais passível de prazer, como meio e tarefa dessa paixão? Aumentar os sentidos e o orgulho e a sede, etc. (NF/FP 1881, 11 [69], KSA 9.467). O que acontece se radicalizarmos a visão e as apreciações da existência resultantes do instinto de conhecer? Essa tentativa procura expressar, bem ou mal, a representação fundamental da existência do ponto de vista do instinto do conhecimento, a fim de jogar em seguida com ele, o que um texto deste período expressa claramente: “Mas, quando surge outro ideal, então a ciência tem de, novamente, se subordinar a ele. Eu tento descobrir os preconceitos fundamentais da ciência atual! Isto é a europeidade!ˮ (NF/FP 1880, 8 [63], KSA 9. 396). Essa passagem nos fornece uma pista importante concernente à paixão do conhecimento, e talvez ao destino do eterno retorno. Em todos os primeiros textos, o eterno retorno está decerto ligado, entre outros aspectos, aos debates cosmológicos do século XIX, mas igualmente à representação inconsciente que o instinto de conhecimento faz da vida. Trata-se, pelo menos por enquanto, de fazer experiências com os “preconceitos fundamentais da ciência atual”. Isto significa que a abordagem do filósofo se inscreve certamente no curso das ciências, não somente no nível dos conhecimentos científicos propriamente ditos, mas essencialmente em um nível mais profundo, mais oculto e inquestionado, o do instinto mesmo de conhecer. Nietzsche sublinha que, para formular esses julgamentos inconscientes sobre a existência, é preciso produzir um esforço de representação que ultrapasse as ciências e realce antes o poder de imaginação do pensamento. Trata-se, antes de tudo, do trabalho de uma força poética. Um fragmento típico desse período, que precede ligeiramente os primeiros textos do pensamento do retorno, descreve assim esse esforço:

- Todo nosso desenvolvimento antecipa uma imagem do ideal, um produto da fantasia: o verdadeiro desenvolvimento nos é desconhecido. Temos de criar essa imagem. A história do homem e da humanidade transcorre de forma desconhecida, mas o próprio desenvolvimento nos mostra as imagens ideais e sua história. A ciência não as pode criar, mas a ciência é o principal alimento desse impulso: receamos, a longo prazo, tudo o que é incerto, mentiroso; esse temor e esse asco fomentam a ciência. Aquele impulso poético deve descobrir, não fantasiar, descobrir, dos elementos reais, algo desconhecido: ele precisa da ciência, isto é, a soma do certo e do provável, para com esse material poder poetizar (NF/FP 1881, 11 [18], KSA 9.448).

Algumas linhas adiante, ele acrescenta: “As imagens da existência são as mais importantes até aqui - elas reinam sobre a humanidade” (NF/FP 1881, 11 [21], KSA 9.450). Esses textos colocam sempre em evidência a pregnância dos julgamentos de valores, mas descrevendo-os desta vez em uma lógica representativa, como quadros inconscientes, imagens ideais da existência que sintetizam nossa configuração pulsional, que projetamos sobre a realidade e aos quais nos conformamos, de maneira inconsciente, bem entendido. Parece então que Nietzsche se esforça, particularmente nesse período, para identificar uma imagem ideal da existência explorando a paixão do conhecimento, depois para produzir novas representações da mesma natureza, capazes de perturbar nossos juízos de gosto, reorientar a evolução do tipo europeu, imagens que descerram possíveis superações da modernidade. Deve-se compreender que o pensamento do retorno seria, segundo nossa interpretação, a imagem ideal que ele escolhe finalmente. É interessante notar que, para produzir dessa vez tais imagens ideais, é necessário nutrir-se das ciências, como o fez Nietzsche neste período de uma maneira desenfreada, mas esse trabalho continua sendo o de uma força artística de representação mais poderosa que a da pura teoria científica, uma força de representação que reúne as correntes, as linhas de força, como para “poetizá-laˮ, extrair dela um poema (dichten). Ao aprofundar os debates cosmológicos de seu tempo, Nietzsche parece se orientar inicialmente para uma forma de cosmologia poética, um quadro da realidade pintado por uma imaginação criadora que se nutre das ciências. Talvez ele volte a isso, quando escolher a maneira definitiva de formular na sua obra esse pensamento como uma ficção, em A gaia ciência e Assim falava Zaratustra.20 20 Cf. sobre esse aspecto A. Fillon, 2019, bem como um estudo a ser publicado em breve no Nietzsche-Studien, “La pensée de l’éternel retour: du discours à la doctrineˮ.

O pensamento da morte

Procuremos agora fornecer os contornos dessa imagem ideal resultante da paixão do conhecimento, que Nietzsche se esforça para extrair em diferentes textos póstumos, visivelmente com muitas dificuldades. Segue uma seleção, em ordem cronológica:

Aliás, perecemos por essa paixão. […] Chegamos, através da renúncia à ação, do ódio, do amor, ao caminho da paixão do conhecimento. O espectador sereno - até não ter mais o que ver! Desprezai-nos por isso, ativos! Contemplaremos vosso desprezo -: longe de nós, da humanidade, das coisas, do vir-a-ser -. (NF/FP 1880, 7 [171], KSA 9.352).

1. Queremos avaliar a existência real intelectualmente ou 2. avaliar moralmente: então algo aparece como rebaixado intelectualmente ou moralmente. E isso seria um asco de viver! Eliminemos portanto esses predicados do mundo! Também o indivíduo, como um todo, é tão estúpido e imoral quanto o resto do mundo, incluindo mesmo os melhores indivíduos! Portanto, ou perecer ou desaprender a elogiar e censurar. Os impulsos e seu desenvolvimento mostram enfim sua irracionalidade, eles se contradizem (na forma do intelecto que não gosta da existência), como a própria dor mostra. Nossa prudência brota da existência (NF/FP 1880, 10 [B37], KSA 9.420).

Ser indiferente ao resistir ao elogio ou à censura; Receita para isso. Ao contrário, oferecer para si um círculo que sabe de nossas metas e medidas e o que o elogio e a censura significam para nós (NF/FP 1881, 11 [1], KSA 9.441).

A vontade de conhecer as coisas com elas são - isso por si mesmo é um bom pendor […]. Aumento da indiferença! E para isso exercitar ver com outros olhos: exercício de ver objetivamente, sem relações humanas! Curar a megalomania humana! [...] Ao contrário, um olhar objetivamente neutro! A paixão por isso, apesar de toda consideração pessoal, apesar de toda verdade “agradável” ou desagradável, é o que é superior - por isso o mais raro até então! (NF/FP 1881, 11 [10], KSA 9.443).

Munir-se dos preconceitos de um morto - disso nenhum de nós se preocupa, nem para o sim nem para o não. Desaprender a se afastar da humanidade, desaprender as concupiscências de todos os gêneros: e utilizar o excedente de força no espectador. Ser o espectador invisível! (NF/FP 1881, 11 [35], KSA 9.454).

A indiferença! Uma coisa não nos importa, sobre isso devemos pensar, como nós gostamos daquilo que não tem utilidade e desvantagem para nós - este é o fundamento do espírito científico. O número de coisas sempre aumentou; o mundo está sempre se tornando mais indiferente - assim aumentou o conhecimento imparcial, que paulatinamente se tornou gosto e enfim uma paixão (NF/FP 1881, 11 [110], KSA 9.481).

Ter sentido como festa a redenção da vida e poder retornar à natureza inorgânica - por parte dos que querem morrer. Amar a natureza! Venerar de novo a morte! Ela não é a oposição, mas o colo materno, a regra, que tem mais sentido do que a exceção: pois a desrazão e a dor existem apenas no chamado mundo “com finalidade”, no orgânico (NF/FP 1881, 11 [125], KSA 9.486).

O primeiro efeito da paixão do conhecimento, logo que se volta para si mesma, é o de se desligar dos juízos morais da humanidade, que não são mais do que interpretações humanas, e assim aprender a viver sem louvores e sem culpa. O esforço para examinar a vida unicamente sob o ângulo do conhecer produz uma suspensão do juízo moral, que, com o passar do tempo, quando “as concupiscências de todos os gêneros” são desaprendidas, exclui o Versucher do jogo cotidiano da humanidade, pelo qual ele aos poucos não experimenta mais do que a indiferença. A indiferença aparece como o afeto fundamental e “o fundamento do espírito científicoˮ. O indivíduo que não vive senão para conhecer se situa em uma atitude contemplativa neutra, desapegada, ele se torna “o espectador invisívelˮ da humanidade que tenta “ver as coisas como elas sãoˮ, lançar um olhar estético sobre a existência, daí o efeito de superação cósmica21 21 Sobre a dimensão cósmica desses textos de Nietzsche e seu significado afirmativo, cf. S. Marton, 2010. de alguns desses textos, pois, arrancando-se da balança das apreciações humanas, excluindo-se da humanidade, ele procura contemplar a natureza de maneira quase objetiva, vendo além dos olhares individuais e se sentindo fazer parte de tudo o que existe e existiu. Esse desapego tem também o segundo efeito de “desumanizar a naturezaˮ, expulsar os “predicados estranhos à naturezaˮ.

Mas a que se assemelha então esse olhar lançado sobre a existência? Cada vez mais ao olhar de um ser morto. O que é espantoso, e para dizer a verdade contraintuitivo para uma filosofia que quer afirmar a vida, é que o ponto de vista da morte, longe de ser qualquer coisa de negativo, torna-se aqui, ao contrário, a expressão de uma metamorfose afirmadora da paixão do conhecimento. A radical indiferença do instinto de conhecer diante da humanidade e da vida se reverte pouco a pouco em uma celebração e um amor à “natureza inorgânica”. Vemos assim surgir um pensamento novo da morte, que a revaloriza, opondo-se à apreciação habitual que nós, vivos, dela fazemos, como analisa em detalhe esta passagem, pouco anterior, pode-se adivinhar, o pensamento do retorno:

Valorações fundamentalmente falsas do mundo senciente contra o inorgânico. Por que nós somos ele. Pertencemos a ele! E contudo some, com a sensação, a superficialidade, a mentira: o que dor e prazer têm a ver com os processos reais! - é uma aproximação que não penetra na profundidade! Mas chamamos isso de interno e o mundo inorgânico de externo - de forma fundamentalmente falsa! O mundo “inorgânico”! sempre em movimento e sem erro, força contra força! E no mundo senciente tudo falso e obscuro! É uma festa passar deste mundo ao “mundo inorgânico” - e o maior desejo do conhecimento é confrontar, a esse mundo falso e obscuro, as leis eternas, nas quais não há dor nem engano. Esta autonegação da sensação está no intelecto? O sentido da verdade é: entender a sensação como o lado externo da existência, como um equívoco do ser, uma aventura. Isso dura o bastante! Deixem-nos assistir a essa comédia e assim fruir! Deixem-nos pensar o retorno ao insensível não como um retrocesso! Tornamo-nos inteiramente verdadeiros, como nos queremos. A morte deve ser reinterpretada! Assim <nos> reconciliamos com a realidade, isto é, com o mundo inorgânico (NF/FP 1881, 11 [70], KSA 9.468).

Do ponto de vista da balança da existência humana, vemos espontaneamente a morte como a mais radical alteridade, a perspectiva que se recusa a nós, vivos, e consequentemente avaliamo-la como a não-vida, o nada, o que é irreal. No entanto, segundo a perspectiva do instinto de conhecer, que permite ver mais longe, a sensação enganosa do vivo é a marca exterior da realidade em nós, não o “interiorˮ e o coração do real. O que carece de realidade, o que é preciso superar, é mais do que tudo o mundo da sensação, fugaz, fugidio, instável, e logo com ele o mundo do vivo. Em compensação, o que é que permanece, o que é que possui o eterno vir-a-ser? É o inorgânico, o insensível, o que é morto. Desse ponto de vista, o que é real é o que é morto, de sorte que assistimos a uma reabilitação da morte, ao ponto de imaginarmos novas celebrações. Reunir-se ao mundo morto da matéria inanimada é reunir-se à realidade, tornar-se “verdadeiroˮ, é realizar-se plenamente para o conhecimento. Mas antes de poder conceber uma tal visão, antes mesmo de poder regozijar-se, é preciso precaver-se contra uma tendência injustificada do julgamento humano opondo o vivo ao morto, e contemplar o vir-a-ser, o movimento, não como o apanágio do vivente, mas como o que integra o vivente ao conjunto do mundo morto: “Não podemos pensar o vir-a-ser de forma diferente do que como a passagem de um estado ‘morto’ permanente a outro estado ‘morto’ permanente. Ah, chamamos a morte de imóvel! Como se existisse algo imóvel! O vivente não é oposto ao morto, mas um caso especialˮ (NF/FP 1881, 11 [150], KSA 9.499).

O esforço de representação é considerável. Radicalizando sua imagem ideal, a paixão do conhecimento propõe uma visão que ultrapassa a perspectiva do vivente, para tentar imaginar de alguma maneira a do não vivente, da realidade inanimada, formar para si “os preconceitos de um mortoˮ. Para se reconciliar com a existência, ela nega a exterioridade ilusoriamente posta entre o mundo da vida e o mundo da natureza inanimada, e propõe ao contrário ver que nosso mundo vivo não é nada além de uma parte inerente à totalidade do mundo morto. Se quiséssemos, como tenta fazer Nietzsche nessas notas, dar-lhe uma fisionomia, ela seria a de uma morte de olhos abertos, contemplando em toda a sua perpetuidade o vivo e vendo-o, na sua fugacidade, reunir-se a ela constantemente e nutrir seu eterno vir-a-ser. Qualquer que seja o caráter misterioso desse esforço de representação, constatamos que ele opera um enredamento entre o vivo e o morto. Ora, esse enredamento permite a Nietzsche conceber já a possibilidade de que tudo o que é inorgânico, tudo que é morto, talvez tenha sido ao menos uma vez vivo, talvez um número infinito de vezes, se supusermos, como o faz nosso autor em seus próprios artigos de fé sobre a física, uma quantidade finita da força em movimento e uma duração infinita do tempo: “todo o nosso mundo é a cinza de inúmeras criaturas vivas: e se esse vivente for algo tão pequeno em comparação ao todo: então tudo já foi uma vez posto em vida e assim segue adiante. Se admitirmos uma duração eterna, então admitimos uma troca infinita de matéria -” (NF/FP 1881, 11 [84], KSA 9.472).

Rumo ao pensamento do eterno retorno

Seguindo com atenção todos esses textos, vemos como o conteúdo do pensamento do retorno se apoia sobre essa primeira imagem da existência, a qual expressa, segundo nossa hipótese, a paixão do conhecimento, e se alimenta das leituras científicas de Nietzsche. Em relação a essa representação do universo ainda instável, o pensamento novo radicaliza esse eterno metabolismo para afirmar uma repetição do mesmo, de sorte que a eternidade doravante circular do que é morto seja transferido ao vivo - e com ela seu valor. Se todo o mundo inanimado já esteve vivo, esse estado vivo retornaria e se reproduziria de forma idêntica, sem cessar, em um tempo infinito. Sobrepondo as duas imagens, tudo se passaria como se nossa morte de olhos arregalados, em lugar de assistir indiferente à petrificação constante do vivo que não cessa de reunir-se a ela, se reanimasse periodicamente para reviver o que viveu. Se o eterno retorno se quer a afirmação da vida, ela implica entretanto nela este pensamento de um mundo morto mais “realˮ que o vivo, acolhendo-o em si. Em A gaia ciência, reconhecemos talvez a presença dessa imagem. O §109 coloca-nos em guarda assim contra diferentes imagens ideais da existência emprestadas da física, principalmente as concepções organicista e mecanicista do universo, que são tantas sombras do Deus morto, antes de exprimir, a meias palavras, este pensamento da morte ao qual sucede a preparação discreta do eterno retorno: “Guardemo-nos de dizer que a morte se opõe à vida. O que está vivo é apenas uma variedade daquilo que está morto, e uma variedade bastante rara. - Guardemo-nos de pensar que o mundo cria eternamente o novoˮ (FW/GC 109, KSA 3.459). Na mesma perspectiva, Nietzsche fala no §278 de sua “melancólica felicidadeˮ evocando de novo o pensamento da morte, que tem o estranho privilégio de ser ao mesmo tempo a única certeza da vida dos homens e de não ter qualquer influência sobre eles, porque estão “a mil léguas de se sentirem como uma confraria da morteˮ. A impossibilidade de conceber uma tal confraria, de abraçar a partir do vivo o ponto de vista da morte, é certamente a expressão do sentimento de nossa finitude. O eterno retorno reexamina nesse sentido de maneira original nossa impotência diante do caráter irreversível do tempo e nosso temor da morte. O homem tem as maiores dificuldades para aceitar viver em um tempo linear, irreversível, onde cada instante que ele vive desaparece para sempre e o aproxima de sua morte, dessa falsa fronteira exterior, desse “irrealˮ impensável não obstante inelutável. A fugacidade de sua existência poderia assim suscitar um desejo de consolação impossível, a de poder reviver sua vida. Mas o eterno retorno, ao oferecer ao extremo essa consolação, revela perfeitamente sua vaidade a nós humanos, demasiado humanos. A maior parte de nós, provavelmente todos nós, preferimos infinitamente o desespero de uma vida única e fugaz que se dissolve na química do mundo morto àquele, bem mais atemorizante, de reviver eternamente as mesmas coisas, e saber disso.

O eterno retorno do vivo parece assim ser a radicalização da imagem da existência resultante da paixão do conhecimento, mesmo sendo preciso ressaltar que a passagem de uma imagem à outra exige, se se quer defendê-la no plano cosmológico, teses especulativas suplementares concernentes à natureza da infinitude do tempo, à massa do conjunto das forças existentes e sua relação com o espaço, que Nietzsche se esforçará, em numerosas notas, para justificar da melhor forma possível. O longo e obscuro desenvolvimento do primeiro fragmento 11 [141] é esclarecido assim que compreendemos que Nietzsche não desenvolve o conteúdo dessa ideia, mas a passagem da incorporação da paixão do conhecimento, tal como a expusemos, ao pensamento do eterno retorno. O Versucher que não vive mais que para conhecer se caracteriza por uma indiferença fundamental diante das coisas humanas, mas uma indiferença possuidora de um certo prazer, o encanto que se experimenta na posição de espectador. Semelhante ao deus epicúrio, ele contempla doravante a existência humana, seus julgamentos e seus desejos, como um jogo: “Colocamo-nos como as crianças diante daquilo que antes encerrava a seriedade da existência” (NF/ FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494). Ele prefere consagrar toda sua energia ao conhecimento, o que o conduz a esse olhar cósmico sobre a natureza inanimada, mesmo se lhe faz aceitar fazer-se temporariamente cego, para reviver humanamente, banalmente, a fim de repousar de uma tal paixão, “como as fontes e poderes do conhecimento, os erros e paix<ões> também se conservam, de cujas lutas ele toma sua força conservadora (NF/ FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494). A questão que Nietzsche levanta muito claramente nesse fragmento é a de saber qual tipo de metamorfose pode produzir-se, uma vez incorporada a paixão do conhecimento: “Como esta vida se excluirá em relação à sua soma de bem-estar?ˮ (NF/ FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494). Dito de outra forma, a paixão do conhecimento pode levar a uma forma de vida verdadeiramente afirmativa? Nietzsche esboça a possibilidade, mas ela parece ainda surgir mais da filosofia da indiferença, da aceitação melancólica de um indivíduo vivo doravante afastado das ilusões da vida humana, de um olhar estético lançado sobre a existência, como ele sugere com a imagem da brincadeira de criança: “Uma brincadeira de criança, para a qual o olhar do sábio pisca, ter força sobre este e aquele estado - e sobre a morte, quando algo assim não é possívelˮ (Idem). Malgrado sua apreciação positiva, este tipo de experimentação parece limitada sobre o plano dos afetos que pode engendrar. Por outro lado, para o Versucher que alcançou um tal desprendimento, o mero pensamento do eterno retorno deve necessariamente engendrar a maior alegria, permitindo-lhe passar dessa indiferença contemplativa a uma verdadeira afirmação da vida, e é o poder de transformação dessa nova tentativa que lhe confere imediatamente sua superioridade e seu grande valor: “Agora chega o conhecimento mais difícil e torna todas as formas de vida terrivelmente dignas de reflexão: um excesso absoluto de prazer tem de ser provado, senão é escolher o nosso aniquilamento em relação à humanidade como meio de aniquilamento da humanidadeˮ (Idem). Inegavelmente, o eterno retorno do mesmo é uma imagem da existência bem mais poderosa que a precedente para selecionar um tipo humano superior capaz de amar a vida pelo que ela é e de intensificar a sua própria.

Conclusão

O conteúdo do pensamento do eterno retorno, como foi visto, não se encontra ainda desenvolvido neste famoso fragmento escrito “6000 pés acima do mar e bem mais alto ainda, além de todas as coisas humanasˮ; talvez isso seja um índice de que sua originalidade e sua importância residem em outro lugar e não na hipótese teórica segundo a qual tudo o que acontece no universo se repete de forma idêntica uma infinidade de vezes. O essencial, nessa gestação, consistiria então na possibilidade de uma afirmação total da existência, resultante da incorporação de um tal pensamento. Essa tentativa não surgiu do nada, nós o vimos; ela procede de uma longa fase de tentativas, de ensaios mais ou menos frutíferos para transformar as maneiras de sentir, de pensar e de viver do homem moderno, que caracterizam a filosofia experimental de Nietzsche de Aurora até Assim falava Zaratustra. Dedicamo-nos aqui somente a acompanhar a difícil gestação do pensamento do eterno retorno. Ele conhecerá em seguida minuciosos aprofundamentos nas notas póstumas, e em diversas direções. Nietzsche se esforçará antes de tudo em fornecer uma argumentação detalhada para reforçar sua plausibilidade científica, inspirando-se nas teorias físicas do seu tempo e discutindo com elas, o que é totalmente coerente com a predomínio do instinto de conhecer na cultura moderna. Se se busca tornar possível a incorporação de um tal pensamento, o que pode ser mais natural do que procurar a autoridade do discurso científico, de aproximá-lo das representações do universo da época, preservando sua novidade e sua originalidade? Sempre em relação com o pessimismo do conhecimento, Nietzsche situará igualmente o pensamento do retorno na lógica do niilismo contemporâneo, a fim de radicalizá-lo e de revertê-lo. Ele apurará os diferentes efeitos seletivos que pode engendrar se for duravelmente incorporado à cultura, e se esforçará para mostrar em que ele pode ser um instrumento eficaz para uma hierarquia nova de valores, favorecendo a autossupressão progressiva do tipo niilista e decadente, e ao mesmo tempo a aparição possível do tipo além-do-homem. Às vezes mesmo, Nietzsche vai aproximá-lo da metafísica e das religiões, considerando sua Lehre como um meio de educação e de criação. No laboratório das notas póstumas e textuais, vemos literalmente no trabalho o filósofo Versucher experimentar os diferentes efeitos que podem ser tirados de seu pensamento, testar diferentes formas para comunicá-lo da melhor maneira, para favorecer sua incorporação, porque somente isso tornará possível a doutrina da afirmação e a hierarquia dos valores. Ele deterá finalmente sua escolha sobre uma forma mais surpreendente e problemática do que se julga habitualmente, nem discurso científico, nem metafísico, nem religião, aquela que encontramos em A gaia ciência e Assim falava Zaratustra.

Se a primeira imagem ideal da existência extraída do instinto de conhecimento, o pensamento da morte, encontra-se assimilada e finalmente suplantada por aquela do eterno retorno, isso não deve nos incitar a diminuir a importância da noção de paixão do conhecimento. Ao contrário. O título mesmo de A gaia ciência não é mais do que uma outra fórmula para expressar essa paixão e nomear a especificidade da filosofia nietzschiana durante esse período. Como a tentativa que constitui o pensamento do retorno, a paixão do conhecimento é fundamentalmente a expressão de uma filosofia do Ja-sagen, da alegria trágica, que tenta pensar a vida como ela é, quer dizer, como ela aparece, libertá-la das consolações que a negam, afirmá-la em seu caráter injustificável, na sua dor, e, acima de tudo, amá-la por isso.

Referências

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  • D’IORIO, P., Cosmologie de l’éternel retour In: Nietzsche-Studien, Bd.24, 1995, s. 62-123.
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  • MARTON, S., Nietzsche. Das forças cosmicas aos valores humanos Belo Horizonte: UFMG, 2010.
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  • NIETZSCHE, F. Aurora: reflexões sobre os preconceitos morais Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras, 2004.
  • NIETZSCHE, F. Ecce homo: como alguém se torna o que é Trad. de Paulo César de Souza. São Paulo : Companhia das Letras , 1995.
  • NIETZSCHE, F. Sämtliche Werke Kritische Studienausgabe in 15 Bänden. Herausgegeben von Giorgio Colli und Mazzino Montinari. Berlin/München: Walter de Gruyter & Co./DTV, 1980.
  • *
    Tradução de Maurício Uzêda de Faria
  • 1
    NF/FP 1881, 11 [141], KSA 9. 494.
  • 2
    O que é atestado, por exemplo, pelo fato de que o primeiro plano esboçado às pressas para o Zaratustra segue de perto o aparecimento do eterno retorno. Ver NF/FP 1881, 11 [195-197], KSA 9.519, datado de 26 de agosto de 1881.
  • 3
    EH/EH, Por que escrevo tão bons livros, ZA, 3, KSA 6.339: “— Alguém, no final do século XIX, tem nítida noção daquilo que os poetas de épocas fortes chamavam inspiração? Se não, eu o descreverei. — Havendo o menor resquício de suprestição dentro de si, dificilmente se saberia afastar a ideia de ser mera encarnação, mero porta-voz, mero medium de forças poderosíssimas. A noção de revelação, no sentido de que subitamente, com inefável certeza e sutileza, algo se torna visível, audível, algo que comove e transtorna no mais fundo, descreve simplesmente o estado de fato”.
  • 4
    Cf. P. D’Iorio, 1995D’IORIO, P., Cosmologie de l’éternel retour. In: Nietzsche-Studien, Bd.24, 1995, s. 62-123., s. 62-123. Sobre a relação de Nietzsche com as ciências de seu tempo, Cf. principalmente T. Brobjer; G. Moore, 2004BROBJER T., MOORE, G., (ed.), Nietzsche and Science. London: Aldershot-Ashgate, 2004..
  • 5
    Em algumas páginas de um estudo já publicado, havíamos sugerido a importância da noção de paixão do conhecimento para o eterno retorno, mas sem aprofundá-la suficientemente nem estudá-la por ela mesma. Cf. A. Fillon, 2019FILLON A., Pourquoi faire de la fiction en philosophie? À propos du récit de l’éternel retour dans Ainsi parlait Zarathoustra. In: C. Bertot, J. Leclercq, N. Monseu et P. Wotling(dir.), Nietzsche, penseur de l’affirmation. Relecture d’« Ainsi parlait Zarathoustra ». Louvain: Presses Universitaires de Louvain, 2019, p. 255-273., p. 255-273. O presente artigo é sua retificação e aprofundamento.
  • 6
    Essa tarefa permanece urgente nos textos póstumos até o aparecimento do eterno retorno, cf. NF/FP 1881, 11 [76], KSA 9.470: “A mudança de estimativa de valor - é a minha tarefa”. Ela permanecerá primordial até os últimos textos de Nietzsche.
  • 7
    Essa figura adquire uma importância primordial em Para além de bem e mal para determinar a natureza da filosofia do futuro. Pode-se considerar nesta obra que o Versucher é a figura intermediária entre o espírito livre e o ideal do filósofo legislador. Ver em particular Para além de bem e mal, § 42, § 205 e § 210.
  • 8
    Cf. também KSA 9. 202, 313.
  • 9
    M. Brusotti, 1997aBRUSOTTI, M., Die Leidenschaft der Erkenntnis. Philosophie und ästhetische Lebensgestaltung bei Nietzsche von Morgenröthe bis Also sprach Zarathustra. Berlin / New York: De Gruyter, 1997a.; 1997bBRUSOTTI, M., Erkenntnis als Passion: Nietzsches Denkweg zwischen Morgenröthe und der Fröhlichen Wissenschaft. In: Nietzsche-Studien, Berlin / New York: De Gruyter, Bd 26, 1997b, s. 199-225., p. 199-225; K. Ansell-Pearson, 2018ANSELL-PEARSON, K., Nietzsche’s Search for Philosophy. London: Bloomsbury, 2018..
  • 10
    O que já ressaltou Brusotti, 1997aBRUSOTTI, M., Die Leidenschaft der Erkenntnis. Philosophie und ästhetische Lebensgestaltung bei Nietzsche von Morgenröthe bis Also sprach Zarathustra. Berlin / New York: De Gruyter, 1997a., p. 311-379.
  • 11
    Ibid., 6 [65], KSA 9.210: “Nas questões do espírito é grandioso aquele que, como grande exceção, sente fortemente as coisas do conhecimento e se comporta diante das coisas distantes como diante das próximas, de modo que elas lhe causam dor, estimulam a paixão, podem produzir grande elevação, em resumo que elas estão nele misturadas com os impulsos mais fortes. [...] Paixão por abstrações, e a incapacidade de tomar uma abstração por indiferente é o que faz o pensadorˮ.
  • 12
    Sobre a maneira como a paixão do conhecimento pode se constituir como uma estação entre a potência do espírito livre em Humano, demasiado humano e a alegria afirmativa de A gaia ciência, remetemos a Keith Ansell-Pearson, 2018ANSELL-PEARSON, K., Nietzsche’s Search for Philosophy. London: Bloomsbury, 2018., p. 63-87. Inegavelmente, se o exercício da fria probidade em Humano, demasiado humano era a garantia, para o espírito livre, de se libertar de todas as cadeias de diferentes crenças, é igualmente necessário, para garantir a incorporação de novos valores, fazer desta probidade uma paixão, e que ela consiga se reconhecer também como proveniente do mesmo mundo pulsional que coloca em evidência de maneira crítica, a fim que de que possa tornar possível a incorporação de seu saber criador.
  • 13
    Em particular nos § 2, 3 e 55.
  • 14
    “Em suma: esperar até onde o saber e a verdade podem ser incorporar - e em que medida ocorre uma metamorfose do homem quando ele finalmente viva apenas para conhecer. - Esta é a consequência da paixão do conhecimento […]ˮ (KSA 9. 494).
  • 15
    NF/FP 1882, 3 [1], KSA 10. 61: “A vida em função do conhecimento talvez seja algo louco: mas ainda é um signo de alegria. O homem dessa vontade pode ser visto como tão engraçado quanto um elefante que tenta ficar em pé pela cabeça.
  • 16
    No § 123 de A gaia ciência, Nietzsche designa a paixão do conhecimento como uma paixão nova. A ciência se desenvolveu assim sem a necessidade dessa paixão.
  • 17
    NF/FP 1880, 7 [171] KSA 9.352 : “Sim, pereceremos por essa paixão do conhecimento! Mas isso não é um argumento contra ela. Senão a morte seria um argumento contra a vida do indivíduo. Temos de perecer, como homem e como humanidade!”.
  • 18
    NF/FP , 7 |302], KSA 9.381.
  • 19
    Ver o início do fragmento citado anteriormente que interroga a possibilidade de produzir uma vida afirmativa apesar do poder destrutivo da paixão do conhecimento que nega todos os fins da existência: “A paixão do conhecimento se vê como o fim da existência - se ela nega os fins, então ela se vê com o resultado mais valioso de todos os acasos. Ela negará esses valores? Ela não pode afirmar ser o mais alto prazer? Mas persegui-lo? Formar a criatura mais passível de prazer, como meio e tarefa dessa paixão? Aumentar os sentidos e o orgulho e a sede, etc. (NF/FP 1881, 11 [69], KSA 9.467).
  • 20
    Cf. sobre esse aspecto A. Fillon, 2019FILLON A., Pourquoi faire de la fiction en philosophie? À propos du récit de l’éternel retour dans Ainsi parlait Zarathoustra. In: C. Bertot, J. Leclercq, N. Monseu et P. Wotling(dir.), Nietzsche, penseur de l’affirmation. Relecture d’« Ainsi parlait Zarathoustra ». Louvain: Presses Universitaires de Louvain, 2019, p. 255-273., bem como um estudo a ser publicado em breve no Nietzsche-Studien, “La pensée de l’éternel retour: du discours à la doctrineˮ.
  • 21
    Sobre a dimensão cósmica desses textos de Nietzsche e seu significado afirmativo, cf. S. Marton, 2010MARTON, S., Nietzsche. Das forças cosmicas aos valores humanos. Belo Horizonte: UFMG, 2010..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2022
  • Aceito
    20 Dez 2022
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