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As grandes incorporadoras, o segmento econômico e a desconstrução da promoção pública habitacional

The developers, the economic segment and the deconstruction of public housing promotion

Resumo

Este artigo discute como o avanço das relações capitalistas na produção imobiliária através da consolidação econômica e política de grandes incorporadoras tem interferido na condução de políticas públicas. Partindo da noção de formas de produção (Jaramillo, 1982), sustentamos que as grandes incorporadoras, ao articularem a sofisticação dos mecanismos de produção imediata (controle econômico direto) com o crescente poder enquanto grupo de interesse na definição das políticas de financiamento e urbana (controle econômico indireto), têm consagrado o segmento econômico como principal produto da política habitacional. Esse movimento, ao ampliar a mercantilização da cidade e o controle da política pública por poderosos agentes privados, tem inviabilizado a estratégia de desmercantilização da moradia por meio da ação direta do Estado na produção habitacional.

mercado imobiliário; finanças; política habitacional; segmento econômico; produção do espaço

Abstract

This article discusses how the advance of capitalist relations in real estate production through the economic and political consolidation of large developers has interfered in the making of public policies. Based on the notion of forms of production (Jaramillo, 1982), we argue that the large developers, by joining the sophistication of immediate production mechanisms (direct economic control) with their growing power as an interest group in the definition of financing and urban policies (indirect economic control), have established the economic segment as the main product of the housing policy. By expanding the commodification of the city and the control of the public policy by powerful private agents, this movement has made the strategy of decommodification of housing through the State’s direct action in housing production become impracticable.

real estate; finance; housing policy; economic segment; production of space

Introdução

O lançamento do Programa Casa Verde e Amarela (PCVA) em agosto de 2020, uma espécie de atualização do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), ainda que tenha recuperado a promessa de um novo ciclo de expansão da produção habitacional, reunindo interesses empresariais muito semelhantes aos contemplados pelo programa anterior, sinalizou o fim da produção habitacional para as famílias sem acesso ao sistema de crédito. Ao mesmo tempo, renovou as possibilidades de expansão do chamado “segmento econômico”, aprofundando sua articulação aos interesses do capital financeiro pelo acirramento da aposta na consolidação dos instrumentos de securitização imobiliária (Abrainc, 2020a).

Embora largamente utilizado, o termo “segmento econômico” não possui uma definição precisa. Shimbo (2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 24), por exemplo, define segmento como “a produção de imóveis residenciais com valores de até R$200.000,00 destinados às famílias com renda mensal entre 3 e 10 salários-mínimos”. Após o lançamento do PMCMV, o termo tendeu a se relacionar com as faixas 2 e 3 (3 a 10 salários-mínimos) e valores máximos de imóveis estabelecidos pelo programa, variáveis por região e porte das cidades. No entanto, tais abordagens se restringem ao consumo da habitação, obscurecendo transformações radicais no produto e na forma de produção, que se materializam por meio da intensificação da construção, padronização e apropriação de áreas de menor renda diferencial, situadas em regiões mais periféricas, cuja rentabilidade é ampliada por um conjunto de subsídios diretos e indiretos na sua produção.

Na atualidade, esse produto se consagra como única “política pública habitacional” desenvolvida em escala nacional e remete a um distanciamento radical daquilo que poderia ser entendido como uma forma de produção estatal, tanto pela ausência do Estado na promoção do produto (escolha do terreno, definição da tipologia, etc.) quanto por seu direcionamento a uma população descolada das reais demandas habitacionais. Em 2019, de acordo com dados da Fundação João Pinheiro, 89% do déficit habitacional brasileiro estava concentrado nas famílias com renda inferior a 3 salários-mínimos (CBIC, 2021CBIC – Comissão Brasileira da Indústria da Construção (2021). Déficit habitacional no Brasil, Banco de Dados CBIC. Disponível em: http://www.cbicdados.com.br/menu/deficit-habitacional/deficit-habitacional-no-brasil. Acesso em: 15 nov 2019
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), que dificilmente se enquadram nas condições de financiamento dos chamados “produtos econômicos”.

Em linhas gerais, a distinção entre uma forma pública e uma forma privada de produção habitacional conduzida pelo mercado dar-se-ia principalmente pelo fato de a última ter como motor a obtenção de ganhos para os incorporadores (Jaramillo, 1982JARAMILLO, S. (1982). “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: PRADILLA COBOS, E. (org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México, Latina Unam.), enquanto a primeira suportaria uma relativa desmercantilização da moradia (Pírez, 2016PÍREZ, P. (2016). Las heterogéneas formas de producción y consumo de la urbanización latinoamericana. Quid, v. 16, n. 6, pp. 131-167.). Desse modo, se, no fim dos anos 1990, a estratégia de expansão do mercado imobiliário para o atendimento de setores intermediários era vista como um importante caminho para direcionar a ação estatal para os setores mais precários (a partir do desenvolvimento de políticas habitacionais como forma de produção pública), a crescente importância dessa nova fatia de mercado fortaleceu o poder econômico e político das incorporadoras, metamorfoseando a ação estatal no que concerne à produção habitacional.

Com a estabilização da economia após 1994, a intensificação da construção e da mobilização de terrenos com menores preços e mais periféricos torna-se responsável por uma importante ampliação dos ganhos e do poder das empresas. Em um contexto de significativos avanços do neoliberalismo nas três últimas décadas com a desestruturação de empresas públicas, os interesses dessas incorporadoras foram sendo respondidos por importantes transformações das condições de produção da habitação, tanto em políticas nacionais de financiamento quanto nas políticas urbanas locais, resultando na consolidação de um novo produto tomado como política pública habitacional de grande impacto.

Não obstante, essas transformações têm ganhado suporte da sociedade, com a crença de maior agilidade dos setores privados e a aposta dos benefícios individuais diretos e indiretos como melhor estratégia para resolução dos problemas habitacionais, articulando-se a uma hegemonia neoliberal (Paulani, 2011PAULANI, L. M. (2011). “A hegemonia neoliberal”. In: BIELSHOWSKY, R. et al. (orgs.). O desenvolvimento econômico brasileiro e a Caixa. Rio de Janeiro, Centro Celso Furtado/Caixa Econômica Federal.). Essa perspectiva tem, cada vez mais, deixado de lado os mais pobres, que, por sua vez, têm sofrido os efeitos dessas transformações, sentidos através do descolamento crescente entre os preços da moradia e dos salários nas principais metrópoles do País (Campos Junior, 2018; Shimbo, 2018SHIMBO, L. Z. (2018). “Produção da habitação e espoliação na metrópole de São Paulo (1970-2010)”. In: PEREIRA, P. C. X. (org.). Imediato, global e total na produção do espaço: a financeirização da cidade de São Paulo no século XXI. São Paulo, FAU-USP.).

Nas últimas décadas, é abundante a bibliografia que abordou os programas habitacionais pela ótica da política pública (Bonates, 2007BONATES, M. F. (2007). Ideologia da casa própria… sem casa própria: o Programa de Arrendamento Residencial na cidade de João Pessoa-PB. Dissertação de mestrado. Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.; Marques e Rodrigues, 2013MARQUES, E. C. L.; RODRIGUES, L. (2013). O Programa Minha Casa Minha Vida na metrópole paulistana: atendimento habitacional e padrões de segregação. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 15, pp. 159-177.; Amore, Shimbo e Rufino, 2015; Cardoso, Jaenisch e Aragão, 2017). Da mesma maneira, intensificaram-se os estudos sobre os processos de financeirização da habitação (Aalbers, 2008AALBERS, M. B. (2008). The financialization on of home and the mortgage market crisis. Competition and Change, v. 12, n. 2, pp. 148-166.; Van Der Zwan, 2014VAN DER ZWAN, N. (2014). Making sense of financialization. Socio-Economic Review, v. 12, n. 1, pp. 99-129.) e suas particularidades para o contexto brasileiro (Royer, 2009ROYER, L. de O. (2009). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Fix, 2011FIX, M. (2011). Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.; Sanfelici, 2013SANFELICI, D. (2013). A metrópole sob o ritmo das finanças: implicações socioespaciais da expansão imobiliária no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Dada a importante articulação dos dois temas, foram também significativos os esforços de avançar nessa aproximação (Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Rufino, 2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo), embora seja menos desenvolvida a discussão sobre como o avanço das relações capitalistas através da consolidação política e econômica de grandes incorporadoras tem interferido na condução das políticas públicas e na crescente mercantilização das cidades. Nosso artigo procura preencher essa lacuna.

Partindo das discussões sobre as formas de produção e demais categorias propostas por Jaramillo (1982)JARAMILLO, S. (1982). “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: PRADILLA COBOS, E. (org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México, Latina Unam., procuramos sustentar uma relação dialética entre os mecanismos de controle econômico direto e indireto da produção habitacional como base da emergência e consolidação do segmento econômico. Do ponto de vista teórico, é a partir de tais categorias que buscamos articular um conjunto de referências que discutem as estratégias mais imediatas da ampliação dos ganhos na produção imobiliária com aquelas que problematizam o poder dos agentes em se organizarem como grupo de interesse. Em nossa perspectiva, o segmento econômico resulta de profundas transformações na produção imobiliária conduzida pelos incorporadores em articulação aos crescentes benefícios que essa forma de produção tem recebido do Estado. Sua aparência como produto da política habitacional obscurece a mobilização de recursos públicos na ampliação do domínio de formas de produção que têm como única finalidade a obtenção de ganhos em crescente articulação com o capital financeiro. Com seu avanço e consagração, argumentamos que há uma crescente inviabilização e deslegitimação de formas públicas de produção de moradias, que, em tese, promovem uma desmercantilização parcial das relações de produção, colocando em primeiro plano o valor de uso.

Passados mais de vinte anos desde sua concepção, é evidente que o segmento econômico não resolveu a carência de moradias no Brasil, que, pelo contrário, vivencia um radical aprofundamento de suas desigualdades, vislumbrado, por exemplo, no aumento acentuado de moradores de rua nas maiores metrópoles do País. Nesse sentido, pretendemos com este texto contribuir com o debate da necessidade de retomada de políticas públicas mais inclusivas, colocadas como resposta radical à crescente mercantilização do espaço.

Para realizar esta discussão, além de revisão bibliográfica, os dados empíricos que sustentam este estudo combinam pesquisa documental, consulta a sites, revistas, jornais e periódicos especializados, complementados com depoimentos e entrevistas com agentes da incorporação imobiliária.

Além da presente introdução, o artigo estrutura-se da seguinte maneira: 1) apresentação do debate teórico em torno das formas de produção da habitação e na proeminência da incorporação como forma econômica e política dominante; 2) discussão sobre a emergência do segmento econômico nos anos 1990 com a desregulamentação neoliberal, os esforços constituídos na consolidação de um novo produto e a ampliação de sua viabilidade econômica; 3) apresentação da consolidação dessa racionalidade, evidenciando o papel ativo das grandes incorporadoras na redefinição das prioridades de atuação do setor público em crescente nexo com as finanças; 4) contribuições e considerações finais.

Formas de produção da habitação e o avanço da incorporação no neoliberalismo

Em qualquer metrópole latino-americana, podemos identificar ainda hoje a coexistência de diferentes formas de produção da habitação, como a produção doméstica, a produção por encomenda, a produção estatal e a produção para mercado (Pereira, 2005PEREIRA, P. C. X. (2005). Dinâmica imobiliária e metropolização: a nova lógica do crescimento urbano em São Paulo. Scripta Nova – Revista electrónica de geografía y ciencias sociales. Barcelona, v. IX, n. 194.). Tida como um traço marcante da urbanização na América Latina, essa coexistência de formas de produção e seus desdobramentos na produção do espaço foram discutidos por diversos autores (Pradilla Cobos, 1987PRADILLA COBOS, E. (1987). Capital, Estado y vivienda en América Latina. México/DF, Fontamara.; Schteingart, 1989SCHTEINGART, M. (1989). Los productores del espacio habitable: Estado, empresa y sociedad en la Ciudad de México. México DF, El Colegio de México.; Ribeiro, 1997RIBEIRO, L. C. de Q. (1997). Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira.; Pírez, 2016PÍREZ, P. (2016). Las heterogéneas formas de producción y consumo de la urbanización latinoamericana. Quid, v. 16, n. 6, pp. 131-167.). Nos anos 1980, a noção de formas de produção da habitação foi definida, por Jaramillo (1982JARAMILLO, S. (1982). “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: PRADILLA COBOS, E. (org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México, Latina Unam., p. 177), como “sistemas que relacionam os homens entre si, e estes com os meios de produção para produzir um bem ou uma série de bens”. Segundo o autor, distintas formas de produção do espaço operam simultaneamente, com dinâmicas endógenas particulares, sendo o processo global de produção do espaço o resultado desse “entrelaçamento” das formas de produção.

Em seu texto, o autor propõe categorias de análise a partir da posição dos agentes em determinada forma de produção, sendo essas categorias definidas pela natureza dos agentes que ocupam essas posições e pelas possíveis combinações e fusões entre elas, conformando uma estrutura que se reproduz. Dentre as categorias propostas, deter-nos-emos, neste texto, ao controle econômico direto e controle econômico indireto. Por meio dessas categorias, o autor avança no sentido de problematizar as relações de produção, circulação e distribuição, situando a produção imobiliária nas condições gerais de reprodução do capital.1 (1) Além dessas duas categorias, o autor também apresenta o trabalho direto, que condiz com a capacidade humana de trabalho nos processos imediatos de apropriação da natureza, e o controle técnico, referente à regulação dos meios de produção do ponto de vista da organização do trabalho.

O controle econômico direto, segundo Jaramillo (ibid.), concerne ao domínio sobre os meios de produção de um ponto de vista econômico, que implica o poder de desencadear o processo produtivo e definir suas características, além de abarcar a noção de motor da produção, compreendida como elemento que comanda as decisões e as práticas do agente que detém esse controle direto e determina a dinâmica da produção. Já o controle econômico indireto consiste na capacidade de influenciar a produção através de uma posição externa ao processo produtivo em si, especialmente por meio do controle das condições gerais que condicionam o motor da produção (por exemplo, redução de taxas e impostos, melhores condições de financiamento e vantagens construtivas edilícias no planejamento local) e, portanto, acabam por definir e limitar o exercício do controle econômico direto.

Em seu esquema geral, além das produções domésticas, por encomenda e de mercado, Jaramillo (ibid.) discute a produção estatal, na qual, segundo ele, é o Estado quem assume o controle econômico direto da produção, tendo como última finalidade a provisão de um valor de uso. De acordo com o autor, ainda que essa forma de produção possa estar organizada em uma base capitalista fundamentada na relação capital-trabalho, na qual o Estado não executa diretamente as atividades de construção, mas contrata agentes privados para desempenharem tal função, ela não tem como motor da produção a acumulação de capital.

Contudo, o debate acerca da atuação estatal na produção habitacional é mais complexo e remonta à própria contradição do Estado na sociedade capitalista. Se, por um lado, o Estado é responsável pela reprodução das condições gerais de produção, na qual está inserida a reprodução da força de trabalho, por outro lado, o mesmo Estado assegura o funcionamento do sistema capitalista, garantindo os direitos de propriedade e mediando os conflitos sociais na apropriação do lucro excedente. Desse modo, o Estado é, também, o principal agente a determinar as condições de controle econômico indireto da produção, pois cabe a ele definir as condições de financiamento, mecanismos jurídicos e financeiros, políticas urbanas, dentre outros aspectos que vão estabelecer as condições de produção da habitação e de reprodução do capital no setor.

Já a produção de mercado é definida como uma forma de produção-circulação qualificada como forma capitalista desenvolvida, estruturada pela relação capital-trabalho assalariado e cujo objetivo principal é a acumulação de capital através da apropriação de mais-valia produzida pelos trabalhadores, ainda que a renda da terra possibilite extrair valor originado em outros ramos produtivos. Segundo Jaramillo (ibid., p. 186), seu aspecto particular e mais relevante consiste na consolidação de um “capital de circulação”, que assume o controle econômico direto, “deslocando dessa posição o capital propriamente produtivo, o qual se vê reduzido ao mero controle técnico da produção”. Esse capital de circulação, tomando momentaneamente a forma de capital de incorporação (dado seu vínculo com os incorporadores), é responsável pela produção, controlando suas características e seu ritmo, realizando o produto e se apropriando da maior parte da mais-valia ali produzida (ibid.).

Em seus estudos sobre a produção imobiliária francesa no fim dos anos 1970, Topalov (1974TOPALOV, C. (1974). Les Promoteurs immobiliers: contribution à l’analyse de la production capitaliste du logement en France. Paris, Mouton., pp. 15-19) definiu o incorporador como “um agente social que assegura a gestão de um capital imobiliário de circulação em sua fase de transformação em mercadoria de habitação”, e a esse incorporador cabem as atividades de “definição de um produto comercializável, a gestão financeira, jurídica e técnica da fase de transformação do capital comercial em mercadoria habitação e a atividade de liberação da terra”. Já Ribeiro (1997)RIBEIRO, L. C. de Q. (1997). Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. prossegue nessa definição ao dizer que o incorporador se apresenta como o “chefe da orquestra”, tendo como função coordenar o processo produtivo e assumir a responsabilidade pelas atividades de comercialização. Para esse autor, o que diferencia o incorporador de um simples agente do capital comercial é o fato de que, ao adquirir um terreno, o incorporador também assume “o controle sobre uma condição que permite o surgimento de um sobrelucro de localização: a transformação do uso do solo”, o que, em outras palavras, significa que “uma parte do lucro do incorporador pode ser constituída de renda da terra não integralmente paga ao proprietário” (ibid., p. 98).

Dentro desse marco teórico, compreendemos a incorporação imobiliária como forma social particular de produção do espaço, entendida por Rufino (2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, p. 37) como uma “relação específica da produção para mercado que, em condições históricas específicas, tende a tornar-se dominante” sob o ponto de vista do controle dos mecanismos de valorização e capitalização. Nessa perspectiva, a incorporação imobiliária tende a influenciar a totalidade da produção do espaço da metrópole, ainda que não se apresente predominante no processo de produção do espaço (Rufino e Pereira, 2011RUFINO, M. B. C.; PEREIRA, P. C. X. (2011). “Segregação e produção imobiliária na transformação da metrópole latino-americana: um olhar a partir da cidade de São Paulo”. In: LENCIONI, S.; VIDAL-KOPPMANN, S.; HIDALGO, R.; PEREIRA, P. C. X. (orgs.). Transformações sócio-territoriais nas metrópoles de Buenos Aires, São Paulo e Santiago. São Paulo, FAU-USP.).

No caso brasileiro, a centralidade da ação estatal na produção habitacional e a proeminência da produção de mercado tornam-se particularmente relevantes a partir de 1964, com a criação do Banco Nacional da Habitação (BNH), do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e com a lei n. 4.591, que regulamentou a incorporação no País. Por um lado, a criação e estruturação das Companhias Habitacionais (Cohabs) nesse período – responsáveis pela promoção pública de habitações2 (2) Na época, cabia às Companhias Habitacionais planejar o empreendimento e coordenar a operação, contratando empreiteiras por meio de licitações para a construção dos conjuntos. Ainda que houvesse atividades direcionadas à acumulação (como o caso da contratação de empreiteiras para a realização da construção), o motor da produção, nos termos de Jaramillo (1982), não era a acumulação, sendo essa produção pelo autor denominada produção estatal capitalista desvalorizada. – promoveram certa desmercantilização da moradia, ainda que não conseguissem atender a população com renda inferior a três salários-mínimos. Em decorrência da necessidade de reposição dos rendimentos do BNH (respondendo à lógica empresarial de funcionamento do banco) e da falta de subsídios públicos disponibilizados, as Cohabs direcionaram sua produção às populações com renda familiar entre 3 e 5 salários-mínimos na época (Castro, 1999CASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Por outro, é preciso reconhecer que a política desenhada também foi responsável pela importante expansão das relações capitalistas de produção do espaço a partir da estruturação de um sistema de financiamento à produção e ao consumo e da institucionalização da figura jurídica da incorporação, incidindo nas condições de controle econômico indireto que impactam as diversas formas de produção da moradia.

Segundo Ribeiro (1997RIBEIRO, L. C. de Q. (1997). Dos cortiços aos condomínios fechados: as formas de produção da moradia na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., pp. 300-301), é com a criação do SFH que se verifica no País um crescimento excepcional da produção capitalista de habitações, na qual “o incorporador passa a ser o vértice de três mercados: o de terra, o de construção e o de crédito”, pondo em evidência um novo padrão de acumulação, no qual um agente consegue controlar parcialmente tanto as condições espaciais de sua valorização quanto o financiamento. Para Rufino (2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, p. 43), é a partir da consolidação desse sistema que a incorporação imobiliária avança sobre grandes metrópoles do País, assumindo um papel definitivo em sua transformação e diferenciação, “difundindo novos padrões de moradia e se apropriando de novas áreas, consagrando a obtenção de sobrelucros de localização, como importante mecanismo de ampliação dos ganhos no setor”. Embora com o objetivo declarado de direcionar a produção habitacional à população de menor renda, os recursos do SFH-BNH privilegiaram a incorporação imobiliária privada em detrimento da habitação social. Entre 1964-1984, a produção estatal foi responsável por 27% das habitações financiadas pelo SFH, volume menor quando se consideram os valores totais financiados pelo sistema (Arretche, 1990ARRETCHE, M. (1990). Intervenção do Estado e setor privado: o modelo brasileiro de política habitacional. Espaço e Debates, n. 31, pp. 21-36.). Entre o fim dos anos 1970 e início dos anos 1980, a expansão da produção imobiliária alcançou patamares até então inéditos na produção de moradias, cenário este afetado pela recessão econômica em que o País adentrou, na década de 1980, e que culminou na extinção do BNH em 1986. A escassez das fontes de recursos, bem como o aumento da inadimplência dos mutuários, encerrara esse modelo de financiamento (Castro, 1999CASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), que veio a ser reestruturado, como veremos, mais de uma década depois.

Não obstante, cabe aqui uma ressalva. Não argumentamos que essa produção estatal conseguia dar uma resposta satisfatória à questão da moradia nem mesmo que esta seja isenta de contradições. Ao contrário, diversos estudos apontaram debilidades dessa produção, da provisão ineficaz às camadas de mais baixa renda e sua ação limitada no processo de desmercantilização da moradia (Damiani, 1993DAMIANI, A. L. (1993). A cidade (des)ordenada: concepção e cotidiano do Conjunto Habitacional Itaquera I. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Nakano, 2002NAKANO, A. K. (2002). 4 COHABs da Zona Leste de São Paulo: território, poder e segregação. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Petrella, 2009PETRELLA, G. (2009). Das fronteiras do conjunto ao conjunto das fronteiras. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Contudo, de maneira geral, a literatura atribuiu a expansão das precariedades habitacionais do período à ineficiência da forma de produção pública, sem relacionar esse processo de expansão das precariedades habitacionais com o próprio avanço das relações capitalistas no setor, que também pressionava os preços da terra e da habitação, contribuindo para a expansão da produção doméstica (cf. Oliveira, 2019OLIVEIRA, I. F. B. de (2019). Articulações entre as formas de produção do espaço no habitat popular latino-americano: custos de produção e preço da terra na produção doméstica e de mercado. In: XVIII ENCONTRO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL. Anais. Natal, EDUFRN.). Longe de fetichizar a produção habitacional realizada pelo Estado ao longo desses anos, nossa intenção aqui é colocar em relevo as relações sociais imbricadas na produção da habitação e seus desdobramentos no acesso à moradia e à cidade.

A crise imobiliária vivida na virada dos anos 1980-1990 levou à reorganização de grandes incorporadoras, fomentando novas saídas para o setor. Buscando incidir nas condições de controle econômico indireto da produção de moradias, esses agentes foram fortalecendo sua atuação política junto ao Estado, a fim de atender aos seus interesses. Como desenvolve Gottdiener (1997GOTTDIENER, M. (1997). A produção social do espaço urbano. São Paulo, Edusp., p. 260), esse imbricamento é inerente ao segmento:

Em todos os casos, as atividades do setor da propriedade avançam com a ajuda do Estado. Mudanças de zoneamento, variâncias, construção de rodovias e outros melhoramentos de infraestruturas e subsídios públicos de todas as espécies são apenas alguns dos meios pelos quais se manifesta a articulação Estado-setor da propriedade.

Recentemente, alguns autores vêm discutindo as ações e as articulações políticas desses agentes e seus impactos na produção do espaço. Para Mouton e Shatkin (2019)MOUTON, M.; SHATKIN, G. (2019). Strategizing the for-profit city: the state, developers, and urban production in Mega Manila. Environment and Planning A: economy and space, v. 52, n. 2, pp. 403-422., os incorporadores ampliam seu poder por se tornarem peças centrais da articulação da produção do espaço com os atores do capitalismo financeiro global, ao mesmo tempo que estão profundamente envolvidos com os regimes de governança e política, direitos de propriedade, propriedade da terra e relações sociais e urbanas historicamente constituídas. Dessa forma, os autores destacam seu crescente papel relacional, emergindo como ponto de articulação entre forças globais e condições locais, como atores que reúnem terras, finanças e o poder político urbano.

Como desenvolve Socoloff (2020)SOCOLOFF, I. (2020). Subordinate financialization and housing finance: the case of indexed Mortgage Loans’ Coalition in Argentina. Housing Policy Debate, v. 30, n. 4, pp. 585-605., um conjunto de estudos urbanos focados nas discussões de coalizões tem mostrado como as políticas urbanas são governadas e quem as governa. Partindo da análise dos trabalhos de autores como Gottdiener (1997)GOTTDIENER, M. (1997). A produção social do espaço urbano. São Paulo, Edusp., Logan e Molotch (1987)LOGAN, J. R.; MOLOTCH, H. L. (1987). Urban fortunes: the political economy of place. Berkeley, University of California Press., Molotch (1976)MOLOTCH, H. (1976). The city as a growth machine: toward a political economy of place. American Journal of Sociology, v. 82, n. 2, pp. 309-332. e Stone (1989)STONE, C. N. (1989). Regime politics: Governing Atlanta, 1946-1988. Lawrence, University Press of Kansas., Socoloff destaca o amplo debate dos anos 1970 e 1980 em torno das formas de organização política desses agentes na produção de reformas urbanas que privilegiam fortemente seus interesses. Para Brill (2019)BRILL, F. (2019). Complexity and coordination in London’s Silvertown Quays: how real estate developers (re)centred themselves in the planning process. Environment and Planning A: economy and space, v. 52, n. 2, pp. 362-382. DOI:10.1177/0308518X19860159.
https://doi.org/10.1177/0308518X19860159...
, tanto a teoria da coalizão de crescimento quanto a teoria dos regimes urbanos destacam o ponto importante de que o Estado sempre esteve presente no desenvolvimento urbano, particularmente no fornecimento de habitação, mas sua relação com os incorporadores evolui ao longo do tempo e varia enormemente conforme o ambiente institucional. Com o avanço do neoliberalismo e da financeirização, Socoloff (2020)SOCOLOFF, I. (2020). Subordinate financialization and housing finance: the case of indexed Mortgage Loans’ Coalition in Argentina. Housing Policy Debate, v. 30, n. 4, pp. 585-605. destaca uma transformação radical dessas coalizões em suas naturezas e escalas.

Já, na década de 1970, alguns autores se debruçaram sobre as relações entre as mudanças estruturais recentes do capitalismo e suas articulações com a ampliação da circulação do capital e sua realização no espaço. Acerca da reestruturação da produção de moradias na Europa, Ball et al. (1988BALL, M. et al. (1988). Housing and social change in Europe. Londres, Routledge., p. 189) analisaram a relevância de instituições financeiras na provisão de moradias, ressaltando a conjugação de interesses em torno da produção habitacional. Mais recentemente, uma série de estudos vem discutindo os imbricamentos entre a produção do espaço e a dominância das finanças, seja em países centrais (Van Der Zwan, 2014VAN DER ZWAN, N. (2014). Making sense of financialization. Socio-Economic Review, v. 12, n. 1, pp. 99-129.; Aalbers, 2008AALBERS, M. B. (2008). The financialization on of home and the mortgage market crisis. Competition and Change, v. 12, n. 2, pp. 148-166.), seja em países periféricos (Socoloff, 2020SOCOLOFF, I. (2020). Subordinate financialization and housing finance: the case of indexed Mortgage Loans’ Coalition in Argentina. Housing Policy Debate, v. 30, n. 4, pp. 585-605.), tal qual nas nações latino-americanas, a exemplo do Brasil. Neste último, é vasta a bibliografia que discute essas aproximações por transformações nas formas de financiamento e na política habitacional (Royer, 2009ROYER, L. de O. (2009). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Rolnik, 2015ROLNIK, R. (2015). Guerra dos lugares: a colonização da terra e da moradia na era das finanças. São Paulo, Boitempo.), em mudanças estruturais nos agentes da produção imobiliária e em transformações na forma de produção da habitação (Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Fix, 2011FIX, M. (2011). Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.; Rufino, 2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo), assim como suas articulações e reflexos territoriais (Sanfelici, 2013SANFELICI, D. (2013). A metrópole sob o ritmo das finanças: implicações socioespaciais da expansão imobiliária no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Sígolo, 2014SÍGOLO, L. M. (2014). O boom imobiliário na metrópole paulistana: o avanço do mercado formal de moradia em direção à periferia e a nova cartografia da segregação socioespacial. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Rufino, 2017RUFINO, M. B. C. (2017). “Financeirização do imobiliário e transformações na produção do espaço”. In: FERREIRA, A.; RUA, J.; MATTOS, R. C. (org.). O espaço e a metropolização: cotidiano e ação. Rio de Janeiro, Consequência.).

Contudo, no contexto brasileiro, poucos estudos têm se dedicado a compreender a atuação política desses agentes e seus significados nas transformações das formas de produção da habitação e do espaço, por meio do controle indireto da produção, que acaba por subordinar o processo redistributivo aos interesses desses poucos agentes, como discutiremos na sequência.

A emergência do segmento econômico

A emergência do segmento econômico insere-se em um contexto de profundas transformações na estrutura política e econômica do País, marcadas pelo avanço da agenda neoliberal que fundará as bases para o progressivo domínio das finanças. A eleição de Fernando Collor à presidência, em 1990, impulsiona esse processo, reconhecido como o “responsável pela introdução oficial, no Brasil, da agenda programática e reformadora do neoliberalismo” (Paulani, 2010PAULANI, L. M. (2010). “Capitalismo financeiro, estado de emergência econômico e hegemonia às avessas”. In: OLIVEIRA, F. de; BRAGA, R.; RIZEK, C. (orgs.). Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira. São Paulo, Boitempo., p. 119). A abertura econômica, a privatização de empresas estatais e a adoção de medidas de controle dos gastos públicos foram os pilares da política nos anos de alinhamento do País à liberalização econômica mundial. Na agenda governamental, era também prioritária a resolução do descontrole inflacionário, que, a despeito dos inúmeros planos heterodoxos formulados nos anos 1980, adentrou a última década do século sem solução.

A esperada estabilidade econômica com controle da inflação avançou após julho de 1994 com a implementação do Plano Real, quando as taxas de juros atingiram seu recorde histórico, transformando o País em plataforma internacional de valorização financeira (Paulani, 2012PAULANI, L. M. (2012). A inserção da economia brasileira no cenário mundial: uma reflexão sobre a situação atual à luz da história. Boletim de Economia e Política Internacional. Brasília, n. 10, pp. 88-102.). Para Bruno (2007BRUNO, M. (2007). Regulação e crescimento econômico no Brasil: um regime de acumulação bloqueado pelas finanças. In: XII ENCONTRO NACIONAL DE ECONOMIA POLÍTICA – Brasil e América Latina no Capitalismo Contemporâneo: contradições e perspectivas do desenvolvimento. Anais... Vitória., p. 12), como resultado da rápida expansão do rendimento financeiro real acumulado, elevou-se o peso político do capital financeiro e dos rentistas diante das decisões do Estado brasileiro em matéria de política econômica e das prioridades nacionais.

No âmbito das políticas habitacionais, as mudanças impactaram radicalmente a produção de moradias no País. O avanço do discurso neoliberal de ineficiência estatal (Paulani, 2011PAULANI, L. M. (2011). “A hegemonia neoliberal”. In: BIELSHOWSKY, R. et al. (orgs.). O desenvolvimento econômico brasileiro e a Caixa. Rio de Janeiro, Centro Celso Furtado/Caixa Econômica Federal.), associado à crescente perda de recursos financeiros iniciada no fim dos anos 1980 e largamente aprofundada nos anos 1990, contribuiu para a desestruturação da produção pública de habitações. Paulatinamente, agentes do setor imobiliário articularam-se ampliando sua influência política nas decisões governamentais, reivindicando, junto ao poder público, medidas para viabilizar o alargamento da base de atendimento da produção de mercado, processo este que, no limite, passados mais de 25 anos, acabou por inviabilizar uma ação mais direta do poder público na produção de habitação social.

O início desse processo pode ser reconhecido em 1988, quando a Caixa Econômica Federal (CEF), herdeira das atribuições e recursos do BNH, emite a circular normativa n. 58 e passa a transferir os créditos dos recursos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), até então canalizados às Cohabs, diretamente às empresas construtoras, às quais agora cabia a iniciativa na implantação dos conjuntos. De acordo com Melo (1989MELO, M. A. B. C. (1989). Políticas públicas e habitação popular: continuidade e ruptura, 1979-1988. Revista de Urbanismo e Arquitetura. Salvador, v. 2, n. 1, pp. 37-59., p. 55), a circular destituiu as Cohabs de seu papel de agentes promotores da política habitacional, “cabendo-lhes tão só um papel subsidiário de órgãos de assessoria”. Em perspectiva mais ampla, “essas mudanças configuram a privatização da política habitacional para as faixas de renda média inferior, ou, mais do que isso, significam a ‘desintervenção’ do Estado na esfera da habitação de baixa” (ibid.), o que, em outras palavras, ilustra o primeiro passo de retirada do Estado do controle econômico direto da produção.

Nos anos 1990, as gestões de Fernando Collor (1990-1992), Itamar Franco (1993-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) foram, pouco a pouco, ampliando a participação do mercado nos programas habitacionais, ao passo que se reduziam os recursos e a estrutura institucional da promoção pública de moradias (Bonates, 2007BONATES, M. F. (2007). Ideologia da casa própria… sem casa própria: o Programa de Arrendamento Residencial na cidade de João Pessoa-PB. Dissertação de mestrado. Natal, Universidade Federal do Rio Grande do Norte.; Oliveira, 2020OLIVEIRA, I. F. B. de (2020). O avanço da produção imobiliária sobre a “periferia” da metrópole: o “segmento econômico” e as transformações na produção do espaço em Itaquera, São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Em linhas gerais, o primeiro priorizou o fortalecimento das instituições financeiras e do mercado imobiliário, estimulando parcerias entre eles e direcionando a política habitacional a se alicerçar nos financiamentos voltados para os agentes privados. Já Itamar Franco, ainda que sinalizasse mudanças na atuação estatal, ampliando a diversidade de soluções habitacionais e as fontes de recurso, apresentou resultados quantitativos inexpressivos, explicados também pela priorização da conclusão das obras contratadas no governo anterior que estavam paralisadas.

A chegada de Fernando Henrique Cardoso (FHC) à presidência, após o Plano Real, representou, além de uma retomada mais robusta dos financiamentos, a reorganização da política pública, do mercado e do capital financeiro. A Política Nacional de Habitação formulada em 1996 argumentava que a participação conjunta da iniciativa privada e do poder público era fundamental, cabendo ao Estado oferecer condições para que o setor privado atendesse às chamadas faixas “de mercado”. Dentre diversos programas e linhas de financiamento direcionados a produtores privados, a principal novidade implementada pela gestão de FHC foi o Programa Carta de Crédito, criado em 1995, que passou a conceder crédito do agente financeiro diretamente à pessoa física de modo individual ou associativo. A conexão direta do crédito ao mutuário agilizou o processo de contratação dos financiamentos, por depender apenas de negociação contratual entre agente financeiro e mutuário, enquanto as modalidades públicas eram mais dependentes de articulações políticas para aprovação de leis, destinação de terrenos, aprovações urbanísticas e outras documentações (Royer, 2009ROYER, L. de O. (2009). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 92).

A despeito da orientação original do Programa Carta de Crédito às famílias de mais baixa renda, a modalidade firmou-se como o principal mecanismo de financiamento para habitações econômicas. Segundo Barbosa (2007BARBOSA, I. S. (2007). O Estado e a produção habitacional pública. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 64), a modalidade associativa converteu-se, na prática, em um “mecanismo pelo qual o setor privado, a incorporação imobiliária, pôde captar recursos do FGTS com o fim de aplicá-los na produção de habitações novas”. Se, no BNH, os recursos destinados à incorporação imobiliária eram restritos ao Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo (SBPE), é a modalidade associativa do programa que consolida o acesso do mercado aos recursos do FGTS, antes direcionados à produção pública de habitações.

Nesse contexto, a concepção de um produto como estratégia de ampliação do mercado toma forma concreta na metrópole de São Paulo a partir da incidência do setor nas condições de controle econômico indireto por meio de transformações nas políticas urbanas e de financiamento habitacional, sendo essas condições determinantes para a expansão da produção das incorporadoras. Em 1992, o decreto municipal n. 31.601 especificou, pela primeira vez na legislação, o entendimento dado a Empreendimentos Habitacionais de Interesse Social (EHIS), que incluía edificações direcionadas às famílias que se enquadravam nos critérios das instituições operadoras do SFH, bem como definia condições especiais de construção para esses empreendimentos, permitindo coeficiente máximo de aproveitamento em determinadas zonas da cidade. Essas condições especiais, inicialmente restritas aos promotores públicos e às cooperativas habitacionais autofinanciadas3 (3) Em sua tese de doutorado, Castro (1999) discutiu a ascensão e o funcionamento das cooperativas habitacionais autofinanciadas nos anos 1990. De acordo com a autora, a partir de Constituição de 1998, o controle sobre essas associações, até então realizado por agentes públicos, foi transferido às próprias organizações, com a autoadministração e autofiscalização. Tratava-se, portanto, de uma figura jurídica que possibilitava a associação e integração de interessados na produção autofinanciada da moradia e que teve forte protagonismo na produção imobiliária de São Paulo principalmente nos anos de 1996 e 1997. Segundo Castro (ibid.), o autofinanciamento era definido como a antecipação dos recursos do usuário à produção, dispensando o concurso da intermediação financeira. como estratégia de viabilizar a produção de habitação popular, foram estendidas pelo decreto municipal n. 35.839, em 1996, aos demais agentes privados.

Influenciadas pelo “sucesso da produção das cooperativas” que haviam se destacado na construção de grandes condomínios em zonas mais populares da cidade (Castro, 1999CASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), a partir desse momento as incorporadoras entram no “setor de baixa renda”,4 (4) De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo (1997). ampliando o processo de expansão do mercado em curso desde o início da década. Já, em 1997, foram esses agentes privados que ganharam importante destaque, impondo diversas inovações em seus produtos para concorrer com a produção das cooperativas. Ainda que as empresas destacassem a redução das margens de ganhos, o diferencial desse novo nicho de mercado se deu no âmbito de mudanças no controle econômico direto da produção, com a ampliação da escala dos empreendimentos e acelerada velocidade de construção e venda das habitações. A especialização das empresas para atendimento ao segmento pavimentou ainda articulações precoces dessas empresas com as finanças. A incorporadora Rossi, líder de vendas em 1996, ilustra essa trajetória de maneira exemplar.

Tida como a maior incorporadora dos anos 1990, a Rossi foi criada em São Paulo em 1980 com produtos voltados ao alto padrão, expandindo sua atuação em articulação aos processos de ampliação do mercado imobiliário, viabilizada pelas políticas neoliberais, direcionando seus produtos para o segmento de média renda e, posteriormente, de renda média-baixa. Revolucionando o mercado na época, em 1992 a empresa criou o “Plano 100”, direcionado a famílias de renda média, com financiamento direto com a companhia, e esta alocava recursos entre os seus lançamentos de acordo com o fluxo das prestações (O Estado de S.Paulo, 2015O ESTADO DE S.PAULO (2015). De volta, após 15 anos, Paim tenta salvar a Rossi, 9 nov. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,de-volta--apos-15-anos--paim-tenta-salvar-a-rossi,10000001468. Acesso em: 3 fev 2020.
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). Já, em 1996, além de expandir sua atuação para cidades do interior do estado de São Paulo, a empresa lançou o “Plano Vida Nova”, estendendo a lógica do plano anterior às famílias de renda média-baixa.

Sofisticando suas estratégias financeiras, a empresa separou as áreas de incorporação e negócios, sendo esta última voltada ao financiamento habitacional. Em 1997, além do acesso a recursos de formas tradicionais de financiamento, disponibilizados pela CEF, a incorporadora passou a desenvolver formas alternativas de financiamento, como a securitização de recebíveis imobiliários, a constituição de sociedades de propósito específico (nas quais os sócios financiam um percentual do fluxo de caixa e securitizam os recebíveis depois da obra terminada), a emissão de Cédulas de Crédito Imobiliário (CCIs) e Letras de Crédito Imobiliário (LCIs) por companhias hipotecárias e a constituição de Fundos de Investimentos Imobiliários (FIIs) (Rossi, 2003ROSSI (2003). Prospecto de distribuição pública primária de ações ordinárias de emissão da Rossi Residencial S.A.). No mesmo ano, destaca-se, também, a abertura de capital e venda de ações na BM&FBovespa e na Bolsa de Valores de Nova York,5 (5) De acordo com o site oficial da empresa. Disponível em: http://ri.rossiresidencial.com.br/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=58910. Acesso em: 6 fev 2020. que captou cerca de US$100 milhões na época, estratégia adotada quase dez anos antes da ampla roda de abertura de capital das incorporadoras nacionais na Bovespa.

A fim de assegurar a rentabilidade desse produto “econômico”, a empresa redefiniu suas estratégias na produção imediata. Inovações tecnológicas, como drywall, produtos modulares e “semiacabados”, programação de atividades em cadeia, bem como padronizações (uniformizando edificações, fachadas e áreas comuns), foram adotadas, formatadas em dois tipos de produto, o Standard e o Lego,6 (6) Segundo Luiz Fernando Lucho do Valle, diretor da Área de Negócios do Vida Nova, “não fazemos sob medida e não permitimos modificações. Toda personalização desconsideramos, pois percebemos que não era importante para o cliente e tinha um custo adicional que influenciava o preço final” (Castro, 1999, p, p. 194). possibilitando até 30% de redução dos custos da obra em relação ao verificado no mercado (Folha de S.Paulo, 2002FOLHA DE S.PAULO (2002). Rossi também lidera como construtora, 27 mar. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/imoveis/ci2703200207.htm. Acesso em: 24 out 2020.
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). Entretanto, embora as inovações tecnológicas tenham ganhado grande visibilidade, foi a intensificação da construção, a opção por terrenos mais baratos e periféricos (historicamente caracterizados pela baixa renda diferencial) e a diversificação das fontes de financiamentos com a emergência de vínculos com as finanças que asseguraram à empresa condições diferenciadas de acumulação. Em regiões periféricas, essas estratégias viabilizaram a intensificação do uso do solo, que, em alguns lançamentos, atingiu coeficientes de aproveitamento da ordem de 3,50, valor elevadíssimo para territórios periféricos, cujas construções de maior intensidade na época apresentavam coeficientes em torno de 1,5.

Além da Rossi, experiências semelhantes alavancadas pelas linhas de crédito viabilizadas desde o início dos anos 1990 já vinham sendo desenvolvidas por incorporadoras em todo o País, sendo estas fortemente impulsionadas nos anos 2000. Os casos da MRV e da Tenda em Minas Gerais são bons exemplos desse processo. Produzindo empreendimentos residenciais populares desde 1979, a MRV Engenharia, criada em Belo Horizonte, expandiu sua produção pelo interior do estado mineiro, São Paulo e Paraná a partir de 1994. A incorporadora Tenda, atuante no segmento popular desde sua criação em 1969, também cresceu significativamente nesse período, passando a atuar na capital paulista em 1999.

A expansão da incorporação para o setor econômico e a emergência de empresas importantes com esse foco repercutem na ampliação do debate de suas pautas nas entidades de classes representativas dos interesses do setor, determinantes na reformulação dos marcos regulatórios que dariam suporte a uma aceleração da expansão dessas dinâmicas a partir dos anos 2000.

Nos anos 1990, os principais agentes da incorporação reuniam-se politicamente, principalmente em torno do Sindicato da Indústria da Construção Civil (Sinduscon), do Sindicato da Habitação (Secovi), da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC) e da Associação Brasileira de Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (Abecip), com protagonismo dos interesses das maiores empresas, situadas, sobretudo, em São Paulo. À época, a demanda por crédito imobiliário era recorrente, e “numa sinérgica parceria, inédita, pela primeira vez, o mercado imobiliário e o mercado financeiro se deram as mãos, sentaram numa mesa e produziram um projeto de lei” que resultou na criação dos FIIs em 1993 e das Companhias Hipotecárias (CH) em 1994 (Abecip, 2011ABECIP – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (2011). A revolução do crédito imobiliário: ABECIP 44 anos (1967-2011). Disponível em: https://www.abecip.org.br/admin/assets/uploads/anexos/abecip-livro-44-anos-seq2.pdf. Acesso em: nov 2020.
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). Ainda que os FIIs tenham tido em seu desenvolvimento relação limitada com políticas habitacionais, sua legitimidade estava pautada na promessa de seu papel como “importante mecanismo de captação de recursos que reativará a indústria da construção civil, enfrentando o déficit habitacional” (Brasil, 1991BRASIL (1991). Câmara dos Deputados. Projeto de lei n. 2.204-C, de 28 de novembro de 1991. Dispõe sobre a constituição e o regime tributário dos fundos de investimento imobiliário e dá outras providências. Brasília, Câmara dos Deputados. Disponível em: https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=200935. Acesso em: 5 mar 2021.
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, p. 4).

Com liderança da Abecip, em novembro de 1995, foi organizado um encontro nacional em Brasília, no qual foram elaboradas as propostas que fundamentaram o Sistema Financeiro Imobiliário (SFI), regulamentado em 1997 pela lei n. 9.514. Embora o SFI tenha se colocado como um sistema complementar ao SFH, que visava ampliar as conexões da produção imobiliária com o mercado de capitais (Royer, 2009ROYER, L. de O. (2009). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.), no âmbito de sua discussão foi intensamente pautada a criação de mecanismos de subsídios explícitos para viabilizar a ampliação da atuação do mercado para setores de menor renda (Abecip, 2011ABECIP – Associação Brasileira das Entidades de Crédito Imobiliário e Poupança (2011). A revolução do crédito imobiliário: ABECIP 44 anos (1967-2011). Disponível em: https://www.abecip.org.br/admin/assets/uploads/anexos/abecip-livro-44-anos-seq2.pdf. Acesso em: nov 2020.
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). Como tais propostas envolviam recursos públicos e geravam muita polêmica, os debates encaminharam-se para a separação dos projetos que tratavam da produção de mercado e da produção de habitação social.

No entanto, a aprovação do SFI como sistema de mercado, além de regulamentar novos instrumentos financeiros que favoreciam a aproximação com o mercado de capitais, trouxe mudanças estruturais para todo o mercado imobiliário, contribuindo fortemente para a expansão do segmento econômico. Dentre essas mudanças, é destaque a figura da Alienação Fiduciária, que, segundo Rufino (2012)RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo, pode ser compreendida como uma nova modalidade de propriedade, ao transferir, aos mutuários, apenas a posse e não o domínio do imóvel enquanto perdurar o financiamento. O instrumento garantiu segurança aos agentes financeiros, por assegurar uma retomada ágil dos imóveis dos mutuários, ampliando o interesse dos bancos nos financiamentos habitacionais. Ademais, a ação do empresariado junto ao governo também garantiu outras medidas favoráveis à produção de mercado, como a ampliação do teto dos financiamentos do SBPE e a destinação de mais créditos das cadernetas de poupanças ao setor (Castro, 1999CASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).

Por outra via, no debate acadêmico, também se consolidava a proposta de ampliação da produção pelo mercado. Em pesquisa desenvolvida, na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), foi realizado, em julho de 1997, o workshop “Habitação: como ampliar o mercado?”, que contou com a participação de políticos, gestores públicos, representantes de movimentos de moradia e de empresas do setor imobiliário, pesquisadores e professores universitários.7 (7) Sob coordenação da professora doutora Ermínia Maricato, entre 1997 e 1998, foi desenvolvida a pesquisa “Como ampliar o acesso ao mercado residencial privado legal?”. O argumento, na ocasião, defendia que se as classes de média e média-baixa rendas pudessem ser atendidas pelo mercado privado de moradias, reduzir-se-ia a disputa por recursos públicos subsidiados, que poderiam ser direcionados ao atendimento habitacional das populações de menor poder aquisitivo. De acordo com Maricato (1999MARICATO, E. (1999). Habitação e desenvolvimento urbano: o desafio da próxima década. Disponível em: http://www.labhab.fau.usp.br/2018/01/11/habitacao-e-desenvolvimento-urbano-o-desafio-da-proxima-decada/. Acesso em: 15 set 2020.
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, p. 2), era preciso “repensar o mercado para repensar as políticas sociais”.

Dentre as análises e conclusões do evento, apontava-se que, mesmo que o mercado imobiliário estivesse produzindo mais unidades habitacionais, ele continuava “atendendo às mesmas faixas sociais que anteriormente podiam comprar ou alugar na cidade. Só que os novos apartamentos oferecidos são menores e mais longe” (Silva e Castro, 1997SILVA, H. M. M. B.; CASTRO, C. M. P. de (1997). A legislação, o mercado e o acesso à habitação em São Paulo. In: Workshop Habitação: como ampliar o mercado? São Paulo, FAU-USP., p. 31). Contudo, ainda que fique evidente, nessa afirmação, que a ampliação do mercado imobiliário tendia a estender a mercantilização da habitação, as proposições do documento seguiam apostando de modo contraditório “na ampliação do mercado” como estratégia de desmercantilização da moradia.

Posteriormente, essa discussão fundamentou o Projeto Moradia, em 2000, incorporado às propostas do então candidato à Presidência da República, Luiz Inácio Lula da Silva. O documento propunha o “estímulo à produção privada para os setores de renda média (mais de cinco salários-mínimos), buscando dinamizar o mercado imobiliário e reduzir a pressão sobre os recursos públicos, a serem prioritariamente destinados à baixa renda (abaixo de 5 SM)” (Instituto Cidadania, 2002INSTITUTO CIDADANIA (2002). Projeto Moradia. Disponível em: https://erminiamaricato.files.wordpress.com/2015/07/projeto-moradia.pdf. Acesso em: 5 out 2020.
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, p. 30). Sem embargo, como discutiremos na sequência, essa estratégia não se sustentou, e grande parte dos recursos públicos – em especial provenientes do FGTS – foi destinada à ampliação do segmento econômico em detrimento da produção voltada para a população de mais baixa renda.

A consolidação do segmento econômico

O contexto macroeconômico do País, no início no século XXI, apresenta diferenças substanciais em relação à década anterior, com aumento do crescimento econômico e políticas de redistribuição de renda que possibilitaram aumento no poder de compra e na obtenção crédito para consumo. O rigoroso ajuste fiscal conduzido por FHC em seus últimos anos de governo, amparado no tripé macroeconômico (metas fiscal e inflacionária e câmbio flutuante), foi seguido por seus sucessores, ditando as linhas gerais da política econômica do País nos anos 2000.

Sem embargo, o choque externo financeiro deflagrado nos Estados Unidos, em 2008, alastrou-se em efeito cascata pelo mundo globalizado, sendo o uso de recursos públicos a resposta brasileira a esse processo, com a adoção de políticas “neodesenvolvimentistas” com alta participação do Banco Central, através da disponibilização de reservas para promover o crédito orientado, amortizando os impactos iniciais da crise (Socoloff e Rufino, no prelo). Entretanto, a queda da produção industrial e dos empregos anos depois logo deu relevo aos limites da política adotada e, associada a uma crise política, a crise econômica desencadeada no País após 2014 acabou por reorientar a política econômica nacional no sentido de um maior endividamento internacional e austeridade fiscal.

A eleição de Lula à presidência deu continuidade às propostas do Projeto Moradia, formatadas na Política Nacional de Habitação, em 2004, sem reverter, contudo, a situação já desenhada durante o governo FHC, no qual o segmento de mercado pôde acessar recursos do sistema de habitação social (Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Desde 2005, diversos trabalhos destacaram a notória ampliação dos recursos de fontes de financiamento habitacional tradicionais, como o FGTS e SBPE, através da ampliação dos chamados “programas de balcão”, impulsionando a produção do segmento econômico (Royer, 2009ROYER, L. de O. (2009). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Fix, 2011FIX, M. (2011). Financeirização e transformações recentes no circuito imobiliário no Brasil. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.; Rufino, 2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo).

Ainda que a emergência desse segmento tenha se dado nos anos 1990, até meados dos anos 2000 muitas das maiores incorporadoras ainda concentravam sua produção na alta renda, articulando a poupança das famílias com o enquadramento da produção pelo SBPE. Contudo, a virada do milênio implicou profundas transformações na organização do setor, bem como na redefinição de suas estratégias de produção (Rufino, 2012RUFINO, M. B. C. (2012). A incorporação da metrópole: centralização do capital no imobiliário e nova produção do espaço em Fortaleza. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo).

Na base dessas mudanças, está a abertura de capital das maiores incorporadoras do País. Entre 2005 e 2007, 25 incorporadoras nacionais captaram recursos através de Oferta Pública Inicial (IPOs) na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa), acentuando de forma inédita a concentração e a centralização de capital no setor (Lencioni, 2014LENCIONI, S. (2014). Reestruturação imobiliária: uma análise dos processos de concentração e centralização do capital no setor imobiliário. Eure – Revista de Estudios Urbano Regionales. Santiago, v. 40, n. 120, pp. 29-47.; Rufino, 2017RUFINO, M. B. C. (2017). “Financeirização do imobiliário e transformações na produção do espaço”. In: FERREIRA, A.; RUA, J.; MATTOS, R. C. (org.). O espaço e a metropolização: cotidiano e ação. Rio de Janeiro, Consequência.). Para ilustrar esse processo e sua magnitude, a Rossi – que havia captado US$100 milhões em 1997 – levantou mais de R$1 bilhão no Novo Mercado Bovespa em 2006.8 (8) Dados disponibilizados no site oficial da empresa. Disponível em: https://www.rossiresidencial.com.br/historia-linha-do-tempo-rossi.php. Acesso em: 10 dez 2019.

Com elevado montante de recursos e aumento da produção, foi vertiginoso o crescimento de empresas já especializadas em produtos populares, como a Tenda e MRV. Além destas, em um momento em que a produção direcionada aos segmentos de alta renda começava a dar indícios de saturação em diferentes regiões do País, diversas incorporadoras tradicionalmente focadas em produtos de alto-padrão passaram a produzir empreendimentos imobiliários econômicos, seja através da criação de empresas subsidiárias, seja pelo estabelecimento de joint ventures com empresas já tradicionais do segmento, como fizeram as incorporadoras Cyrela, Gafisa e PDG (Shimbo, 2010SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Fundado na existência de “um grande déficit habitacional”, na ascensão das classes C e D e no aumento expressivo de financiamentos no âmbito do SFH, o segmento econômico passou a ser visto de maneira muito positiva pelos investidores.9 (9) De acordo com a reportagem, “Esse nicho é o grande filão da indústria […]. E como já há um leque de possibilidades de financiamentos bancários a prestações baixas, os investimentos em empreendimentos econômicos não apenas se tornaram viáveis, como assumiram o status de ‘projetos principais’ das empresas, que, agora, precisam ampliar seu portfólio para adentrar em um modelo de negócio com características peculiares e até então pouco explorado”. O assédio das grandes, Revista Construção Mercado, n. 79, fev 2008. A fim de garantir a ampliação da produção impulsionada pela capitalização, as incorporadoras consolidaram bancos de terras, adquirindo terrenos em áreas das cidades onde praticamente não havia a atuação do mercado imobiliário, bem como alargaram o raio de operação das empresas, expandindo sua atuação geográfica em nível nacional com a incorporação de novos mercados (Sanfelici, 2013SANFELICI, D. (2013). A metrópole sob o ritmo das finanças: implicações socioespaciais da expansão imobiliária no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.).

Em 2008, a crise norte-americana do subprime ameaçou a realização dos ganhos de investidores e incorporadoras nacionais. Anunciado como medida anticíclica, em 2009, o governo lançou o PMCMV, garantindo a solvência do estoque construído, a revalorização das ações das grandes incorporadoras e novo fôlego para a retomada do crescimento produtivo. Buscando prover atendimento habitacional às famílias com renda inferior a 10 salários-mínimos, articulou-se, sob o mesmo nome, uma série de programas e subprogramas (muitos deles já existentes desde os anos 1990), entrelaçando linhas de financiamento, fundos e agentes operadores através de um sistema de crédito e subsídios governamentais diretos, proporcionais à renda das famílias. Consolidado posteriormente como política permanente, o PMCMV consagrou-se como o maior programa habitacional do País, com 5,3 milhões de unidades entregues até fevereiro de 2021.10 (10) Dados disponibilizados no Sishab. Disponível em: http://sishab.mdr.gov.br/. Acesso em: 15 fev 2021.

Em linhas gerais, o PMCMV foi estruturado em três faixas, estabelecidas pela renda das famílias, níveis de subsídio e teto dos valores das unidades produzidas.11 (11) Inicialmente, as faixas do programa foram estabelecidas em conformidade com o salário-mínimo (s.m.), sendo a Faixa 1 direcionada a famílias com renda entre 0 e 3 s.m., a Faixa 2 para rendas entre 3 e 6 s.m. e a Faixa 3 para famílias com renda familiar entre 6 e 10 s.m. Posteriormente, as Faixas estabelecidas pelo programa foram desindexadas do salário-mínimo. Em 2017, Faixa 1 do programa era destinada a famílias cuja renda mensal fosse inferior R$1.800,00 e foi criada a Faixa 1,5, que atendia as famílias com renda inferior a R$2.600,00. Já as Faixa 2 e 3, voltavam-se as famílias com renda inferior a R$4.000,00 e R$9.000,00, respectivamente. Na Faixa 1, direcionada às famílias de menor rendimento, a demanda era organizada através de cadastros pelos governos municipais, e os subsídios chegavam a até 96%, dependendo da renda familiar. Nas Faixas 2 e 3, as habitações eram direcionadas ao mercado, bastando aos compradores enquadrarem-se nas condições de renda para aquisição do imóvel, sendo previsto subsídio direto apenas para as famílias incluídas na Faixa 2 e subsídios indiretos para as Faixas 2 e 3 (por exemplo, taxas de juros subsidiadas, abaixo dos valores de mercado, bem como isenções de taxas e impostos). No caso das grandes incorporadoras, elas atuaram predominantemente nas Faixas 2 e 3, que possibilitavam maiores margens de ganho nos produtos.

Ainda que o PMCMV tenha atingido a população mais pobre (com renda familiar entre 0 e 3 salários-mínimos) em razão dos substanciais subsídios mobilizados, foi possível verificar que o avanço da produção protagonizada por agentes privados acabou por desestruturar, na escala municipal, esforços de planejamento no sentindo de uma produção pública mais diversificada. Nesse contexto, coube aos municípios a tarefa de "rodar" o programa, por meio da oferta de variadas formas de subsídios às construtoras e às incorporadoras, da aceleração da aprovação de projetos e da organização da demanda, o que estruturou um mercado cativo para as empresas, com um produto marcado pela grande escala dos empreendimentos, padronização e precária inserção urbana.

Ademais, os rumos tomados pelo PMCMV ao longo de mais de uma década indicam que se tratava de um pacto social estabelecido em um contexto econômico específico de grandes reservas nacionais, no qual os interesses produtivos das grandes incorporadoras de alguma maneira se articularam com interesses de caráter social, voltados ao atendimento das necessidades habitacionais dos trabalhadores de menor renda. No momento em que os recursos estatais se apresentam escassos, o modelo se esgota, e as grandes empresas passam a pautar o ajuste fiscal, evidenciando a incompatibilidade entre a produção habitacional direcionada às faixas de menor poder aquisitivo e a racionalidade de ampliação dos ganhos demandada pelo mercado.

O socorro questionável prestado pelo governo federal aprofundou o movimento de centralização de capital em curso, consolidando grandes grupos imobiliários. O PMCMV e, particularmente, o segmento econômico configuraram-se como alicerce fundamental à manutenção dos ganhos de grande parte das incorporadoras, representando um “vetor indispensável de crescimento no setor” (Cbic, 2017CBIC – Comissão Brasileira da Indústria da Construção (2017). Indicadores Imobiliários Nacionais 2016. Brasília, CBIC.), tanto no período de expansão da produção, que perdurou até 2013, quanto no período de crise deflagrado posteriormente, quando a importância do segmento econômico foi novamente reforçada. Analisando a trajetória das maiores incorporadoras do País com capital aberto entre 2010 e 2018, Penha Filho (2020) mostra como no contexto de crise o desempenho das incorporadoras atuantes no segmento se destaca. Segundo o autor, os dados mostram que “o segmento econômico não apenas sustentou a dinâmica imobiliária nacional […] como garantiu resultados positivos às companhias” (ibid., p. 119). Nas palavras de um diretor do ramo, a crise econômica enfrentada pelo mercado imobiliário foi descrita como “um mar de lama, com uma ilha de prosperidade, chamada Minha Casa Minha Vida, faixas 2 e 3”.12 (12) Conselheiro da Abrainc em entrevista às autoras em janeiro de 2017.

A incorporadora mais emblemática de todo esse processo é a MRV Engenharia, que, como vimos, trabalhava com produtos populares desde sua criação. Entre 2007 e 2017, a empresa saltou de 4 para mais de 40 mil unidades habitacionais (UHs) produzidas por ano, ampliando sua atuação de 28 para 149 cidades em 22 estados da federação, consagrando-se como a maior incorporadora do Brasil e a terceira maior construtora do mundo.13 (13) Ficando atrás da chinesa Vanke e da estadunidense D.R. Horton. Para mais detalhes, cf. MRV fará investimentos de R$50 bi em dez anos, Valor Econômico, 13 dez 2017. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/5225931/mrv-fara-investimentos-de-r-50-bi-em-dez-anos. Acesso em: 18 nov 2018. Redefinindo suas estratégias mediante o cenário recessivo, a empresa reforçou sua atuação em municípios de médio e grande portes por ela pouco explorados durante o ciclo anterior de expansão operacional.14 (14) Segundo um de seus diretores, “Nós enxergamos que existe potencial para aumentar as vendas sem aumentar o número de praças em que estamos” (InfoMoney, 2016).

A fim de ampliar as margens de lucro na produção de empreendimentos econômicos, a incorporadora exacerbou estratégias de racionalização da produção e padronização dos lançamentos imobiliários. Como demonstrou Shimbo (2010)SHIMBO, L. Z. (2010). Habitação social e habitação de mercado: a confluência Estados, empresas construtoras e capital financeiro. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., já no início dos anos 2000, as inovações advinham de técnicas de projeto e gestão que viabilizavam a padronização das tipologias habitacionais e do processo produtivo, além de avanços alcançados pela tecnologia da informação, que comportava complexos instrumentos de planejamento, prescrição, verificação, controle e incentivos ao trabalho desenvolvido nos canteiros de obra.15 (15) Com enfoque na padronização, em 2003, a MRV lançou três linhas voltadas a setores populares: Parque, Spazio e Village, que se diferenciavam em relação ao preço de comercialização, altura dos edifícios e itens de lazer ofertados. Com pequenas alterações, essas linhas foram mantidas após o lançamento do PMCMV, mas, em 2017, houve reestruturação, e novas linhas de produtos foram anunciadas: Eco, Bio, Premium e Garden. Do ponto de vista construtivo, as mudanças avançam no sentido da intensificação da produção, evidenciada pelo aumento no número de torres e unidades por empreendimento, na redução do tamanho das habitações, no aumento da altura dos edifícios e na intensificação dos edifícios-garagem.

No contexto de crise, a reestruturação desses produtos propagou ganhos de escala ainda maiores que aqueles vislumbrados no período de boom imobiliário. Se, no momento de ascensão da produção, os empreendimentos da empresa chegavam a ter 3 mil UHs; no contexto de crise, o porte desses empreendimentos salta para mais de 7 mil UHs, a exemplo do Grand Reserva Paulista, lançado em 2016 em Pirituba, próximo à marginal Tietê, e que prevê a construção de 48 edifícios de 18 pavimentos, distribuídos em 25 condomínios, com Valor Geral de Vendas (VGV) estimado em R$1,5 bilhão. De acordo com Shimbo (2020)SHIMBO, L. Z. (2020). O concreto do capital: os promotores do valor imobiliário nas cidades brasileiras. Tese de livre-docência. São Carlos, Universidade de São Paulo., na construção desse empreendimento, a MRV beneficiou-se com a antecipação na compra do terreno, realizada em 2009, com alterações no zoneamento (agora demarcado como Zona Especial de Interesse Social – Zeis), bem como com melhorias na infraestrutura local, providas com recursos públicos.

Outros grandes bairros planejados lançados em São Paulo, nos últimos anos, são o Pátio Central, no Cambuci (com 5,5 mil UHs), e o Reserva Raposo, nas margens da rodovia Raposo Tavares (com 18 mil UHs), revelando novas estratégias financeiras e um protagonismo dos fundos de investimento, que indicam uma sofisticação das formas de financiamento em empreendimentos populares. Além do salto quantitativo, esses casos ilustram a conformação de novas relações sociais de produção, nas quais o empreendimento passa a ser projetado como um bairro, elaborado com base em um projeto de capitalização de médio prazo, articulando instrumentos financeiros sofisticados como parte do produto, não apenas na perspectiva de seu financiamento, mas de sua concepção. Desse modo, ao mesmo tempo que as grandes incorporadoras projetam esse novo momento, argumentando que praticamente todos os cidadãos podem acessar o sistema de financiamento, que se reconfigura e se expande, esse produto econômico se universaliza como única alternativa de habitação para as classes de menor poder aquisitivo.

A localização dos empreendimentos imobiliários também sofre transformações ao longo de todo o processo. Desde a emergência do segmento econômico, já eram explorados territórios populares e periféricos da metrópole, estratégia esta exacerbada pelas grandes incorporadoras a partir de 2007 (cf. Sígolo, 2014SÍGOLO, L. M. (2014). O boom imobiliário na metrópole paulistana: o avanço do mercado formal de moradia em direção à periferia e a nova cartografia da segregação socioespacial. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.; Rufino, 2017RUFINO, M. B. C. (2017). “Financeirização do imobiliário e transformações na produção do espaço”. In: FERREIRA, A.; RUA, J.; MATTOS, R. C. (org.). O espaço e a metropolização: cotidiano e ação. Rio de Janeiro, Consequência.; Oliveira, 2020OLIVEIRA, I. F. B. de (2020). O avanço da produção imobiliária sobre a “periferia” da metrópole: o “segmento econômico” e as transformações na produção do espaço em Itaquera, São Paulo. Dissertação de mestrado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). Não obstante, o arrefecimento da produção a partir de 2014 recoloca os empreendimentos na metrópole. Se no período de boom imobiliário (2007-2013) os lançamentos residenciais na capital paulista chegaram a 51% de todos os lançamentos anunciados na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), em 2012, no contexto de austeridade deflagrado posteriormente, a produção na capital ganhou novo impulso, chegando a responder por 86% dos lançamentos da RMSP em 2019, reforçando a concentração da produção por meio da diversificação das estratégias de centralização do capital.

Em nível local, as políticas urbanas foram instrumentos importantes na disputa por atração de capitais por meio da “guerra dos parâmetros urbanísticos”, ainda que estas sozinhas apresentem fortes limitações no atendimento de seus objetivos (Sígolo, 2014SÍGOLO, L. M. (2014). O boom imobiliário na metrópole paulistana: o avanço do mercado formal de moradia em direção à periferia e a nova cartografia da segregação socioespacial. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo.). No caso da cidade de São Paulo, foram alterações na legislação urbana atreladas ao contexto macroeconômico, e as próprias condições indiretas de produção, que recolocaram a produção imobiliária na cidade após a aprovação do novo Plano Diretor Estratégico (PDE) em 2014. Além da criação dos Projetos de Intervenção Urbana (PIUs) e da demarcação de Operações Urbanas Consorciadas (OUCs), o PDE estimulou a produção imobiliária por meio dos Eixos de Estruturação da Transformação Urbana (EETU) e das Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), que passam a se apresentar, estas últimas, como estratégia relevante no caso da produção do segmento econômico. Em entrevistas realizadas com diretores de empresas atuantes no segmento, ficou clara a atuação majoritária desses agentes nessas áreas, “porque aí sim existe um mecanismo de incentivo para ocupação das Zeis. E esses são os terrenos que de fato ganham mercado mais rápido”.16 (16) Diretor de empresa atuante no segmento econômico em entrevista, às autoras, em setembro de 2019.

Cabe ressaltar que o intenso processo de concentração e centralização do capital, ao mesmo tempo que estimulou e possibilitou novos patamares de acumulação a essas empresas a partir dos grandes empreendimentos do segmento econômico, ampliou seu poder político, que tomou forma em nova associação de representação de seus interesses. Adquirindo expressão nacional, novidade para um setor no qual as empresas tradicionalmente manifestavam organização regional, a associação política das grandes incorporadoras passou a ser determinante na redefinição dos instrumentos de controle econômico indireto coordenados pelo Estado.

Mais do que um programa social, o PMCMV pode ser compreendido como um importante pacto entre o governo e empresas de construção, primordialmente moldado pelos interesses destas últimas. Com grandes empreendimentos em construção e investimentos imobilizados em bancos de terra que poderiam comprometer a realização dos ganhos com a iminência da crise de 2008, as oito principais empresas de capital aberto constituíram uma mesa de trabalho com o governo (Mesa Corporate), a fim de elaborar o novo programa habitacional. Em 2011, esse grupo de empresas passou a ser atendido pela CEF de modo exclusivo, com a criação da Superintendência Regional Grandes Empresas – Construção Civil, que tinha por objetivo centralizar o atendimento às grandes empresas da construção civil atuantes nos níveis regional e nacional, padronizando procedimentos e aumentando as contratações de empreendimentos habitacionais, garantindo maior agilidade na aprovação e liberação do crédito.

Reconhecendo no Mesa Corporate uma importante plataforma de inovações posteriormente repassadas para todo o setor, essas empresas constituíram, em 2013, a Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc). Reunindo oficialmente 19 empresas responsáveis por quase 50% do mercado de incorporação no País na constituição formal da instituição, a associação foi ganhando novos membros, atingindo 47 incorporadoras associadas em 2020. Dentre seus objetivos declarados, a Abrainc propõe-se a “levar mais eficiência em gestão, qualidade e desenvolvimento para todo o ciclo da incorporação imobiliária”, atuando em diversas frentes, como aprimoramento dos marcos jurídicos, organização do funding imobiliário, discussão das relações de trabalho no setor e nas revisões do PMCMV, nas quais houve participação ativa da instituição nos debates e proposições de mudanças.17 (17) Conselheiro da Abrainc em entrevista, às autoras, em janeiro de 2017. Em estudo divulgado recentemente, a Abrainc destacou a importância do PMCMV para o setor, assinalando que, das 6,3 milhões de moradias lançadas entre 2009 e 2017, 4,9 milhões estavam enquadradas no programa, o que equivale a 77,8% das habitações produzidas pela incorporação no País (Abrainc, 2017ABRAINC – Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (2017). Cadeia de valor e importância socioeconômica da incorporação imobiliária no Brasil. Disponível em: https://www.abrainc.org.br/wp-content/uploads/2018/03/Cadeia-de-Valor-03-2018.pdf. Acesso em: abr 2018.
https://www.abrainc.org.br/wp-content/up...
).

No âmbito das políticas urbanas municipais, a Abrainc também vem pautando os debates nos dois maiores espaços metropolitanos do País (Rio de Janeiro e São Paulo). Em 2020, a associação consolidou um documento com “Propostas aos candidatos à prefeitura de São Paulo” que, dentre outras sugestões, estimulava a criação de um programa municipal de incentivo ao setor privado para produção de unidades habitacionais direcionadas à locação social e de mercado, além de reivindicar uma série de incentivos à produção, através da flexibilização de índices urbanísticos, concessão de terras públicas para a produção, subsídios municipais para os compradores, isenções e descontos de tarifas de competência municipal (Abrainc, 2020b).

Na política federal, é notável o acompanhamento da entidade nas proposições governamentais. Em eventos realizados, entre agosto de 2020 e março de 2021, a Abrainc reuniu diversas entidades do setor (Abecip, CBIC, Secovi, Sinduscon), do poder executivo (como os presidentes da CEF e do Banco Central, além de ministros e secretários), do legislativo (presidente do Senado Federal, Vice-Presidente da Câmara dos Deputados e parlamentares) e do setor financeiro (diretores de bancos privados, corretoras de valores mobiliários e o presidente da B3, a bolsa de valores brasileira) para debater pautas como securitização imobiliária, mercado de capitais, políticas habitacionais e reformas administrativa e tributária, o que demonstra a importância e o espaço que as grandes incorporadoras vêm assumindo não só na economia, mas também na política. O anúncio do PCVA, em 25 de agosto de 2020, ainda que pouco detalhado na ocasião, cristaliza, na política habitacional, os interesses das grandes incorporadoras ao reforçar o protagonismo dos promotores privados e a priorização dos recursos para os segmentos atendidos “pelo mercado” (antigas faixas 2 e 3 do PMCMV).18 (18) Por meio da medida provisória n. 996, foram reduzidas as modalidades do programa, agora dividido em duas faixas: uma direcionada às famílias com renda inferior a R$2.000,00, para quais a única solução prevista é a regularização fundiária, e outra direcionada às famílias com renda entre R$2.000,00 e R$7.000,00, para as quais é proporcionado financiamento com reduções nas taxas de juros praticadas, variáveis também conforme a região do País.

O recente estudo contratado pela Abrainc (2020c) procurou encobrir as enormes contradições resultantes da expansão e consagração do segmento econômico e legitimar a continuidade das políticas que suportaram esse modelo. Apesar do aumento substancial da produção de novas unidades habitacionais no período, entre 2004 e 2019, o ônus excessivo com aluguel passou de 18,9% para 42,9% do déficit de moradias no País, chegando a representar 52,6% na RMSP em 2019. No estudo, esse crescimento é ofuscado com a proposição de déficit restrito, apartando o ônus excessivo com aluguel das demais componentes do déficit habitacional. Dessa maneira, a associação busca construir um discurso de sucesso dos resultados da política habitacional por meio da produção direcionada ao segmento econômico, obscurecendo as consequências do acentuado processo de mercantilização da cidade, expressa nos altos preços imobiliários e na ampliação das dificuldades de acesso à moradia para os mais pobres.

Ademais, a liderança de Rubens Menin, presidente da MRV Engenharia, desde a criação da associação, também chama a atenção. Presidente do Conselho Deliberativo, sua presença reitera a percepção do alinhamento da associação aos interesses das maiores empresas de incorporação, com fortes articulações com o capital financeiro internacional e a relevância do próprio segmento econômico para o setor como um todo.

Em suma, a atuação da Abrainc conjuga distintas estratégias e escalas, intensificando a reprodução do capital no setor por meio da disputa pelo controle indireto das condições de produção da habitação, reforçando a mercantilização da produção do espaço e redefinindo o papel do Estado no processo.

Considerações finais

Diante do exposto, parece-nos evidente o papel central exercido por grandes incorporadoras nacionais na construção do segmento econômico desde os anos 1990, com o avanço da agenda neoliberal e das finanças no País, em um movimento de articulação do controle econômico direto e indireto da produção habitacional, conjugando estratégias em diferentes níveis governamentais. No âmbito imediato da produção, é claro o esforço de articulação entre a padronização e a intensificação construtiva. Numa escala intermediária, a apropriação de localizações periféricas e os esforços de transformação na política urbana local também se colocam como estratégias centrais à ampliação da acumulação por parte dessas empresas. Em nível global, condições de financiamento privilegiadas por uma série de subsídios diretos e indiretos garantidos pelo Estado, aliadas a estratégias financeiras cada vez mais sofisticadas, põem em relevo a importância desses agentes na articulação de interesses do capital financeiro internacional por meio de estratégias e políticas nacionais e locais.

A atuação do Estado, tão presente em todo esse processo, permanece e intensifica-se, ainda que metamorfoseada. Se anteriormente atuava – ainda que parcialmente – na perspectiva de desmercantilização de determinadas relações sociais, a fim de garantir a reprodução da força de trabalho através do controle direto da produção, passa a atuar como agente regulador e dinamizador de relações sociais de produção cada vez mais mercantilizadas por meio das políticas de crédito, nos mecanismos jurídicos e financeiros e nas políticas urbanas, viabilizando crescentemente as condições de expansão do mercado, ao passo que se ausenta em uma ação mais direta na produção.

Apresentado como solução inequívoca, o segmento econômico avança fundamentado na retórica da necessidade social, que legitima o direcionamento de massivos recursos advindos de fundos públicos e semipúblicos, sem, no entanto, resolver o problema social da moradia nas metrópoles. Ao revés, sua lógica de rentabilidade, exacerbada pela racionalidade das finanças, aprofunda as contradições da produção do espaço, ao impulsionar a elevação dos preços da terra e da habitação. A própria restrição do acesso à moradia aos sujeitos com capacidade de adquirir crédito deixa de lado grande parte da população, negando, aos mais pobres, o acesso à moradia e cidade. No limite, a promoção habitacional pública é inviabilizada. Em síntese, trata-se de uma inviabilização econômica e política que acaba por desconstruir e deslegitimar a estratégia de desmercantilização, ainda que parcial, das relações sociais de produção da moradia através da promoção direta de habitações realizada pelo Estado.

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Notas

  • (1)
    Além dessas duas categorias, o autor também apresenta o trabalho direto, que condiz com a capacidade humana de trabalho nos processos imediatos de apropriação da natureza, e o controle técnico, referente à regulação dos meios de produção do ponto de vista da organização do trabalho.
  • (2)
    Na época, cabia às Companhias Habitacionais planejar o empreendimento e coordenar a operação, contratando empreiteiras por meio de licitações para a construção dos conjuntos. Ainda que houvesse atividades direcionadas à acumulação (como o caso da contratação de empreiteiras para a realização da construção), o motor da produção, nos termos de Jaramillo (1982)JARAMILLO, S. (1982). “Las formas de producción del espacio construido en Bogotá”. In: PRADILLA COBOS, E. (org.). Ensayos sobre el problema de la vivienda en México. Cidade do México, Latina Unam., não era a acumulação, sendo essa produção pelo autor denominada produção estatal capitalista desvalorizada.
  • (3)
    Em sua tese de doutorado, Castro (1999)CASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo. discutiu a ascensão e o funcionamento das cooperativas habitacionais autofinanciadas nos anos 1990. De acordo com a autora, a partir de Constituição de 1998, o controle sobre essas associações, até então realizado por agentes públicos, foi transferido às próprias organizações, com a autoadministração e autofiscalização. Tratava-se, portanto, de uma figura jurídica que possibilitava a associação e integração de interessados na produção autofinanciada da moradia e que teve forte protagonismo na produção imobiliária de São Paulo principalmente nos anos de 1996 e 1997. Segundo Castro (ibid.), o autofinanciamento era definido como a antecipação dos recursos do usuário à produção, dispensando o concurso da intermediação financeira.
  • (4)
    De acordo com reportagem do jornal Folha de S.Paulo (1997).
  • (5)
    De acordo com o site oficial da empresa. Disponível em: http://ri.rossiresidencial.com.br/conteudo_pt.asp?idioma=0&conta=28&tipo=58910. Acesso em: 6 fev 2020.
  • (6)
    Segundo Luiz Fernando Lucho do Valle, diretor da Área de Negócios do Vida Nova, “não fazemos sob medida e não permitimos modificações. Toda personalização desconsideramos, pois percebemos que não era importante para o cliente e tinha um custo adicional que influenciava o preço final” (Castro, 1999, pCASTRO, C. M. P. de (1999). A explosão do autofinanciamento na produção da moradia em São Paulo nos anos 90. Tese de doutorado. São Paulo, Universidade de São Paulo., p. 194).
  • (7)
    Sob coordenação da professora doutora Ermínia Maricato, entre 1997 e 1998, foi desenvolvida a pesquisa “Como ampliar o acesso ao mercado residencial privado legal?”.
  • (8)
    Dados disponibilizados no site oficial da empresa. Disponível em: https://www.rossiresidencial.com.br/historia-linha-do-tempo-rossi.php. Acesso em: 10 dez 2019.
  • (9)
    De acordo com a reportagem, “Esse nicho é o grande filão da indústria […]. E como já há um leque de possibilidades de financiamentos bancários a prestações baixas, os investimentos em empreendimentos econômicos não apenas se tornaram viáveis, como assumiram o status de ‘projetos principais’ das empresas, que, agora, precisam ampliar seu portfólio para adentrar em um modelo de negócio com características peculiares e até então pouco explorado”. O assédio das grandes, Revista Construção Mercado, n. 79, fev 2008.
  • (10)

    Dados disponibilizados no Sishab. Disponível em: http://sishab.mdr.gov.br/. Acesso em: 15 fev 2021.
  • (11)

    Inicialmente, as faixas do programa foram estabelecidas em conformidade com o salário-mínimo (s.m.), sendo a Faixa 1 direcionada a famílias com renda entre 0 e 3 s.m., a Faixa 2 para rendas entre 3 e 6 s.m. e a Faixa 3 para famílias com renda familiar entre 6 e 10 s.m. Posteriormente, as Faixas estabelecidas pelo programa foram desindexadas do salário-mínimo. Em 2017, Faixa 1 do programa era destinada a famílias cuja renda mensal fosse inferior R$1.800,00 e foi criada a Faixa 1,5, que atendia as famílias com renda inferior a R$2.600,00. Já as Faixa 2 e 3, voltavam-se as famílias com renda inferior a R$4.000,00 e R$9.000,00, respectivamente.
  • (12)

    Conselheiro da Abrainc em entrevista às autoras em janeiro de 2017.
  • (13)

    Ficando atrás da chinesa Vanke e da estadunidense D.R. Horton. Para mais detalhes, cf. MRV fará investimentos de R$50 bi em dez anos, Valor Econômico, 13 dez 2017. Disponível em: http://www.valor.com.br/empresas/5225931/mrv-fara-investimentos-de-r-50-bi-em-dez-anos. Acesso em: 18 nov 2018.
  • (14)

    Segundo um de seus diretores, “Nós enxergamos que existe potencial para aumentar as vendas sem aumentar o número de praças em que estamos” (InfoMoney, 2016)INFOMONEY (2016). MRV planeja iniciar até fim do ano seu maior projeto, com 25 torres em SP, 20 jun. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/negocios/mrv-planeja-iniciar-ate-fim-do-ano-seu-maior-projeto-com-25-torres-em-sp/. Acesso em: 8 ago 2020.
    https://www.infomoney.com.br/negocios/mr...
    .
  • (15)

    Com enfoque na padronização, em 2003, a MRV lançou três linhas voltadas a setores populares: Parque, Spazio e Village, que se diferenciavam em relação ao preço de comercialização, altura dos edifícios e itens de lazer ofertados. Com pequenas alterações, essas linhas foram mantidas após o lançamento do PMCMV, mas, em 2017, houve reestruturação, e novas linhas de produtos foram anunciadas: Eco, Bio, Premium e Garden.
  • (16)

    Diretor de empresa atuante no segmento econômico em entrevista, às autoras, em setembro de 2019.
  • (17)

    Conselheiro da Abrainc em entrevista, às autoras, em janeiro de 2017.
  • (18)

    Por meio da medida provisória n. 996, foram reduzidas as modalidades do programa, agora dividido em duas faixas: uma direcionada às famílias com renda inferior a R$2.000,00, para quais a única solução prevista é a regularização fundiária, e outra direcionada às famílias com renda entre R$2.000,00 e R$7.000,00, para as quais é proporcionado financiamento com reduções nas taxas de juros praticadas, variáveis também conforme a região do País.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Mar 2021
  • Aceito
    26 Abr 2021
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