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Favela olímpica e pós-olímpica:dinâmicas demográficas e no mercado imobiliário do Vidigal* (*) O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.

Resumo

Neste artigo, lançamos um olhar atualizado sobre as novas dinâmicas demográficas e imobiliárias instauradas na favela do Vidigal, Rio de Janeiro, dentro do que chamamos aqui de período olímpico (2007-2016) e pós-olímpico (2016-2018). Apoiados em uma amostra probabilística sistemática de questionários semiestruturados aplicados a 364 domicílios, analisamos os impactos desse período no perfil socioeconômico da população dessa favela e no mercado imobiliário local, avaliando em que medida esses impactos permaneceram ou não após o fim do período de megaeventos. Como resultado, apontamos para a formação de um novo fluxo migratório em direção a essa favela após a sua pacificação, fluxo este que apresenta sinais de retração após o fim do período de megaeventos.

favelas; megaeventos; dinâmicas demográficas; dinâmicas imobiliárias; gentrificação

Abstract

In this article, we analyze the new demographic and real estate dynamics established in the Vidigal slum, Rio de Janeiro, within what we call here the olympic (2007-2016) and post-olympic periods (2016-2018). Based on a systematic probability sample of semi-structured questionnaires administered to 364 households, we analyzed the impacts of this period on the socioeconomic profile of this slum population and on the local real estate market, assessing whether these impacts remained or not after the end of the mega-event period. As a result, we show the formation of a new migration flow towards this slum after its pacification, a flow that shows signs of retraction after the end of the mega-event period.

slums; mega-events; demographic dynamics; real estate dynamics; gentrification

Introdução

Nos últimos anos, poucos assuntos foram tão debatidos no campo dos estudos urbanos da cidade do Rio de Janeiro quanto os impactos do período que aqui chamaremos de década dos megaeventos.1 (1) Ao longo de quase uma década (2007-2016), a cidade do Rio de Janeiro foi sede de uma série de eventos de grande porte, entre eles: Jogos Panamericanos de 2007, FifaFanFest (2010), Rio+20 (2012), Jornada Mundial da Juventude e Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016. Os investimentos de recursos públicos e privados dentro do processo de preparação da “Rio cidade-sede” concentraram-se principalmente nos campos da mobilidade urbana e na esfera da segurança pública (Santos Junior, Gaffney e Ribeiro, 2015). Não menos importante, insere-se no conjunto de políticas de reestruturação urbana que fizeram parte do processo de preparação da cidade para esse período a revitalização da zona portuária do Rio de Janeiro, projeto intitulado “Porto Maravilha” e inserido em um movimento mundial de requalificação urbana de zonas portuárias.

No campo da habitação, alguns territórios informais de baixa renda foram impactados nesse período, principalmente por duas frentes de políticas públicas: primeiro, pela ameaça de remoção de parcela desses territórios diante da retomada de práticas remocionistas pelo poder público municipal2 (2) Magalhães (2012) mostra como o período “Rio cidade-sede” é marcado por uma reconstrução de discursos e práticas remocionistas em uma estratégia de relegitimação da remoção de favelas como prática e como um programa político por parte do poder público municipal. Azevedo e Faulhaber (2015, p. 36) mostram que, de janeiro de 2009 a dezembro de 2013, mais de 20 mil famílias foram removidas de suas casas, o que corresponderia a cerca de 67 mil pessoas, ou seja, mais que o dobro de pessoas removidas durante o governo de Carlos Lacerda (cerca de 30 mil pessoas entre 1961 e 1965) e mais que o triplo de removidos no período Pereira Passos (20 mil entre 1902 e 1906). e, segundo, pelos impactos indiretos que ocorreram em função da melhoria nos índices de segurança pública em parte dos territórios que receberam o programa denominado Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).

O programa de pacificação de favelas foi lançado oficialmente em 2008, pela Secretaria Estadual de Segurança Pública, e teve como primeira unidade a UPP Santa Marta, implementada na favela Santa Marta, bairro de Botafogo, zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Com o anúncio de que a cidade do Rio de Janeiro sediaria os Jogos Olímpicos de 2016, o programa de pacificação de favelas passou a ser um dos pilares do projeto de preparação da cidade para receber o iminente megaevento esportivo.

Os impactos de curto e médio prazo da implementação das primeiras Unidades de Polícia Pacificadora sobre os territórios pacificados foram amplamente debatidos em vários campos de pesquisa.3 (3) Sobre o impacto das UPPs no mercado imobiliário dentro e no entorno das áreas pacificadas, consultar Mandel e Frischtak (2012); para impactos do programa sobre a dinâmica comercial das áreas pacificadas: IETS (2012); e para impacto das UPPs no âmbito da segurança pública: Cano, Borges e Ribeiro (2012). O que estes estudos mostraram é que o início da implementação das primeiras UPPs foi marcado por um aumento sem precedentes nos preços dos imóveis localizados dentro e ao redor das favelas pacificadas apenas alguns dias após a implementação dessas unidades (Mandel e Frischtak, 2012MANDEL, B. R.; FRISCHTAK, C. (2012). Crime, house prices and inequality: the effects of UPPs in Rio. Rio de Janeiro, Federal Reserve Bank of New York. Staff Report n. 542.). Somado a isto, o aumento da presença de grupos de renda mais elevada em regiões do entorno ou dentro de algumas favelas pacificadas foi amplamente relatado não somente por trabalhos acadêmicos, mas também pela imprensa local (Tadini, 2013TADINI, N. (2013). Chasing the real: the gentrification of Rio de Janeiro‘s favelas. Dissertação de mestrado. Roskilde, Roskilde University.; Cummings, 2013CUMMINGS, J. (2013). Confronting the favela chic: gentrification of informal settlements in Rio de Janeiro, Brazil. Dissertação de mestrado. Cambridge, Harvard University., Quirion, 2017QUIRION, N. (2017). Jogos de distinção e lógica da exclusão: problematizando o conceito de gentrificação a partir de uma favela urbanizada do Rio de Janeiro. Revista E-Metropolis. Rio de Janeiro, v. 31, pp. 22-30.; Novaes, 2017NOVAES, P. R. (2017). A gentrificação periférica na cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). Alguns trabalhos indicam que esse movimento migratório se deu principalmente por conta da atratividade nas melhorias em segurança pública (Mandel e Frischtak, 2012MANDEL, B. R.; FRISCHTAK, C. (2012). Crime, house prices and inequality: the effects of UPPs in Rio. Rio de Janeiro, Federal Reserve Bank of New York. Staff Report n. 542.; Tadini, 2013TADINI, N. (2013). Chasing the real: the gentrification of Rio de Janeiro‘s favelas. Dissertação de mestrado. Roskilde, Roskilde University.), enquanto outros apontam que um dos fatores principais que marcaram essa dinâmica foi também o desejo de se mudar para uma “comunidade autêntica” (Tadini, 2013TADINI, N. (2013). Chasing the real: the gentrification of Rio de Janeiro‘s favelas. Dissertação de mestrado. Roskilde, Roskilde University.; Cummings, 2013CUMMINGS, J. (2013). Confronting the favela chic: gentrification of informal settlements in Rio de Janeiro, Brazil. Dissertação de mestrado. Cambridge, Harvard University.; Quirion, 2017QUIRION, N. (2017). Jogos de distinção e lógica da exclusão: problematizando o conceito de gentrificação a partir de uma favela urbanizada do Rio de Janeiro. Revista E-Metropolis. Rio de Janeiro, v. 31, pp. 22-30.).

Em uma tentativa de explicar as contradições e as complexidades dos fenômenos demográficos observados em algumas das favelas pacificadas no período de megaeventos, alguns conceitos, como “neofavelados” (Quirion, 2017QUIRION, N. (2017). Jogos de distinção e lógica da exclusão: problematizando o conceito de gentrificação a partir de uma favela urbanizada do Rio de Janeiro. Revista E-Metropolis. Rio de Janeiro, v. 31, pp. 22-30., p. 22) e “gentrificação periférica” (Novaes, 2017NOVAES, P. R. (2017). A gentrificação periférica na cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro., p. 202), foram utilizados por pesquisadores do assunto para tipificar o que seriam os novos moradores que passaram a ser atraídos a fixar residência em algumas favelas do Rio de Janeiro no período de grandes eventos internacionais.4 (4) Com o termo “neofavelados”, Quirion (2017) busca tipificar o que seriam os novos moradores que passaram a ser atraídos a fixar residência em algumas favelas do Rio de Janeiro no período de grandes eventos internacionais. O que caracteriza e motiva esses grupos a buscarem residência nesses espaços, segundo o pesquisador, é não somente a questão financeira, mas principalmente “o desejo de se integrar a uma dinâmica social percebida como diferente: mais “humana” e “autêntica””. Em Novaes (2017), o termo “gentrificação periférica” surge como uma tentativa de caracterizar um processo de elitização pontual de algumas áreas específicas das favelas cariocas ao mesmo tempo que esses territórios permanecem populares e estigmatizadas pela marginalidade.

Apesar disso, a ausência de trabalhos empíricos mais aprofundados traz algumas limitações para a compreensão dos fenômenos demográficos de fato instaurados nesses territórios no período em questão. Somado a isto, a falta de um olhar atualizado para essas dinâmicas, após o fim da chamada década dos megaeventos, impede-nos de avaliar em que medida esses fenômenos persistem ou não após esse período. Por esse motivo, uma melhor compreensão dos fenômenos que tomaram forma nos últimos anos nesses espaços demanda um olhar ampliado e atualizado sobre esses territórios.

Notas metodológicas

Conduzir uma pesquisa que nos ajude a compreender as dinâmicas demográficas que marcaram o período chamado de “década dos megaeventos” em algumas favelas do Rio de Janeiro nos coloca um desafio: conhecer o perfil socioeconômico e as características demográficas da população que vivia nesses espaços antes do período estudado e daquela que passou a viver nesses locais no período em questão.

Para avaliar essas dinâmicas, selecionamos a favela do Vidigal5 (5) Com os primeiros registros de ocupação datados da década de 1940, o Morro do Vidigal está localizado às margens da avenida Niemeyer, entre dois dos bairros mais elitizados da cidade do Rio de Janeiro: Leblon e São Conrado. Segundo o Censo IBGE de 2010, o Vidigal possuía, naquele ano, uma população de 12.797 habitantes e 4.585 domicílios. Historicamente, ocupa uma posição emblemática entre as favelas do Rio de Janeiro, por seu histórico de resistência contra tentativas de remoção por parte do governo do estado na década de 1970. Ainda nesse período, passou a ser reconhecido como “morro dos artistas”, por ser local de moradia de grupos ligados à música e ao teatro e pela presença do grupo de teatro “Nós do Morro”. Nos últimos anos, passou a receber o status de “favela chique” em função da intensificação do movimento de migração de grupos famosos ligados às artes em direção ao Morro e do aumento do número de estabelecimentos de turismo de entretenimento, que passaram a atrair visitantes de maior poder aquisitivo para o local. como estudo de caso desta pesquisa. Um dos fatores que ajuda a justificar essa escolha é a intensa inflação nos preços imobiliários pela qual passou essa favela no período pós-instalação da UPP Vidigal – Chácara do Céu, em 2012, o que fez do Vidigal uma das áreas com maior valorização nos preços de seus imóveis em toda a cidade do Rio de Janeiro no período 2008-2015 (Bonamichi, 2016BONAMICHI, N. C. (2016). Favela on sale: regularização fundiária e gentrificação de favelas no Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro.). A nosso ver, a alta inflação pela qual passou os preços dos imóveis locais é um forte indicativo da intensificação de novas dinâmicas demográficas e no mercado imobiliário local no período estudado.

O levantamento realizado abrangeu estratégias de natureza metodológica distintas quali e quantitativas. No braço quantitativo desta pesquisa, levantamos dados sobre o perfil socioeconômico dos moradores locais. No braço qualitativo, realizamos entrevistas semiestruturadas com moradores e lideranças locais. A coleta de dados quantitativos foi feita utilizando-se técnicas estatísticas de amostragem. A partir de uma amostra probabilística sistemática de domicílios, parte da população-alvo foi entrevistada de maneira que os resultados fossem representativos para todo aquele território. Ao todo, foram entrevistados 364 domicílios locais. O período de referência das informações coletadas é de 1º de agosto a 30 de outubro de 2018. .

O roteiro desenvolvido para os questionários aplicados à amostra domiciliar foi estruturado de forma a obter dados sobre o perfil socioeconômico da população sempre considerando seu tempo de moradia nesse espaço. Dessa maneira, o perfil dos moradores mais recentes pôde ser comparado ao perfil dos moradores mais antigos. Coletamos informações como renda, naturalidade, tempo de moradia no local, escolaridade, fluxos migratórios e percepções sobre o lugar.

Período Olímpico (2012-2016): análise comparativa do perfil socioeconômico de moradores pré e pós-pacificação

Nesta seção, apresentamos alguns indicadores demográficos que visam a caracterizar o perfil da população residente na área estudada por esta pesquisa. A análise comparativa desses indicadores nos ajudará a compreender as diferenças entre o perfil socioeconômico médio da população que já vivia nesse espaço antes do período de estudo desta pesquisa e o daquela que passou a viver no período mais recente.

O que obtivemos, a partir dos dados levantados, foi o retrato de uma população formada majoritariamente por pessoas que estão há somente uma geração nesse território, composta predominantemente por migrantes oriundos de outros estados do País (dos quais se destaca a forte presença de migrantes nordestinos). Trata-se, também, de uma população que migrou em direção a essa favela motivada por questões relacionadas a trabalho; mas a existência prévia de redes de familiares e de conhecidos foi essencial para a escolha por se mudarem especificamente para esse local. Somado a isto, é uma população com um baixo nível de escolaridade, tendo cor e raça divididas de forma relativamente equilibrada entre brancos e pretos ou pardos e com uma renda média que se concentra principalmente na faixa de 0 a 2 salários-mínimos e renda média domiciliar de cerca de 3 salários-mínimos.6 (6) Valores de referência R$954,00, salário-mínimo vigente no segundo semestre de 2018.

O levantamento de dados primários sobre o perfil socioeconômico da população residente na área estudada, com base em amostra representativa de seus moradores, permitiu-nos comparar características de grupos distintos dessa população. Com isso, estabelecendo como variável principal o tempo de moradia do(a) entrevistado(a), foi possível comparar dados referentes a naturalidade, renda domiciliar, cor/raça, escolaridade, entre outros, de moradores que passaram a morar nesse espaço no período mais recente e de moradores que já viviam nesse local há mais tempo.

Estabelecemos, para o Vidigal, o marco temporal 2012, ano de instalação da Unidade de Polícia Pacificadora Vidigal – Chácara do Céu,7 (7) O Vidigal foi a 19ª área a receber uma UPP, em 18 de janeiro de 2012. e comparamos o perfil médio da população que já vivia no morro no período pré-pacificação e da que passou a migrar em direção a esse local no período pós-pacificação. Posteriormente, repetimos a mesma análise inserindo outro marco temporal: 2016, ano em que se encerra a chamada década dos megaeventos, com a realização dos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Abaixo, apresentamos os resultados dessa análise comparativa.

A comparação de dados sobre a naturalidade dos moradores que já viviam no local anteriormente à pacificação e daqueles que passaram a viver no período pós-2012 nos mostra que, ao mesmo tempo que há uma queda de 29 pontos percentuais na participação de migrantes interestaduais entre os moradores mais recentes, há um aumento de 16% de moradores naturais de outros bairros do município do Rio de Janeiro, 6% entre os naturais de cidades do estado ou região metropolitana do Rio e 5% entre os naturais de países estrangeiros (Gráfico 1).

Gráfico 1
– Naturalidade dos responsáveis pelos domicílios de acordo com seu tempo de moradia no Vidigal

A avaliação do último local de moradia dos migrantes antes de se mudarem para o Vidigal nos permite compreender a mobilidade residencial das famílias residentes nesses espaços e formular uma matriz de origem dessa população. A análise de possíveis alterações nessa matriz, nos últimos anos, pode ajudar a identificar a formação de novos fluxos migratórios para esses espaços no período recente. Por isso, perguntamos, aos responsáveis pelos domicílios entrevistados que não eram nascidos na área em questão, o seu último local de moradia antes de se mudar para a favela estudada. Mais uma vez, a comparação desses dados, considerando os grupos de moradores que já viviam no Vidigal antes da pacificação e aqueles que passaram a morar após esse período, mostra-nos que há uma queda na participação relativa daqueles migrantes vindos de outros estados do País. Se, entre os moradores mais antigos, esse percentual era de 46%, ele passa para 20% entre os novos moradores. Observamos, também, que o peso relativo daqueles vindos de outros bairros formais do município em direção ao Vidigal aumenta, passando de 34 para 44%, e os vindos de outras favelas da cidade sobe de 10 para 16%. O percentual de moradores vindos de outras cidades do estado ou região metropolitana do Rio de Janeiro, por sua vez, passa de 10 para 20% (Gráfico 2).

Gráfico 2
– Último local de moradia segundo o tempo que vive no Vidigal

A análise dos fluxos migratórios é complementada pela questão que investigou as motivações por trás da formação desses fluxos em direção à área estudada. Ao serem questionados sobre os motivos que os fizeram procurar especificamente o Vidigal como local de moradia, os entrevistados responderam de forma livre. Posteriormente, através do uso de técnicas de análise de conteúdo, as respostas foram agrupadas em sete categorias (presença de familiares no morro, preço, trabalho, localização, segurança, bem-estar pessoal ou outro). É importante salientar que, para a realização dessa análise, foi considerado o primeiro motivo citado pelo entrevistado para escolher especificamente o Vidigal como local de moradia. A partir disso, percebemos que, ainda que a escolha por essa favela específica tenha sido motivada por questões como a busca por trabalho ou as vantagens locacionais do Morro, a maior parte dos entrevistados escolheu especificamente essa favela motivada primeiramente por questões familiares.

Entre os moradores que já viviam no Morro no período pré-2012, vemos que os fatores mais citados como motivo para ter se mudado para o local foram a “presença de familiares no Morro” (55%) e “trabalho” (14%). Esses migrantes são menos guiados pelos motivos “preço” (4%) e “localização” (5%). Quando olhamos para os migrantes que passaram a morar no Vidigal no período após a pacificação, apesar de ainda predominar aqueles que procuravam o morro motivados por questões familiares, observamos que houve um aumento daqueles que passaram a morar no local motivados por questões como trabalho (24%), preço (15%), localização (9%) e segurança (7%) e uma redução daqueles que procuraram o morro motivados pela presença prévia de familiares no local (29%) (Gráfico 3).

Gráfico 3
– Motivos da mudança para o Vidigal segundo seu tempo de moradia no local

A principal diferença quando olhamos para os dados referentes à escolaridade dos moradores que já viviam no Vidigal no período pré-pacificação e aqueles que passaram a procurar o Morro como local de moradia após esse período é o percentual de moradores com ensino fundamental incompleto, ensino superior (completo e incompleto) e pós-graduação. Enquanto 38% dos antigos moradores possuíam ensino fundamental incompleto, somente 11% dos novos moradores pós-pacificação possuíam esse nível de escolaridade. Da mesma forma, enquanto somente 13% dos moradores que já viviam no local antes da pacificação possuíam ensino superior completo, incompleto ou pós-graduação, 37% dos novos moradores haviam ao menos iniciado uma graduação (Gráfico 4).

Gráfico 4
–Escolaridade de acordo com o tempo de moradia no Vidigal

Em relação a cor e raça, nosso levantamento aponta que a população que passou a procurar o Vidigal como moradia no período após a pacificação local é 62% branca e 36% preta ou parda. Ou seja, trata-se de uma população 20 pontos percentuais mais branca e 21 pontos percentuais menos preta e parda do que a que já vivia nesse local (Gráfico 5).

Gráfico 5
– Cor ou raça de acordo com o tempo de moradia no Vidigal

A renda média domiciliar de todos os domicílios entrevistados por esta pesquisa era de R$2.695,58 na data de realização do levantamento. Quando isolamos somente os domicílios que já se encontravam ocupados antes da pacificação local, essa renda média cai para R$2.355,03. Além disso, quando isolamos os domicílios que passaram a ser ocupados após a pacificação local, vemos que a renda média domiciliar passa a ser R$3.613,80. A diferença de renda média domiciliar entre os domicílios já ocupados antes da pacificação e aqueles que passaram a ser ocupados após esse processo é de R$1.258,77, o que corresponde a 1,32 salários-mínimos, considerando o valor de R$954,00, salário-mínimo vigente na data da realização deste levantamento no Vidigal (Gráfico 6).

Gráfico 6
Renda média domiciliar de acordo com o tempo de moradia do(a) responsável pelo domicílio no Vidigal

A análise comparativa dos dados referentes ao perfil socioeconômico da população que já vivia no Vidigal no período pré-pacificação e da que passou a migrar em direção a esse local após esse período nos mostra que, enquanto a população que já vivia no local era predominantemente preta ou parda (57%), com nível de escolaridade concentrado principalmente entre ensino fundamental incompleto e médio completo (66%) e originária principalmente de outros estados do País (46%), o que caracteriza o perfil da população que passou a viver nesse espaço após a instalação da UPP, em fevereiro de 2012, é o fato de ser predominantemente branca (62%), com renda média individual e domiciliar sensivelmente mais elevada, maior taxa de ensino superior e pós-graduação e último local de moradia concentrado principalmente em outros bairros formais da cidade do Rio de Janeiro (44%). Essa análise comparativa nos mostra uma mudança importante no perfil socioeconômico dos grupos que passaram a migrar em direção ao Vidigal após a pacificação local, quando comparados ao perfil médio daqueles que já viviam no Morro.

A análise dos dados sobre último local de moradia entre os moradores que já viviam no local antes da pacificação e aqueles que passaram a viver após aponta para a intensificação de fluxos migratórios vindos de outros bairros formais da cidade e de outras cidades do estado do Rio de Janeiro (notadamente da região metropolitana) e a regressão de fluxos migratórios vindos de outros estados do País. Isto indica que a instalação da UPP Vidigal – Chácara do Céu pode ter tornado o Vidigal possibilidade de moradia para novos grupos sociais que não aqueles que historicamente migravam em direção ao Morro na busca por moradia antes do nosso recorte temporal de pesquisa.

Período pós-olímpico (2016-2018): reorganização de dinâmicas demográficas?

No tópico anterior, mostramos que os moradores que passaram a procurar o Vidigal como local de moradia após a implementação da UPP local apresentam algumas diferenças de perfil em quesitos como cor/raça, escolaridade, renda e último local de moradia quando comparados aos moradores que já viviam no Vidigal antes desse período. No entanto, se aprofundarmos ainda mais a análise dos dados levantados por nossa pesquisa, separando os moradores migrantes que já viviam no Vidigal no período pré-2012, os que passaram a morar no período de quatro anos que seguem a pacificação (2012-2016) e aqueles que passaram a morar no período mais recente (2016-2018), observamos novamente algumas divergências de perfil socioeconômico entre esses três grupos de migrantes.

A comparação de dados sobre cor e raça da população que já vivia no Vidigal no período pré-pacificação e daquela que passa a procurar o Morro como local de moradia após esse período nos mostrou que os migrantes que se mudaram para o Vidigal no período mais recente são mais brancos e menos pretos e pardos do que a média da população que já vivia nesse espaço. Além disso, quando fragmentamos ainda mais esses dados, inserindo o novo marco temporal 2016, o que percebemos é que aqueles que se mudam para o Vidigal no período pós-2016 apresentam um perfil de cor e raça mais semelhante à média da população que já vivia no local antes da pacificação. Enquanto os migrantes que se mudaram para o local, no período 2012-2016, são 75% brancos e 23% pretos ou pardos, os migrantes que vão em direção ao Morro no período 2016-2018 são 55% brancos e 45% pretos ou pardos, um perfil mais próximo dos moradores que já viviam desde antes da pacificação (48% brancos e 51% pretos ou pardos).

A análise de dados sobre renda nominal média mensal dos entrevistados também aponta para uma renda média sensivelmente mais alta entre aqueles que se mudaram para o Vidigal no período 2012-2016 (R$1.683,95) e uma renda média mais baixa entre aqueles que se mudaram no período pós-2016 (R$1.341,00). Novamente, quando olhamos para aqueles que se mudaram nos últimos dois anos (2016-2018), a renda nominal média mensal aproxima-se da renda média nominal mensal dos moradores que já viviam nesse espaço no período pré-pacificação (R$1.391,64).

Quando olhamos para o nível de escolaridade dos migrantes que vão em direção ao Vidigal considerando os mesmos marcos temporais 2012 e 2016, o que observamos é que os moradores que passam a morar no Vidigal no período 2012-2016 possuem um nível de escolaridade mais elevado do que a média dos moradores que já viviam no local antes da pacificação. Enquanto 87% dos moradores que já viviam no Vidigal antes da pacificação possuíam até ensino médio completo e 13% haviam iniciado ou concluído o ensino superior, somente 58% dos moradores que se mudaram para o Morro no período 2012-2016 possuíam até ensino médio completo, enquanto 43% haviam iniciado ou concluído o ensino superior. Entre os moradores que passaram a migrar no período mais recente (2016-2018), volta a cair o percentual de moradores que haviam iniciado ou concluído o ensino superior (33%) e cresce aqueles que possuíam até ensino médio completo (64%).

Conseguimos observar melhor o que parece ser a formação de um novo fluxo migratório, quando avaliamos o último local de moradia desses migrantes antes de se mudarem para o Vidigal. Há um drástico aumento na participação de migrantes que antes viviam em outros bairros formais da cidade do Rio de Janeiro entre aqueles que passaram a procurar o Vidigal como local de moradia nos quatro anos que sucederam à pacificação local (2012-2016). Enquanto somente 34% dos que se mudaram para o Vidigal no período pré-pacificação vinham de outros bairros formais e 46% vinham de cidades fora do estado; entre aqueles que passaram a morar no Morro de 2012 a 2016, 70% vieram de outros bairros formais e 15% de cidades fora do estado. Entre os que se mudaram para o Morro no período pós-2016, no entanto, volta a cair a participação dos moradores vindos de outros bairros formais (30%) ao mesmo tempo que sobe a participação daqueles vindos de outras cidades do estado do Rio (24%), de fora do estado (24%) e de outras favelas (percentual que passa de 0% entre os migrantes de 2012 a 2016 para 21% entre os migrantes que se mudaram no período 2016-2018).

Quando avaliamos os motivos que fizeram aqueles que migraram em direção ao Vidigal a escolher essa favela como local de moradia, o que notamos é uma diferença significativa de motivação entre aqueles que se mudaram para o local no período pré-2012, 2012-2016 e pós-2016. Enquanto os moradores que já viviam no local antes da pacificação escolheram o Vidigal como moradia muito mais motivados por questões como a presença de familiares no Morro (55%), aqueles que passaram a procurá-lo para viver no período 2012-2016 são menos motivados por questões familiares (19%) e mais motivados pela relação de custo-benefício, que envolve os quesitos como preço (29%), localização (14%), segurança (10%) e bem-estar pessoal (5%). No período pós-2016, no entanto, percebemos uma retomada daqueles migrantes que passaram a procurar o Vidigal como local de moradia movidos por questões familiares (36%) e trabalho (30%) e uma redução daqueles que eram motivados por questões como preço (6%), localização (6%), segurança (6%).

O que podemos observar com esses dados é que, ao longo dos quatro anos que sucederam à pacificação local (2012-2016), começa a se configurar um novo mercado de moradia de aluguel no Morro, atraindo moradores de áreas distintas do Rio de Janeiro que apresentavam um perfil socioeconômico diverso da média da população local. Além disso, esse novo fluxo migratório observado parece perder força no período que chamamos aqui de pós-olímpico (2016-2018).

O Vidigal viu o comando do tráfico local (antes pertencente ao ADA – Amigos dos Amigos) ser substituído pelo Comando Vermelho ainda no final do ano 2017.8 (8) O que caracterizava o comando do ADA (Amigos dos Amigos) era principalmente uma presença mais sutil e discreta no Morro, enquanto o CV (Comando Vermelho) é conhecido pelo domínio territorial mais ostensivo e pela violência característica desse grupo. Com a troca do comando e o enfraquecimento das UPPs, o Vidigal voltou a viver o drama dos confrontos armados diários entre policiais e grupos ligados ao tráfico de drogas. Ao mesmo tempo, a profunda crise que passou a afetar o modelo de controle territorial exercido pelas Unidades de Polícia Pacificadora intensificou-se a partir da segunda metade de 2017, quando 33% do efetivo policial que ocupava postos em favelas pacificadas foi realocado para fora desses espaços. A partir disso, sucessivos cortes de recursos e alterações no modelo de funcionamento das UPPs reforçaram a narrativa de falência do modelo. Assistiu-se, assim, a uma intensificação da repressão por parte do efetivo que ainda atuava em favelas pacificadas e ao gradual retorno da presença de grupos ostensivamente armados e ligados ao tráfico de drogas para esses territórios.

A crise da segurança pública do Rio de Janeiro, a troca do comando do tráfico no Vidigal, o fim dos megaeventos esportivos e a crise político-econômica brasileira, que se intensifica principalmente no período pós-2015, são alguns dos fatores que podem ter contribuído para uma reorganização das novas dinâmicas demográficas e econômicas observadas no Vidigal no período 2012-2016.

Dinâmicas imobiliárias: novos formatos

O Vidigal possui um percentual de imóveis alugados quase dez pontos percentuais acima da média de imóveis alugados localizados em assentamentos precários do município do Rio de Janeiro.9 (9) Segundo o Censo do IBGE de 2010, 20,8% dos imóveis localizados em assentamentos precários no município do Rio de Janeiro encontravam-se em uma condição de ocupação de aluguel, enquanto 75,3% eram próprios. No Vidigal, encontramos um percentual de imóveis alugados de 29,4% e um percentual de imóveis próprios de 65,4%. Em consequência, possui um percentual de imóveis próprios (quitados pelos responsáveis ou herdados de familiares) quase dez pontos percentuais abaixo da média de imóveis próprios localizados em assentamentos precários do município. Os números mostram a existência de um mercado de aluguel de imóveis residenciais relativamente mais forte no Vidigal quando comparado à média das demais favelas do Rio de Janeiro.

Nesse tipo de território, ocupado seguindo o que Abramo (2000) chama de “lógica da necessidade”, é bastante comum o fracionamento domiciliar para se dividir uma mesma edificação à medida que a família que ali habita vai se expandindo. Com isso, temos edificações de uso multifamiliar (onde habitam mais de um núcleo familiar) e que possuem alguma relação de parentesco entre si (famílias estendidas: pais e filhos, avós e netos, tios e sobrinhos, etc.). Além disso, um tipo de fracionamento cada vez mais comum nesses espaços tem sido aquele que transforma edificações antes unifamiliares em multifamiliares, ocupadas por pessoas que não possuem nenhuma relação de parentesco com a família que já vivia anteriormente naquele imóvel. Esse tipo de fracionamento ocorre quando o proprietário pretende alugar ou vender parte da edificação, levando a uma condição de coabitação entre pessoas que não possuem nenhuma relação de parentesco entre si.

O tipo de uso predominante nas edificações do Vidigal pode variar de acordo com a sua localização. Ao longo da avenida Presidente João Goulart, principal via de acesso que corta todo o Morro e vai da parte baixa até o alto da favela, é muito comum a presença de imóveis de uso misto, com espaços comerciais no andar térreo e residenciais próprios ou alugados nos andares superiores. Nas demais áreas do Morro, são mais comuns as edificações de uso estritamente residencial, mas que abrigam mais de um domicílio. Esses domicílios são ocupados, ora por pessoas que possuem alguma relação de parentesco entre si (famílias estendidas), ora por grupos que não possuem relação familiar uns com os outros.

Quando comparamos o percentual de edificações de uso unifamiliar, multifamiliar ocupadas por pessoas com alguma relação de parentesco entre si e multifamiliar ocupadas por pessoas sem relação de parentesco entre si, o que notamos é que diminui o percentual de edificações ocupadas por mais de um domicílio onde vivem pessoas com algum grau de parentesco entre si (22% entre os imóveis ocupados antes da pacificação e 7% entre os imóveis ocupados após esse período) e aumenta o percentual de edificações com mais de um domicílio ocupado por pessoas sem nenhuma relação de parentesco entre si (33% entre os imóveis ocupados antes da pacificação e 49% entre os imóveis ocupados após a pacificação).

Da mesma forma, notamos algumas pequenas diferenças nas tipologias edilícias ocupadas por aqueles que já viviam no Vidigal no período pré-pacificação e aqueles que passaram a viver no período mais recente. Notamos que é um pouco maior o percentual de moradores vivendo em quitinetes (15% entre os moradores pós-pacificação contra 7% entre os moradores anteriores), hostels/pensões (4% entre os moradores pós-pacificação contra 0% entre os anteriores) ou apartamentos localizados em prédios de mais de quatro andares (9% entre os moradores pós-UPP e 5% entre os pré-UPP). Enquanto isso, reduziu o percentual de pessoas vivendo em casas de somente um pavimento (29% dos moradores que já viviam no Morro antes da pacificação e 18% dos que passaram a viver após) e daqueles vivendo em prédios de até quatro andares (60% entre os moradores mais antigos e 51% entre os novos moradores).

O modelo de imóvel residencial multifamiliar com um formato de aluguel com pagamento mensal passa a dividir espaço com outros formatos de aluguel, que começam a ser mais comuns após a pacificação e o aumento da demanda por moradia ou estadia temporária no Morro. Muitos moradores passam também a alugar cômodos de suas casas em um formato de diárias ou por temporada e a transformar suas residências em albergues com quartos coletivos, na tentativa de incrementar sua renda diante dessa nova demanda que emerge no período pós-pacificação.

No ano de 2010, somente três estabelecimentos do tipo hostel ou guesthouse10 (10) Uma guesthouse é um tipo de acomodação caracterizada como “hotel de baixo custo”, muitas vezes uma casa particular convertida em casa de hospedagem. Um hostel ou albergue é tipo de acomodação caracterizado pelos preços baixos e pela socialização entre os hóspedes, podendo estes serem acomodados em quartos privativos ou coletivos. No Vidigal, verificamos a existência de uma gama bastante heterogênea de estabelecimentos de hospedagem. Trata-se de estabelecimentos caracterizados como hospedagens alternativas de custo acessível, com quartos privativos ou coletivos, divididos por sexo ou não, cozinha coletiva e banheiro coletivo. estavam em funcionamento no Vidigal. Já, em abril de 2012, três meses após a instalação da UPP local, foram levantados seis estabelecimentos desse tipo no Morro. Em dezembro de 2014, esse número já era 23, mantendo-se próximo a isso até janeiro de 2017, possivelmente ainda como um reflexo do período pós-Olimpíadas de 2016. Em agosto de 2018, por sua vez, somente 12 desses estabelecimentos afirmaram ainda estar em funcionamento no Morro.11 (11) Os dados são do mapeamento “Vidigal 100 Segredos” e de pesquisa realizada pela autora. Pesquisa de caracterização desses estabelecimentos de hospedagem realizada por nós aponta que 69% dos imóveis onde funcionavam esse tipo de estabelecimentos eram inicialmente residências que foram adaptadas ou ampliadas para funcionar como hospedagem. Outros 23% desses imóveis foram construídos para funcionar como tal e 8% eram pontos comerciais que foram adaptados para esse uso.

Observamos diferenças significativas entre a condição de ocupação dos imóveis por aqueles que já viviam no Morro antes de 2012 e aqueles que passaram a viver no local após esse período. Enquanto 20% dos que já viviam ali antes de 2012 moravam de aluguel, esta taxa passa para 81% quando analisamos os moradores que passaram a viver no local após esse período. Esses dados indicam que o mercado imobiliário do Vidigal acompanhou uma tendência também verificada em outras favelas do Rio de Janeiro.12 (12) Pesquisa desenvolvida por Abramo (2020) aponta que, de 2002 a 2011, há um crescimento constante na participação relativa de transações de aluguel quando comparadas ao número de transações de compra e venda de imóveis nesse tipo de assentamento popular. Nesse período, o percentual de transações de aluguel em favelas passou de 48% para 79%.

O modelo de contrato de aluguel entre inquilinos e proprietários de imóveis residenciais alugados é essencialmente verbal no Vidigal, repetindo um padrão também encontrado em outras favelas do Rio de Janeiro (ibid.). A taxa de imóveis residenciais alugados sem nenhum tipo de contrato escrito ou utilizando somente a prática do chamado “contrato de boca” é de 76% dos imóveis residenciais alugados nesse local.

A flexibilidade de um mercado de aluguel de imóveis cujo modelo de contrato é predominantemente verbal possibilita o acesso à moradia por aqueles que vivem em uma condição de precariedade profissional em postos de trabalho informais. O que pode ser visto como uma forma precária de relação contratual entre inquilinos e proprietários é muitas vezes o que garante o acesso de determinados grupos sociais à moradia de aluguel. O predomínio desse formato essencialmente verbal de contrato de locação nesses espaços cumpre uma função importante na garantia de acesso à moradia para esses grupos, ao mesmo tempo que garante a eles a possibilidade de migrar de um imóvel a outro, adaptando-se em qualquer momento a possíveis reduções imprevistas na renda domiciliar de suas famílias.

É preciso salientar que o Vidigal possui diferenças internas em termos de infraestrutura urbana, precariedade habitacional, segurança e acessibilidade, e essas diferenças são bastante complexas. Nossos dados mostram que não só o Vidigal possui um percentual de imóveis alugados mais alto do que a média de imóveis localizados em assentamentos precários do município do Rio de Janeiro, como também os inquilinos de imóveis residenciais alugados nessa área transitam bastante de um imóvel para outro dentro da própria favela. Dos moradores que viviam de aluguel no Vidigal, 62% já haviam morado de aluguel em mais de um imóvel diferente dentro dessa mesma favela. Destes, 41% já haviam vivido em pelo menos três ou quatro imóveis distintos dentro do Morro. Nove por cento dos inquilinos locais já haviam vivido em mais de cinco imóveis diferentes. Esse movimento migratório intrafavela é facilitado pelas condições pouco rígidas nos contratos de aluguel.

É interessante notar que 32% dos imóveis residenciais alugados, cujos moradores foram entrevistados para esta pesquisa, possuíam proprietários que viviam fora do Vidigal na data da pesquisa. Isto indica que há um número relevante de imóveis residenciais para aluguel que é explorado por pessoas de fora do Morro. Se construir nessas favelas pode ser uma alternativa de moradia bem localizada para muitos desses proprietários, manter um imóvel alugado nesses espaços também pode garantir uma renda e a saída dessas pessoas do Morro, com sua volta para cidades de origem ou mudança para outras áreas do Rio de Janeiro. Ter um imóvel próprio, que foi durante muito tempo uma forma de garantia de subsistência para parcela da população local, hoje é também um investimento com altos retornos financeiros para essa camada da população.

Pesquisas que investigaram os impactos das UPPs sobre o mercado imobiliário das áreas pacificadas apontaram que o crescimento dos contratos de aluguel foi o impacto mais importante da instalação dessas unidades sobre o mercado imobiliário informal das favelas pacificadas (ibid.). O forte incremento nos preços das transações imobiliárias nesses locais logo após receberem a implementação de uma UPP foi uma das características de um fenômeno novo nas favelas: uma população crescente com condição de ocupação domiciliar temporária e com menos segurança na sua condição de posse.

O aumento da oferta de imóveis para locação informal nesses espaços intensificou processos de verticalização e fracionamento domiciliar, promovendo o que Abramo (ibid.) chamou de “precarização do precário”. O que nosso estudo mostra é que, no Vidigal, houve de fato um intenso movimento migratório intrafavela, motivado principalmente pelos constantes aumentos nos preços dos aluguéis. Esse movimento migratório só é possível por conta da dimensão de favelas como o Vidigal e de suas próprias desigualdades socioespaciais internas, que fazem com que suas sub-regiões possuam uma grande variação de preços de aluguel entre si.

O que a nossa pesquisa também mostrou foi que, além de uma forte dinamização no mercado de aluguel de imóveis local, um intenso fluxo migratório intrafavela e casos de expulsão de moradores pressionados pela alta dos preços nos imóveis locais, o movimento mais relevante observado foi a intensificação de um fluxo migratório formado por grupos de perfil socioeconômico distinto da média da população local que, atraídos pela melhoria nas condições de segurança, preço e vantagens locacionais, engrossam o já denso mercado informal de imóveis de aluguel nesse Morro. Há uma participação maior de pessoas vindas de outros bairros formais da cidade e da região metropolitana, quando comparada à média da população que já vivia no Vidigal no período anterior à pacificação (que vinha pincipalmente de outros estados do País). O novo fluxo formado por moradores vindos de bairros formais da cidade é possivelmente também uma consequência da pressão ocasionada pela alta dos preços de aluguéis nos locais onde viviam esses grupos anteriormente. Essa população passa então a enxergar, no Vidigal, condições favoráveis de moradia após a sua pacificação.

O fim da primeira e início da segunda década do século XXI são marcados por um forte aquecimento do mercado imobiliário brasileiro em escala nacional. De janeiro de 2010 a março de 2012, cálculos realizados com base no índice FipeZap indicam uma variação de 43% no preço médio de venda de imóveis no Brasil (Ipea, 2012IPEA (2012). Existe bolha no mercado imobiliário brasileiro? São Paulo. Textos para discussão., p. 7). No mesmo período, entre as regiões metropolitanas estudadas, a cidade do Rio de Janeiro foi a que apresentou a maior variação nesses preços, com um aumento de 168% no valor médio de venda de imóveis (ibid.). Alguns fatores, como a queda da taxa de juros, a expansão do crédito direcionado ao setor imobiliário, o aquecimento do mercado de trabalho e a elevação da renda média nacional, ajudam a explicar a alta dos preços no setor imobiliário em escala nacional nesse período. No Rio de Janeiro, os fatores acima citados somaram-se, ainda, ao momento de preparação dessa cidade para o recebimento de grandes eventos de escala mundial, o que levou a um aumento de investimentos principalmente em infraestrutura viária e em políticas de segurança pública no período citado e a uma consequente hipervalorização de imóveis que se beneficiaram direta ou indiretamente desses investimentos.

Ou seja, se, no período de recorte temporal desta pesquisa, vivenciamos um processo generalizado de inflação nos preços imobiliários em escala nacional, a cidade do Rio de Janeiro vivenciou, no mesmo período, um duplo processo de inflação em seus preços médios de compra, venda e aluguel de imóveis. As favelas que passaram a receber investimentos dentro do programa de pacificação, com a instalação de novas Unidades de Polícia Pacificadora em seus territórios, vivenciaram, então, um processo ainda mais intenso de alta nos preços de seus imóveis. Em análise realizada a partir de dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) e portal ZAP Imóveis (índice Fipe/ZAP), em Bonamichi (2016)BONAMICHI, N. C. (2016). Favela on sale: regularização fundiária e gentrificação de favelas no Rio de Janeiro. Dissertação de mestrado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro., mostramos que o Vidigal apresentou um aumento acima de 500% no preço médio de venda de seus imóveis no período 2008-2015. No que se refere aos preços de aluguel, entre fevereiro de 2010 e setembro de 2015, foi registrado um aumento de cerca de 370% no preço médio de imóveis alugados nesse local, percentual bastante superior em relação a outros bairros formais da cidade. Em julho de 2015, o preço médio do aluguel (em R$ por m2 (2) Magalhães (2012) mostra como o período “Rio cidade-sede” é marcado por uma reconstrução de discursos e práticas remocionistas em uma estratégia de relegitimação da remoção de favelas como prática e como um programa político por parte do poder público municipal. Azevedo e Faulhaber (2015, p. 36) mostram que, de janeiro de 2009 a dezembro de 2013, mais de 20 mil famílias foram removidas de suas casas, o que corresponderia a cerca de 67 mil pessoas, ou seja, mais que o dobro de pessoas removidas durante o governo de Carlos Lacerda (cerca de 30 mil pessoas entre 1961 e 1965) e mais que o triplo de removidos no período Pereira Passos (20 mil entre 1902 e 1906). ) no Vidigal era comparável ao de bairros como Copacabana, Leme, Urca e Jardim Botânico (ibid.).

Apesar de já possuir um mercado imobiliário bastante dinâmico antes do processo de pacificação, a insegurança gerada pela presença de grupos armados ligados ao tráfico de drogas em áreas como o Vidigal reprimia parte do potencial do mercado imobiliário local. Com a instalação da UPP, o Vidigal passa, então, a suprir uma demanda existente por moradia bem localizada e preços relativamente baixos na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Os benefícios de fatores como proximidade de postos de trabalho, preço e segurança ficaram mais evidentes após a instalação de unidades de pacificação nesses espaços e abriram uma nova fronteira de exploração para uma demanda já existente por moradia bem localizada e a preços baixos.

Alguns trabalhos que se debruçaram sobre o mesmo tema desta pesquisa apontaram para a formação de um novo fluxo migratório em direção às favelas pacificadas durante o período de megaeventos. Esses fluxos são formados por grupos de poder aquisitivo mais elevado e geralmente inseridos em um movimento que Janoschka (2009)JANOSCHKA, M. (2009). The contested spaces of lifestyle mobilities: regime analysis as a tool to study political claims in latin american retirement destinations. Die Erde. Berlim, n. 140, pp. 1-20. chama de lifestyle mobility13 (13) O conceito de lifestyle mobility é criado por Janoschka para caracterizar movimentos migratórios sazonais ou temporários, normalmente formados por jovens que migram temporariamente em direção a países ou territórios culturalmente distintos de sua terra natal, com a intenção de viver experiências autênticas. ou descritos por Quirion (2017)QUIRION, N. (2017). Jogos de distinção e lógica da exclusão: problematizando o conceito de gentrificação a partir de uma favela urbanizada do Rio de Janeiro. Revista E-Metropolis. Rio de Janeiro, v. 31, pp. 22-30. como “neofavelados”. Trabalhos como o de Quirion (ibid.) e Novaes (2017)NOVAES, P. R. (2017). A gentrificação periférica na cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro. lançaram luz sobre um movimento migratório formado por grupos de alto poder aquisitivo em direção a algumas favelas pacificadas do Rio de Janeiro em um fenômeno semelhante ao que vem sendo historicamente descrito como um processo de gentrificação.

O termo “gentrificação” é uma adaptação literal de gentrification para o idioma português. O conceito foi utilizado pela primeira vez pela socióloga britânica Ruth Glass para caracterizar um fenômeno de substituição de grupos de classe operária por grupos de classe média e alta em bairros populares de Londres. Desde então, gentrification, que deriva do inglês gentry – de “baixa nobreza” – tornou-se sinônimo de elitização espacial. Ou seja, trata-se de um movimento de colonização urbana levado a cabo por segmentos de classe média alta que produzem impactos em áreas populares a partir da compra ou do aluguel de imóveis locais para fins residenciais.

Com os dados da nossa pesquisa, mostramos que os fluxos migratórios formados pelos grupos acima descritos foram um movimento quantitativamente menos representativo diante da complexidade das novas dinâmicas demográficas que passaram a tomar forma com a pacificação desses territórios. O fluxo migratório mais relevante, segundo os dados obtidos por nós, parece ser um movimento quantitativamente mais representativo e formado por uma massa de trabalhadores de poder aquisitivo ligeiramente mais elevado, mais brancos, mais escolarizados, vindos de áreas distintas das que predominavam entre os migrantes que se dirigiam ao Vidigal antes de sua pacificação e motivados por questões que diferem da média dos moradores locais. Esse grupo passa a ocupar o crescente universo de imóveis para aluguel disponível no Morro.

O que diferencia esse segundo movimento observado pela nossa pesquisa do primeiro movimento observado por grande parte das pesquisas que se debruçaram sobre as favelas cariocas no período de megaeventos esportivos é que o que observamos foi um movimento migratório formado por grupos que, pressionados pela também alta dos preços do mercado imobiliário nos bairros onde viviam anteriormente, passaram a enxergar no Vidigal uma nova possibilidade de moradia diante da melhoria dos índices de segurança desse local. Diferentemente de um movimento de lifestyle mobility, trata-se de uma população de renda apenas um pouco acima da média da população que já vivia nesse espaço e que passa a migrar para esse local motivada por questões mais práticas, como a relação de custo-benefício entre localização, segurança e preço, que passam a ser oferecidas após a pacificação local.

O período pós-2016, no entanto, é marcado, ao mesmo tempo, por uma retração no dinamismo do mercado imobiliário local e pela retomada de fluxos migratórios formados por uma população cujo perfil socioeconômico é mais próximo ao dos que já viviam nessa favela antes de sua pacificação. Isto indica que, se o que estamos chamando aqui de período olímpico – período entre a pacificação local (2012) e o fim da chamada década dos megaeventos (2016) – é marcado pela formação de novas dinâmicas demográficas na favela estudada por esta pesquisa, o que chamamos aqui de período pós-olímpico (pós-2016) é marcado por uma retração desse processo.

Considerações finais

Com os dados resultantes desta pesquisa, acrescentamos novos elementos ao debate sobre os impactos do período de megaeventos sobre as dinâmicas demográficas e no mercado imobiliário das favelas pacificadas. Ao mesmo tempo, atualizamos esse debate lançando um olhar para o que chamamos aqui de período pós-olímpico (pós-2016), no qual avaliamos a continuidade ou a retração de fenômenos iniciados no período anterior.

No Vidigal, a instalação da UPP Vidigal – Chácara do Céu leva à formação de novas dinâmicas demográficas nesse espaço. Nossa análise comparativa do perfil socioeconômico da população que já vivia nesse local antes da instalação da UPP e o perfil da população que passou a viver nesse espaço após a sua pacificação indica algumas diferenças entre esses dois grupos populacionais em quesitos como cor/raça, escolaridade, naturalidade, último local de moradia, renda média mensal domiciliar e motivos que levaram essas pessoas a se mudarem para a favela em questão. Uma análise mais fragmentada mostra-nos que essa mudança de perfil ocorre principalmente entre aqueles que passaram a morar no Vidigal nos quatro anos que sucederam a instalação da UPP Vidigal – Chácara do Céu (2012-2016), mas não entre aqueles que passaram a morar no Morro no período mais recente, que chamados aqui de “pós-olímpico” (2016-2018).

Quando analisamos o perfil da população que passou a morar nesse local no período 2012-2016 e o comparamos ao perfil da população que já vivia nesse espaço antes desse período, notamos que a população que passa a migrar para o Vidigal, após a sua pacificação, é mais branca, com um nível de escolaridade mais elevado, natural principalmente da própria cidade do Rio de Janeiro ou região metropolitana, possui uma renda média domiciliar sensivelmente mais elevada que a renda média da população mais antiga e que migrou em direção ao Morro motivada muito mais por questões relacionadas a preço, trabalho e segurança do que a população que já vivia no local anteriormente.

Além disso, a população que já vivia no Morro antes da pacificação é mais preta e parda, com um nível de escolaridade mais baixo, com um percentual elevado de migrantes interestaduais oriundos principalmente da região Nordeste, com renda domiciliar mais baixa e que procurou moradia no Vidigal motivada principalmente por quesitos relacionados a questões familiares. Entre a população que passou a morar no Vidigal no período pós-2016 (2016-2018), notamos um perfil socioeconômico muito mais próximo do da média da população que já vivia no Morro antes da pacificação, do que da população que passou a morar nesse espaço no período 2012-2016.

Esses dados nos indicam que a instalação da UPP Vidigal – Chácara do Céu passa a atrair um tipo de fluxo migratório antes menos presente no Morro. A pacificação leva a uma hiperinflação nos preços de compra e venda e aluguel de imóveis no local e ajuda a restringir o acesso ao mercado imobiliário local por camadas populacionais que antes ocupavam aquele espaço. A pacificação do Vidigal faz com que o Morro passe a atrair novas camadas populacionais e a suprir demandas antes reprimidas por moradia bem localizada e preços relativamente baixos na zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. Os benefícios de fatores como proximidade de postos de trabalho, preço e segurança ficaram mais evidentes após a instalação de unidades de pacificação nesses espaços, ação que abriu uma nova fronteira de exploração para o mercado de imóveis.

A retomada de territórios dominados por grupos armados ligados ao tráfico de drogas pelo Estado, através da implementação das Unidades de Polícia Pacificadora, significou a abertura de novas possibilidades de moradia para alguns grupos sociais, ao mesmo tempo que o aumento dos custos de vida nas áreas pacificadas restringiu o seu acesso a grupos que anteriormente conseguiam pagar por uma habitação nesses locais. Ou seja, a nosso ver, há uma restrição de determinados fluxos migratórios ao mesmo tempo que se formam novos fluxos em direção a favelas como o Vidigal. Em última instância, trata-se de um grupo populacional que, também pressionado pela alta nos valores de aluguel e compra e venda de imóveis em outras áreas da cidade, passa a engrossar o já dinâmico mercado de aluguéis informais em áreas pacificadas, como o Vidigal, na busca por uma melhor relação custo- benefício entre localização, preço e segurança.

Além disso, a crise da segurança pública do Rio de Janeiro, a troca de comando do tráfico local, o fim dos megaeventos esportivos e a crise político-econômica brasileira, que se intensifica principalmente no período pós-2015, são alguns dos fatores que podem ter contribuído com o que consideramos ser uma (re)organização de processos de transformação socioeconômica e espacial iniciados no período de quatro anos que seguiram à pacificação local.

Referências

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Notas

  • (1)
    Ao longo de quase uma década (2007-2016), a cidade do Rio de Janeiro foi sede de uma série de eventos de grande porte, entre eles: Jogos Panamericanos de 2007, FifaFanFest (2010), Rio+20 (2012), Jornada Mundial da Juventude e Copa das Confederações (2013), Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos de 2016.
  • (2)
    Magalhães (2012)MAGALHÃES, A. (2012). Entre o legal e o extralegal: A reatualização da remoção de favelas no Rio de Janeiro. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais. Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, pp. 119-133. mostra como o período “Rio cidade-sede” é marcado por uma reconstrução de discursos e práticas remocionistas em uma estratégia de relegitimação da remoção de favelas como prática e como um programa político por parte do poder público municipal. Azevedo e Faulhaber (2015AZEVEDO, L.; FAULHABER, L. (2015). SMH 2016: Remoções no Rio de Janeiro Olímpico. Rio de Janeiro, Morula Editorial., p. 36) mostram que, de janeiro de 2009 a dezembro de 2013, mais de 20 mil famílias foram removidas de suas casas, o que corresponderia a cerca de 67 mil pessoas, ou seja, mais que o dobro de pessoas removidas durante o governo de Carlos Lacerda (cerca de 30 mil pessoas entre 1961 e 1965) e mais que o triplo de removidos no período Pereira Passos (20 mil entre 1902 e 1906).
  • (3)
    Sobre o impacto das UPPs no mercado imobiliário dentro e no entorno das áreas pacificadas, consultar Mandel e Frischtak (2012)MANDEL, B. R.; FRISCHTAK, C. (2012). Crime, house prices and inequality: the effects of UPPs in Rio. Rio de Janeiro, Federal Reserve Bank of New York. Staff Report n. 542.; para impactos do programa sobre a dinâmica comercial das áreas pacificadas: IETS (2012)IETS (2012). Pesquisa sobre Microempreendedorismo em domicílios nas favelas com Unidades de Polícia Pacificadora. Rio de Janeiro. Relatório de pesquisa.; e para impacto das UPPs no âmbito da segurança pública: Cano, Borges e Ribeiro (2012).
  • (4)
    Com o termo “neofavelados”, Quirion (2017)QUIRION, N. (2017). Jogos de distinção e lógica da exclusão: problematizando o conceito de gentrificação a partir de uma favela urbanizada do Rio de Janeiro. Revista E-Metropolis. Rio de Janeiro, v. 31, pp. 22-30. busca tipificar o que seriam os novos moradores que passaram a ser atraídos a fixar residência em algumas favelas do Rio de Janeiro no período de grandes eventos internacionais. O que caracteriza e motiva esses grupos a buscarem residência nesses espaços, segundo o pesquisador, é não somente a questão financeira, mas principalmente “o desejo de se integrar a uma dinâmica social percebida como diferente: mais “humana” e “autêntica””. Em Novaes (2017)NOVAES, P. R. (2017). A gentrificação periférica na cidade do Rio de Janeiro: um estudo sobre as favelas Babilônia, Chapéu Mangueira, Vidigal e Santa Marta. Tese de doutorado. Rio de Janeiro, Universidade Federal do Rio de Janeiro., o termo “gentrificação periférica” surge como uma tentativa de caracterizar um processo de elitização pontual de algumas áreas específicas das favelas cariocas ao mesmo tempo que esses territórios permanecem populares e estigmatizadas pela marginalidade.
  • (5)
    Com os primeiros registros de ocupação datados da década de 1940, o Morro do Vidigal está localizado às margens da avenida Niemeyer, entre dois dos bairros mais elitizados da cidade do Rio de Janeiro: Leblon e São Conrado. Segundo o Censo IBGE de 2010, o Vidigal possuía, naquele ano, uma população de 12.797 habitantes e 4.585 domicílios. Historicamente, ocupa uma posição emblemática entre as favelas do Rio de Janeiro, por seu histórico de resistência contra tentativas de remoção por parte do governo do estado na década de 1970. Ainda nesse período, passou a ser reconhecido como “morro dos artistas”, por ser local de moradia de grupos ligados à música e ao teatro e pela presença do grupo de teatro “Nós do Morro”. Nos últimos anos, passou a receber o status de “favela chique” em função da intensificação do movimento de migração de grupos famosos ligados às artes em direção ao Morro e do aumento do número de estabelecimentos de turismo de entretenimento, que passaram a atrair visitantes de maior poder aquisitivo para o local.
  • (6)
    Valores de referência R$954,00, salário-mínimo vigente no segundo semestre de 2018.
  • (7)
    O Vidigal foi a 19ª área a receber uma UPP, em 18 de janeiro de 2012.
  • (8)
    O que caracterizava o comando do ADA (Amigos dos Amigos) era principalmente uma presença mais sutil e discreta no Morro, enquanto o CV (Comando Vermelho) é conhecido pelo domínio territorial mais ostensivo e pela violência característica desse grupo.
  • (9)
    Segundo o Censo do IBGE de 2010, 20,8% dos imóveis localizados em assentamentos precários no município do Rio de Janeiro encontravam-se em uma condição de ocupação de aluguel, enquanto 75,3% eram próprios. No Vidigal, encontramos um percentual de imóveis alugados de 29,4% e um percentual de imóveis próprios de 65,4%.
  • (10)

    Uma guesthouse é um tipo de acomodação caracterizada como “hotel de baixo custo”, muitas vezes uma casa particular convertida em casa de hospedagem. Um hostel ou albergue é tipo de acomodação caracterizado pelos preços baixos e pela socialização entre os hóspedes, podendo estes serem acomodados em quartos privativos ou coletivos. No Vidigal, verificamos a existência de uma gama bastante heterogênea de estabelecimentos de hospedagem. Trata-se de estabelecimentos caracterizados como hospedagens alternativas de custo acessível, com quartos privativos ou coletivos, divididos por sexo ou não, cozinha coletiva e banheiro coletivo.
  • (11)

    Os dados são do mapeamento “Vidigal 100 Segredos” e de pesquisa realizada pela autora.
  • (12)

    Pesquisa desenvolvida por Abramo (2020) aponta que, de 2002 a 2011, há um crescimento constante na participação relativa de transações de aluguel quando comparadas ao número de transações de compra e venda de imóveis nesse tipo de assentamento popular. Nesse período, o percentual de transações de aluguel em favelas passou de 48% para 79%.
  • (13)

    O conceito de lifestyle mobility é criado por Janoschka para caracterizar movimentos migratórios sazonais ou temporários, normalmente formados por jovens que migram temporariamente em direção a países ou territórios culturalmente distintos de sua terra natal, com a intenção de viver experiências autênticas.
  • (*)
    O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (Capes) – Código de Financiamento 001. This study was financed in part by the Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Finance Code 001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2021
  • Aceito
    14 Jun 2021
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