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Dinâmica econômica e imobiliária: periodização dos macrodeterminantes dos anos 2000 e 2010* (*) Este trabalho é fruto do estímulo e discussões com diversas/os colegas, especialmente do grupo carinhosamente denominado “Arquimistas”, composto por: Carlos Penha Filho, Carolina Pozzi, Juliana Bacelar, Letícia Sígolo, Luciana Royer e Rafael Faustino, às/aos quais agradeço imensamente as considerações relevantes para a construção dos períodos. A publicação também faz parte do projeto Natureza e metabolismo urbano na reestruturação da produção do espaço no Brasil e no Chile - Processo nº2019/13233-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, coordenado por Luciana Ferrara, do qual a autora participa. A autora ainda agradece os comentários dos pareceristas anônimos.

Economic and real estate dynamics: periodization of macro-determinants in the 2000s and 2010s

Resumo

O objetivo deste artigo é propor uma periodização dos macrodeterminantes do desenvolvimento imobiliário no Brasil nas décadas de 2000 e 2010. Este exercício busca articular as dimensões macroeconômica, setorial e institucional e organizar variáveis que ajudem na interpretação dos fenômenos econômicos que influenciam a produção do espaço. Os períodos analisados são: 2003-2008, de aceleração e mudança estrutural do mercado imobiliário; 2009-2011, de auge do setor imobiliário, especialmente a partir das políticas anticíclicas; 2012-2014, de desaceleração da dinâmica de acumulação do País, em geral, e do imobiliário, em particular; 2015-2019, de crise e estagnação da economia nacional com efeitos severos para o imobiliário. Assim, busca-se sintetizar, através da periodização, uma série de análises que se encontram, em geral, dispersas na literatura.

economia urbana; periodização; imobiliário

Abstract

The purpose of this article is to propose a periodization of the macro-determinants of real estate development in Brazil in the 2000s and 2010s. This exercise seeks to articulate the macroeconomic, sectoral and institutional dimensions and organize variables that help in the interpretation of the economic phenomena that influence space production. The analyzed periods are: 2003-2008, of acceleration and structural change in the real estate market; 2009-2011, the peak of the real estate sector, especially due to countercyclical policies; 2012-2014, of slowdown in the country's accumulation dynamics in general, particularly in real estate; 2015-2019, of crisis and stagnation in the national economy, with severe effects on real estate. Thus, we seek to synthesize through periodization a series of analyses that are dispersed in the literature.

urban economy; periodization; real state

Introdução

A interpretação dos fenômenos sociais, em seu sentido amplo, é condição fundamental para pesquisas que tenham como pressuposto uma abordagem multidisciplinar. Tal “sentido amplo” guarda relação com a busca por sintetizar aspectos circunstanciais/conjunturais e aspectos estruturais, de mais longa duração, bem como fatores que, muitas vezes, são analisados separadamente nas áreas do conhecimento. Com base nesse pressuposto, considera-se que a utilização da periodização como forma de organização e balizamento de pesquisas entrelaçadas é um recurso metodológico relevante para um grupo que pretende, partindo de áreas do conhecimento distintas, construir um olhar sobre as mudanças que condicionam a interpretação dos acontecimentos sobre a dinâmica urbana imobiliária brasileira nas décadas de 2000 e 2010.

Como fruto do diálogo entre pesquisadores, este trabalho objetiva discutir uma periodização para a dinâmica imobiliária do Brasil que articule determinantes macroestruturais, setoriais e institucionais que formam o quadro geral das primeiras duas décadas dos anos 2000. Essa articulação é fundamental para que análises macroeconômicas, financeiras, empresariais e territoriais encontrem um fio lógico capaz de contribuir, em sua especificidade, para um olhar totalizante da produção do espaço urbano. Assim, o recorte do tempo em parcelas bem definidas, os períodos, pretende encontrar movimentos que não estão pautados em delimitações arbitrárias – como décadas censitárias, mandatos governamentais, etc. –, mas na formulação e organização de um conjunto de variáveis que buscam a interpretação de um “plano global e integrado”.1 (1) Como ensina Cano (2011, p. 39): “Há que discutir alternativa metodológica para estudar e planejar o urbano, não em seus específicos limites, mas como produto de uma dinâmica socioeconômica que transcende o limite do urbano”. Nesse sentido, consideramos os ensinamentos de Santos (2002)SANTOS, M. (2002). Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo, Edusp. que diz que o tempo tem existência empírica, embora não seja uma quantificação rígida e imutável. Nas suas palavras,

O tempo não é um conceito absoluto, mas relativo, ele não é resultado da percepção individual, trata-se de um tempo concreto; ele não é indiferenciado, mas dividido em seções, dotadas de características particulares. Somos, desse modo, levados a encontrar uma periodização, baseada em parâmetros capazes de ser empirizados e a considerar esses parâmetros não como dados individuais, mas em suas inter-relações. Seguindo essa linha, chegaremos à identificação de sistemas temporais. (Ibid., p. 253)

Obviamente, ao pensar em unidades temporais, também consideramos aspectos estruturais, que permeiam os períodos e se reproduzem a partir de explicações de mais longa duração. Nesse contexto, a relação entre o tempo e o espaço torna-se complexa, pois há vários tempos/idades nos elementos que formam o espaço. Por essa razão, no campo dos estudos das dinâmicas territoriais, a periodização é ainda mais complexa, pois é necessário, além de lidar com o alcance dos fenômenos gerais, analisar as especificidades que se traduzem na interação de diversas escalas espaciais. Nesse sentido, a periodização aqui proposta aparece como guia que carece de mediações na análise dos territórios que, material e simbolicamente, englobam uma série de rugosidades2 (2) “Chamemos rugosidade o que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. [...] Ainda que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos de divisões do trabalho já passadas (todas as escalas da divisão do trabalho), os restos dos tipos de capital utilizados e suas combinações técnicas e sociais com o trabalho” (Santos, 2006, p. 91). que tornam a produção do espaço tão complexa.

Outro fator que se soma a esse é que, com foco setorial, o trabalho não avança em observar elementos particularmente ligados à construção pesada, associada à provisão de infraestrutura. Isso ocorre em razão de considerarmos que, embora interligadas e submetidas a um ambiente macroeconômico e institucional comum, as propriedades apresentam dinâmica própria (Paiva, 2007PAIVA, C. C. (2007). A diáspora do capital imobiliário, sua dinâmica de valorização e a cidade no capitalismo contemporâneo: a irracionalidade em processo. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., p. 104). Ainda assim, esse intento pretende ser capaz de orientar alguns elementos relevantes para o debate e pode ser um ponto de partida para a construção de uma periodização para o desenvolvimento urbano mais abrangente e que englobe as crescentes interações entre a produção imobiliária e de infraestrutura, inclusive através de novas orientações sobre o planejamento urbano.3 (3) Rufino, Wehba e Magalhães (2021) avançam nesse sentido, ao mostrar a diversificação da atuação das empreiteiras no mercado imobiliário e a relação que se estabelece entre mercantilização das infraestruturas urbanas e o avanço da produção imobiliária.

Ao considerarmos a periodização um esforço metodológico, é oportuno, antes de discutir os períodos e suas características, apontar a maneira pela qual foram estabelecidas as dimensões e as variáveis de análise. Partiu-se de três dimensões inter-relacionadas: macroeconômica, regulatória e setorial. Estes três aspectos formam o que consideramos: a) os condicionantes gerais do padrão de acumulação que se materializa, nacionalmente, a partir da posição do País na divisão internacional do trabalho e dos seus fundamentos macroeconômicos; b) o conjunto de normas e leis que regulamentam a produção do espaço (formal) e as políticas públicas adjacentes na escala federal; c) os determinantes setoriais e microeconômicos que balizam as condições de acumulação dos capitais individuais. Nesse aspecto, é necessário ponderar que tomamos o “espaço nacional de acumulação”, mas que isso padece de algum grau de abstração, uma vez que, em um país continental e regionalmente diverso e desigual, os capitais individuais também operam em mercados locais/exclusivos. Os dados utilizados para compor o quadro da periodização são apresentados ao longo do artigo, mas encontram-se sintetizados na Tabela anexa. É importante ressaltar que diversas informações não se encontram disponíveis para todos os anos analisados. Isso se dá por limitações ou rupturas metodológicas nas séries históricas ou por restrições das pesquisas que deram origem às informações.

Como salientado, o estabelecimento de períodos de análise serve para organizar o tempo em fragmentos distintos que se sucedem na explicação dos fenômenos, mas que não são autônomos. A moldura que circunscreve a dinâmica da acumulação no Brasil no século XXI tem suas origens nas transformações das últimas décadas do século XX. Entre as mudanças mais importantes, destacam-se a combinação de um novo padrão sistêmico de valorização e gestão da riqueza, a financeirização (Braga et al., 2017BRAGA, J. C. et al. (2017) For a political economy of financialization: theory and evidence. Economia e Sociedade, v. 26, n. spe, pp. 829-856.), e uma nova hegemonia ideológica expressa no neoliberalismo, responsável por reestabelecer o poder das elites econômicas diante da crise de acumulação dos anos 1970 e reorientar o papel do Estado (Harvey, 2008HARVEY, D. (2008). O neoliberalismo: história e implicações. São Paulo, Loyola.) de forma a reescalonar suas atribuições e o sistema de poder (Jessop, 2016JESSOP, B. (2016). The state: past, present, future. Malden/MA, Polity Press.).

Sobre o primeiro aspecto, como mostram Belluzzo e Tavares (2004)BELLUZZO, L. G..; TAVARES, M. da C. (2004). “A mundialização do capital e a expansão do poder americano”. In: FIORI, J. L. (org.). O poder americano. Rio de Janeiro, Vozes., houve uma mutação na composição da riqueza social, segundo a qual, ao enfrentar a concorrência, os capitais passaram a mobilizar seus investimentos a partir de uma lógica financeira geral, que impulsiona o progresso técnico e o movimento de valorização de ativos reais, mas, principalmente, a valorização da riqueza fictícia com o objetivo de aumentar ganhos patrimoniais mobiliários e a liquidez, ou seja, de cunho rentista (Paulani, 2016PAULANI, L. M. (2016). Acumulação e rentismo: resgatando a teoria da renda de Marx para pensar o capitalismo contemporâneo. Revista de Economia Política, v. 36, n. 3, pp. 514-535.). Isso será possível com a aceleração das inovações financeiras e a relativa autonomização entre valorização financeira e produtiva (Coutinho e Belluzzo, 2016COUTINHO, L.; BELLUZZO, L. G. (2016). “Financeirização” da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas. Economia e Sociedade, v. 7, n. 2, pp. 137-150.). A mudança na composição da riqueza também será responsável pela ampliação da assimetria entre os países e pelo aumento da desigualdade na distribuição da renda interclasses.

O segundo aspecto, o neoliberalismo, reorientou o Estado no sentido da garantia dos direitos individuais à propriedade privada e da liberdade de negócios das corporações. As ações individuais livres (de pessoas ou empresas) seriam o motor da competição entre os agentes em mercados livres, do que resultaria um aumento de eficiência sistêmica traduzida em crescimento e bem-estar. Como coloca Cano (2000)CANO, W. (2000). Soberania e política econômica na América Latina. São Paulo, Editora Unesp., o respaldo interno dos países latino-americanos ao neoliberalismo não foi uniforme. Diferentemente do Chile e da Argentina, por exemplo, o Brasil foi plenamente atingido pelas mudanças neoliberais apenas no final da década de 1980. Ainda assim, os efeitos da crise da dívida dos anos 1980 foram cruciais para dissolver o projeto desenvolvimentista e sedimentar a ascensão, nos anos 1990, de um padrão de acumulação cuja regra é a desregulamentação dos mercados em nível global e o esvaziamento dos mecanismos de planejamento e de intervenção estatal para além da estrita ideia de eficiência dos mercados. Isso encontra respaldo na moldura do Consenso de Washington e no Novo Consenso Macroeconômico4 (4) Segundo Arestis e Sawyer (2008), essa corrente advoga que o controle inflacionário é o fundamento do bom funcionamento dos mercados e que a política monetária – controle da inflação via ajustamento dos juros –, numa situação de plena mobilidade de capitais, sobrepõe--se à política fiscal. A não ser em situações específicas, a política fiscal só afeta as variáveis no curto prazo (crowding-out) e, por isso, tende a desequilibrar o nível de preços quando utilizada “indiscriminadamente”. A alteração do equilíbrio de preços relativos em qualquer um dos mercados resultaria em distorções na economia, e por isso a estabilização e o livre mercado compõem os fundamentos para o cálculo do capital. A esse cenário corresponde também um nível de equilíbrio no mercado de trabalho, ou seja, uma taxa de desemprego. Nesse caso, justificam-se todas as ações para a flexibilização das relações trabalhistas, pois a livre flutuação do preço dos salários permitiria o desemprego estar no nível correspondente de equilíbrio sem, com isso, pressionar os preços gerais da economia. Nesse contexto, a política fiscal só deve ser pensada no sentido de equilibrar gastos e receitas do governo, sendo considerada ineficiente na promoção do crescimento devido ao crowding-out. que delimitou a política de estabilização dos anos 1990 e, com algumas modificações e flexibilizações momentâneas, sustentará as políticas monetária e fiscal brasileira durante o século XXI. Isso significa que, de forma perene, o País adota um “receituário macroeconômico agressivamente voltado para o benefício da riqueza financeira, baseado na austeridade fiscal e em taxas reais de juros absurdamente elevadas [...]” (Paulani, 2017PAULANI, L. M. (2017). A experiência brasileira entre 2003 e 2014: Neodesenvolvimentismo? Cadernos do Desenvolvimento, v. 12, n. 20, pp. 135-155., p. 145).

Não cabe, neste artigo, analisar os anos 1980 e 1990 de forma detalhada, apenas situar que tais mudanças abriram caminho para transformações no imobiliário que se aprofundaram nas décadas que serão nosso objeto de análise. A primeira mudança que merece destaque é a redução drástica do financiamento do gasto social que exacerba os problemas urbanos, de infraestrutura e habitação (Fagnani, 2005FAGNANI, E. (2005). Política social no Brasil (1964-2002): entre a cidadania e a caridade. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.). Isso significará o estreitamento do financiamento público e a ascensão do autofinanciamento como modalidade de produção (Castro e Shimbo, 2010CASTRO, C. M. P. DE; SHIMBO, L. Z. (2010). Das cooperativas autofinanciadas às construtoras e incorporadoras de capital aberto: a ampliação do mercado habitacional. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, v. 12, n. 2, pp. 53-74.). A segunda é a estabilização monetária através do Plano Real que, ao garantir a redução da inflação, reforçará a leitura mais ortodoxa sobre a política fiscal e monetária.

A terceira é criação de instituições/legislação que permitem a aproximação entre o imobiliário e as finanças. Destacam-se, nesse sentido, a criação dos Fundos de Investimento Imobiliário (FII), em 1993; a construção do Sistema Financeiro de Habitação (SFI), em 1997; e a reestruturação do Sistema Financeiro de Habitação/Fundo de Garantia do Tempo de Serviço/Banco Nacional de Habitação/Sistema Bancário de Poupança e Empréstimos (SFH/FGTS/BNH/SBPE). O SFI, que passa a conviver com o SFH, é marco relevante, pois constituiu-se sob a lógica de ampliação do crédito via mercado de capitais, através dos Certificados de Recebíveis Imobiliários; das Cédulas de Crédito Imobiliário; e das Letras de Crédito Imobiliário; Debêntures; Letras Hipotecárias e Cédulas de Crédito Bancário.

Segundo Royer (2014)ROYER, L. DE O. (2014). Financeirização da política habitacional: limites e perspectivas. São Paulo, Annablume., tais mudanças buscaram promover a securitização com a função de tornar o investimento imobiliário mais uma alternativa de compra de ativos líquidos, passíveis de valorização pessoal e de expansão do capital fictício. Com a criação do SFI, ocorreu uma pressão para a captação de recursos para esse sistema reorientando, paulatinamente, o funding da habitação para respaldar os mercados financeirizados. Embora a trajetória nesse sentido não seja rápida e homogênea, é notável a penetração desses instrumentos e instituições financeiras com foco no imobiliário. Os anos 2000 e 2010,5 (5) Aqui consideramos a periodização a partir de 2003, porque os anos 2000, 2001, 2002 e 2003 respondem a eventos do final dos anos 1990, como as crises cambiais e uma conjuntura externa muito mais desfavorável do que haverá a partir de 2003. por conseguinte, serão balizados por esses determinantes: um padrão de acumulação crescentemente financeirizado e uma política econômica cujo objetivo primordial é a estabilização com foco na inserção. Dessa forma, seja em períodos de aceleração econômica, seja em períodos de crise, o Estado e os agentes enfrentarão as contradições de um cenário em que predominam taxas de crescimento voláteis (com alguns momentos de “voo de galinha”6 (6) Cano (2017) caracteriza o crescimento pós-1990 no País como um modelo de “voo de galinha”, uma vez que predominam taxas de crescimento (do PIB e de investimento) medíocres com momentos de aceleração limitados. ) e alta instabilidade no médio e longo prazo.

A estrutura do trabalho segue a temporalidade da periodização que colocamos em debate. Além desta introdução, analisamos, em mais quatro seções, os seguintes períodos: a) 2003-2008, de aceleração econômica e mudança estrutural do mercado imobiliário; b) 2009-2011, de auge do setor imobiliário, especialmente a partir das políticas anticíclicas ante a crise de 2008 e o período de 2012-2014, concernente à desaceleração da dinâmica de acumulação do País em geral, e do imobiliário em particular; c) 2015-2019 de crise e estagnação da economia nacional com efeitos severos sobre o imobiliário e os investimentos no espaço urbano.

Aceleração econômica e mudança estrutural do mercado imobiliário no período 2003-2008

A forte instabilidade externa que ditou os rumos das economias periféricas no final dos anos 1990 e início dos anos 2000 moldou tanto o segundo governo FHC (1999/2002) quanto o primeiro ano do governo Lula (2003/2010). Como colocam Barbosa-Filho e Sousa (2010), entre 2003 e 2005, predominou uma postura conservadora sobre a política econômica que pouco alterou a trajetória que o País vivenciou nos anos anteriores. No entanto, com cenário externo favorável, a partir de 2004 se inicia um movimento em sentido distinto, que se consolida a partir de 2005 quando o “consenso neoliberal”, nas palavras dos autores supracitados, deu lugar a um grupo que entendia a necessidade de adoção de medidas menos ortodoxas para a economia do País. Tal mudança abriu espaço para uma agenda mais flexível no que concerne aos estímulos fiscais e monetários com vistas ao aumento do crescimento potencial. O foco dessas medidas, embora respondesse aos efeitos positivos do ciclo das exportações de commodities, foi o estímulo e ampliação do mercado interno, com impactos relevantes sobre a demanda.

Como ressalta Biancarelli (2014)BIANCARELLI, A. M. (2014). "A Era Lula e sua questão econômica principal crescimento, mercado interno e distribuição de renda". In: SADER, E.; GARCIA, M. A. (orgs.). Brasil: entre o passado e o futuro. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Boitempo., a estratégia de crescimento foi fruto de uma combinação inédita entre ampliação do consumo com redução da desigualdade, ou seja, através de políticas ativas de emprego, renda e crédito incorporaram-se os estratos inferiores de renda na dinamização da economia. Baltar (2014)BALTAR, P. (2014). Política econômica, emprego e política de emprego no Brasil. Estudos Avançados, v. 28, n. 81, pp. 95-114. aponta que houve, para o período: geração de empregos; redução da taxa de desemprego; melhoria da estrutura ocupacional e de rendimentos; aumento da proporção de ocupações sob proteção da legislação trabalhista e redução das desigualdades de rendimentos do trabalho no País. Segundo dados da Pnad, do IBGE, é possível observar, entre 2003 e 2008, uma redução da taxa de desocupação de 9,7% para 7,1%; uma queda da informalidade por contribuição da previdência de 53,9% para 48,2%; e uma redução do índice de Gini de 0,583 para 0,546. Em termos de emprego formal, destaca-se que a construção civil liderou a geração de novos postos de trabalho com carteira assinada com um crescimento médio anual de 12,8% entre 2003 e 2008 (contra 5,9% ao ano do mercado de trabalho como um todo), segundo dados da Rais. A partir dos estímulos internos, as taxas de crescimento do investimento superaram as taxas de crescimento do PIB (enquanto a Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF cresceu 9,7% ao ano, o PIB ampliou 4,8% ao ano entre 2003 e 2008), reforçando um período de aceleração econômica generalizada. Nesse contexto, os investimentos concentraram-se primeiramente na infraestrutura e nos setores industriais exportadores e, depois, extrapolaram para outras indústrias e para o setor imobiliário (Mioto, 2015MIOTO, B. T. (2015). As políticas habitacionais no subdesenvolvimento: os casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013). Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.).

Especificamente para o mercado imobiliário, além da melhora nas condições de demanda, a redução dos juros, as mudanças institucionais7 (7) Essas mudanças foram além daquelas já citadas na seção anterior, que ampliaram os instrumentos e as formas de negociação fictícia dos imóveis, em que se destacam o Patrimônio de Afetação (MP n. 2.221 de 2001), que separou os recursos captados para o financiamento do imóvel do patrimônio das empresas; e a Alienação Fiduciária (lei n. 10931 de 2004) que garante a propriedade do imóvel para a instituição financeira até a sua quitação, ou seja, expandiu as possibilidades de ampliação dos mercados secundários relacionados à produção imobiliária. e as expectativas de elevação de preços também terão papel no incentivo à expansão do crédito direcionado, potencializando os efeitos multiplicadores do consumo sobre a produção. É importante ressaltar que tal cenário foi majoritariamente guiado pelo aumento dos recursos da caderneta de poupança, ou seja, mediados pelos bancos privados, embora a atuação do FGTS também tenha sido crescente (Tabela anexa). Soma-se, no âmbito do setor da construção, o aumento dos investimentos via Programa de Aceleração do Crescimento de 2007 que, mesmo tendo foco na construção pesada, incentivará, através do financiamento da infraestrutura urbana, o avanço do imobiliário.

Outra mudança relevante desse período refere-se à dinâmica dos capitais individuais do imobiliário que passaram por uma reestruturação patrimonial através da abertura de capitais na bolsa de valores que permitiu a entrada de capitais externos. Esse fenômeno foi intenso para outros setores na economia brasileira na década de 1990, mas ocorreu tardiamente em um setor que, historicamente, havia sido reduto de capitais familiares e nacionais. Esse cenário capitalizou as empresas e, de maneira inédita, ampliou a escala de produção, tanto do ponto de vista quantitativo como territorial. Nesse primeiro período de análise, a expansão da oferta deu-se, em maior velocidade, no segmento econômico e via crédito privado, dado que a demanda se acelerava pelas condições citadas anteriormente.

Outra estratégia relevante das empresas perante a abertura de capitais foi a ampliação da compra de terrenos na busca de criar (antes de serem listadas na bolsa) e manter (após a capitalização) expectativas sobre o VGV (Valor Geral de Vendas) prometido no lançamento das ações. Além da manutenção do preço das ações, outro efeito desse processo foi o aumento generalizado do preço dos terrenos e a incorporação de novas áreas (periféricas, rurais, de fronteira, etc.) à dinâmica especulativa do setor imobiliário. Como mostra Pereira (2019)PEREIRA, E. (2019). Preços imobiliários e ciclos econômicos nos anos 2000 uma abordagem heterodoxa. Dissertação de mestrado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., a partir da análise dos dados do Índice de Valores de Garantias de Imóveis Residenciais (IVG-R), proxy dos preços imobiliários de longo prazo, houve uma elevação generalizada dos preços a partir de 2006. O movimento pode ser visto no Gráfico 1.

Gráfico 1
– IVGR em número Índice (abr/01 = 100) – 2001/2018

Sobre a entrada de capitais estrangeiros no setor, Bertasso (2012)BERTASSO, B. (2012). Edificações: impasses da modernização no ciclo de crescimento dos anos 2000. Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas. argumenta que, principalmente entre 2005 e 2009, foi maior o aporte de investimentos de caráter patrimonial e de ganho de mercado (market-seeking) do que aqueles com o objetivo de modernizar e expandir a base produtiva (greenfield). Segundo a B3 (Bolsa de Valores do Brasil), entre os anos de 2005 e 2007, a participação de estrangeiros na oferta de ações das incorporadoras foi em torno de 70%. Dessa forma, a abertura de capitais e a internacionalização também colocaram novos agentes na dinâmica imobiliária como os gestores dos fundos, as corretoras de investimento, consultorias, etc. que avaliam o desempenho das empresas e dos ativos imobiliários.8 (8) Em artigo recente, Shimbo, Sanfelici e Martinez-Gonzales (2020) avaliam o papel específico das consultorias internacionais no mercado imobiliário da capital paulista e lançam luz sobre os novos agentes que moldam as práticas e as métricas de avaliação dos investimentos no setor. Como em toda economia, essa avaliação se dá em função dos resultados de rentabilidade próprios das finanças, a saber, a valorização dos ativos sobre expectativas de maior valorização futura (financeira e operacional).

As transformações institucionais enquadradas nos marcos da expansão da financeirização, o quadro de aceleração econômica e as condições para o crescimento da demanda junto às mudanças na estrutura patrimonial das empresas reforçaram a centralidade da construção civil e do imobiliário no processo de aceleração econômica do País. Nesse sentido, é possível afirmar que tanto a ação do Estado na promoção de estímulos econômicos quanto as decisões de investimento dos capitais privados ocasionaram um comportamento cumulativo e pró-cíclico do setor. Tal desempenho aqueceu os mercados ligados à propriedade imobiliária e acelerou as contradições sobre a expansão da produção do espaço.

A breve interrupção desse movimento se deu com a crise de 2008. Conforme apontam Prates e Cunha (2011)PRATES, D. M.; CUNHA, A. M. (2011). Estratégias macroeconômicas depois da crise financeira global: o Brasil e os emergentes. Indic. Econ. FEE. Porto Alegre, v. 39, n. 1, pp. 67-82., o contágio interno da crise mundial foi breve, embora tenha tido consequências de médio prazo, como veremos adiante. Em termos gerais, houve diminuição da liquidez e da demanda internacional, redução dos preços internacionais das commodities e o registro de saída de capitais no balanço de pagamentos. As consequências disso foram a desvalorização cambial, a diminuição das exportações, a quebra de confiança dos empresários (que reduziu a demanda interna) e o arrefecimento do investimento e do consumo interno (Mioto, 2015MIOTO, B. T. (2015). As políticas habitacionais no subdesenvolvimento: os casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013). Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.). Mas, como detalharemos na próxima seção, em que pesem seus efeitos restritivos, o setor imobiliário terá desempenho relativamente melhor aos outros e será um dos vetores mais relevantes da rápida recuperação econômica.

O auge do imobiliário a partir das políticas anticíclicas no período entre 2009 e 2011 e a desaceleração entre 2012 e 2014

A resposta do governo à crise de 2008 foi a realização de medidas fiscais e monetárias anticíclicas, com o objetivo de evitar a contaminação interna do sistema financeiro e, ao mesmo tempo, recuperar o nível de atividade. Barbosa e Souza (2010)BARBOSA, N.; SOUZA, J. A. P. (2010). “A inflexão do Governo Lula: política econômica, crescimento e distribuição de renda”. In: SADER, E.; GARCIA, M. A. (orgs.). Brasil: entre o passado e o futuro. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Boitempo. elencam as principais medidas adotadas. Entre as monetárias, houve: expansão da liquidez em moeda nacional e estrangeira; diminuição dos depósitos compulsórios para os bancos; utilização dos bancos públicos (BNDES, CEF e BB) como emprestadores de “penúltima instância” nas fases mais agudas e ampliação do crédito com diminuição de diversos tipos de taxas de juros; corte na taxa básica de juros – Selic. No campo fiscal, houve medidas ditas “temporárias” como: desonerações tributárias (como a redução do IPI e da cadeia de materiais de construção); aumento dos investimentos da união; revisão do valor do seguro-desemprego; equalização da taxa de juros para investimentos em máquinas e equipamentos (taxa de juros real próxima de zero). Como medidas “estruturais”, destacam-se: revisão das alíquotas do imposto de renda, criando estratos intermediários e revendo as alíquotas de contribuição (aumentando a renda disponível); ampliação do investimento autônomo.

A combinação de estímulo à economia real, com manutenção do emprego e da renda, e a continuidade da expansão do financiamento redundou em um reforço às condições de crescimento do imobiliário. No entanto, diferentemente do período anterior no qual os estímulos econômicos induziam o aumento da oferta do imobiliário, a política ativa do pós-crise deu centralidade ainda maior à participação dos fundos públicos na sustentação da oferta. Isso se dá a partir do Programa Minha Casa Minha Vida que estará assentado na lógica subsídio/financiamento e produção majoritariamente empreendida por grandes incorporadoras. Na estruturação econômica do programa, o objetivo será, além da construção, a manutenção do emprego e a indução de setores que se articulam a partir da produção da casa, como a produção de insumos, aluguel/compra de máquinas e equipamentos, acabamentos, etc.; e da indústria de bens de consumo adjacentes como móveis, eletrodomésticos, etc. (Mioto, 2015MIOTO, B. T. (2015). As políticas habitacionais no subdesenvolvimento: os casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013). Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas.).

Muitos trabalhos já mostraram a relevância do programa em termos do volume de produção e das contradições que seu desenho legou para a produção do espaço, mas, para este artigo, destacaremos o papel que teve na sustentação da acumulação. Em termos mais gerais, a aceleração da produção ampliou a participação do subsetor de edificações no valor das obras e incorporações da construção civil, bem como da construção de edifícios residenciais no total da construção de edifícios. Segundo a Pesquisa Anual da Indústria da Construção, no primeiro caso, entre 2007 e 2011, houve aumento de 7,15%; e, no segundo, de 5,24%. Além dos subsídios, que garantiram acesso em diferentes graus, é notória a expansão do crédito (FGTS + SBPE),9 (9) Dados do FGTS e do Banco Central do Brasil compilados pela CBIC. que salta de R$69,15 bilhões em 2008 para R$178,05 bilhões em 2011, com aumento da participação do FGTS de aproximadamente 10%. A expansão do crédito imobiliário em relação ao PIB também foi relevante, pois, mesmo sendo pequena se considerada a média dos países da OCDE, ela mais que dobra, saindo em torno de 2%, em 2008, e chegando a quase 5% em 2011. O PIB da construção, por sua vez, apresentou taxas de crescimento bem superiores à média dos demais setores: enquanto o PIB cresceu -0,1%, 6,98% e 3,74% em 2009, 2010 e 2011, o PIB da construção aumentou 7,02%, 13,10% e 8,10%, respectivamente. Segundo os dados da Rais, o mercado de trabalho formal seguiu a mesma dinâmica: enquanto na média o emprego formal cresceu 5,04%, 8,96%, 5,49% em 2009, 2010 e 2011, o emprego formal na construção aumentou 11,37%, 17,66% e 9,62%.

Como mostra Penha Filho (2020), grande parte das incorporadoras garantiu bons resultados a partir do aumento da oferta via política habitacional. Não por acaso, essas incorporadoras tiveram papel relevante no desenho do modelo adotado e, a partir dos fundos públicos, conseguiram, pelo menos até 2011, enfrentar as restrições que a crise de 2008 impôs. Aquelas, como a MRV, cujo segmento atendido já era predominantemente o econômico, reforçaram o posicionamento nesse mercado, expandindo geograficamente. Outras, como a Cyrela ou a Gafisa, promoveram uma “diversificação” da marca para atender o segmento que se expandia. A política habitacional, como sustenta Mioto (2015MIOTO, B. T. (2015). As políticas habitacionais no subdesenvolvimento: os casos do Brasil, Colômbia, México e Venezuela (1980/2013). Tese de doutorado. Campinas, Universidade Estadual de Campinas., p. 125), também teve o papel de alavancar a produção de imóveis que não se enquadravam no programa, mas eram produzidos a partir das condições e garantias de realização que o MCMV dava às incorporadoras. Não foi incomum a comercialização de unidades dentro e fora do programa no mesmo empreendimento nem a utilização dos mesmos projetos (com pequenas alterações de acabamentos ou diferentes estratégias de marketing) para distintas faixas do programa ou até fora delas, conforme o avanço dos preços permitia.

A partir de 2012, no entanto, inicia-se uma desaceleração na dinâmica imobiliária, com erosão do ambiente macroeconômico, seja pela ausência de decisões pró-cíclicas dos agentes econômicos, como no período 2003/2008, seja pelo arrefecimento das ações anticíclicas do governo que sustentaram o período 2009/2011. Essa desaceleração é moldada pela dimensão externa e interna da nossa economia. Sobre o primeiro aspecto, basta apenas mencionar que a crise de 2008 teve efeitos duradouros, com desaceleração da economia mundial em 2011, quando persistiu a tendência de redução dos preços das commodities e dos desequilíbrios externos do País. Internamente, com a subida da inflação, o modelo de estabilização adotado ainda nos anos 1990 cobrou as ações vinculadas ao esfriamento da demanda. Como aponta Biancarelli (2014)BIANCARELLI, A. M. (2014). "A Era Lula e sua questão econômica principal crescimento, mercado interno e distribuição de renda". In: SADER, E.; GARCIA, M. A. (orgs.). Brasil: entre o passado e o futuro. São Paulo, Fundação Perseu Abramo/Boitempo., a política econômica privilegiou a visão de que era necessário desacelerar o processo de acumulação especialmente através de cortes de gastos, elevação dos juros e medidas para redução do crédito. Embora esse movimento tenha sido mais drástico em 2011, os anos seguintes também não conseguiram contrapor o receituário conservador da política econômica, pois, mesmo com o corte nos juros, não houve retomada significativa do investimento público (Serrano, 2012SERRANO, F. (2012). A desaceleração rudimentar da economia brasileira desde 2011. Revista Oikos, v. 11, n. 2, pp. 166-202.). Da mesma forma, a tentativa de estímulo ao setor privado via desonerações fiscais também não teve sucesso (Carvalho, 2018CARVALHO, L. (2018). Valsa brasileira: do boom ao caos econômico. São Paulo, Todavia.), reduzindo a arrecadação e deteriorando as condições de manutenção do crescimento.

No que tange ao imobiliário, a desaceleração dá-se pela redução do crédito, das taxas de investimento e da produção. O efeito sobre o crédito é sentido a partir de 2013, tanto no montante do SPBE quanto no FGTS (Tabela anexa). Já a taxa de crescimento do investimento no setor residencial (FBCF) cai pela metade entre 2012 e 2013 (de 10,9% para 5,9%), sendo negativa já em 2014 (-1,5%).10 (10) Dados das Contas Nacionais – IBGE. A dinâmica do investimento é fundamental para ver tal reversão, pois é a variável que permite uma análise intertemporal, ou seja, consolida as expectativas de piora do cenário econômico. Em termos de produção, expressos no PIB setorial, também há queda nas taxas de crescimento, mas de forma menos abrupta se comparadas à média de todos os setores: enquanto a taxa o crescimento do setor da construção cai de 8,5%, em 2011, para 4,5%, em 2013; o crescimento do PIB cai de 3,47% para 1,61%. O ano 2014 já mostra a consolidação da desaceleração com taxas de -2,14% para a construção e 0,46% para o PIB. A evolução dos preços imobiliários, observada pelo IVGR (Gráfico 1), aponta para um movimento de alta no período, mas com um esgotamento daquilo que se constituíra desde os primeiros anos da década de 2000.

Conforme Almeida, Novais e Rocha (2016), nesse período houve uma deterioração das condições financeiras do conjunto das empresas não financeiras na economia brasileira, nas quais as empresas de construção e de materiais de construção estão incluídas. Especificamente para as grandes incorporadoras de capital aberto, Penha Filho (2020) aponta na mesma direção. O autor mostra que, a partir de 2012, as empresas de capital aberto reveem suas estruturas de custos nas obras em andamento, levando à formação de sucessivos prejuízos antes não reportados. Nesses rearranjos corporativos e de redução do endividamento, inicia-se um processo de venda de ativos, como liquidação de terrenos e empresas pertencentes aos grupos incorporadores. Aqui se destaca um movimento não homogêneo das empresas de capital aberto que se exacerbará com a crise: aquelas mais bem posicionadas nos mercados com demanda garantida (ligados à política habitacional) e aquelas mais conservadoras do ponto de vista das estratégias financeiras e que assentam sua produção em mercados consolidados são as que apresentam melhores condições de enfrentamento da crise.

Crise e estagnação no Brasil e no imobiliário nacional no pós-2015

A partir da deterioração das condições de acumulação do País analisadas na seção anterior, o período que se inaugura em 2015 será de crise severa. À diferença das crises anteriores, quando os aspectos externos do contexto econômico tiveram peso relevante, esse momento terá nos condicionantes internos seus principais fatores explicativos. Estes estão baseados, não somente no esgotamento do modelo de crescimento da expansão do crédito, da renda e do consumo e na redução drástica dos investimentos públicos, mas também na crise política que afeta a capacidade de atuação do Estado, das empresas estatais e dos setores que haviam sido importantes na expansão da taxa de investimento. Como colocam Pinto et al. (2017)PINTO, E. C. et al. (2017). A guerra de todos contra todos: a crise brasileira. Texto para discussão 006. Rio de Janeiro, IE/UFRJ., à crise de acumulação adiciona-se a desestruturação da relação entre o bloco de poder e o Estado. Nesse contexto, ainda no primeiro ano do segundo governo Dilma (2015), abre-se espaço para uma agenda econômica que combina o aprofundamento do neoliberalismo e da austeridade.

A dimensão macroestrutural da crise é observada a partir de vários dados. No que se refere ao crescimento do PIB, entre 2015 e 2019, o desempenho é muito ruim, com taxas negativas em 2015 e 2016 (de -3,5% e -3,3%) e pífia recuperação entre 2017, 2018 e 2019 (1,1%, 1,1% e 0,9%). Destaca-se, também, a redução da participação da Construção no PIB de 5,74%, em 2015, para 4,51% em 2019. Em contexto recessivo e de estagnação, isso significa que a Construção foi afetada mais que proporcionalmente se considerados os outros setores, o que se expressa também em uma queda persistente do PIB setorial e da FBCF. O PIB da construção, diferentemente do PIB total, tem sucessivas quedas nas taxas de crescimento, de -9,0%, em 2015; -10,0%, em 2016; -7,48%, em 2017; e -2,53%, em 2018. Para a FBCF residencial, entre 2015 e 2017, as taxas são persistentemente negativas, de -6,7%, -8,0% e -11,1%. Sobre as informações relativas ao consumo do governo, traduzidas na agenda de austeridade adotada desde 2015, destaca-se uma redução considerável com o choque recessivo (-1,44% para 2015) e baixíssimo crescimento ou redução nos anos posteriores, havendo, em 2019, uma queda de -0,44%. No que tange ao consumo das famílias, a queda em 2015 e 2016 foi ainda mais abrupta (-3,22% e -3,84%) recuperando-se um pouco nos anos seguintes, mas não no patamar do período mais dinâmico do século XXI.

Os indicadores de emprego, renda e desigualdade apontam na mesma direção. Em termos normativos, a flexibilização das relações de trabalho com a Reforma Trabalhista de 2017 e a lei n. 13.874 de 2019 implica uma piora, não apenas quantitativa no mundo do trabalho, mas também qualitativa. Isso avança com as tentativas mais recentes de implementação dos contratos diferenciados como a Carteira Verde e Amarela. O emprego formal na construção civil apresentou retração nos postos de trabalho, entre 2014 e 2017 (com queda de -34,7%), e lenta recuperação em 2018 (1,2%), de acordo com os dados da Rais. Apesar de ter ampliado os empregos formais no setor em 8,1%, entre 2018 e 2019, o setor está em um patamar de estoque de postos de trabalho com carteira assinada de 2009 e será fortemente impactado pela pandemia.

A crise também pode ser dimensionada em termos de novas unidades ofertadas pelas incorporadoras que reduziram em quase 60% os patamares produtivos pós-2015 (Tabela anexa). Essa queda só não foi mais intensa em razão da permanência dos subsídios à produção do MCMV, dado que o crédito imobiliário via SBPE sofreu forte redução: o volume de crédito, em 2014, estava em aproximadamente R$148 bilhões e passa para R$78,7 bilhões em 2019, tendo atingido, em 2017, a marca de R$46, 7 bilhões (Tabela anexa). Penha Filho (2020) mostra que as empresas menos impactadas pela crise foram aquelas especializadas na produção de unidades elegíveis para financiamento no MCMV, ao contrário daquelas focadas nos segmentos de maior renda. Isso porque, diferentemente do SBPE, o FGTS manteve as condições de crédito necessárias para sustentar a produção, privilegiando as faixas superiores de renda. Ainda faltam estudos mais robustos sobre a dinâmica de preços e sua relação com a sustentação da oferta através da política pública, mas acredita-se que a pequena queda dos preços e sua manutenção nos anos de crise respondem, em parte, à continuidade desses estímulos e, especialmente, pela política ter relegado o atendimento das faixas inferiores de renda.

Penha Filho (ibid.) também discute que a retração da produção imobiliária reposicionou as maiores empresas do setor para atuação em áreas de maior renda do País, como as regiões sudeste e sul, ou seja, a expansão geográfica da produção e a oferta que teve impactos regionais relevantes no momento de aceleração e auge da dinâmica imobiliária foram freadas durante a crise. Outro impacto relevante para as empresas foi o crescente número de devoluções de imóveis adquiridos na planta antes da entrega final. Operação chamada de distrato, a devolução de imóveis chegou a representar 46% das unidades vendidas entre março de 2016 e março de 2017 nos segmentos de médio e alto padrão (dados da Abrainc/FGV, de 2017). Essa devolução teve forte impacto financeiro nas empresas de incorporação imobiliária que buscaram, por meio de pressões sobre o poder executivo e o legislativo, alterar as leis de incorporação imobiliária (n. 4.591/1964). O dispositivo legal aprovado em 2018 (n. 13.786/2018) mudou as condições de devolução dos compradores, desestimulando-a. A estreita relação do setor com o Estado não é novidade no capitalismo brasileiro, como mostraram Lessa e Dain (1980)LESSA, C.; DAIN, S. (1980). "Capitalismo associado: algumas referências para o tema Estado e Desenvolvimento". In: BELLUZZO, L. G. e COUTINHO, R. (orgs.). Desenvolvimento capitalista no Brasil. São Paulo, Brasiliense., mas reafirma-se sob novas condições de acumulação. Como mostra Rufino (2019)RUFINO, B. (2019). Ascensão da Associação Brasileira de Incorporadoras na financeirização do setor imobiliário-habitacional. In: XVIII ENANPUR. Anais... Natal., é crescente o papel que os incorporadores têm em manejar as agendas de política econômica por meio de suas representações de classe e pelos desdobramentos de sua riqueza. Pode-se ilustrar o caso de Rubens Menin, acionista fundador e controlador da MRV, hoje posto como um dos maiores empresários do País cuja riqueza se espalha pelo setor bancário (Banco Inter) e pelas comunicações (CNN Brasil).

É importante ressaltar que o ciclo expansivo do imobiliário, descrito nos períodos anteriores, não opôs os destacados avanços da dinâmica da economia da produção com a agenda da financeirização. Com a mudança estrutural apontada a partir da abertura de capitais, as estratégias financeiras caminharam lado a lado com a expansão, inclusive incrementando a negociação de papeis a partir da propriedade imobiliária em consonância com a base real da acumulação. No entanto, a partir da crise, a financeirização avança de forma “concorrente” à economia real e, somada ao ambiente político, pressiona por modificações ainda mais profundas do ponto de vista institucional. Isso pode ser visto tanto no papel que a propriedade imobiliária e a renda fundiária jogam no capitalismo brasileiro, quanto pelas transformações que a financeirização tem legado no desenho das políticas setoriais urbanas em contexto de austeridade.

No que tange ao imobiliário, em que pese o fato da produção ter sido severamente afetada, a redução recente das taxas de juros, a partir de 2017, tem tido duplo efeito: o primeiro é o estímulo ao financiamento habitacional das faixas de mercado, que se recupera com o SBPE em 2018 e 2019; segundo é que, com a redução da rentabilidade da dívida pública – forma primordial de valorização da riqueza fictícia em um país historicamente mantenedor de taxas de juros altas –, há estímulo inédito para o investimento em papeis e instituições financeiras que têm em sua base os ativos imobiliários. Nesse sentido, destaca-se a atuação recente do Banco Central na tentativa de ampliar a securitização e regulamentar um sistema mais robusto de home equity no País.11 (11) https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2021/01/11/bolsonaro-cvm-superintendencia-novas-gerencias.amp.htm?__twitter_impression=true. Acesso em: 12 ago 2021. Não é objeto deste artigo a descrição desses dados, mas é pertinente à reflexão o fato de que, segundo os dados do Imposto de Renda de Pessoa Física, da Receita Federal, quase metade do patrimônio declarado dos brasileiros e brasileiras é imóvel, ou seja, há campo extenso para alargar os mercados secundários com base nessa riqueza.

Considerações finais

Este artigo teve o objetivo de propor uma periodização dos macrodeterminantes da dinâmica imobiliária nas duas primeiras décadas do século XXI, privilegiando a análise macroeconômica e setorial. Destacou a existência de quatro períodos distintos: 2003-2008; 2009-2011; 2012-2014; e 2015-2019. Não cabe, nesta conclusão, retomar todos os aspectos que delimitam os períodos, mas enfatizar que estes foram fortemente moldados a partir das decisões de política econômica. No primeiro período, destacam-se os estímulos ao mercado interno, especialmente renda, emprego e crédito, cujos efeitos multiplicadores condicionaram os investimentos privados no imobiliário. Outro aspecto relevante é a abertura de capital das grandes incorporadoras na Bolsa de Valores que, além de capitalizar de forma inédita o setor, ainda alterou a forma de gestão de seus ativos produtivos e financeiros. No segundo período, após a crise de 2008, os estímulos deram lugar a uma política anticíclica ativa, na qual os fundos públicos foram ainda mais responsáveis pela dinâmica de acumulação. O imobiliário será especialmente “agraciado” com o MCMV que alavancou, através dos financiamentos e dos subsídios, especialmente as grandes empresas que passam a diversificar suas marcas para atender às faixas do programa.

No terceiro período, de desaceleração, há uma redução considerável dos investimentos públicos na economia. Ainda assim, a continuidade do MCMV mantém, em patamares menores, o crescimento do setor. Essa hipótese é corroborada pelo fato de que, em contexto de aumento da fragilidade financeira das empresas, as trajetórias dos capitais individuais passam a ser diferenciadas, e aquelas empresas posicionadas a partir dos negócios atrelados aos fundos públicos conseguem resultados melhores. O quarto período enfatiza as consequências da crise. Em primeiro lugar destaca a opção da política econômica pela austeridade, ou seja, o governo age de maneira pró-cíclica, abdicando dos instrumentos próprios de enfrentamento da recessão, inclusive em função de uma crise política que recoloca a agenda neoliberal como dominante. Em segundo, destaca que esse movimento, além de ter impactos importantes no emprego e na produção, acirra o conflito distributivo e abre caminho para o aprofundamento da agenda que aposta no protagonismo dos mercados financeirizados como forma de estímulo econômico. Assim, parece estar em curso uma nova rodada de reestruturação do imobiliário que cobra atenção e mostra a necessidade de novas investigações.

Nota de agradecimento

(*) Este trabalho é fruto do estímulo e discussões com diversas/os colegas, especialmente do grupo carinhosamente denominado “Arquimistas”, composto por: Carlos Penha Filho, Carolina Pozzi, Juliana Bacelar, Letícia Sígolo, Luciana Royer e Rafael Faustino, às/aos quais agradeço imensamente as considerações relevantes para a construção dos períodos. A publicação também faz parte do projeto Natureza e metabolismo urbano na reestruturação da produção do espaço no Brasil e no Chile - Processo nº2019/13233-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, coordenado por Luciana Ferrara, do qual a autora participa. A autora ainda agradece os comentários dos pareceristas anônimos.

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Notas

  • (*)
    Este trabalho é fruto do estímulo e discussões com diversas/os colegas, especialmente do grupo carinhosamente denominado “Arquimistas”, composto por: Carlos Penha Filho, Carolina Pozzi, Juliana Bacelar, Letícia Sígolo, Luciana Royer e Rafael Faustino, às/aos quais agradeço imensamente as considerações relevantes para a construção dos períodos. A publicação também faz parte do projeto Natureza e metabolismo urbano na reestruturação da produção do espaço no Brasil e no Chile - Processo nº2019/13233-0, Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, coordenado por Luciana Ferrara, do qual a autora participa. A autora ainda agradece os comentários dos pareceristas anônimos.
  • (1)
    Como ensina Cano (2011, p. 39): “Há que discutir alternativa metodológica para estudar e planejar o urbano, não em seus específicos limites, mas como produto de uma dinâmica socioeconômica que transcende o limite do urbano”.
  • (2)
    “Chamemos rugosidade o que fica do passado como forma, espaço construído, paisagem, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas se substituem e acumulam em todos os lugares. [...] Ainda que sem tradução imediata, as rugosidades nos trazem os restos de divisões do trabalho já passadas (todas as escalas da divisão do trabalho), os restos dos tipos de capital utilizados e suas combinações técnicas e sociais com o trabalho” (Santos, 2006, p. 91).
  • (3)
    Rufino, Wehba e Magalhães (2021) avançam nesse sentido, ao mostrar a diversificação da atuação das empreiteiras no mercado imobiliário e a relação que se estabelece entre mercantilização das infraestruturas urbanas e o avanço da produção imobiliária.
  • (4)
    Segundo Arestis e Sawyer (2008), essa corrente advoga que o controle inflacionário é o fundamento do bom funcionamento dos mercados e que a política monetária – controle da inflação via ajustamento dos juros –, numa situação de plena mobilidade de capitais, sobrepõe--se à política fiscal. A não ser em situações específicas, a política fiscal só afeta as variáveis no curto prazo (crowding-out) e, por isso, tende a desequilibrar o nível de preços quando utilizada “indiscriminadamente”. A alteração do equilíbrio de preços relativos em qualquer um dos mercados resultaria em distorções na economia, e por isso a estabilização e o livre mercado compõem os fundamentos para o cálculo do capital. A esse cenário corresponde também um nível de equilíbrio no mercado de trabalho, ou seja, uma taxa de desemprego. Nesse caso, justificam-se todas as ações para a flexibilização das relações trabalhistas, pois a livre flutuação do preço dos salários permitiria o desemprego estar no nível correspondente de equilíbrio sem, com isso, pressionar os preços gerais da economia. Nesse contexto, a política fiscal só deve ser pensada no sentido de equilibrar gastos e receitas do governo, sendo considerada ineficiente na promoção do crescimento devido ao crowding-out.
  • (5)
    Aqui consideramos a periodização a partir de 2003, porque os anos 2000, 2001, 2002 e 2003 respondem a eventos do final dos anos 1990, como as crises cambiais e uma conjuntura externa muito mais desfavorável do que haverá a partir de 2003.
  • (6)
    Cano (2017) caracteriza o crescimento pós-1990 no País como um modelo de “voo de galinha”, uma vez que predominam taxas de crescimento (do PIB e de investimento) medíocres com momentos de aceleração limitados.
  • (7)
    Essas mudanças foram além daquelas já citadas na seção anterior, que ampliaram os instrumentos e as formas de negociação fictícia dos imóveis, em que se destacam o Patrimônio de Afetação (MP n. 2.221 de 2001), que separou os recursos captados para o financiamento do imóvel do patrimônio das empresas; e a Alienação Fiduciária (lei n. 10931 de 2004) que garante a propriedade do imóvel para a instituição financeira até a sua quitação, ou seja, expandiu as possibilidades de ampliação dos mercados secundários relacionados à produção imobiliária.
  • (8)
    Em artigo recente, Shimbo, Sanfelici e Martinez-Gonzales (2020) avaliam o papel específico das consultorias internacionais no mercado imobiliário da capital paulista e lançam luz sobre os novos agentes que moldam as práticas e as métricas de avaliação dos investimentos no setor.
  • (9)
    Dados do FGTS e do Banco Central do Brasil compilados pela CBIC.
  • (10)

    Dados das Contas Nacionais – IBGE.
  • (11)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    2 Abr 2021
  • Aceito
    5 Jun 2021
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