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Crítica reconstrutiva do neoliberalismo: considerações sobre um modelo de crítica do presente

Reconstructive critique of neoliberalism: considerations on a model of criticism

Critica reconstructiva del neoliberalismo: consideraciones cerca de um modelo de critica del presente

Resumo:

Desde a publicação dos últimos grandes estudos de Axel Honneth discute-se, no âmbito da Teoria Crítica da sociedade, em que medida seu método analítico de uma “reconstrução normativa” pode realizar as intenções de crítica social. O presente artigo pretende contribuir para esse debate ao esmiuçar algumas implicações da reconstrução social, ressaltando aquilo que entende ser seus pontos fortes. Posteriormente, o artigo aproxima o método reconstrutivo da crítica do neoliberalismo, mas para isso adota uma comparação crítica com o modelo alternativo de análise deste regime enquanto “ordem normativa”, como proposto por Wendy Brown, principalmente. Como conclusão, defende que a reconstrução se conecta a dimensões mais próximas de uma possível economia política do neoliberalismo e, por isso, é um método mais robusto do que a análise do discurso político neoliberal.

Palavras-chave:
Teoria Crítica; Método reconstrutivo; Crítica do neoliberalismo

Abstract:

Since the publication of Axel Honneth’s last lengthy studies, critical theorists have been discussing if his “normative reconstruction” is able to connect with the traditional aims of Critical Theory, namely, criticizing society. This paper aims to take part in the discussion about the implications of social reconstruction, highlighting its strengths. In a second step, it discusses if reconstruction can work out as a criticism of neoliberalism, and to do that, the paper critically compares reconstruction with the alternative approach of analysing neoliberalism as a “normative order”, as proposed by Wendy Brown, mainly. In conclusion, the paper claims that reconstruction connects with elements of a political economy of the present, and therefore is a more solid method for critique than the analysis of neoliberalism’s political discourse.

Keywords:
Critical Theory; Reconstruction; Critique of neoliberalism

Resumen:

Desde la publicación de los últimos grandes estudios de Axel Honneth, en el ámbito de la Teoría Crítica de la sociedad se ha discutido hasta qué punto su método analítico de “reconstrucción normativa” puede llevar a cabo las intenciones de la crítica social. Este artículo pretende contribuir a esta discusión al discutir algunas implicaciones de la reconstrucción social, destacando cuáles son sus puntos fuertes. Posteriormente, el artículo acerca el método reconstructivo a la crítica del neoliberalismo y lo compara criticamiente con el modelo de análisis alternativo de este régimen como un “orden normativo”, propuesto por Wendy Brown, principalmente. En conclusión, sostiene que la reconstrucción conecta dimensiones más cercanas a una posible economía política del neoliberalismo y, por tanto, es un método más robusto que el análisis del discurso político neoliberal.

Palabras clave:
Teoria Critica; Reconstrucción; Critica del neoliberalismo

Introdução2 2 O material de pesquisa foi adquirido graças ao apoio da Fundação Alexander von Humboldt e do Daad.

Em um colóquio patrocinado pela Fundação Alexander von Humboldt, entre 10 e 15 de dezembro de 1984, Axel Honneth e Albrecht Wellmer coordenaram uma série de discussões sobre o tema “A Escola de Frankfurt e seu seguimento”. Organizada em três eixos temáticos, a conferência reuniu em Ludwigsburg acadêmicas e acadêmicos que conectavam seus trabalhos à herança da Escola de Frankfurt nos âmbitos da filosofia, da teoria da sociedade e da estética, a fim de discutir a atualidade da Teoria Crítica naquele momento. “O significado da Escola de Frankfurt hoje” (isto é, em 1984) foi o tema da mesa de abertura e propiciou a oportunidade para que os filósofos Jürgen Habermas, Albrecht Wellmer, Gajo Petrović e o cientista político Iring Fetscher expressassem algumas discordâncias sobre a então situação da Teoria Crítica da sociedade. As indicações de que a discussão giraria em torno da situação corrente da Teoria Crítica - e não de seu significado pretérito - aparecem de modo evidente já na apresentação de Habermas, chamada “Três teses sobre a história dos efeitos da Escola de Frankfurt” (Habermas 1986Habermas, Jürgen. 1986. Drei Thesen zur Wirkungsgeschichte der Frankfurter Schule. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organisiert von Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 8-12. Berlin: De Gruyter.). Ali, ele discutia os desdobramentos contemporâneos da Teoria Crítica da Escola de Frankfurt a partir da ideia de que seu poder de persuasão se devia, em primeiro lugar, à consolidação de uma unidade ficcional atribuída a um grupo diverso de intelectuais e temáticas que, em não pequena medida, graças àquela unidade, puderam conectar interesses de pesquisa a diferentes direções e em diversos níveis. O resultado, segundo ele, era um espraiamento da Teoria Crítica para diversas áreas de atuação conectadas a diversos complexos de problemas, sendo essa diversificação mais importante do que a reconstrução, enquanto exercício de história das ideias, daquela unidade ficcional de uma escola de pensamento.

Por baixo dessa tese sobre a diversificação da Teoria Crítica, no entanto, estava a ideia de que a atualidade do estilo específico de crítica social inicialmente desenvolvido por Max Horkheimer se devia à capacidade dessa teoria desdobrar-se em diferentes níveis e, em consequência, estabelecer diferentes continuidades. É por isso, notava Habermas, que diferentes modelos de teoria crítica formulados em diferentes momentos e sob diferentes condições orientavam, ainda na metade da década de 1980, diversas formas de recepção e prosseguimento da Teoria Crítica.3 3 Embora Habermas não a mencione explicitamente, a periodização seguida por ele em sua exposição segue aquela apresentada por Helmut Dubiel em seu livro sobre a primeira geração da Teoria Crítica. Para Dubiel (1978), após a fase inicial do programa materialista interdisciplinar organizado ao redor de Max Horkheimer, teria se seguido, no período do exílio, a fase em que foi formulada uma Teoria Crítica específica, mas que, em vista dos acontecimentos histórico-políticos da década de 1940 foi a seguir abandonada em favor de uma crítica da razão instrumental, que caracteriza a terceira fase. No conjunto de suas três teses - a Escola de Frankfurt ou a Teoria Crítica são unidades ficcionais, cujo poder de persuasão decorre de sua diversidade: (i) o que propicia diferentes pontos de conexão e desenvolvimento; (ii) e é melhor entendido como uma ligação a complexos de problemas atualizáveis; (iii) Habermas defende a posição de que a atualidade da Teoria Crítica está intimamente conectada à atualização de seus temas de investigação. No debate com Petrović e Wellmer, porém, essa tese foi contestada sob dois diferentes pontos de vista.Inicialmente, ambos concordam que a descrição habermasiana de uma unidade ficcional é coerente, embora ela não sirva como explicação para os efeitos reais da influência da Escola de Frankfurt sobre a pesquisa científica. Nesse ponto, Petrović e Wellmer concordam que a Escola de Frankfurt é mais do que um conjunto de sobreposições de interesses contingentes; antes, ela deve ser lida como um projeto coletivo, cuja ambição seria a de “desenvolver o marxismo criativamente sob novas condições históricas” (Petrović 1986Petrović, Gajo. 1986. Die Bedeutung der Frankfurter Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organisiert von Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 15-24. Berlin/New York: De Gruyter., 15) ou a renovação e desenvolvimento de uma teoria crítica da sociedade por meio de “uma ruptura radical com o fascismo sem uma ruptura igualmente radical com a tradição cultural alemã” (Wellmer 1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter., 27). Para Petrović, porém, o empreendimento da Escola de Frankfurt havia fundamentalmente falhado, enquanto para Wellmer - e Habermas - o balanço indicava um caminho de desenvolvimento interno à própria Teoria Crítica. Assim, o debate entre os autores se desdobrou também sobre a possível apropriação da Teoria Crítica enquanto crítica da sociedade e do presente.

Segundo Petrović, o fracasso das intenções de atualização criativa do marxismo pela Escola de Frankfurt seria causado pela incapacidade de seus teóricos incorporarem à sua teoria da sociedade a teoria da ação dos Manuscritos econômico-filosóficos (Petrović 1986Petrović, Gajo. 1986. Die Bedeutung der Frankfurter Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organisiert von Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 15-24. Berlin/New York: De Gruyter., 22), o que os teria conduzido a tratar a história de modo generalista a partir da concepção economicista do Marx maduro e das correntes político-filosóficas do marxismo ocidental (Petrović 1986Petrović, Gajo. 1986. Die Bedeutung der Frankfurter Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organisiert von Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 15-24. Berlin/New York: De Gruyter., 21); quando confrontados com a falta de alternativas na qual desaguava essa concepção teórica, os teóricos críticos apelaram a soluções pontuais e caminhos alternativos que se descolavam do projeto original de uma Teoria Crítica da sociedade como desenvolvimento da ação criativa da humanidade. Para o autor, de fato, a tendência à diversificação da Teoria Crítica no presente remetia ao sobrepeso atribuído a uma versão economicista do materialismo histórico, já que para escapar à interpretação histórica unilateral, autores como Adorno e Horkheimer precisaram recorrer a interpretações do presente que, por um lado, justificassem a falência do processo civilizatório, mas, por outro, consequentemente, retiravam da teoria o seu potencial de crítica enquanto recuperação da atividade humana sobre a história.

Já para Wellmer (1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter., 26), a filiação de Horkheimer e Adorno a uma formação marxista é causa de uma ambiguidade. Por um lado, ela propiciou que, ao retornar à Alemanha recém redemocratizada, eles encontrassem interlocuções e solo fecundo não apenas para a discussão cultural, mas também para a tese central da Dialética do Esclarecimento, a de que o fascismo é uma possibilidade latente em todas as sociedades capitalistas, pois “A Dialética do esclarecimento é a teoria de uma modernidade definitivamente assombrada; de seus círculos do inferno parece não haver nenhuma saída: fascismo, stalinismo e cultura capitalista de massa aparecem como manifestações variadas, diferenciadas tão somente em grau, de um mesmo nexo de ilusão” (Wellmer 1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter., 28). A consequência dessa tese, no entanto, mais uma vez é o fechamento do horizonte histórico de crítica social, do qual, ao contrário do que sugeria Petrović, para Wellmer (1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter.), Adorno teria se socorrido na incorporação de um ponto de vista messiânico para a crítica da sociedade.

Ambos os autores, cada qual a seu modo, buscaram escavar no pensamento de Adorno tendências alternativas de desenvolvimento, enquanto Habermas aludira à pluralidade de desdobramentos possíveis como a riqueza inerente da Teoria Crítica sem necessariamente associá-la a Adorno. Consequentemente, em sua abordagem, a riqueza da Teoria Crítica não estaria em uma perspectiva metodológica intrínseca, mas na capacidade de encontrar um interesse crítico ou emancipatório nas condições do presente através da pesquisa social.4 4 Sobre a possibilidade de um “interesse emancipatório”, ver Honneth (2021). Curiosamente, Wellmer (1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter., 29) notara explicitamente que a continuidade do projeto coletivo do qual se iniciara a Teoria Crítica somente foi possível em termos críticos graças a Habermas, que, ao mesmo tempo em que estabelece uma conexão com o trabalho inicial de Horkheimer, também incorpora uma série de categorias em seu modelo de análise, abrindo uma via alternativa àquela na qual se fundiam a tradição marxista e o negativismo dialético. Por meio da incorporação de categorias de análise advindas da filosofia da linguagem, da sociologia funcionalista e da teoria weberiana da racionalização, Habermas construiu uma alternativa ao modelo que postulava que à crescente diferenciação funcional entre esferas de ação correspondia um processo de reificação dos indivíduos e da razão como um todo. De acordo com Wellmer (1986Wellmer, Albrecht.1986. Die Bedeutung der Frankfurt Schule heute. In Die Frankfurter Schule und die Folgen: Referate eines Symposiums der Alexander von Humboldt-Stiftung vom 10. - 15. Dezember 1984 in Ludwigsburg, organizado por Axel Honneth e Albrecht Wellmer, 25-34. Berlin: De Gruyter., 30, grifo no original), ao reabrir um horizonte de análise no qual a complexidade societária e a democracia são observadas do ponto de vista de seus efeitos, a teoria de Habermas “significa, no mínimo, a retomada de um horizonte histórico para a Teoria Crítica, isto é, a abertura de um horizonte histórico de possibilidades”. Assim ele parece traduzir de modo mais preciso aquilo a que Habermas aludira em sua fala: escavando um horizonte complexo de possibilidades históricas, o que só é possível por meio da conexão com diferentes áreas de pesquisa, a Teoria Crítica recoloca entre suas tarefas a análise da transformação social no presente - justamente aquilo que havia sido perdido com a virada em direção à crítica da razão instrumental enquanto filosofia da história - sem, com isso, condenar teoricamente o presente devido aos fenômenos regressivos que nele se deixam identificar. No presente artigo, infelizmente, é impossível tratar com a devida profundidade das consequências de cada uma das posições brevemente apresentadas até aqui e tampouco serão comparadas enquanto modelos para uma Teoria Crítica. No entanto, na discussão entre Habermas, Petrović e Wellmer, é possível identificar algo que ainda retém importância para o tema do artigo. Trata-se da ideia de que a atualidade da Teoria Crítica, nas décadas pregressas tanto quanto hoje, depende, por um lado, do modelo de crítica que se almeja e, por outro, de como esse modelo se relaciona com o horizonte de possibilidades das transformações sociais no presente, mais especificamente com a forma como essa tradição incorpora a análise histórica em suas reflexões. Assim, ainda que em termos assumidamente abstratos, a discussão entre Habermas, Petrović e Wellmer, toca em um ponto central para a Teoria Crítica no presente: como avaliar a relação entre a história e os fenômenos regressivos do presente. Especificamente, o artigo toma como ponto de apoio a tentativa empreendida por Axel Honneth de analisar o presente a partir de uma metodologia reconstrutiva a fim de discutir se esse caminho oferece uma crítica frutífera do modo de produção capitalista neoliberal. Para isso, o texto é dividido em duas partes, além desta introdução. Inicialmente, apresenta o modelo reconstrutivo de Honneth, destacando algumas objeções a seu potencial de crítica a partir da recepção recebida por este modelo. No entanto, a partir de uma distinção (de caráter exploratório) entre a reconstrução normativa e a reconstrução histórica, o artigo defende que esse modelo se mostra mais adequado para uma crítica robusta do neoliberalismo do que a análise da cultura política e intelectual do neoliberalismo, pois só o primeiro incorpora de maneira consequente elementos de uma economia política do presente.

O método reconstrutivo e a crítica do presente

O tema da transformação política do presente voltou à tona nas discussões no âmbito da Teoria Crítica em não pequena medida devido às críticas recebidas por Axel Honneth após a publicação de seu estudo O direito da liberdade em 2011. Tendo feito uso de um procedimento de “reconstrução normativa”,5 5 Novamente: nos limites do presente artigo não é possível discutir com a devida atenção os fundamentos do modelo crítico de uma reconstrução normativa. Sobre o tema ver Simim (2015) e o capítulo 3 da sua obra Da crítica ao reconhecimento. A teoria da justiça na Teoria Crítica de 2018. o autor se descobre recorrentemente confrontado com a objeção de que “meu ponto de partida metodológico no horizonte normativo da modernidade efetivamente trairia a intenção de não mais pretender me envolver com a perspectiva crítica de uma transformação da ordem social dada” (Honneth 2015Honneth, Axel. 2015. Die Idee des Sozialismus. Versuch einer Reaktualisierung. Berlin: Suhrkamp., 12). Essa afirmação, retirada do prefácio de seu estudo subsequente, A ideia do socialismo (2015), é mencionada por Honneth como um dos motivos para que ele procurasse, nesse livro, corrigir a impressão de afastamento da intenção crítica por meio de uma discussão sobre a doutrina socialista. E ele o faz por meio de uma provocação: para que a doutrina do socialismo possa despertar potenciais utópicos e assumir a papel de fonte de orientações ético-políticas, antes é preciso assumir sua falta de apelo diante das circunstâncias presentes. Daí que, diz Honneth (2015Honneth, Axel. 2015. Die Idee des Sozialismus. Versuch einer Reaktualisierung. Berlin: Suhrkamp., 20),

quero, inicialmente, repassar os motivos internos ou externos que levaram a que a ideia do socialismo pareça ter perdido seu antigo potencial de mobilização de modo aparentemente tão irremediável; e, segundo, quero, à luz desses motivos desvelados, me perguntar quais mudanças conceituais devem ser implementadas à ideia do socialismo, de modo a que ela possa recuperar sua virulência perdida.

A exposição desse projeto é reveladora do seguinte: primeiro, a reatualização do socialismo pretende operar no nível normativo; segundo, o apelo à dimensão normativa se deve à questão que move Honneth ligar-se antes ao potencial de indignação do que à transformação política imediata; por fim, a conexão entre potencial de indignação e orientação normativa é que deve resultar em uma doutrina utópica capaz de inspirar práticas de transformação. Segundo Patrícia Mattos (2018Mattos, Patrícia. 2018. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth: uma análise de sua proposta de atualização do socialismo. In Desigualdade e reconhecimento. Atualidade da teoria crítica de Axel Honneth, organizado por Antônio Dimas Cardoso, 67-95. Montes Claros: Editora Unimontes., 68, grifo meu) “Longe de perceber o socialismo como limitado a uma política econômica, Honneth o vê como se baseando, antes de tudo, numa perspectiva de luta pela concretização de exigências morais já expressas nos princípios da liberdade, igualdade e fraternidade”.

A interpretação honnethiana da doutrina socialista como uma remissão a ideais já existentes no horizonte político das sociedades europeias do século 19 conecta metodologicamente dois pontos importantes para um modelo reconstrutivo de Teoria Crítica: por um lado, ele nota que na apropriação dos termos ‘socialist’ e ‘socialism’ por movimentos políticos naquele século, essas palavras se transformam em “‘conceitos de movimentos orientados para o futuro’ […] com os quais é sinalizada a intenção política de, através da fundação de associações coletivas, contribuir para aproximar a sociedade existente de uma condição à qual se possa de algum modo nomear ‘social’” (Honneth 2015Honneth, Axel. 2015. Die Idee des Sozialismus. Versuch einer Reaktualisierung. Berlin: Suhrkamp., 24); por outro lado, entre os adeptos da denominação socialista, o “ponto de partida dos clamores contra a ordem social pós-revolucionária era […] a indignação a respeito de que a concomitante expansão do mercado capitalista impedia uma grande parcela da população de fazer uso dos desde então prometidos princípios da liberdade e da igualdade” (Honneth 2015Honneth, Axel. 2015. Die Idee des Sozialismus. Versuch einer Reaktualisierung. Berlin: Suhrkamp., 26).6 6 Honneth refere-se, evidentemente, à situação após a Revolução Francesa. Ou seja, a apropriação mesma da ideia de socialismo por grupos de ativistas envolvidos na tentativa de transformar suas realidades sociais se assenta em uma dupla percepção: a da negação concreta e sistemática de princípios já estabelecidos como politicamente acessíveis e a de que o acesso a esses princípios, isto é, sua realização, implica em uma transformação do presente.É nesse sentido que a reconstrução de valores já dados se conforma como um modelo de crítica social. Assim, é possível retomar a reconstrução normativa feita por Honneth em O direito da liberdade (2011), identificando uma separação entre dois níveis de exposição. Em um primeiro nível, relacionado à consolidação de normas morais de orientação da ação, se encontrariam os princípios morais prometidos pelos arranjos institucionais do presente; em um segundo nível, porém, que deve ser entendido como uma reconstrução sócio-histórica se encontrariam tanto os impedimentos sistemáticos à concretização das promessas morais já reconstruídas, quanto os recursos discursivos para a exigência de sua realização e, consequentemente, da transformação da sociedade.7 7 Uma excepcional aplicação deste modelo de reconstrução normativa foi realizada por Marciele Vasconcellos ao discutir a gramática moral da conciliação trabalhista na justiça do trabalho. A tese de Vasconcellos (2021) demonstra, por meio do acompanhamento de audiências de conciliação, documentos e exposições de membros do judiciário trabalhista uma grande medida na qual tanto a norma jurídica quanto os recursos discursivos de crítica se defrontam com práticas sistemáticas que impedem a plena realização dos princípios estabelecidos, nesse caso, na conciliação de interesses trabalhistas entre patrões e empregados. É dentro deste esquema conceitual que a crítica do presente deve ser entendida na teoria de Honneth.Como mencionado por Thiago Simim (2015Simim, Thiago Aguiar. 2015. A justiça das instituições sociais. Uma crítica da reconstrução normativa de O direito da liberdade de Axel Honneth. Civitas 15 (4): 648-663. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015.4.20526.
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, 652), “a reconstrução normativa per se não qualifica o projeto de releitura de Honneth como crítico, se ele não puder fazer diagnósticos de tempo”. Embora na obra O direito da liberdade (2011) esse não seja um tema explícito, foi justamente o que levou às críticas feitas ao autor e mencionadas na abertura desta seção. Cabe notar, junto com Simim, que o diagnóstico de tempo de Honneth se dá pela de patologias sociais, práticas sistemáticas que operam “uma espécie de interferência no tipo de efetivação própria da liberdade social” (Simim 2015Simim, Thiago Aguiar. 2015. A justiça das instituições sociais. Uma crítica da reconstrução normativa de O direito da liberdade de Axel Honneth. Civitas 15 (4): 648-663. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015.4.20526.
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, 652). Valendo-se do método da reconstrução normativa, Honneth busca explicitar quais normas e princípios dão sentido interno a cada uma daquelas três esferas fundamentais nas quais a liberdade moderna se efetiva graças à confirmação recíproca entre os sujeitos envolvidos, as relações interpessoais, o mercado e a democracia política; com isso, é preciso que à descrição dos princípios de liberdade corresponda uma descrição das esferas da liberdade enquanto espaços de obtenção do reconhecimento e, consequentemente, dos tipos de patologia encontrados em cada uma dessas esferas (Simim 2015Simim, Thiago Aguiar. 2015. A justiça das instituições sociais. Uma crítica da reconstrução normativa de O direito da liberdade de Axel Honneth. Civitas 15 (4): 648-663. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015.4.20526.
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, 655-6). Assim, a crítica feita por Honneth à sociedade presente recupera o aspecto metodológico de que os princípios cuja realização significa a conquista de um modo de vida generalizadamente tido por aceitável não se realizam, seja devido à organização interna da ou a impedimentos externos à esfera de ação à qual se referem e, por isso, uma mudança na ordem social se faz desejável.

Em seu livro, Honneth aponta elementos específicos a cada uma dessas esferas de realização da liberdade social caracterizáveis como desvios ou falsos desenvolvimentos internos. De fato, no preâmbulo à exposição da reconstrução normativa do presente, ele alerta que, “aquilo que, no que segue, é reconstruído nas mencionadas três esferas como respectivo núcleo de regras normativas, não é necessariamente sempre aquilo que sujeitos efetivamente praticam em seu dia a dia; no curso de nossa reconstrução esbarraremos repetidamente em desvios individuais desses padrões “típico-idealmente” concebidos de ação, que se revelarão altamente característicos de certas tendências de nosso tempo. Mas tais diferenças devem aqui, se não configuram meros fenômenos contingentes, serem designadas como falsos desenvolvimentos sociais, pois elas falham em realizar as exigências da liberdade social implícitas respectivas a cada esfera” (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 230). Esses falsos desenvolvimentos, então, são descritos como práticas sistemáticas e socialmente difundidas que distorcem aspectos da liberdade social. Elas incluem, na esfera das relações interpessoais, a instrumentalização de relações de amizade no lugar da parceria (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 251), a busca da autorrealização egocêntrica nas relações amorosas ao invés da entrega afetiva (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 272), a submissão dos papéis familiares às condições socioeconômicas de obtenção de satisfação ao invés da cooperação triangular entre parceiras ou parceiros e crianças (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 310) e, na esfera da democracia política, incluem a sobreposição de uma identidade pré-política - étnica ou biológica - à consolidação do princípio de liberdade recíproca (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 493) ou ainda a privatização das intenções públicas conduzidas por uma hegemonia midiática voltada a nichos (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 511) ou a interesses privados (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 522). Isso, porém, ainda não é o suficiente para caracterizar uma crítica do neoliberalismo, compondo, antes um painel de crítica à tendência generalizada à privatização das relações pessoais e à atomização da ação política. Nesse ponto, a difícil relação entre patologias sociais e falsos desenvolvimentos (Souza 2017Souza, Luiz Gustavo da C. de. 2017. Social pathologies, false developments and the heteronomy of the social: Social theory and the negative side of recognition. Filozofija i društvo / Philosophy and Society 28 (3): 435-453. https://doi.org/10.2298/FID1703435S.
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) cobra sua fatura da teoria honnethiana, uma vez que o autor não explicita o que seria a implementação parcial da liberdade - ou “a possibilidade da liberdade”, como chamada no livro - e o que seriam falsos desenvolvimentos dentro de instituições assentadas sobre princípios de liberdade social - a “realidade da liberdade”.

Essas indicações esparsas de um diagnóstico do presente também existem para a esfera do mercado, na qual a tendência de atrofia e unilateralização da ação individual soterra as disposições comunicativas e cooperativas presentes na instituição de um mercado de troca de produtos (Honneth 2011Honneth, Axel. 2011. Das recht der Freiheit. Grundriß einer demokratischen Sittlichkeit. Berlin: Suhrkamp., 360).8 8 Para uma objeção à separação feita por Honneth entre a disposição do mercado para a satisfação de necessidades e o imperativo da maximação de interesses individuais, ver Jütten (2015). Todavia, assim como na conclusão de seu estudo sobre o socialismo, Honneth parece querer se afastar de uma sobredeterminação da esfera econômica a respeito dos desconfortos do presente, identificando antes a necessidade de um projeto politicamente motivado que seja capaz de identificar nas conquistas institucionais de outras esferas sociais um conjunto de exigências morais que poderia mediar a organização da economia - ou, de modo ainda mais preciso, seria preciso identificar como as esferas normativas diferenciadas da modernidade se relacionam entre si (Honneth 2015Honneth, Axel. 2015. Die Idee des Sozialismus. Versuch einer Reaktualisierung. Berlin: Suhrkamp., 124-128, 136-7). Neste balanço entre conquistas institucionais e ameaças, porém, como observado por Patrícia Mattos( 2018Mattos, Patrícia. 2018. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth: uma análise de sua proposta de atualização do socialismo. In Desigualdade e reconhecimento. Atualidade da teoria crítica de Axel Honneth, organizado por Antônio Dimas Cardoso, 67-95. Montes Claros: Editora Unimontes., 87), “toda ênfase recai sobre as conquistas institucionais em termos de liberdade social e, portanto, sobre os aprendizados morais”. Segundo a autora, embora em outros momentos Honneth tenha articulado de modo interessante as relações entre poder e moralidade, nos textos reconstrutivos isso é um negligenciado (Mattos 2018Mattos, Patrícia. 2018. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth: uma análise de sua proposta de atualização do socialismo. In Desigualdade e reconhecimento. Atualidade da teoria crítica de Axel Honneth, organizado por Antônio Dimas Cardoso, 67-95. Montes Claros: Editora Unimontes., 91). Há, porém, na obra do autor, uma interessante tentativa de diagnóstico na qual esse tema aparece em destaque. Em um artigo chamado “Barbarizações do conflito social” (Honneth 2014Honneth, Axel. 2014. Barbarizações do conflito social. Lutas por reconhecimento ao início do século 21. Civitas 14 (1): 154-176. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16941.
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), ele revisita indicações de Talcott Parsons sobre os conflitos sociais e a busca por autorrespeito e chega a um quadro no qual os meios de aquisição do reconhecimento contemporâneos se deixam caracterizar como barbarizados na medida em que, situados em esferas nas quais a obtenção do reconhecimento perdeu seu sentido normativo devido à dinâmica de atomização e dessimbolização, esses meios de aquisição de reconhecimento se expressam antes como formas privatizadas de conquista do autorrespeito (Honneth 2014Honneth, Axel. 2014. Barbarizações do conflito social. Lutas por reconhecimento ao início do século 21. Civitas 14 (1): 154-176. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16941.
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, 173). Se, porém, para as classes subalternas isso se dá por meio de uma luta permanente pela obtenção de visibilidade enquanto membros da sociedade, para as classes cujo acesso a esferas reguladas de ganho está mais ou menos assegurada, a barbarização se expressa por meio de uma manipulação do direito como mecanismo de afastamento de demandas alheias e, especialmente, por meio de uma subversão do princípio do mérito em favor de uma simples exposição do sucesso econômico e da consequente defesa frente à concorrência no mercado (Honneth 2014Honneth, Axel. 2014. Barbarizações do conflito social. Lutas por reconhecimento ao início do século 21. Civitas 14 (1): 154-176. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16941.
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, 174).9 9 Uma rica exploração dos efeitos dessa barbarização do conflito social sobre o mercado de trabalho foi realizada recentemente por Thays Mossi, que a partir de pesquisas com designers autônomos conectou a situação atual de concorrência dessimbolizada com a reflexão sobre a justiça social e o trabalho decente (Mossi 2019; Rosenfield e Mossi 2020).

É interessante neste diagnóstico que Honneth parece identificar no processo de barbarização o resultado da imposição de exigências morais que concorrem com aquelas do reconhecimento recíproco e da liberdade social, ou seja, de recursos normativos associados à “mudança estrutural neoliberal do capitalismo” (Honneth 2014Honneth, Axel. 2014. Barbarizações do conflito social. Lutas por reconhecimento ao início do século 21. Civitas 14 (1): 154-176. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2014.1.16941.
https://doi.org/https://doi.org/10.15448...
, 173). Ainda assim, parece difícil saber qual a medida em que a generalização de interpretações sistematicamente negadoras ou destruidoras dos princípios de liberdade social seriam consequência de uma ordem social neoliberal. Uma alternativa é proposta por Hannes Kuch, para quem “graças a seu típico horizonte de valores, institucionais, o mercado pode levar à patologia de que um aspecto da liberdade ali realizada, precisamente a liberdade negativa, seja tomada pelo todo da liberdade” (Kuch 2018Kuch, Hannes. 2018. Liberdade social e socialização do mercado. Civitas 18 (3): 580-610. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018.3.31415.
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, 587). Essa perspectiva avança em dois pontos para além de onde Honneth estancara: por um lado, explicita que uma interpretação limitada do conceito de liberdade se generaliza como norma de ação em uma esfera social graças à própria organização da esfera em questão - ela mostra como uma possibilidade da liberdade se torna a realidade anômica da liberdade social exatamente porque, naquela esfera, as disposições à liberdade negativa e à liberdade social não são contínuas, mas concorrentes; por outro lado, e em consequência do primeiro ponto, a generalização da anomia do mercado se deixa compreender como uma disposição patrocinada pela organização do modo de produção capitalista, especificamente por meio do mercado, para a generalização de exigências morais contrárias aos princípios do reconhecimento recíproco e da liberdade social.10 10 Daí a importância de distinguir, como faz Honneth, entre mercado e capitalismo. Para uma exposição aprofundada do tema, que incluí uma discussão sobre a relação entre mercado e socialismo, ver Kuch (2020, 224 ss.). Com esse passo, já é possível intuir o entrelaçamento entre o modo de produção capitalista neoliberal e as disposições normativas ao ‘desreconhecimento’ (Souza 2018Souza, Luiz Gustavo da C.de. 2018. Reconhecimento, desreconhecimento e demarcação simbólica. Uma contribuição conceitual à análise do lado negativo do reconhecimento. Sociologias 20 (49): 294-317. https://doi.org/10.1590/15174522-02004912.
https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
), assim como já foi possível identificar alguns recursos de crítica do presente. Parece faltar, porém, uma análise própria do neoliberalismo.

A cultura política do neoliberalismo

Como visto, o método reconstrutivo permitiu a Honneth encontrar na análise das formas de integração social do presente certas disposições sociais, ou exigências morais, cuja realização conflita abertamente com os ideais de liberdade da modernidade. Nesse sentido, por meio da distinção entre uma reconstrução normativa e uma reconstrução histórica, a crítica social se vê capaz de identificar a consolidação e a generalização de recursos discursivos por meio dos quais indivíduos adentram (e constituem) uma disputa barbarizada pelo reconhecimento. Este diagnóstico tem como pilar a ideia de que expectativas normativas a respeito da institucionalização de certas condições de participação de vida não são cumpridas. Ainda mais: com Hannes Kuch (2018Kuch, Hannes. 2018. Liberdade social e socialização do mercado. Civitas 18 (3): 580-610. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2018.3.31415.
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) foi possível avançar a interpretação de que não são cumpridas devido à disposição sistemática para que não o sejam na esfera central do capitalismo moderno, o mercado. Entretanto, o resultado parece ser atingido sem que a ele acompanhe uma efetiva análise das causas que originam a generalização dessas disposições - como apontado por Patrícia Mattos (2018Mattos, Patrícia. 2018. A teoria do reconhecimento de Axel Honneth: uma análise de sua proposta de atualização do socialismo. In Desigualdade e reconhecimento. Atualidade da teoria crítica de Axel Honneth, organizado por Antônio Dimas Cardoso, 67-95. Montes Claros: Editora Unimontes., 90), parece faltar aqui algo que explicite como a separação entre moralidade e poder resulta na “desconexão do ideal normativo de autorrealização e [d]a sua realização na realidade do capitalismo pós-fordista”. Em outros temos, não há uma reconstrução do modo de produção capitalista neoliberal.

Na teoria crítica contemporânea, destaca-se a tentativa de Wendy Brown (2015Brown, Wendy. 2015. Undoing the Demos. Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone books., 30) de conceber o neoliberalismo como uma “ordem de razão normativa que, quando se transforma em ascendente, toma a forma de uma racionalidade de governança que estende uma formulação específica de valores econômicos, práticas e métricas a todas as esferas da vida humana”. Com isso, Brown quer dizer que, mesmo onde não há uma dimensão de atividade propriamente monetária, o neoliberalismo como ordem de razão normativa dissemina um modelo para todas as atividades e configura indivíduos sempre como agentes de mercado (Brown 2015Brown, Wendy. 2015. Undoing the Demos. Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone books., 31). Ao mesmo tempo, porém, em que são assujeitados como capital humano, indivíduos nessa nova ordem normativa são transformados em capital humano também para empresas e instituições, segundo a autora (Brown 2015Brown, Wendy. 2015. Undoing the Demos. Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone books., 37), resultando em uma situação na qual, ao mesmo tempo em que se veem responsáveis por si mesmos. Assim as pessoas não possuem qualquer garantia de seguridade e proteção social justamente porque são tratadas como capital pelos grandes agentes da economia. Em seu livro Undoing the demos, Brown (2015Brown, Wendy. 2015. Undoing the Demos. Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone books.) faz uso da ideia do neoliberalismo como ordem normativa a fim de apresentar um conjunto de alterações da ordem de governança, da biopolítica do presente, de fato, que contribuem para solapar a ativa participação popular soberana na formação de uma sociedade democrática, por um lado, mas também para privatizar os custos da gestão de si e intensificar a subordinação de grupos explorados ou excluídos dentro desta nova ordem. Exemplarmente, em sua discussão sobre o familialismo Brown (2015Brown, Wendy. 2015. Undoing the Demos. Neoliberalism’s stealth revolution. New York: Zone books., 105 ss.), expõe como o desmonte da infraestrutura pública de seguridade da família não apenas fragiliza a posição de mães empobrecidas e bloqueia as chances de participação igualitária de suas crianças, mas também faz com que, por meio da necessidade - atribuída aos próprios indivíduos - de proverem condições para a entrada na vida social às suas crianças, um peso desproporcional do trabalho de responsabilização seja jogado aos ombros das mulheres. Deste modo, cristaliza-se um entrelaçamento de aspectos econômicos, morais e políticos do qual um modo de portar-se enquanto agente de mercado frente à sociedade emerge. É, porém, em seu livro seguinte, In the ruins of neoliberalism (2019), que a autora explora na medida em que o neoliberalismo enquanto ordem de governança conforma um discurso sobre a sociedade.

De acordo com Brown, por meio de um ataque conceitual, normativo e prático conduzido por forças da direita política, o neoliberalismo leva a cabo um duplo projeto, de desmantelamento do social por meio da geração de uma “cultura antidemocrática desde baixo, enquanto constrói e legitima formas antidemocráticas de poder estatal desde cima” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 28, grifo no original) e de destronamento da política, gerando “no melhor dos casos, desorientação generalizada a respeito do valor da democracia entre populações neoliberalizadas” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 57-8). Ou seja, para ela, a característica discursiva marcante da “cultura política neoliberal” é a ideia de que a sociedade deve ser desmontada por meio de uma crítica da noção de justiça social e da ideia mesma de sociedade. Essa nova cultura política que opõe o social e a liberdade é o que “permite o exercício da liberdade sem preocupação pelo contexto social ou pelas consequências, sem cuidado com a sociedade, civilização ou laços sociais e, acima de tudo, sem preocupação com o cultivo político de um bem comum” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 44). Embora esta análise do “neoliberalismo realmente existente” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 36) seja convincente o bastante a respeito do fato de que “liberdade sem uma sociedade é um puro instrumento de poder” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 44-5) mobilizado por grupos dominantes, a posição de Brown refere-se a “ordens neoliberais” (Brown 2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 58) cuja atividade e capacidade de imposição sobre o direcionamento do estado parece decorrer não da cultura política do presente, de fato, mas de sua construção e importação a partir de algum lugar, como se o neoliberalismo tivesse uma origem intelectual unificada.

Essa origem intelectual do neoliberalismo é o tema de um livro recente de Thomas Biebricher, The political theory of neoliberalism (2018Biebricher, Thomas. 2018. The political theory of neoliberalism. Stanford: Stanford University press.). Embora compartilhe intuições centrais de Brown, como a de que o neoliberalismo não é um mero credo político anexo à política de desregulamentação, Biebricher procura ir além da ideia de uma cultura política do presente. Para ele, pelo contrário, é importante identificar nas origens intelectuais do neoliberalismo não um conjunto de doutrinas com ascendência política sobre governos de países centrais da ordem capitalista, mas uma teoria política que busca responder à crise do liberalismo na década de 1930 (Biebricher 2018Biebricher, Thomas. 2018. The political theory of neoliberalism. Stanford: Stanford University press., 12) por meio da construção de uma alternativa aos projetos coletivistas que vicejavam no período. O neoliberalismo se constituiria, diz ele, inicialmente como “campo de adversidade” frente ao coletivismo: “Nesta perspectiva, a distinção política significativa não é direita versus esquerda, ou comunismo versus fascismo, mas totalitarismo versus liberalismo, ou coletivismo versus individualismo” (Biebricher 2018Biebricher, Thomas. 2018. The political theory of neoliberalism. Stanford: Stanford University press., 18). Esse campo de adversidades examinado por Biebricher, então, é o que constitui a “problemática neoliberal”, essa sim o fundamento político da doutrina: para ele, dado que a adversidade postulada gira em torno da defesa do individualismo e da correção de erros que tornaram o liberalismo clássico incapaz de realizá-lo, o neoliberalismo deve ser entendido como uma doutrina cujo objeto são as condições de funcionamento daquilo que propicia a realização do individualismo, o mercado capitalista (Biebricher 2018Biebricher, Thomas. 2018. The political theory of neoliberalism. Stanford: Stanford University press., 25 ss.). Isto é, não se trata de uma defesa incondicional de mercados desregulados, mas da conformação de um discurso que seja capaz de organizar seu funcionamento de modo que deles resulte uma maior eficiência do ponto de vista da liberdade de ação.

Ainda que envolva um arco mais amplo de autores em sua reconstrução intelectual das origens da teoria e da política neoliberais, Biebricher compartilha com Brown (2019Brown, Wendy. 2019. In the ruins of neoliberalism. The rise of antidemocratic politics in the West. New York: Columbia University Press., 77 ss.) o indiciamento dos suspeitos de sempre: Hayek, Friedman, a sociedade Mont Pelèrin; e, no entanto, em ambas as perspectivas, parece haver um descompasso entre a difusão da cultura e da teoria políticas e a consolidação das ordens neoliberais por meio de práticas políticas e econômicas. Se, por um lado, essas abordagens descrevem de modo convincente uma conexão entre a mercantilização da ação social e o contexto de vigência do neoliberalismo enquanto ordem social, parecem não dizer muita coisa a respeito das condições sócio-históricas de estabelecimento do neoliberalismo - antes, a sociedade é a vítima de uma experiência intelectual à qual não parece capaz de opor resistência. Nos termos evocados por Wellmer ao justificar a importância de Habermas para a continuidade da Teoria Crítica, um horizonte de possibilidades históricas parece desaparecer do escopo de investigação da cultura política neoliberal tão logo ela seja tratada como o resultado de um processo, imposto a partir de cima, de condução do Estado e dos mercados. Desse ponto de vista, permanecem sem respostas indagações a respeito de quais mecanismos de organização do modo produção capitalista propiciariam condições para que a cultura política neoliberal florescesse. Daí a importância de uma teoria crítica capaz de reconstruir um conjunto de exigências morais que, embora contraditórias, estão conectadas tanto às próprias experiências políticas do presente quanto às condições que as tornam criticáveis e, portanto, permitem identificar motivos de crítica e também de regressão. Como visto ao longo do artigo, isso implica não apenas reconstruir as exigências morais do presente, mas também as dinâmicas sócio-históricas que atuam sobre a difusão dessas exigências, de modo que a reconstrução normativa deve ser complementada com uma reconstrução que conecte a Teoria Crítica à economia política do presente.

Considerações finais

O texto tentou mostrar que, a despeito da recepção cética dos trabalhos recentes de Axel Honneth, a metodologia ali empregada de uma reconstrução de normativa é um caminho promissor para a análise do presente em dois níveis: por um lado, ao reconstruir as exigências morais típicas de uma época, com seus esforços e impasses políticos, ela permite observar a medida que as condições dadas são percebidas como inadmissíveis; por outro, ao situar historicamente essas condições de desconforto social, permite observar os motivos pelos quais a transformação social é tida como desejável e em quais direções ela parece se mover. Daí a importância de separar - mas fazer acompanhar - a reconstrução histórica da reconstrução normativa. Se isso parece insuficiente como um modelo de crítica específica do neoliberalismo, a reconstrução permite, de modo mais consequente do que as análises da cultura política e da teoria intelectual desse regime, observar, por fim, que mais que uma ordem de discurso, o neoliberalismo é um modo de produção de experiências culturais, econômicas, políticas e sociais assentado sobre um horizonte histórico de experiências morais, sejam elas conquistas institucionais ou impulsos para a indignação.

Referências

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  • 2
    O material de pesquisa foi adquirido graças ao apoio da Fundação Alexander von Humboldt e do Daad.
  • 3
    Embora Habermas não a mencione explicitamente, a periodização seguida por ele em sua exposição segue aquela apresentada por Helmut Dubiel em seu livro sobre a primeira geração da Teoria Crítica. Para Dubiel (1978Dubiel, Helmut. 1978. Wissenschaftsorganization und politische Erfahrung. Studien zur frühen Kritische Theorie. Frankfurt am Main: Suhrkamp.), após a fase inicial do programa materialista interdisciplinar organizado ao redor de Max Horkheimer, teria se seguido, no período do exílio, a fase em que foi formulada uma Teoria Crítica específica, mas que, em vista dos acontecimentos histórico-políticos da década de 1940 foi a seguir abandonada em favor de uma crítica da razão instrumental, que caracteriza a terceira fase.
  • 4
    Sobre a possibilidade de um “interesse emancipatório”, ver Honneth (2021Honneth, Axel. 2021. Gibt es ein emanzipatorisches Erkenntnisinteresse? Versuch der Beantwortung einer Schlüsselfrage kritischer Theorie. In Die Armut unserer Freiheit. Aufsätze 2012-2019, 290-319. Berlin: Suhrkamp.).
  • 5
    Novamente: nos limites do presente artigo não é possível discutir com a devida atenção os fundamentos do modelo crítico de uma reconstrução normativa. Sobre o tema ver Simim (2015Simim, Thiago Aguiar. 2015. A justiça das instituições sociais. Uma crítica da reconstrução normativa de O direito da liberdade de Axel Honneth. Civitas 15 (4): 648-663. https://doi.org/10.15448/1984-7289.2015.4.20526.
    https://doi.org/https://doi.org/10.15448...
    ) e o capítulo 3 da sua obra Da crítica ao reconhecimento. A teoria da justiça na Teoria Crítica de 2018Simim, Thiago Aguiar. 2018. Da crítica ao reconhecimento. A teoria da justiça na Teoria Crítica. Belo Horizonte: Arraes editores..
  • 6
    Honneth refere-se, evidentemente, à situação após a Revolução Francesa.
  • 7
    Uma excepcional aplicação deste modelo de reconstrução normativa foi realizada por Marciele Vasconcellos ao discutir a gramática moral da conciliação trabalhista na justiça do trabalho. A tese de Vasconcellos (2021Vasconcellos, Marciele A. de. 2021. A reconstrução normativa da gramática moral da conciliação trabalhista: as controvérsias jurídicas e as disputas pelos sentidos de justiça na política conciliatória na Justiça do trabalho. Tese de Doutorado em Sociologia, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil.) demonstra, por meio do acompanhamento de audiências de conciliação, documentos e exposições de membros do judiciário trabalhista uma grande medida na qual tanto a norma jurídica quanto os recursos discursivos de crítica se defrontam com práticas sistemáticas que impedem a plena realização dos princípios estabelecidos, nesse caso, na conciliação de interesses trabalhistas entre patrões e empregados.
  • 8
    Para uma objeção à separação feita por Honneth entre a disposição do mercado para a satisfação de necessidades e o imperativo da maximação de interesses individuais, ver Jütten (2015Jütten, Timo. 2015. Is the market a sphere of social freedom? Critical horizons 16 (2): 187-203. https://doi.org/10.1179/1440991715Z.00000000047.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1179/...
    ).
  • 9
    Uma rica exploração dos efeitos dessa barbarização do conflito social sobre o mercado de trabalho foi realizada recentemente por Thays Mossi, que a partir de pesquisas com designers autônomos conectou a situação atual de concorrência dessimbolizada com a reflexão sobre a justiça social e o trabalho decente (Mossi 2019Mossi, Thays Wolfarth. 2019. A ‘barbarização do conflito social’ no trabalho de designers autônomos. Anais do 43º Encontro Anual da Anpocs, de 21 a 25 de out. 2019. Caxambu, MG, Brasil: Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. http://anpocs.com/index.php/encontros/papers/43-encontro-anual-da-anpocs/st-11/st03-9/11642-a-barbarizacao-do-conflito-social-no-trabalho-de-designers-autonomos/file.
    http://anpocs.com/index.php/encontros/pa...
    ; Rosenfield e Mossi 2020Rosenfield, Cinara e Mossi, Thays Wolfarth. 2020. Trabalho decente no capitalismo: dignidade e reconhecimento no microtrabalho por plataformas. Sociedade e Estado 35 (3): 741-764. https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202035030004.
    https://doi.org/https://doi.org/10.1590/...
    ).
  • 10
    Daí a importância de distinguir, como faz Honneth, entre mercado e capitalismo. Para uma exposição aprofundada do tema, que incluí uma discussão sobre a relação entre mercado e socialismo, ver Kuch (2020Kuch, Hannes. 2020. Social freedom beyond capitalism. Three alternatives. In From Marx to Hegel and back. Capitalism, Critique and Utopia, organized by Victoria Fareld e Hannes Kuch, 213-234. London: Bloomsbury academic., 224 ss.).
  • 11
    Os textos deste artigo foram revisados pela Poá Comunicação e submetidos para validação do autor antes da publicação.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Jul 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Out 2021
  • Aceito
    02 Dez 2021
  • Publicado
    20 Jun 2022
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