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Contabilidade de atividade imobiliária: conflitos entre as normas contábeis e fiscais

Contabilidade de atividade imobiliária - conflitos entre as normas contábeis e fiscais

Clara Pellegrinello Mosimann; Getulio Alves de Abreu; Marcelino F. de Carvalho; Wagner Viana Dantas

Mestrandos em Contabilidade e Controladoria no Departamento de Contabilidade e Atuaria da Faculdade de Economia e Administração da USP

1. INTRODUÇÃO

A contabilidade da atividade imobiliária no Brasil, em função das inúmeras normas de natureza fiscal e societária que a reagem, tem sido objeto de inúmeros trabalhos de diversos autores.

O presente estudo, que foi extraído de um trabalho mais acerca da Contabilidade da atividade imobiliária, apresentado na disciplina Tópicos Contemporâneos de Contabilidade, do curso de Mestrado em Contabilidade e atuaria da FEA/USP, objetiva examinar, a luz da legislação em vigor, a natureza e a extensão dos conflitos porventura existentes entre as normas contábeis incorporadas ao mundo jurídico pela legislação comercial e as assumidas pelas legislações fiscais, aplicáveis ao ramo imobiliário.

2. NATUREZA E EXTENSÃO DOS CONFLITOS

No presente trabalho, para efeito da determinação de conflitos entre normas fiscais e contábeis, tomamos por base, para estas últimas, a Lei nº 6.404/76 e, para as primeiras, o Decreto-lei nº 1.598/77, regulamento pelo Decreto nº 85.450/80 (RIR), e alterações posteriores, enfatizando-se, portanto, eventuais conflitos entre as normas de contabilidade inclusas na Legislação do imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza (IR).

Embora a Lei nº 6.404/76 dirija-se apenas às Sociedades por Ações, a escolha deste diploma legal como base para comparação decorre do fato da legislação do imposto de renda no Brasil houver incorporado a Legislação tributária, aplicável a todas as empresas, os preceitos da referida Lei, como se pode depreender do texto dos artigos 153, 154, e 172 do RIR/80 (arts. 6º, 7º, e 67º, XI, do Decreto-lei 1.598/77) a seguir transcritos:

"Art. 153 - A base de cálculo do imposto é o lucro real (subtítulo II), presumido (subtítulo III), ou arbitrado (subtítulo IV), corresponde ao período-base de incidência (Decreto-lei nº 5.8544/43, artigo 43, e Lei nº 5.172/66, artigo 44)";

"Art.154 - Lucro real é o lucro liquido do exercício ajustado pelas adições, exclusões ou compensações prescritas ou autorizado por este regulamento (artigo 387 e 388) (Decreto-lei nº 1.598/77, artigo 6º)";

"Art. 155 - O lucro liquido do exercício é a soma algébrica do lucro operacional (Capitulo II), dos resultados não operacionais (capítulo III) do saldo da conta de correção monetária (capitulo IV), e das participações, e deverá ser determinado com observância dos preceitos da lei comercial (Decreto-lei nº1.598/77, artigo 6º, § 1º)".

"Art. 172 - Ao fim de cada período-base de incidência do imposto, o contribuinte deverá apurar o lucro líquido do exercício mediante a elaboração, com observância das disposições da lei comercial, do balanço patrimonial, da demonstração do resultado do exercício e da demonstração de lucros ou prejuízos acumulados (Decreto-lei nº 1.598/77, artigo 7º, § 4º).

Parágrafo único - O lucro liquido do exercício deverá ser apurado com observância das disposições da Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (Decreto-lei nº 1.598/77, artigo 67, XI)."

O artigo 44 do Código Tributário Nacional (CNT) - Lei nº 5.172, de 25.10.66 - Também utilizado como fonte para o artigo 153 do RIR/80 - determina que o Imposto sobre a Renda (entendida esta em sentido lato, ou seja, abrangendo a renda em sentido estrito e os proventos já calculados sobre o montante real, arbitrado ou presumido, na renda ou dos proventos tributáveis).

Como a renda presumida e a arbitrada são conceitos utilizados para situações de exceção,m dispensando-se exclusive para o primeiro caso , a necessidade de manter escrituração contábil perante o risco, neste trabalho enfatizaremos a renda real "que o procedimento regular para determinar a base de calculo do imposto sobre a renda das pessoas jurídicas" (1 1 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.106. ).

Como se observa, a partir dos textos da legislação fiscal acima transcrito, "juridicamente...,a aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica de renda real (fato gerador do imposto sobre crediário) será determinada a partir do acréscimo patrimonial consignado nas demonstrações financeiras, levantadas com observância da Lei nº 6.404/76 (2 2 Idem, p.107. )".

Desse modo, embora a renda real, denominada de Lucro Real pelo direito positivo (RIR), não seja igual ao lucro liquido (haja vista que o período-base competente para tributação de algumas receitas e dedução de algumas receitas diferem do estabelecido pelo regime de competência contábil para considera-las no resultado), a legislação fiscal reconhece explicitamente que o lucro real será determinado no lucro liquido apurado segundo os ditamens da legislação comercial em particular da Lei nº 6.404/76, incorporando, portanto, obrigatoriedades da observância dos princípios contábeis geralmente aceitam (vide parágrafo único do art. 172 do RIR/80, acima citado).

No caso específico da observância do principio da competência dos exercícios ("caput" do art. 177 e alíneas "a" e "b" do parágrafo 1º, do art. 187, da Lei nº 6.404/76), o Risco tem ratificado sua necessidade em diversos pronunciamentos posteriores ao Decreto-lei nº 1.598/77 e ao RIR/80, de que é exemplo o Parecer Normativo CST nº 86, de 1978 e o de nº 26, de 1982, que fazendo menção ao Decreto-lei nº1.598/77, afirmam:

PN/CST Nº 86/78, item 8:

"Quanto ao ganho decorrente de obrigações, deve ele ser incluído no lucro operacional à época da realização, como explicita o dispositivo: mas em atenção à franca adoção do regime de competência pelo Decreto-lei, e considerando o dever de incluir no lucro operacional o resultado de atividades principais e acessórias, que constituam o objetivo da pessoa jurídica, essa determinação deve ser ampliada, ou seja, alcançar também as atualizações de obrigações." (grifamos)

PN/CST Nº 26/82, item 4.2

"Note-se, a propósito, que a Exposição de Motivos do Ministro da Fazenda que acompanha o projeto de Decreto-lei Nº1.598/77, ao justificar o seu capitulo II, no qual esta inserido o já mencionado art. 6º e com consubstancia as normas relativas a base de calculo do imposto de renda das pessoas jurídicas, ressalta que o projeto adapta a definição da base do calculo do imposto aos novos conceitos da lei comercial, 'inclusive quanto à adoção ( no reconhecimento do lucro) do regime de competência' " ( grifamos )

Ante o exposto verifica-se a não existência de conflitos entre as normas contábeis incorporadas ao mundo jurídico pela Lei nº 6.404/76 (fonte primária de direito comercial para as sociedades por ações, estendida às demais pessoas jurídicas contribuintes do imposto de renda ) e as normas fiscais inclusas no Decreto-lei nº 1.598/77 (fonte primária de direito tributário na área de imposto de renda, à qual tornada as fontes secundárias de direito nessa área não podem contrariar), uma vez que os contribuintes estão obrigados, por expressa determinação de ambos os diplomas legais, a manter a sua escrituração mercantil de acordo com os ditamens da Lei nº 6.404/76 (art. 7º, §4º e art. 67, item XI do D.L. nº 1.598/77 e art. 177 da Lei nº 6.404/76).

Nada obstante, no que tange às fontes secundárias (portarias circulares, atos normativos etc) cuja função " é complementar o comando legal, quando este não for, por si só, suficiente à sua execução, na extensão que lhes for estipulada, de modo a propiciar a sua fiel execução " (3 3 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.56. ), observa-se, que a despeito de, em obediência a hierarquia das leis, não poderem contrariar a fonte primária do direito Constituição, Leis complementares, Leis Ordinárias, Decretos-leis etc), uma vez que lhe devem estrita obediência, algumas fontes secundarias de direito tributário, expedidas na área de imposto de renda, obrigam o contribuinte a adotar procedimentos contábeis que contrariam a legislação comercial, ferindo não só o disposto em suas fontes primárias (o que se constitui numa ilegalidade ), mas também as suas próprias normas de natureza secundária.

Com efeito, como exemplo dessa insubordinação legal, os atos normativos dirigidos aos contribuintes do imposto de renda que desempenham a atividade imobiliária (IN/SRF Nº84/79; IN/SRF nº23/83 e IN/SRF nº 67/88, vistas em conjunto com a IN/SRF nº 28/78 e o PN/CST nº 11/79), impõe normas de contabilidade que, antes de contrariarem a Lei nº 6.404/76, ferem as próprias fontes primárias de direito na área do imposto de renda (D.L. nº 1.598/77) e inúmeras outras fontes secundárias emitidas pelo mesmo poder tributante (RIR/80; PN/CST nº 86/78; PN/CST nº 34/81; PN/CST nº 26/82 etc. )

Analisamos, então, a natureza e a extensão desse conflito a partir do exame dos textos envolvidos.

Segundo o que dispõe os artigos 27 a 29 do Decreto-lei nº 1.598/77, regulamentados pelos arts. 285 a 288 do RIR/80, o contribuinte que comprar imóvel para venda ou promover empreendimento imobiliário de desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de prédio destinado à venda deve, para efeito de determinação do lucro real (art. 29) o que equivale dizer: para efeitos fiscais - observar, em resumo, as seguintes normas:

• "Reconhecimento do lucro quando é contratada a venda ainda que mediante instrumento de promessas, o quanto implementada a condição suspensiva a que acaso estiver sujeita a venda. Se a venda for contratada antes de completado o empreendimento, o contribuinte poderá computar no custo do imóvel vendido, além dos custos pagos, incorridos ou contratados, os orçamentos para a conclusão das obras contratadas;"

• Na venda, a prazo ou em prestações, com pagamento após o término do período-base da venda, o lucro base poderá ser reconhecido em proporção á receita recebida (regime de caixa) "(4 4 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.177. ).

Toda a polêmica registrada por diversos autores, como LATORRACA(5 5 Idem, p.133. ), FRANCO(6 6 FRANCO, Ademar. "Imposto de renda de pessoas jurídicas - para auditores e contadores", São Paulo, Atlas, 1986, p.115. ) e BRAGA(7 7 BRAGA, Roberto. "Fundamentos e técnicas de administração financeira", São Paulo, Atlas, 1989, p.44. ), circunscreve-se ao segundo caso acima, ou seja, a determinação dos procedimentos contábeis para o reconhecimento do lucro na venda de imóveis a prazo ou em prestações, devido ao fato do artigo 29 do D.L nº 1.598/77 (art. 288 do RIR/80) referir-se ao "registro em conta específica de resultado de exercícios futuros" das receitas (e custos) decorrentes dessas vendas ainda não recebidas, caracterizando-se, à primeira vista, num flagrante conflito com o regime de competência consagrado pela legislação societária (arts. 177 e §1º do art. 187 da Lei nº 6.404/76).

Entretanto, uma análise mais aprofundada revela, segundo nosso entendimento, que a norma do art. 29 do D.L. nº 1.598/77, não enseja a ocorrência de quaisquer conflitos com os procedimentos contábeis a serem adotados na escrituração mercantil. Nossa afirmação baseia-se nos seguintes principais argumentos:

a) o D. L. nº 1.598/77 determina de forma clara e explicita, no item XI do seu art. 67 (parágrafo único do art. 172 do RIR/80), que o lucro líquido do exercício deve ser apurado com observância da Lei nº 6.404/76;

b) a Lei nº 6.404/76 enfatiza, em três oportunidades, a obrigatoriedade da observância do regime de competência na escrituração mercantil: a primeira, no art. 177, quando exige obediência aos princípios contábeis geralmente aceitos (entre os quais se insere o da competência dos exercícios); a segunda ainda no art. 177, quando exige que a escrituração da companhia registre "as mutações patrimoniais segundo o regime de competência"; e a terceira do parágrafo 1º do art.187, quando determina o registro das receitas e rendimentos ganhos no período, independentemente de sua realização em moeda, a das despesas e custos incorridos , independentemente de seu pagamento";

c) O art. 29 do D.L. nº 1.598/77, afirma que suas instruções são aplicáveis "para efeito de determinação do lucro real", ou seja, não são aplicáveis para a determinação do lucro liquido do contribuinte, o qual deve ser apurado segundo os ditames da Lei nº 6.404/76, não só por exigência desta, mas também, como vimos; de próprio Físico;

d) as divergências, por ventura existentes, entre os critérios para o reconhecimento no resultado de receitas e despesas decorrentes, de um lado, de observância do regime de competência e, de outro do regime fiscal (período-base competente) são, em consonância com o art. 177 da Lei nº 6.404/76 e de acordo com o art. 8º do D.L. nº 1.598/77, para serem conciliados no Livro de Apuração do Lucro Real (LALUR) e não na escrituração mercantil, conforme entendimento do próprio Risco manifestado através do Parecer Normativo/CST nº 34/81, do qual transcrevemos os parágrafos 6 e 7:

"6. Para melhor entender o assunto, é oportuno lembrar que a Lei nº 6.404/76 contém dispositivos que asseguram nítida separação entre a escrituração comercial e a fiscal. Segundo o comando do parágrafo 2º do art. 177, a companhia deverá escriturar em registros auxiliares, sem modificação da escrituração, as disposições da Lei tributária que prescrevem métodos ou critérios contábeis diferentes daqueles utilizados nos registros permanentes.

7. Perfilando a mesma orientação e objetivando garantir efetivamente o apartamento dos resultados correspondentes a escrituração comercial e fiscal, o Decreto-lei número 1.598/77 instituiu o livro de apuração do lucro real (art. 8º Item I); na conformidade do parágrafo 2º do art. 8º esse livro se destina a registrar e controlar os ajustes feitos ao resultado apurado na escrituração comercial, na determinação do lucro real, quando esses valores forem de natureza exclusivamente tributária, ou forem diferentes dos lançamentos efetuados na escrituração mercantil."

e) a conclusão a que chegou o risco no PN/CST nº34/81, não poderia ser outra, uma vez que o texto do parágrafo 2º do art. 8º do D.L. nº 1.598/77, que lhe serviu de fonte legal, não deixa a menor dúvida quanto a não interferência da escrituração fiscal na escrituração comercial, afirmado claramente que os registros contábeis solicitados pelo Fisco, que colidam com aqueles determinados pela legislação comercial, devem ser feitos no livro de apuração do lucro real. Para maior clareza, transcrevemos o texto no parágrafo sob comentário:

"Os registros contábeis que forem necessários para a observância de preceitos da lei tributária relativos à determinação do lucro real, quando não devam, por sua natureza exclusivamente fiscal, constar de escrituração comercial, ou forem diferentes dos lançamentos dessa escrituração, serão feitos no livro de que trata o item I deste artigo (registro de apuração do lucro real)."

f) diante do exposto, considerando que o D.L nº 1.598/77, não somente acolheu, mas exigiu, mas exigiu, expressamente, a observância dos dispositivos da Lei nº 6.404/76 na escrituração mercantil, apuração de resultados e elaboração de demonstrações financeiras, determinando, também de forma expressa, que os registros contábeis necessários ao entendimento de preceitos da legislação tributária, que não devam constar da escrituração mercantil, sejam feitos fora dessa escrituração, ou seja, no livro de apuração do lucro real, entendemos que não existe razão plausível para considerar a referencia do art. 29 do B.L. nº 1.598/77 ( "registro em conta especificado de exercícios futuros" ) como uma alusão ao grupo "Resultado de Exercícios Futuros" a que se refere o art. 181 da Lei nº 6.404/76 , mas, sim, como um registro a ser feito no livro de apuração do lucro real, inexistindo, portanto, os supostos conflitos.

Nada obstante, observa-se que, na prática, as empresas que exploram a atividade imobiliária no Brasil adotam, na escrituração mercantil, o regime de caixa para o reconhecimento do lucro na venda de unidade imobiliária a prazo ou em prestações e citam, como razão desse procedimento, as normas do D.L. Nº 1.598/77 e/ou IN/SRF Nº 84/79 e Nº23/83.

A despeito da referencia ao Decreto-lei nº 1.598/77 em notas explicativas integrantes das demonstrações financeiras de algumas imobiliárias, o mesmo não obriga, como já vimos, a adoção de suas normas na escrituração mercantil em prejuízo da legislação comercial. Os conflitos , porventura existentes, deverão ser conciliados, por sua expressa determinação, no livro de apuração do lucro real.

O instrumento legal que, de fato, tem obrigado as empresas imobiliárias a adotar o regime de caixa para o reconhecimento do lucro em vendas de imóveis a prazo ou em prestações é a IN/SRF Nº 84/79, que no seu item 22.1, faz a seguinte afirmação:

"22.1 - todos os procedimentos e apurações regulados por esta Instrução Normativa, inclusive o diferimento parcial ou total do reconhecimento do lucro bruto, na hipótese de venda a prazo ou a prestação com pagamento restante ou pagamento total contratado para depois do período base da venda, deverão ser efetuados na escrita comercial, sendo, portanto, vedado ao contribuinte, para o fim mencionado, a utilização do livro de apuração do lucro real."

A referida Instrução Normativa, no tocante ao dispositivo citado, contraria, conforme expomos anteriormente, as normas fiscais que lhe são hierarquicamente superiores (Arts. 27 a 29 do D.L. nº 1.598/77 e Arts. 285 a 288 do RIR/80) e a si própria, uma vez que o item 1.1 da mesma faz referencia explicita ao fato de que suas instruções são aplicáveis "para efeito de determinar o lucro real":

"1.1 - O contribuinte que comprar imóvel para venda ou empreender desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de prédio destinado à venda devera, para efeito de determinar o lucro real, obedecer às condições constantes desta Instrução Normativa."

Embora a exigência do item 22.1 da IN/SRF Nº 084/79 se mostre completamente absurda quando analisada somente à luz do Decreto-lei Nº 1.598/77 ou mesmo do RIR/80, verifica-se que, basicamente, essa exigência assenta-se, não sobre aqueles diplomas legais, mas sobre posicionamentos assumidos pelo risco através de algumas instruções e pareceres emitidos em época anterior à sua edição.

Esses instrumentos legais que segundo entendemos, criaram as condições para que a IN/SRF Nº84/79 chegasse ao ponto de fazer tal exigência, são a IN/SRF Nº28/78 e o PN/CST Nº 11/79, a seguir comentados:

a) o parágrafo 2º do art. 8º do D.L. nº1.598/77, afirma expressamente que no Livro de Apuração do Lucro Real serão feitos os "registros contábeis" necessários à observância de preceitos da lei tributária que não devam constar da escrituração mercantil ou dela divirjam;

b) contudo, o risco, quando definiu o modelo do Livro de Apuração do Lucro Real, através da IN/SRF Nº 28/78, limitou seu uso a um simples registro de anotações e demonstrações, não prevendo a hipótese de nele serem efetuados registros contábeis;

c) em conseqüência, a despeito do D.L. Nº 1.598/77, afirmar que no Livro de Apuração do Lucro Real serão feitos os registros contábeis de interesse exclusivamente fiscal (o que pressupõe a possibilidade de se efetuar lançamentos em partidas dobradas), o fato da regulamentação do mesmo, ao definir o modelo e uso do referido livro, não prever essa possibilidade fez surgir, entre outros, o questionamento acerca da norma inclusa no Art. 29 do D.L. Nº 1.598/77 ("registro em conta especifica do resultado de exercícios futuros"), uma vez que a legislação comercial não permite a adoção do regime de caixa na escrituração mercantil;

d) no ano seguinte à edição da IN/SRF Nº28/78, meses antes da edição da IN/ SRF Nº 084/79, o risco, pretendendo dirimir as dúvidas sobre o assunto, fez, através do PN/CST Nº 11/79, a afirmação abaixo transcrita, partindo da premissa de que o D.L. Nº 1.598/77 "disciplinou a observância de dispositivos não auto-aplicáveis da Lei Nº 6.404":

"7. Conclui-se, portanto, que devam ser escriturados na escrituração comercial, entre outros fatos:"

I. ...

II. ...

III - a apuração de resultados de empreendimentos imobiliários (compra e venda, loteamento, incorporação e construção) de que tratam os Arts. 27 e 29, este com seu teor modificado pelo Art. 2º do Decreto-lei Nº 1.648/78)

e) o mencionado Parecer Normativo Nº 11/79 não tem, segundo nosso entendimento, amparado legal, uma vez que determina que normas com fins exclusivamente tributários sejam cumpridas no âmbito da escrituração mercantil, em prejuízo do cumprimento da própria legislação comercial, quando isto é expressamente vedado, não só pela legislação comercial (Art. 177 da Lei Nº 6.404/ 76), mas pela legislação tributária que o mesmo se propõe a dirimir dúvidas (Art. 7º, parágrafo 4º, e Art. 67, item XI, do D.L. Nº 1.598/77).

f) além disso, o pressuposto adotado pelo Parecer sob comentário para inferir suas conclusões (ou seja: o de que o Decreto-lei nº 1.589/77, disciplinou a observância de dispositivos não auto-aplicáveis da Lei nº 6.404/76), não nos parece coerente com os preceitos constitucionais vigentes à época da publicação do referido D.L., haja vista que o art. 55 da Carta Magna então vigente (E.C. nº 1/69) não permitia que o Poder Executivo legislasse por Decreto-lei em matéria de direito comercial. Desse modo, segundo LATORRACA (8 8 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.152. ), "essa regra constitucional torna claro e indiscutível que os preceitos do Decreto-lei nº 1.598/77 sobre a apuração do lucro não podem modificar a legislação comercial, nem se destinam à apuração do lucro líquido do exercício, pois estes obedecem apenas aos preconceitos da lei comercial ."

g) a afirmação de que o D.L. nº 1.598/77 não poderia introduzir modificações ou efetuar a regulamentação de dispositivos da legislação comercial, fundamenta-se ( além da concentração de que, por vedação constitucional, o disciplinamento do direito comercial não era matéria legislável por Decreto-lei ) na própria Exposição de Motivos, elaborada pelo Ministério da Fazenda, que pretendeu justificá-lo à Presidência da República, a qual conforme constata SEGRETI (9 9 SEGRETI, João Bosco. "Análise dos efeitos da instrução normativa SRF 84/79 na apuração do lucro e situação patrimonial das empresas de construção de imóveis para venda", São Paulo, FEA/USP, 1982, Dissertação de Mestrado, p.8. ), afirma que o Decreto-lei sob referência "abrange apenas as alterações na legislação do imposto consideradas necessarias para adaptá-las à Lei nº 6.404/76" e não, como sustenta PN/CST nº 11/79, modificações ou regulamentações desta última para viabilizar o seu cumprimento ou para adaptà-la à legislação fiscal.

Inferimos, portanto, que a norma expressa do item 22.1 da IN/SRF nº 84/79, não tem, segundo nosso entendimento, amparo no art. 29 do Decreto-lei nº 1.598/77, mas, sim, na interpretação deste dada pelo PN/CST nº 11/79, o qual por embarsar-se em pressupostos de fácil refutação, inclusive a partir dos argumentos esplendidamente expostos pelo risco em vários outros de seus Pareceres Normativos (PN/CST nº 86/78, nº 34/81, nº 26/82 etc.), não nos parece que seja de sua competência impingir aos contribuintes a adoção de procedimentos que o diploma legal que lhe antecede e ao qual deve estrita obediência (D.L. Nº 1.598/77) não permite.

3. CONCLUSÃO

Toda a argumentação desenvolvida neste trabalho parte de premissa de que, por expressa determinação da legislação societária (Lei nr. 6404/76) e da legislação fiscal (Decreto-lei nr. 1.598/77) em vigor, não há qualquer possibilidade da legislação tributrária (aí incluídas as normas secundárias que se destinem a promover a sua aplicação), impor procedimentos contábeis, a serem observados na escrituração mercantil do contribuinte, em prejuízo do que determina a legislação comercial.

Tal pressuposto não é assumido apenas com base no que se pode entender do exame dos referidos diplomas legais, em particular do que disciplina o parágrafo segundo, do artigo oitavo do Decreto-lei nr. 1.598/77, visto em conjunto com o parágrafo segundo do artigo 177 da Lei nr. 6.404/76.

Mas, baseia-se, também, no entendimento expressamente manifestado pelo próprio legislador, através da exposição de motivos que fez acompanhar o projeto do Decreto-lei nr. 1.598/77, na qual enfatizava:

"7. A lei de sociedade por ações seguiu a orientação de manter separação nítida entre a escrituração comercial e a fiscal , porque as informações sobre a posição e os resultados financeiros das sociedades são reguladas na lei comercial com objetivos diversos dos que orientam a legislação tributária, e a apuração de resultados e as demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial não devem ser distorcidas em razão de conveniências da legislação tributária."

O projeto assegura essa distinção mediante criação do livro auxiliar (art. oitavo, item 1) de apuração do lucro real" (os grifos não constam do original).

Nesse contexto, dada a indiscutível clareza da Lei, a exigência inclusa no item 22.1 da IN/SRF nr. 84/79, extrapola em muito a competência legal conferida ao aplicador da legislação tributária, uma vez que, além de não obedecer os preceitos dessa legislação, se imiscui do disciplinamento de matéria pertinente ao direito comercial, impondo ao contribuinte que optar pelo diferimento do pagamento do imposto procedimentos contábeis flagrantemente contrários ao que determina tal ramo do direito.

Esperamos que a autoridade fazendária federal corrija tal distorção com a maior brevidade possível, dando aos livros fiscais - como o de apuração do lucro real - a utilidade que a lei efetivamente lhes conferiu, evitando que a apuração de resultados e as demonstrações financeiras exigidas pela lei comercial sejam distorcidas em razão de conveniências da legislação tributária.

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  • TAVARES, Francisco Giseldo, "Apuração de resultado nas vendas de imóveis a prazo ou a prestações e o princípio de competência dos exercícios". Revista do Conselho Nacional de Contabilidade do Rio Grande do Sul nº 27/81.
  • 1 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.106.
  • 3 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.56.
  • 4 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.177.
  • 6 FRANCO, Ademar. "Imposto de renda de pessoas jurídicas - para auditores e contadores", São Paulo, Atlas, 1986, p.115.
  • 7 BRAGA, Roberto. "Fundamentos e técnicas de administração financeira", São Paulo, Atlas, 1989, p.44.
  • 8 LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.152.
  • 9 SEGRETI, João Bosco. "Análise dos efeitos da instrução normativa SRF 84/79 na apuração do lucro e situação patrimonial das empresas de construção de imóveis para venda", São Paulo, FEA/USP, 1982, Dissertação de Mestrado, p.8.
  • 1
    LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.106.
  • 2
    Idem, p.107.
  • 3
    LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.56.
  • 4
    LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.177.
  • 5
    Idem, p.133.
  • 6
    FRANCO, Ademar. "Imposto de renda de pessoas jurídicas - para auditores e contadores", São Paulo, Atlas, 1986, p.115.
  • 7
    BRAGA, Roberto. "Fundamentos e técnicas de administração financeira", São Paulo, Atlas, 1989, p.44.
  • 8
    LATORRACA, Nilton. "Direito tributário - imposto de renda das empresas", São Paulo, Atlas, 1988, p.152.
  • 9
    SEGRETI, João Bosco. "Análise dos efeitos da instrução normativa SRF 84/79 na apuração do lucro e situação patrimonial das empresas de construção de imóveis para venda", São Paulo, FEA/USP, 1982, Dissertação de Mestrado, p.8.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Nov 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 1990
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