STRENGTHS-BASED NURSING AND HEALTHCARE: PERCEPÇÃO DE MULHERES EM UMA MATERNIDADE DE RISCO HABITUAL

RESUMO

Objetivo:

apresentar a percepção das mulheres hospitalizadas em uma maternidade em relação aos cuidados de enfermagem recebidos, tendo como respaldo referencial teórico Strengths-Based Nursing and Healthcare, de Laurie Gottlieb.

Método:

estudo exploratório de abordagem qualitativa. Foram entrevistadas 20 puérperas hospitalizadas no período de novembro a dezembro de 2019, em uma maternidade de risco habitual em Curitiba-PR, Brasil. Os dados foram transcritos e categorizados, utilizando software MaxQDA®2020, sendo realizada a análise de conteúdo, segundo os passos de Creswell.

Resultados:

foram estabelecidas duas categorias: “ausência de elementos do referencial teórico”; e “presença de elementos do referencial teórico”.

Conclusão:

o referencial teórico foi percebido pelas mulheres nos cuidados recebidos; estas se beneficiaram com este modelo, compreendendo o seu papel ativo no processo de parturição. Desenvolver este referencial teórico nas maternidades de risco habitual e em outras realidades assistenciais é uma janela de oportunidades para o desenvolvimento do trabalho dos enfermeiros.

DESCRITORES
Enfermagem; Enfermeiras Obstétricas; Saúde da Mulher; Enfermagem Holística; Teoria de Enfermagem

ABSTRACT

Objective:

to present the perception of women hospitalized in a maternity hospital regarding the nursing care received, with the theoretical reference Strengths-Based Nursing and Healthcare, by Laurie Gottlieb.

Method:

exploratory study with a qualitative approach. Twenty puerperal women hospitalized in the period from November to December 2019, in a usual risk maternity hospital in Curitiba-PR, Brazil, were interviewed. Data were transcribed and categorized, using MaxQDA®2020 software, and content analysis was performed, according to Creswell’s steps.

Results:

two categories were established: “absence of elements of the theoretical framework”; and “presence of elements of the theoretical framework”.

Conclusion:

the theoretical framework was perceived by women in the care they received; they benefited from this model, understanding their active role in the delivery process. Developing this theoretical framework in usual-risk maternity hospitals and in other care realities is a window of opportunity for the development of nurses’ work.

DESCRIPTORS
Nursing; Nurse Midwives; Women’s Health; Holistic Nursing; Nursing Theory

RESUMEN

Objetivo:

presentar la percepción de las mujeres hospitalizadas en una maternidad sobre los cuidados de enfermería recibidos, con la referencia teórica Strengths-Based Nursing and Healthcare, de Laurie Gottlieb.

Método:

estudio exploratorio de enfoque cualitativo. Fueron entrevistadas 20 puérperas hospitalizadas en el período de noviembre a diciembre de 2019, en una maternidad de riesgo habitual en Curitiba-PR, Brasil. Los datos se transcribieron y categorizaron, utilizando el software MaxQDA®2020, y se realizó un análisis de contenido, según los pasos de Creswell.

Resultados:

se establecieron dos categorías: “ausencia de elementos del marco teórico”; y “presencia de elementos del marco teórico”.

Conclusión:

el marco teórico fue percibido por las mujeres en la atención recibida; ellas se beneficiaron de este modelo, comprendiendo su papel activo en el proceso de parto. El desarrollo de este marco teórico en las maternidades de riesgo habitual y en otras realidades asistenciales es una ventana de oportunidad para el desarrollo del trabajo de las enfermeras.

DESCRIPTORES
Enfermería; Enfermeras Obstetrices; Salud de la Mujer; Enfermería Holística; Teoría de Enfermería

INTRODUÇÃO

A enfermagem procura aprofundar seus aspectos científicos, tecnológicos e humanísticos, tendo como centro de suas atividades o cuidar da saúde do ser humano, buscando nos diferentes referenciais teóricos sustentação para fundamentar sua práxis⁽¹⁾. Desde Peplau (1952), as teorias confirmam o planejamento da assistência de enfermagem por meio do arcabouço conceitual construído sobre os fenômenos do cuidado, participam da construção da linguagem específica e conduzem o pensar do enfermeiro pela identificação dos problemas/déficits do paciente durante a experiência do cuidar. Esta prática se consolida pelo processo de enfermagem^(2-3).

A maioria dos cenários de prática são caracterizados pela assistência hospitalocêntrica, fragmentada e tecnicista, cujas ações profissionais ainda são fortemente influenciadas por uma filosofia tradicional da ciência, baseada no modelo biomédico, com ênfase no “fazer”^(2,4). Este modelo de cuidado é o pensamento dominante do sistema de saúde e foi desenvolvido no decorrer dos anos para ajudar os profissionais a entender os problemas clínicos dos seus pacientes, chegar a um diagnóstico preciso e encontrar o melhor tratamento⁽⁵⁾. Identificar, localizar e compreender os sintomas é parte do diagnóstico, mas quando este processo começa a ser generalizado para a pessoa⁽⁵⁾ e a ênfase do plano terapêutico estiver na identificação e tratamento do problema, há pouca ou nenhuma valorização das capacidades e competências próprias do ser cuidado.

Se o modelo biomédico é prevalente no cuidado, na formação em saúde não é diferente, especificamente nos cursos de Enfermagem. A construção desta profissão perpassa pelas mudanças experimentadas no percurso histórico da saúde, centrando-se no modelo clínico de prática fragmentada, voltado para a área hospitalar. A tendência destes profissionais é avaliar os casos clínicos por meio dos sinais e sintomas de uma determinada patologia, desviando o foco da pessoa, centrando-o na sintomatologia, no déficit⁽⁶⁾.

Entretanto, na atualidade, as políticas e os programas de saúde estão voltados para uma visão assistencial totalitária, humanizada e holística, mostrando uma aparente contradição, em que de um lado estão presentes o tecnicismo e o foco nos déficits e de outro lado há o arcabouço teórico e legal focado no envolvimento participativo dos pacientes e na atenção humanizada. Neste contexto, a filosofia desenvolvida na McGill School of Nursing no Canadá, Strengths-Based Nursing and Healthcare (SBNH), pretende resgatar a prática, o ensino, a gestão e a liderança em enfermagem pela priorização do cuidado segundo as capacidades, competências e recursos da pessoa e da sua família, sem, no entanto, desconsiderar os problemas⁽⁵⁾.

Ao utilizar esta perspectiva, o enfermeiro busca identificar as forças existentes dentro e em torno do indivíduo e de sua família, posicionando-o no centro do cuidado e proporcionando o movimento de empoderamento, processo social de reconhecimento, promoção e melhoria da capacidade de as pessoas satisfazerem as próprias necessidades, resolverem seus problemas e mobilizarem recursos necessários, a fim de sentirem o controle sobre suas vidas. O termo força, por sua vez, é um conceito abrangente que inclui tanto as qualidades internas da pessoa ou unidade (família, comunidade), como os recursos externos de que dispõe; são qualidades, aptidões, competências, capacidades e habilidades distintas que coexistem com as fraquezas, podendo ser de natureza biológica, psicológica e sociais⁽⁵⁾.

O SBNH é uma abordagem que orienta os enfermeiros na sua prática quotidiana, tendo por base um conjunto de pressupostos sobre saúde, pessoa, ambiente e cuidados de enfermagem. Utiliza como elementos principais: o cuidado centrado no paciente/pessoa/família/relação; o movimento de empoderamento no paciente/família; a promoção da saúde, prevenção de doenças e autocuidado; considera os seguintes valores fundamentais subjacentes: saúde e cura; singularidade da pessoa; holismo e embodiment; realidade objetiva, subjetiva e construção de significado; autodeterminação; pessoa e ambiente estão integrados; aprendizagem; preparação e timing; parceria colaborativa nos cuidados.

O SBNH destaca a relação de parceria colaborativa, podendo ser aplicado em todas as linhas de cuidado, entre elas, a obstetrícia. Esta é uma especialidade com grande potencial para o desenvolvimento de diferentes modelos de cuidado, pois é direcionada para o atendimento especializado das mulheres em idade fértil em todo o processo fisiológico de gravidez, nascimento e puerpério^(7-11). Se aplicado nesta linha de cuidado, poderá contribuir com o sentimento de empoderamento das mulheres de melhorar sua performance para o autocuidado, exercer controle sobre sua própria vida, confrontar a situação e construir um futuro mais desejável⁽⁵⁾, com potencialidades para além do processo de parturição, tendo, inclusive, influência no cuidado de seus filhos e de sua família.

Este estudo tem como objetivo apresentar a percepção das mulheres hospitalizadas em uma maternidade em relação aos cuidados de enfermagem recebidos, tendo como respaldo o referencial teórico Strengths-Based Nursing and Healthcare, de Laurie Gottlieb.

MÉTODO

Trata-se de uma pesquisa exploratória de abordagem qualitativa, realizada em uma maternidade de risco habitual em Curitiba-PR, Brasil, com coleta de dados em novembro e dezembro de 2019.

Um grupo de enfermeiros da maternidade participou de encontros de grupo focal, em que tiveram a oportunidade de conhecer e refletir sobre o referencial teórico. Após este período, identificou-se a necessidade de verificar a percepção das mulheres quanto ao cuidado de enfermagem recebido, sendo formulada a seguinte questão norteadora: “As mulheres atendidas nesta maternidade de risco habitual percebem o cuidado de enfermagem diferenciado positivamente?”.

Para tanto, foram realizadas entrevistas com as mulheres utilizando-se um instrumento semiestruturado que foi testado inicialmente e adequado conforme a necessidade. Este instrumento foi composto por questões relacionadas à caracterização das participantes (idade, números de gestação, histórico gestacional anterior e tipo de parto realizado neste internamento) e por uma pergunta principal “Como foi sua experiência nesta instituição em cada ponto assistencial (Pronto Atendimento, Centro Obstétrico, Alojamento Conjunto, Unidade de Neonatologia e Ambulatório)?”.

Os critérios de inclusão foram: mulheres maiores de idade, hospitalizadas por um período superior a 24 horas, para tratamento clínico, ou que evoluíram para parto vaginal, ou submetidas à cesárea. Foram excluídas as mulheres menores de 18 anos, internadas para realizar procedimento de curetagem ou por interrupção não desejada da gestação, ou por um período inferior a 24 horas. A definição dos critérios de inclusão e exclusão procurou reduzir possíveis vieses relacionados ao pouco tempo de contato entre as mulheres e os enfermeiros da maternidade e relacionadas a situações de fragilidade emocional vivenciada por algumas mulheres.

Durante o período de coleta de dados, a pesquisadora principal avaliava o censo diário de internações da maternidade e selecionava as possíveis candidatas à entrevista, considerando o motivo e o tempo de internamento. As mulheres selecionadas foram abordadas individualmente e convidadas a participarem no projeto. A pesquisa foi esclarecida e a entrevista só foi realizada após a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As entrevistas foram realizadas em local reservado, na maternidade, no período diurno, com duração de aproximadamente 15 minutos.

Foi garantido o direito à confidencialidade das informações e ao anonimato, sendo utilizados uma sigla (M) e um número cardinal sequencial para sua identificação. As entrevistas, gravadas em áudio e transcritas na íntegra, foram conduzidas pela pesquisadora principal, vinculada no Serviço de Gestão de Altas da maternidade do estudo. O programa MaxQDA^® 2020 foi utilizado para a organização dos dados. Optou-se por duas categorias estabelecidas a priori: “ausência de elementos do referencial teórico” e “presença de elementos do referencial teórico”. Emergiram sete códigos dos segmentos analisados correspondentes aos oito valores do SBNH, sendo eles: ausência de abertura de espírito; atitude de julgar; empoderamento; autodeterminação; consideração da singularidade da pessoa; pessoa e ambiente estão integrados; aprendizagem, preparação e timing; e parceria colaborativa.

A categorização dos segmentos das falas foi realizada de forma independente por duas pesquisadoras; as categorias e os segmentos foram confrontados e havendo discordância entre as categorias, uma terceira pesquisadora realizava a análise e categorizava o segmento da fala.

Para análise dos dados, seguiu-se o referencial metodológico de Creswell⁽¹²⁾, que é composto por seis passos: I. organizar e preparar os dados para a análise; II. fazer a leitura dos dados para obter um sentido geral das informações e refletir sobre ele; III. iniciar a análise detalhada com um processo de codificação; IV. usar o processo de codificação para gerar uma descrição do cenário ou das pessoas, além das categorias ou dos temas para análise; V. prever como a descrição e os temas serão representados na narrativa qualitativa e fazer uma interpretação ou extrair significado dos dados, destacando as lições aprendidas; e VI. capturar a essência da ideia⁽¹²⁾. Os dados foram arquivados em drive digital, utilizado exclusivamente para a análise de conteúdo, sendo descartados posteriormente.

Cada ponto assistencial foi analisado individualmente, respeitando o caminho que as mulheres percorrem na maternidade. O critério de saturação teórica foi utilizado para encerrar a coleta de dados⁽¹³⁾.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética do Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, sob o parecer de nº 2.703.011, de 08 de junho de 2018.

RESULTADOS

Participaram 20 mulheres que respeitaram os critérios de inclusão e exclusão do estudo. A idade das participantes variou entre 18 e 37 anos, sendo sete primigestas e 13 multíparas. Em relação ao tipo de parto, cinco mulheres evoluíram para cesárea, 12 para parto vaginal e três estavam internadas para tratamento clínico.

Como resultado da análise de conteúdo, observou-se que os pontos assistenciais têm influência na percepção do cuidado. Foram categorizados 100 segmentos de falas, sendo 18 relacionados a “ausência de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem” e 82 relacionados à categoria “percepção de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem”. Exemplos dos segmentos das falas e suas respectivas categorias estão apresentados nos Quadros 1 e 2.

Quadro 1
Categoria: Ausência de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem. Curitiba, PR, Brasil, 2021

Categoria	Ponto Assistencial	Segmentos das Falas
Ausência de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem	Pronto Atendimento	Não deram muita explicação, só para eu ficar calma e que iria dar tudo certo [...]. (M2) Ela estava duvidando, falando que não podia ser de um minuto, sendo que de manhã eu estive ali e não tinha nem um de dilatação e era a mesma pessoa, isto foi desagradável [...]. (M15)
	Centro Obstétrico	Eles me orientaram no começo que, caso tivesse alguma emergência, era atendida, só que daí eu iria ser a segunda, só que não falaram mais nada e eu comecei a passar mal... fiquei só eu e meu esposo e ninguém veio me falar e o tempo foi passando [...]. (M5) Na verdade, eu fiquei com dúvida, porque toda a hora eles estavam colocando soro e a minha primeira cesárea que eu fiz eles não me colocaram no soro... daí eu achei estranho, para mim, eu achei que eles estavam querendo induzir meu parto [...]. (M12)
	Alojamento Conjunto	O pessoal entra e o pessoal sai, eu não sei se eles são enfermeiros, porque eles andam por lá, nem todos se apresentam [...]. (M6) A única coisa que deixa um pouco em dúvida é sobre o bebê mesmo, tipo o nascimento, porque tem umas que falam que 36 semanas ainda é prematuro, que ainda não está na hora e daí outra hora já vem alguém e diz que não vai liberar, então fica esta dúvida... você nunca sabe o que vai acontecer [...]. (M3) Acho que o atendimento de algumas das enfermeiras tinha que melhorar, o tratamento das enfermeiras, de algumas não todas, tem algumas muito boas, mas algumas tinham que melhorar [...]. (M9)

• Fonte: Autores (2021).

Quadro 2
Categoria: Percepção de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem. Curitiba, PR, Brasil, 2021

Categoria	Ponto Assistencial	Segmentos das Falas
Percepção de elementos do SBC no cuidado de enfermagem	Pronto Atendimento	Eles explicaram super bem tudo, perguntavam para mim se eu estava entendendo o que estava acontecendo. E daí já me prepararam para ir para o internamento, eu estava com o meu marido [...]. (M13)
	Centro Obstétrico	Porque eu os achei bem atenciosos, eles explicam as coisas certinho, a gente se sente mais confiante aqui [...]. (M12) Eles me trataram super bem e me deram muitas opções, o chuveiro, a banheira, a bola, não me deixaram sozinha em nenhum momento [...]. (M2) Eu gostei de tudo, mas onde vai ganhar, eu gostei mais, porque é um momento em que você está ali nervosa e, mesmo assim, eu achei que o atendimento foi muito humano, bem diferente [...]. (M7) Acho que se não fosse o incentivo mesmo, eu não tinha nem conseguido, porque eu já estava esgotada, já perdendo as forças, e elas estavam incentivando ali, aí que deu certo [...]. (M19)
	Alojamento Conjunto	Se apresentam, perguntam se podem se aproximar, chegar, conversar, perguntam se está tudo bem, se pode ser agora ou depois, tudo a gente tem a opção de falar [...]. (M7)
	Neonatologia	Estava difícil de ele [o bebê] pegar no peito, mas o tempo todo as meninas estão sempre estimulando ele para tentar pegar e fazer da maneira certa, sempre tem alguém me acompanhando, perguntando [...]. (M13)
	Ambulatório	Sobre a consulta de 37 semanas, foi muito boa, fiz com as enfermeiras, elas explicaram tudo, como é o parto humanizado, achei bem interessante, me senti segura com as informações, foi tudo bem explicado [...]. (M19)

• Fonte: Autores (2021).

A “Percepção de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem” foi identificada em todos os pontos assistenciais, destacando-se o Centro Obstétrico. As mulheres perceberam a criação de vínculo com os enfermeiros e a construção de uma parceria colaborativa entre o profissional, a mulher e seu acompanhante, conforme os exemplos apresentados no Quadro 2.

DISCUSSÃO

Mesmo com uma evolução significativa da linha de cuidado obstétrica e um arcabouço de políticas públicas de saúde e da rede suplementar, a assistência materno-infantil ainda sofre situações que comprometem a qualidade e a continuidade do cuidado. As rotinas hospitalares e as práticas profissionais são fatores identificados como dificultadores da organização institucional. A prática e a postura individuais são consideradas barreiras que, em conjunto, dificultam a implantação do modelo humanizado na assistência ao parto e nascimento⁽¹⁴⁾.

As situações de quebra de vínculo assistencial estão relacionadas à desvalorização das queixas das mulheres no processo de parturição, desconsideração da sua singularidade e imposição no processo de aprendizagem relacionado à amamentação. Estas situações mostram a ausência de elementos fundamentais do SBNH, tais como abertura de espírito e atitude de não julgar.

A abertura de espírito diz respeito à capacidade de rever as ideias e respostas de cada um à luz de diferentes evidências, envolvendo a capacidade de apreciar as perspectivas e experiências dos outros. Esta qualidade essencial permite ao enfermeiro avaliar a pessoa além do problema apresentado, procurar possibilidades e possíveis soluções, previne julgamentos precipitados e conclusões prematuras baseadas em falsas suposições, o que pode levar a um mau juízo clínico e a más decisões⁽⁵⁾.

A atitude de não julgar significa que a pessoa mostra tolerância às crenças, valores, comportamento ou perspectivas da outra pessoa, não condenando ou sendo crítica. É preciso respeitar as escolhas dos outros, particularmente quando estas escolhas diferem das suas⁽⁵⁾.

Na perspectiva do SBNH, os enfermeiros precisam aprender novas formas de comunicação e de se tornarem socialmente envolvidos, colocando as pessoas no centro do cuidar, concentrando-se na singularidade e nos pontos fortes e trabalhando em parceria. Isto requer que os enfermeiros adquiram conhecimento e desenvolvam competências de interação e comunicação terapêutica⁽⁵⁾. Precisam saber como dividir as responsabilidades com os pacientes, ganhando a confiança de desconhecidos num curto período, necessitam aplicar competências de relacionamento interpessoal para a comunicação com os indivíduos e suas famílias, reunir informações significativas e relevantes e serem capazes de lidar eficazmente com suas preocupações e necessidades do cuidado⁽⁵⁾.

A comunicação profissional é fundamental nos processos assistenciais, inclusive no processo de parturição. A não participação ativa da mulher nos processos comunicacionais realizados em sua presença caracteriza um efeito da institucionalização do parto: a mulher transformada em objeto de estudo, caracterizando uma prática desumanizadora⁽¹⁵⁾. Em relação à desvalorização das queixas das mulheres e à desconsideração da sua singularidade, dois fatores devem ser considerados: a cultura hierarquizada, tendo o profissional de saúde como detentor único do conhecimento, e a passividade de algumas mulheres, que não conhecem ou fazem valer seus direitos, submetendo-se ao sistema e ao profissional de saúde, especialmente em momentos cercados de temores e fragilidades como a gravidez, o parto e o pós-parto⁽¹⁶⁾.

O processo de ensino-aprendizagem do aleitamento materno envolve uma complexidade sócio-histórico-cultural, em que o profissional de saúde tem importante papel ao considerar o conhecimento da mulher e seus próprios conhecimentos para viabilizar uma prática do aleitamento não violento ou disciplinadora no contexto hospitalar. Este processo, por vezes, é considerado obrigatoriamente necessário para a alta hospitalar, “qualificando” a mãe para o exercício desta função no seu domicílio. A institucionalização disciplinar da maternidade e da amamentação é um importante alerta da ausência da escuta dos profissionais em relação aos desejos e não desejos das mulheres^(15,17-18).

Para que a atenção à saúde materna siga de fato os preceitos da humanização, inúmeras adequações devem ser implementadas, entre elas a alteração da cultura dos serviços de saúde, a ambiência adequada, a garantia da participação ativa da mulher neste processo, a atenção individualizada e o respeito à fisiologia do processo de parturição⁽¹⁹⁾. A aplicação das ferramentas do SBNH, tais como linguagem positiva, comunicação terapêutica e uso de perguntas sugestivas que auxiliam no aumento da consciência, ou que reestruturem um novo significado à situação⁽⁵⁾, podem compor a atenção à saúde materna de maneira integral e humanizada.

Saber o que dizer e quando dizer pode servir como um catalisador para auxiliar os indivíduos a se restabelecer e a prosseguir no seu processo de transição. Uma relação colaborativa, em que a enfermeira e a pessoa tomam decisões e trabalham juntas para encontrar as soluções mais adequadas para a situação de saúde, aumenta a autoconsciência, promove a autodescoberta, melhora a recuperação e promove o desenvolvimento, por meio do crescimento e da transformação da pessoa⁽⁵⁾.

Em relação ao ponto assistencial, o Alojamento Conjunto apresentou uma importante dissonância em relação aos demais, tendo a análise das falas das mulheres mostrado uma limitação na organização do trabalho, no acolhimento e no cuidado profissional. Esta dissonância no atendimento entre setores de um mesmo hospital nos leva a refletir sobre a indissociabilidade entre a gestão e a organização do trabalho, entre o atendimento e o acolhimento oferecidos em termos técnicos e relacionais. Para tanto, são necessárias condições estruturais, recursos humanos e gestão do trabalho para que as equipes possam oferecer atendimento resolutivo e humanizado, como preconiza o arcabouço legal desta linha de cuidado⁽¹⁵⁾.

A análise do conteúdo das falas possibilitou identificar inúmeros elementos do SBNH na prática dos enfermeiros. Percebe-se, desta forma, que o referencial teórico SBNH está incorporado naturalmente na prática dos enfermeiros da maternidade, de tal modo que o atendimento é considerado diferenciado, proporcionando segurança para as mulheres e seus familiares, resultando em promoção da saúde e do autocuidado, tendo o Centro Obstétrico como ponto assistencial em que esta percepção foi mais acentuada.

A percepção das mulheres demonstrou os seguintes elementos do SBNH na prática assistencial: empoderamento; autodeterminação; consideração da singularidade da pessoa; pessoa e ambiente estão integrados; aprendizagem, preparação e timing; e parceria colaborativa. Os profissionais compartilharam as decisões relacionadas à assistência, dividindo e esclarecendo as responsabilidades relacionadas ao cuidado. Confirmando este achado, estudos apontam a satisfação das puérperas assistidas por enfermeiros obstetras nas etapas do processo de parto; as parturientes destacaram que a qualidade dos cuidados prestados esteve acima de suas expectativas^(16,20).

A presença de um enfermeiro capacitado e experiente na assistência à parturiente confere segurança e confiança às mulheres, o que contribui para o enfrentamento do trabalho de parto com tranquilidade, paciência e conforto⁽²¹⁾. Preconiza-se na assistência ao parto que as tarefas dos profissionais sejam planejadas exclusivamente com a participação da própria mulher a ser assistida, sendo essencial o domínio do saber científico, habilidades, intuição, pensamento crítico e criatividade, e indispensável o diálogo⁽²²⁾.

Os profissionais de enfermagem exercem um papel importante no cuidado à parturiente, devendo prestar orientações, elucidar dúvidas, acolher e auxiliar a paciente durante os trabalhos de pré-parto e parto e no puerpério. Neste processo, é construído um vínculo de confiança entre a mulher e o profissional, passando a compartilhar os sentimentos, planejamentos e decisões dos cuidados prestados^(22-23). A possibilidade de uma assistência pautada na escuta ativa, na identificação das necessidades de cada mulher, em um ambiente acolhedor com a presença de acompanhante da sua escolha, desenvolve e fortalece o vínculo estabelecido entre os enfermeiros e as mulheres neste processo de parturição, contribuindo para uma experiência exitosa, em que se evidenciam a segurança da mulher e seu empoderamento⁽²⁴⁾.

Assumir uma maior responsabilidade em relação à sua própria saúde está relacionado ao princípio e ao valor do SBNH, parceria colaborativa. Este conceito identifica a pessoa como ativa e corresponsável pelo seu cuidado. O papel do enfermeiro é encorajar as pessoas a participar na tomada de decisão e desenvolver a autonomia e a autoeficácia, utilizando suas forças e seus recursos; o papel da pessoa, por sua vez, é ser ativa. A relação entre profissional e paciente é equilibrada, recíproca e mútua. As metas são estabelecidas em conjunto e, quando os resultados esperados não são atingidos, não há culpados: há replanejamento das metas⁽⁵⁾.

Este estudo apresentou como limitações a aplicação do referencial, por um período determinado em uma única maternidade, e a realização da entrevista apenas com mulheres de risco gestacional habitual; os homens ou os acompanhantes das mulheres hospitalizadas, não foram incluídos como participantes da pesquisa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O referencial teórico foi percebido pelas mulheres nos cuidados recebidos, e estas se beneficiaram com este modelo. Este cuidado proporcionou um sentimento de centralidade e de empoderamento, que permitiu ter êxito nesta experiência, inclusive com uma performance mais eficaz no processo de parturição, nos cuidados relacionados ao período pós-parto, na amamentação, no seu autocuidado e na promoção de sua saúde para o retorno à sua rotina, proporcionando a compreensão do seu papel ativo no processo de parturição.

Entretanto, para as mulheres que perceberam a ausência de elementos do SBNH no cuidado de enfermagem, a assistência prestada gerou um sentimento de insegurança, em razão da ausência ou da fragilidade do vínculo com a equipe assistencial. Isso ocasionou uma experiência desagradável e uma influência negativa, produzindo um sentimento de descuidado.

Desenvolver este referencial teórico nas maternidades de risco habitual e em outras realidades assistenciais é uma janela de oportunidades para o desenvolvimento do trabalho dos enfermeiros. Aplicar um referencial teórico inovador na prática de enfermagem pode servir como um guia para a assistência, demonstrando a especificidade e a cientificidade que o cuidado de enfermagem exige, de modo a ser plenamente reconhecido pela sociedade como único e diferenciado.

COMO REFERENCIAR ESTE ARTIGO:

• Silva OBM da, Bernardin E, Encarnação P, Lima LS de, Silva OL dos S, Rorato C. Strengths-based nursing and healthcare: percepção de mulheres em uma maternidade de risco habitual. Cogitare Enferm. [Internet]. 2022 [acesso em “colocar data de acesso, dia, mês abreviado e ano”]; 27. Disponível em: http://dx.doi.org/10.5380/ce.v27i0.78853.
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  Artigo extraído tese de doutorado “Strengths-Based Care em maternidade de risco habitual: repensando as práticas e a continuidade do cuidado”. Universidade Federal do Paraná, 2021.

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Editado por

Editora associada: Tatiane Herreira Trigueiro

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  30 Maio 2022
• Data do Fascículo
  2022

Histórico

• Recebido
  12 Jan 2021
• Aceito
  17 Set 2021