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Pesquisa Científica em Administração e Justiça Social

Neste número tratamos de temas como ética, crescimento e desenvolvimento sustentável, estudos sobre a condição das mulheres e sua inclusão social por meio da qualificação profissional, bem como da construção de territórios e espaços públicos que preservem a diversidade social e incluam os cidadãos. Alguns artigos tratam também de Filosofia aplicada aos estudos organizacionais e movimentos sociais que buscam maior justiça social - até mesmo no setor do agronegócio -, entre outros temas.

A maioria dos artigos tem em comum uma preocupação: a busca de uma maior justiça social em nosso país, tema fundamental também para os editores do Cadernos EBAPE.BR.

Gostaríamos de relembrar o documento conhecido como Agenda 21, lançado na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUMAD/UNCED), realizada no Rio de Janeiro, de 3 a 14 de junho de 1992. Também chamada de “Cúpula da Terra”, foi o marco definitivo para a inclusão do conceito de desenvolvimento sustentável nas políticas governamentais. Como consequência, reforçou também a relevância deste tema para pesquisas científicas em diversas áreas de conhecimento, incluindo a área de Administração. Este encontro teve a participação de 175 países e 102 chefes de estado e de governo. A ECO-92 - Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento -, por meio da Agenda 21, em um volume de 40 capítulos e 800 páginas, lançou definições fundamentais e metas importantes, que, após quase 25 anos, merecem ser revistas em termos do que efetivamente foi implementado e quanto aos desafios para o futuro. Entre os temas tratados, temos a relação entre meio ambiente e economia, e assuntos ligados a este, como clima, energia, água, tecnologia, comércio internacional, pobreza e população.

A Agenda 21 está dividida em quatro seções:

  1. dimensões sociais e econômicas - políticas internacionais que ajudem no combate à miséria e às desigualdades sociais, tornando possível o desenvolvimento sustentável;

  2. conservação dos recursos fundamentais ao desenvolvimento econômico, preservando o meio ambiente para gerações futuras;

  3. movimentos sociais e seu fortalecimento na sociedade (principalmente organizações não governamentais);

  4. meios de implementação destas políticas, sejam financeiros ou jurídicos, a fim de que os programas de desenvolvimento sustentável possam realmente ser executados.

Após 25 anos da realização da ECO-92, resta muito ainda por fazer. Estudos científicos sobre responsabilidade social e desenvolvimento sustentável são fundamentais, bem como temas como inclusão social, diversidade, justiça social, inovação sustentável, combate à pobreza, direitos humanos - relevantes também na área de Administração. Neste setor, são imprescindíveis, ainda, estudos críticos que analisem as contradições presentes nas políticas públicas e nas políticas empresariais entre o que se apregoa e o que realmente é concretizado de fato.

Vários Institutos e ONGs foram criadas com o fim de promover pesquisas e publicar suas observações sobre esses temas.Entre eles está o Ibase (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas), criado em 1981 - tendo entre seus fundadores o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho -, que se antecipa em verificar a importância dessas questões e as difundir. Trata-se de uma instituição sem fins lucrativos, sem vinculação religiosa e partidária, cuja missão é aprofundar a democracia, segundo princípios de igualdade, liberdade, participação cidadã, diversidade e solidariedade.

Em iniciativa diversa da anteriormente citada, organizações mantidas por empresários, como o instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, pretendem contribuir para a sensibilização das empresas dentro dos princípios da responsabilidade social.

No campo da Administração Pública, a criação da Secretaria Especial de Direitos Humanos, do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos pretende assegurar o respeito à diversidade religiosa e os direitos das diversas minorias existentes.

Assim, independentemente de qualquer vinculação política, seja por iniciativa de pesquisadores e cidadãos ou de instituições governamentais ou ainda de empresários, questões ligadas à responsabilidade social vêm ganhando cada vez mais importância em nossa sociedade.

As publicações científicas, coerentes com o seu compromisso de garantir publicações e pesquisas relevantes nas áreas supracitadas, devem promover o debate democrático em torno dessas questões e divulgar resultados de pesquisas sérias, críticas ou não, sobre esses temas.

É comum a crítica de que os acadêmicos muitas vezes escrevem e são lidos somente pela própria Academia. Em virtude disso, objetivando incluir não pesquisadores e não acadêmicos em nossos debates, vários congressos de nossa área incluem os chamados “relatos de prática”, nos quais profissionais com experiência relevante em um dado setor apresentam seu testemunho profissional, debatem e os publicam. Além disso, a preocupação de que o objeto de nosso estudo envolva questões socialmente relevantes deve ser sempre mantida.

Convidamos a todos à leitura dos artigos desta edição, cujas temáticas inserem-se no âmbito das supracitadas e são portadoras de esperança de uma sociedade mais justa.

Boa leitura a todos!

Isabella Freitas Gouveia de Vasconcelos

Helio Artur Reis Irigaray

Editores

Artigos

Desafios da corporalidade na pesquisa acadêmica, de Maria Tereza Flores-Pereira, Eduardo Davel e Dóris Dornelles de Almeida, explora, discute e mapeia os desafios da corporalidade no âmbito da metodologia de pesquisa, valendo-se de pesquisa qualitativa. Os autores constatam em sua pesquisa sobre corporalidade que a etnografia é a abordagem metodológica privilegiada por aqueles que pesquisam o tema.

O campo científico da administração: uma análise a partir do círculo das matrizes teóricas, de Elinaldo Leal Santos, apresenta o questionamento das bases epistemológicas do conhecimento no campo de Administração de Empresas. O autor, utilizando o conceito de círculo das matrizes epistêmicas, concebido por Paes de Paula (2015), realiza análises com base em três matrizes de conhecimento (Estudos Ortodoxos, Estudos Organizacionais e Estudos Críticos), descrevendo suas trajetórias e destacando a necessidade de um reposicionamento e de uma ressignificação do seu objeto científico.

Terceirização como estratégia de Gestão do Conhecimento, de Pedro Jácome de Moura Jr., propõe, por meio de abordagem teórica da firma baseada em recursos, um modelo conceitual de pesquisa no qual explora e descreve em que medida gestores optariam pela implantação e condução da gestão do conhecimento em sua organização por meio de terceirização, uma vez que reconheçam as dificuldades de realização dessa atividade só com recursos próprios. Este artigo lança mão da literatura sobre gestão do conhecimento e outsourcing (ou terceirização), procurando destacar pontos de intersecção entre estes temas. Propõe também um modelo para aplicação prática nas empresas que pretendem aprimorar as suas práticas de gestão do conhecimento.

Ética profissional e estudantes de contabilidade: análise das variáveis intervenientes, de Alexandre André Feil, Liciane Diehl, Rogério José Schuck, tem como objetivo avaliar e compreender a percepção de estudantes de contabilidade sobre ética profissional, considerando as variáveis intervenientes vinculadas aos fatores individuais. Os resultados apontam que os fatores individuais, que diferem em relação à existência de atitudes mais éticas, significativas, são dos estudantes do sexo feminino, com idade até 25 anos, não religiosos, que atuam na área financeira/contábil, com maturidade acadêmica e educação ética. A Educação em Ética mostrou-se fundamental em inspirar comportamentos mais éticos dos estudantes de contabilidade.

A teoria neossistêmica de Niklas Luhmann e a noção de autopoiese reflexiva nos estudos organizacionais, de Josep Pont Vidal, apresenta a teoria de Niklas Luhmann e debate os seus conceitos com relação a outros autores da filosofia social pós-estruturalista, em particular analisando aspectos referentes a comunicação e linguagem. O autor conceitua e debate também a ideia de autopoiese reflexiva nos trabalhos de Luhmann, abordagem pouco discutida na teoria organizacional no âmbito da área de Administração.

Preditores individuais e contextuais da intenção empreendedora entre universitários: revisão de literatura, de Aleciane da Silva Moreira Ferreira, Elisabeth Loiola e Sônia Maria Guedes Gondim, identifica em estudos empíricos os principais preditores individuais e contextuais da intenção empreendedora entre estudantes universitários. Os autores empregaram a teoria do comportamento planejado, levando em conta a atitude de cada estudante para desenvolver o próprio negócio. Realizaram pesquisa nos principais periódicos internacionais e nacionais das áreas de empreendedorismo, psicologia, organizações e administração e no SciELO, de 2004 a 2015. Com base nos resultados, propõem uma agenda de pesquisa na área de empreendedorismo.

Desenhando a resistência: estética e contra-hegemonia no movimento agroecológico no Brasil, de Flávia Neves e Yuna Reis, discute diversos movimentos sociais, em especial o movimento agroecológico, que tem se constituído como meio de resistência à hegemonia do agronegócio no Brasil. O estudo estabelece também uma “ponte” teórico-empírica não convencional, neste campo disciplinar, entre estudos em estética e abordagem neogramsciana de discurso em Laclau e Mouffe. Desse modo, à luz dos conceitos de estética e da análise neogramsciana de discurso em hegemonia e antagonismo, investigou-se de que forma as expressões estéticas influenciam a construção da contra-hegemonia no movimento agroecológico brasileiro.

A ideologia do crescimento econômico e o discurso empresarial do desenvolvimento sustentável, de Luiz Gustavo Alves de Lara e Samir Adamoglu de Oliveira, investiga como a ideologia do crescimento econômico lida com as contradições do discurso do desenvolvimento sustentável. Os autores analisaram criticamente reportagens da mídia noticiosa que vinculavam empresas estatais e de economia mista da área de geração de energia elétrica, listadas no Índice de Sustentabilidade Empresarial da Bolsa de Valores de São Paulo, e tratavam também do desenvolvimento sustentável e do modelo do Triple Bottom Line. Foi realizada uma análise das ideologias presentes e de suas contradições e implicações sociais.

Economia Criativa e Territórios Usados: um debate a partir das contribuições de Milton Santos, de Lisiane Closs e Sidinei Rocha de Oliveira, explora a literatura internacional e nacional sobre espaços criativos, destacando os aportes teóricos de Milton Santos sobre territórios e suas contribuições para o tema. Ressalta-se no estudo o potencial das discussões realizadas para auxiliar o planejamento de políticas públicas voltadas para o desenvolvimento de territórios criativos que integrem: inclusão social, sustentabilidade, inovação e diversidade cultural.

O discurso político sobre a qualificação profissional de mulheres desfavorecidas: emancipação ou hegemonia?, de Luiz Gustavo Alves de Lara, Elisabete Corcetti e Maria das Dores Saraiva de Loreto, analisa as lógicas, os pressupostos e as crenças presentes no contexto do Programa Mulheres Mil, verificando sua contribuição para a construção social dos papéis profissionais atribuídos às mulheres desfavorecidas. Os resultados evidenciaram que o discurso político e os elementos do policy design do Programa Mulheres Mil, pautados em construções sociais e culturas institucionais, promovem qualificações em áreas tradicionalmente femininas, com limitada emancipação das mulheres. Conclui-se que há uma contradição entre o discurso do programa e sua prática concreta, pois se reitera a lógica que mantém a hegemonia e a polarização de gênero.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jun 2017
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