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Para: Síndrome da encefalopatia posterior reversível em uma criança com síndrome inflamatória multissistêmica grave devido à COVID-19

Ao editor

Lemos com entusiasmo o artigo de Dominguez-Rojas et al. sobre um menino de 9 anos com histórico de 3 dias de infecção gastrintestinal submetido à cirurgia exploratória de abdômen agudo, a qual não se revelou informativa.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) No pós-operatório, o paciente desenvolveu pneumonia, que requereu ventilação mecânica.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) Após a extubação, o paciente foi diagnosticado com síndrome inflamatória multissistêmica infantil devido à presença elevada de anticorpos de imunoglobulinas G (IgG) do coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2) e com síndrome da encefalopatia reversível posterior (PRES - posterior reversible encephalopathy syndrome), considerada causalmente relacionada ao SARS-CoV-2.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) O estudo é interessante, embora com limitações que suscitam dúvidas as quais devem ser amplamente discutidas.

A principal limitação do estudo reside na associação causal entre PRES e SARS-CoV-2 mantendo-se, no entanto, o diagnóstico sem confirmação. O paciente zero testou negativo para SARS-CoV-2 por reação em cadeia da polimerase (PCR). Apenas os anticorpos IgG estavam elevados. O paciente não foi testado para SARS-CoV-2 por PCR em secreções brônquicas durante a ventilação mecânica.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) Não se determinaram os níveis de citocinas ou quimiocinas séricas. Dado que o IgG anti-SARS-CoV-2 pode persistir durante meses,(22 Ogundipe HD. Humoral immunity in patients with SARS-CoV-2 infection: a review. Ann Ib Postgrad Med. 2021;19(Suppl 1):S77-S82.) é bastante especulativa a relação causal entre PRES e COVID-19.

Outra limitação é o paciente ter sido submetido à cirurgia gastrintestinal devido à infecção gastrintestinal óbvia.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) Havia evidência de íleo paralítico ou obstrução mecânica? A cirurgia exploratória não é normalmente o tratamento de preferência de abdômen agudo. Que medidas conservadoras foram tomadas para sanar as afecções de abdômen agudo?

Outra limitação é que não foram realizados estudos com líquido cefalorraquidiano, pelo que não foram excluídos vários diagnósticos diferenciais. Entre eles, incluem-se doenças infecciosas, encefalite imunitária e encefalomielite aguda disseminada. O líquido cefalorraquidiano não se encontrava acessível para determinar citocinas, quimiocinas e RNA do SARS-CoV-2. A trombose do seio venoso foi descartada por venografia por ressonância magnética? O nível de dímero D elevou-se significativamente, o que sugere trombose.

O paciente foi diagnosticado com “sinais de coagulopatia”.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) Devemos saber se foi diagnosticada trombose venosa profunda, trombose do seio venoso e embolia pulmonar e se foram identificadas outras evidências de trombose para além de dímero D elevado e tempo prolongado de protrombina.

O paciente obviamente desenvolveu insuficiência cardíaca.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) Deveríamos ser informados sobre a causa da insuficiência cardíaca. Foi devido à pneumonia, à embolia pulmonar, à síndrome de Takotsubo ou por miocardite? Quais foram os resultados do eletrocardiograma e os níveis de creatina-quinase? Em virtude de o paciente apresentar níveis elevados de troponina,(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) é crucial que tenham sido cuidadosamente descartados enfarte do miocárdio, síndrome de Takotsubo e miocardite.

O limite de referência de sódio de < 135mEq/L é incomum.(11 Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.) De acordo com esse limite, o paciente apresentava hipernatremia. Os limites de referência estão corretos? Como foi gerida a hipernatremia?

Considerando que a PRES está normalmente associada à hipertensão arterial,(33 Triplett JD, Kutlubaev MA, Kermode AG, Hardy T. Posterior reversible encephalopathy syndrome (PRES): diagnosis and management. Pract Neurol. 2022;22(3):183-9.) os leitores devem ser informados se a tensão arterial do paciente alguma vez esteve elevada durante o tratamento na unidade de terapia intensiva pediátrica.

Em geral, esse interessante estudo tem algumas limitações que questionam os resultados e as conclusões. O esclarecimento dessas limitações reforçaria as conclusões e tornaria o estudo mais convincente. Antes de se atribuir ao SARS-CoV-2 a causa da PRES, vários diagnósticos diferenciais têm de ser afastados.

REFERENCES

  • 1
    Dominguez-Rojas JA, AtamariAnahui N, Caqui-Vilca P, TelloPezo M, Muñoz-Huerta P. Posterior reversible encephalopathy syndrome in a child with severe multisystem inflammatory syndrome due to COVID-19. Rev Bras Ter Intensiva. 2022;34(2):295-9.
  • 2
    Ogundipe HD. Humoral immunity in patients with SARS-CoV-2 infection: a review. Ann Ib Postgrad Med. 2021;19(Suppl 1):S77-S82.
  • 3
    Triplett JD, Kutlubaev MA, Kermode AG, Hardy T. Posterior reversible encephalopathy syndrome (PRES): diagnosis and management. Pract Neurol. 2022;22(3):183-9.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    16 Set 2022
  • Aceito
    22 Set 2022
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