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ENTRE O DIÁLOGO E A RESISTÊNCIA: o movimento social de bairro no Conjunto Palmeiras, em Fortaleza (CE)

BETWEEN DIALOGUE AND RESISTANCE: the neighborhood social movement in the Palmeiras Set, in Fortaleza (CE)

ENTRE DIALOGUE ET RÉSISTANCE: le mouvement social de voisinage dans le Palmeiras Set, à Fortaleza (CE)

Resumos

O artigo revisita a história dos movimentos sociais de bairros de Fortaleza (CE), tendo como referente empírico o Conjunto Palmeiras, cuja formação territorial remete aos anos 1970. A análise resulta de aproximações etnográficas que adentram no cenário da mobilização por direitos fundamentais e pela urbanização do bairro, espaço social que resguarda uma memória de lutas e conquistas, possibilitando identificar agentes envolvidos na projeção desses movimentos nas décadas de 1980 e 1990. Essa experiência de organização coletiva segue na formação de espaços de autonomia, com momentos de interlocução e resistência frente ao Estado, trazendo contribuições para o debate acerca de temas como movimentos sociais, soberania e representação popular.

Política; Movimentos sociais; Representação; Soberania; Cidade


The article revisits the history of social movements in neighborhoods in Fortaleza (CE), with the empirical reference to Conjunto Palmeiras, whose territorial formation goes back to the 1970s. The analysis results from ethnographic approaches that enter the scenario of mobilization for fundamental rights and the urbanization of the neighborhood, a social space that protects a memory of struggles and conquests, making it possible to identify agents involved in the projection of these movements in the 1980s and 1990s. This experience of collective organization continues in the formation of spaces of autonomy, with moments of dialogue and resistance towards the State, bringing contributions to the debate on topics such as social movements, sovereignty and popular representation.

Policy; Social movements; Representation; Sovereignty; City


L’article revisite l’histoire des mouvements sociaux de quartiers de Fortaleza (CE), ayant comme référent empirique le Conjunto Palmeiras, dont la formation territoriale se réfère aux années 1970. L’analyse résulte d’approches ethnographiques qui entrent en scène de mobilisation pour les droits fondamentaux et d’urbanisation du quartier, un espace social qui protège une mémoire des luttes et des conquêtes, permettant d’identifier les acteurs impliqués dans la projection de ces mouvements dans les années 1980 et 1990. Cette expérience d’organisation collective se poursuit dans la formation d’espaces d’autonomie, avec des moments d’interlocution et de résistance à l’égard de l’État, apportant des contributions au débat sur des thèmes tels que les mouvements sociaux, la souveraineté et la représentation populaire.

Politique; Mouvements sociaux; Représentation; Souveraineté; Ville


INTRODUÇÃO

O Conjunto Palmeiras resguarda uma memória de lutas e conquistas através da qual é possível identificar agentes envolvidos na projeção dos movimentos sociais de Fortaleza nas décadas de 1980 e 1990. Este artigo adentra na singularidade desse espaço urbano, onde se desenvolveram iniciativas dos moradores pelo acesso a direitos fundamentais, culminando na formatação de metodologias de ação e tecnologias sociais no final dos anos 1990. No cenário atual, a organização coletiva no bairro não perdeu de vista as ações reivindicatórias, assumindo a formação de Conselhos de Quarteirão – nova dinâmica da organização local –, como espaços de autonomia e reflexão sobre soberania popular, pondo em cena diálogos possíveis, mas também a resistência frente ao Estado.

A história dos movimentos sociais em Fortaleza se desenrola num contexto plural de experiências nas diversas regiões da cidade, assinaladas por contornos que revelam aspectos comuns, não obstante as particularidades de cada bairro. Em relação aos determinantes socioculturais e políticos comuns aos diferentes processos organizativos, importa assinalar que a dinâmica da formação de favelas e bairros empobrecidos em Fortaleza resulta, em parte, das migrações internas ocorridas no Ceará, fenômeno marcado pelo êxodo rural impulsionado pelas condições climáticas de um ambiente semiárido, associado à ausência, precariedade ou insuficiência de políticas públicas capazes de manter as famílias de agricultores no interior do estado.

A “modernização” e o crescimento da Região Metropolitana de Fortaleza, notadamente a partir dos anos 1980, potencializaram também a atração de indivíduos e famílias que buscavam serviços indisponíveis ou de difícil acesso nos municípios interioranos. Acelerou-se a especulação imobiliária de terras urbanas, desencadeando a expulsão de moradores de áreas de interesse para a construção civil com ampliação da rede hoteleira e do parque industrial, abertura de ruas e avenidas, criação de shoppings centers, gentrificação de espaços, dentre outros efeitos.

Nesse contexto, configura-se um crescimento desordenado, que desafia as políticas de planejamento urbano, intensificando o movimento de ocupação de terras, edificando na paisagem as chamadas “áreas de risco” formadas às margens de rios, riachos, córregos, lagoas, praias, morros, encosta de dunas, dentre outros terrenos supostamente pertencentes a particulares ou de domínio da União.

Nos anos 1990, integrei uma equipe de estudantes de Ciências Sociais, sob a coordenação da Profa. Elza Braga, que atuou na investigação do fenômeno da ocupação de terras urbanas na Barra do Ceará1 1 Pesquisa desenvolvida através do projeto “Ocupações de terras urbanas em Fortaleza: o legal e o legítimo em questão”, no Programa de Iniciação Científica da UFC, com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). – periferia oeste de Fortaleza –, objetivando compreender as tensões entre o que é considerado legal e o que é significado como legítimo na luta por terra e habitação, em face das bases legais da Constituição de 1988.

Entre 1993 e 1999, com alguns intervalos, foi possível conhecer a experiência de lideranças ligadas à Associação dos Moradores da Brisa da Praia, na Barra do Ceará. A história dessa associação traz características comuns à maioria dos movimentos sociais de bairros de Fortaleza: vulnerabilidade à violência e ameaça de expulsão, atrelada à ausência do documento de posse do imóvel pelos moradores; mediação de atores sociais externos, como a Igreja Católica; apoio de assessores de políticos; interlocução com o Estado na demanda por serviços, equipamentos públicos e urbanização.

No ano de 1999, em atividade de extensão vinculada a esse projeto de pesquisa, lideranças e moradores da Brisa da Praia visitaram a Organização Não Governamental Cearah Periferia, onde se apresentou um líder comunitário convidado a essa instituição para descrever a história do Conjunto Palmeiras e as diretrizes de ação do Banco Palmas, espaço de economia solidária criado no âmbito da Associação de Moradores do Conjunto Palmeiras (ASMOCONP). Iniciei, então, uma aproximação com esse bairro, sistematizando, em 2003, um projeto de pesquisa desenvolvido no Doutorado em Sociologia pela UFC, realizando a defesa da tese em 2008.

Embasado em leituras e aportes teórico-conceituais (Barreira, 1982BARREIRA, I. A. F. Movimentos urbanos e contexto sócio-político em Fortaleza. Revista Espaço e Debates, São Paulo, n. 6, jun./set. 1982.; Braga, 1995BRAGA, E. M. F. Os Labirintos da habitação popular: conjunturas, programas e atores. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995.; Diógenes, 1992DIÓGENES, G. Direitos, cidadania e movimentos sociais. Nomos, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, Fortaleza, v. 11/12, p. 155-123, 1992.), interessei-me pela dinâmica dos movimentos sociais de bairros em Fortaleza, quando pude identificar uma singularidade na história do Conjunto Palmeiras. Embora marcado por características mencionadas acima no que se refere ao contexto da Brisa da Praia (Barra do Ceará, periferia oeste), o Conjunto Palmeiras (Jangurussu, periferia sul) desenvolveu uma relação profícua junto aos movimentos sociais e partidos políticos de esquerda, pondo em cena ousadia nas suas ações, atraindo a colaboração técnica de ONGs e tecendo um percurso de autonomia face ao assédio de forças políticas da direita.

Assim, a conquista de uma infraestrutura urbana mínima para o bairro é destacada como experiência que dá origem a uma associação de moradores orientada pelo princípio da autonomia e da soberania, ainda que houvesse mediações com o espaço da política partidária. Todavia essa comunicação se fez, historicamente, pela proposição de ideias e projetos e não simplesmente pela troca pontual e eleitoreira firmada com agentes vinculados ao Estado. Eis o diferencial que emerge quando se polariza a história do Conjunto Palmeiras com a da Brisa da Praia. No desdobramento desse modo propositivo de atuar, a ASMOCONP deslanchou um movimento de economia solidária no bairro, conhecido como referência nacional e internacional.

A configuração de um movimento social com particularidades e elementos comuns à dinâmica de uma cidade justifica o recorte que proponho. Referenciar o Conjunto Palmeiras como portador de uma história singular não significa dizer que as histórias tecidas em outros bairros são menos importantes. Focalizo o recorte empírico que me foi mais acessível em minha trajetória de pesquisa, observando também o limite disponível para a discussão no espaço desta escrita. Mas há estudos realizados por profissionais de diversas áreas que narram, por exemplo, a historicidade da organização de moradores do Pirambu, Bom Jardim, Conjunto Ceará, Serviluz, dentre outros, cujas memórias são expressivas na história dos movimentos sociais de Fortaleza.

A metodologia da pesquisa realizada na Barra do Ceará, nos anos 1990, abrangeu abordagem quantitativa (mapeamento do perfil socioeconômico de áreas de ocupação) e qualitativa (conhecimento da dinâmica da luta por moradia e infraestrutura na Brisa da Praia), com a aplicação de questionários, levantamento hemerográfico, entrevistas semiestruturadas com sujeitos internos e agentes de apoio ao movimento local, observação participante, caminhadas e conversas com moradores e lideranças.

No Conjunto Palmeiras, a aproximação etnográfica estreitou-se a partir de 2005, possibilitando acompanhamento de atividades e eventos, caminhadas, observação participante, registro fotográfico e em diário de campo, gravação de entrevistas, estudo de publicações produzidas pela ASMOCONP, observação de eventos de campanha eleitoral, visitas a empreendimentos solidários vinculados ao Banco Palmas, registro de reuniões e atividades de capacitação relacionadas à rede de bancos comunitários, além de conversas com moradores e lideranças locais. Concluí a pesquisa em 2007.

De 2009 a 2011, realizei pesquisa na Palmalimpe, microempreendimento autogestionário conduzido por jovens locais com apoio da ASMOCONP e do Banco Palmas. Em 2014, acompanhei atividades de campanha eleitoral no Conjunto Palmeiras. Entre 2015 e 2017, segui observando, dessa feita sem sistematicidade presencial, processos de inovação na dinâmica do Banco e do Instituto Palmas, com a introdução da moeda social eletrônica ou E-dinheiro, e a referência ao movimento comunitário local na rede Facebook, onde são divulgadas notícias dos Conselhos de Quarteirão, reivindicações e ações de resistência na interlocução com o Estado, evidenciando-se um discurso pautado no sentido da autonomia e soberania popular.

Nos capítulos a seguir, narro momentos da experiência de organização dos moradores do Conjunto Palmeiras, pensados no contexto e na conjuntura política de diferentes décadas desde os anos 1980, oportunizando uma discussão sobre mudanças que acontecem no âmbito dos movimentos sociais e analisando processos recentes de mobilização ocorridos no bairro, tomando-os como material empírico para pensar a questão da representatividade e da soberania popular no cenário político presente.

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DO MOVIMENTO SOCIAL DE BAIRRO NO CONJUNTO PALMEIRAS: uma trajetória de lutas e acumulação de saberes

Relatos de lideranças2 2 Destaco as conversas que tive com Augusto Barros Filho, líder comunitário e um dos fundadores da ASMOCONP, uma das lideranças mais marcantes na história do Conjunto Palmeiras, que, em seus relatos, evoca as memórias das lutas travadas pelo movimento social local nos anos 1980 e 1990. informam que o nome Conjunto Palmeiras faz alusão às palmeiras de carnaúba (Copernicia prunifera) existentes no lugar à época do assentamento dos primeiros moradores. O bairro se localiza na periferia de Fortaleza, Zona Sul, com distância de aproximadamente 18 km em relação ao centro da cidade, situado na Zona Norte. Faz vizinhança com o Conjunto São Cristóvão – que se enquadra na área correspondente ao bairro Jangurussu – e fica próximo ao trecho da Rodovia BR 116 que contorna parte do bairro Messejana (cf. Paulino, 2012PAULINO, A. G. L. Economia solidária como projeto cultural e político: a experiência do Banco Palmas. Fortaleza: Edições UFC, 2012. 398p.).

Em 1973, teve início a chegada dos primeiros moradores a partir de uma ação executada pela Prefeitura Municipal de Fortaleza, em plena vigência do autoritarismo desenvolvimentista que caracterizou o governo dos militares. O assentamento da população se deu numa superfície demarcada em 180 hectares. Inicialmente, 1,5 mil famílias foram removidas para o loteamento, provenientes da favela do Lagamar, Aldeota, Poço da Draga, Arraial Moura Brasil e favela Verdes Mares. As causas da remoção dessas famílias variam: algumas estavam desabrigadas em decorrência de enchentes, sobretudo as que foram retiradas do Lagamar, e outras passaram por processos de desapropriação de terrenos nas favelas de origem. Em determinados casos, a desapropriação ocorreu em áreas de crescente especulação e valorização imobiliária (cf. Associação..., 1990ASSOCIAÇÃO dos Moradores do Conjunto Palmeiras. Favela do conjunto Palmeiras: habitando o inabitável. Memória de Nossas Lutas I. Fortaleza: ASMOCONP, 1990.; Melo Neto Segundo; Magalhães, 2003MELO NETO SEGUNDO, J. J. de; MAGALHÃES, S. Bairros pobres, ricas soluções: Banco Palmas, ponto a ponto. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2003.).

Com população estimada em 36.599 moradores,3 3 Informação extraída dos dados referentes ao Censo Demográfico de 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). em termos de infraestrutura urbana, o bairro4 4 O Conjunto Palmeiras esteve oficialmente inserido, até o final de outubro de 2007, na área do bairro Jangurussu. Essa situação dificultou, por décadas, a sistematização de dados socioeconômicos que tratassem de forma desagregada sua realidade específica. , que hoje tem mais de 40 anos, em nada se assemelha ao loteamento iniciado nos anos 1970. As lutas da comunidade organizada levaram à conquista de energia elétrica, abastecimento de água, drenagem, calçamento e pavimentação de ruas, construção de escolas, praça, transporte público, dentre outros equipamentos e serviços.

Nas atividades de pesquisa, observei a visibilidade de um mercado local, onde se movimentam diversos pontos de negócio: mercearias, mercadinhos, lanchonetes, bares, lojas de material de construção, vendas de frutas, verduras e legumes, açougue, farmácias, posto de combustíveis, revendedores de gás de cozinha, pequenas unidades informais de produção, lojas de vestuário, além de estabelecimentos de serviços, tais como salões de cabeleireiros e acesso a jogos de informática e internet. Ademais, o bairro conta com a presença de diversas organizações e equipamentos: igrejas, entidades e associações populares, postos de saúde, Centro de Nutrição e Centro Social Urbano.

Trata-se de uma história iniciada numa cidade marcada por um processo de crescimento demográfico intenso, onde se percebe profunda desigualdade na apropriação dos espaços para a habitação. Enquanto a média nacional de população concentrada em favelas é de 6%, em Fortaleza, esse índice alcança 16%. Ao todo, 509 comunidades dessa urbe são consideradas como favelas, abrigando precariamente 396.370 pessoas.5 5 Dados extraídos da publicação Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais, relativos ao Censo IBGE 2010. O documento refere-se a “áreas conhecidas ao longo do país por diversos nomes, como favela, comunidade, grotão, vila, mocambo, entre outros”. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000015164811202013480105748802.pdf>. Acesso em 13. 11. 2017. Esse processo de favelização observado em Fortaleza remonta aos anos 1930, quando o fluxo migratório de famílias que partiam do sertão cearense em direção ao litoral começa a tornar-se expressivo, resultando, inicialmente, dentre outros fatores, na ocupação desordenada da zona costeira oeste.

Na segunda metade do século XX, as migrações internas no Ceará intensificam-se, com enorme impacto sobre a capital, onde a ocupação irregular do solo resultará na formação de comunidades desprovidas de condições de habitabilidade. Como efeito, a organização do território urbano em Fortaleza, nos anos 1970, levou ao reforço da lógica de segregação dos espaços da cidade, fato que impulsionou políticas de erradicação das favelas em áreas que passavam a interessar ao processo de especulação imobiliária.

Essas políticas de controle social contextualizam-se no período da ditadura militar, quando foram criados, pela Lei Federal Nº. 4.380 de 21 de agosto de 1964, o Sistema Financeiro de Habitação (SFH) e o Banco Nacional de Habitação (BNH). Considerando-se a lógica desenvolvimentista que marcou esse período, é importante observar que a preocupação do governo com a política habitacional não surgia como resposta sensibilizada às necessidades da população empobrecida. Havia, sobretudo, um cuidado em conter a expansão de espaços onde se difundiria a possibilidade de perturbação da funcionalidade social então imposta (cf. Braga, 1995BRAGA, E. M. F. Os Labirintos da habitação popular: conjunturas, programas e atores. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995.).

Nos anos 1970, as políticas urbanísticas objetivaram “modernizar” a cidade, ao passo que processos organizativos emergiam no cotidiano de populações segregadas em favelas. Braga (2004BRAGA, E. M. F. Socioeconomia solidária e a questão democrática: desvendando caminhos e utopias. Revista de Ciências Sociais, Fortaleza, v. 35, n. 1, p. 57-67, 2004., p. 60) destaca a importância da experiência vivenciada pela ASMOCONP, “[...] por aglutinar diferentes forças sociais, sedimentando aprendizados e saberes, que consolidaram [...] diferentes tempos políticos”.

Seus habitantes reconheceram a força da organização coletiva e demonstraram esse poder com radicalidade, enfrentando a sobrevivência em um ambiente hostil, isolado da cidade (cf. Associação, 1990ASSOCIAÇÃO dos Moradores do Conjunto Palmeiras. Favela do conjunto Palmeiras: habitando o inabitável. Memória de Nossas Lutas I. Fortaleza: ASMOCONP, 1990.). Em diversas situações, apoiados pela fé vivenciada na Igreja Católica, tiveram de encarar a violência do Estado: “[...] a polícia bateu muito na gente, assim, invadiram a nossa casa e, assim, a gente não teve medo dessas questões. [...]. Duas coisas: ou a gente avançava ou então perdia tudo, toda a história. [...]” (trecho de entrevista gravada com Augusto Barros Filho, em 02/11/2007).

A situação de escassez dá sinais de mudança quando a comunidade passa a refletir sobre suas condições de moradia naquele espaço e torna visível uma série de reivindicações. Nesse contexto, o Conjunto Palmeiras desponta como referencial importante no âmbito dos movimentos sociais de bairros em Fortaleza. Tais movimentos eram instigados pela escassez material, mas sua ação não se reduzia à busca pelo acesso a uma infraestrutura mínima de habitabilidade; estava em cena, também, a construção de uma identidade política e o sentimento de pertença a um lugar.

Nos anos 1970 e 80, os movimentos sociais de bairros já constituíam uma força política capaz de mostrar que os moradores organizados, ainda que em diversas situações estivessem vulneráveis a manobras assistenciais e clientelistas, portavam também a bandeira da cidadania, como espaço a ser construído na “recusa do esquecimento” e no “saber ter direitos” (Diógenes, 1992DIÓGENES, G. Direitos, cidadania e movimentos sociais. Nomos, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, Fortaleza, v. 11/12, p. 155-123, 1992., p. 117-120).

Nesse período, a configuração dos movimentos urbanos fez-se em meio a práticas e estratégias de articulação conflitantes. Os conflitos e os consensos possíveis que emergiram não se materializaram somente nas relações dos moradores com representantes do poder público. Expressaram-se também na oposição e na articulação entre forças político-ideológicas distintas, internas ou próximas dos movimentos, tais como: Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza (FBFF), Partido Comunista do Brasil (PC do B), União das Comunidades da Grande Fortaleza (UCGF), Partido Revolucionário Operário (PRO), segmentos do Partido dos Trabalhadores (PT) e Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) (cf. Braga, 1995BRAGA, E. M. F. Os Labirintos da habitação popular: conjunturas, programas e atores. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1995., p. 139-140).

Desenhava-se, portanto, a relação inevitável entre a dimensão particular do bairro e o campo estrutural e complexo da cidade. Assim, tais movimentos constituem um espaço público que transcende a busca individual da satisfação de carências, alcançando a esfera da política, na identificação do eu com o outro e na percepção de que a ação política não se localiza apenas no domínio estatal (cf. Diógenes, 1992DIÓGENES, G. Direitos, cidadania e movimentos sociais. Nomos, Revista do Curso de Mestrado em Direito da UFC, Fortaleza, v. 11/12, p. 155-123, 1992.).

As ações empreendidas pelas associações de moradores dão clareza à ideia de que política é expressão de poder. Nessa acepção, o poder não é uma entidade centralizada em uma instância supostamente homogênea, o Estado. O poder é uma força densa e difusa (cf. Foucault, 1996FOUCAULT, M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1996.). Embora se concentre no aparelho administrativo, ordenador e repressor representado pelo Estado, o poder assume múltiplas faces. Uma dessas faces é a força que o anseio pelo reconhecimento de direitos e a luta por justiça alcança no âmbito dos movimentos sociais, desafiando o Estado e se tornando, diante dele, um ponto de interlocução e, portanto, de poder.

As lutas dos moradores do Palmeiras constituíram um capital simbólico marcado pela consciência política de que a pressão direta e radical e a ação propositiva junto ao poder público podem muito mais do que a interlocução entre lideranças comunitárias e agentes eleitoreiros. A interlocução com tais agentes pauta-se, muitas vezes, em barganhas pontuais mediadas com instâncias do governo municipal e estadual, situação que se revelou como bastante comum nos casos das comunidades pesquisadas na Barra do Ceará nos anos 1990.

Em 1999, retornei à Brisa da Praia, durante a realização de um seminário temático sobre cidadania, direcionado a lideranças comunitárias da Barra do Ceará. Nessa ocasião, as lideranças que estavam à frente da União dos Moradores da Brisa da Praia ainda eram as mesmas e portavam o discurso e a prática antes observados: para terem as demandas da comunidade atendidas pelo poder público, necessitavam do “apoio” de algum político que se fazia intermediar por um “cabo eleitoral”,6 6 Categoria que atua dentro e fora do tempo de campanhas eleitorais, constituindo uma espécie de correia de ligação para a troca de interesses entre eleitor e candidato. Normalmente, os indivíduos aplicados a essa tarefa são beneficiados com algum ganho material ou prestígio junto ao político para o qual trabalham. Uma versão mais atual desse tipo apresenta-se sob a figura de “apoio” ou “assessor”, termos que, de alguma forma, disfarçam a carga simbólica negativa da condição de cabo eleitoral. encarregado de mapear possíveis votos em troca da influência junto a instâncias governamentais. Essa forma de relação configura um tipo de protagonismo assistencial-clientelista, prática política que, em diversas situações, emperra os processos de organização autônoma.

No Conjunto Palmeiras, as lutas locais também não foram desenvolvidas sob uma perspectiva apartidária. A experiência da ASMOCONP configurou um tipo de ação que aqui denomino protagonismo autônomo e participativo, haja vista a aproximação com forças políticas historicamente alinhadas aos partidos e movimentos de esquerda, que então articulavam ações de construção de uma consciência aplicável à transformação da realidade social marcada pela desigualdade, reproduzida no modo de produção capitalista. No caso da Brisa da Praia, essa intermediação se fazia diante das investidas praticadas por lideranças de partidos ligados às forças da direita.

O papel da esquerda, nos movimentos de bairros em Fortaleza, foi determinante na abertura de caminhos para a ascensão de suas forças. Diferentes partidos contribuíram no processo de transição do regime autoritário para a abertura política, bem como possibilitaram a disseminação de uma consciência política pautada não somente na luta por conquistas imediatas, mas focada também numa identidade política orientada pelos princípios da igualdade de direitos e justiça social.

Transcendendo a caracterização do mero oportunismo eleitoreiro, no Conjunto Palmeiras, a parceria com partidos ditos de esquerda permanece viva nas primeiras décadas do século XXI. Mas, já em 1985, a força de uma esquerda emergente aliada às lutas dos movimentos sociais de bairros rendeu uma importante conquista para o Partido dos Trabalhadores (PT): a eleição de Maria Luiza Fontenele, que contou com o apoio de lideranças no Conjunto Palmeiras. No contexto mais amplo da cidade, seu mandato abriu espaços para o fortalecimento dos movimentos populares (cf. Diógenes, 2001DIÓGENES, G. Ciro Gomes: há algo de novo na modernidade? Ritos inaugurais do “mudancismo” no Ceará. In: RIGOTTO, R. M. (Org.) As Tramas da (In) sustentabilidade: trabalho, meio ambiente e saúde no Ceará. Fortaleza: INESP, 2001. p. 315-337.).

Todavia, nas eleições municipais de 1988, com o fim da gestão de Maria Luiza, e em consequência da ação do governador Tasso Jereissati (à época, eleito na legenda do PMDB) junto a lideranças comunitárias, ocorre o malogro dos partidos de esquerda. Os movimentos sociais de bairros estavam vulneráveis à barganha eleitoral praticada com associações de moradores, cujo histórico configurou uma identidade política significada em demandas imediatistas.

Numa retrospectiva, cabe olhar para trás, desde o momento presente até os anos 1990, com a lucidez necessária para que não se trate a cena política de forma maniqueísta e normativa. Nesse sentido, é preciso considerar a ascensão do PT ao executivo federal em 2003 e a ocupação de cargos executivos em diferentes estados e municípios do país por esse partido e por outras denominações da chamada esquerda, numa escalada lenta, com a conquista de prefeituras iniciada na década de 1980. O poder de influência desses partidos estende-se até o momento recente de 2016, quando ocorreu o impeachment da presidenta Dilma, configurando-se um golpe parlamentar, midiático e jurídico que se desdobra no desmonte de direitos trabalhistas e das políticas sociais de assistência e inclusão (cf. Rovai, 2016ROVAI, R. (Org.) Golpe 16. São Paulo: Editora Publisher Brasil, 2016.).

Parte das forças políticas responsáveis pela arquitetura do golpe encontrava-se na base de apoio do próprio governo, haja vista que a ascensão da dita esquerda deu-se por alianças de coalizão, uma espécie de pacto firmado sobre interesses que favoreceram tanto a esquerda quanto a direita. Portanto, olhar para esses anos recentes faz-nos entender que a clássica divisão entre esquerda e direita, como definição muito clara, talvez não faça mais sentido heurístico. Na prática, o que se deu, na cena recente, foi uma formação política de centro – fruto de uma aliança na qual se fizeram presentes partidos com histórico na esquerda –, mas agora estabelecida como centro-direita. No espaço das unidades da Federação, nos estados e na esfera municipal, em muitas situações, a coalizão se reproduziu e, mesmo no cenário do golpe, ainda se reproduz.

A ênfase na governabilidade e a preocupação com a reeleição fez com que os partidos de esquerda investissem na institucionalização dos movimentos sociais, pela via de conselhos de participação, fóruns, conferências, Organizações Sociais (OS) e Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIPs). Tal estratégia desembocou no esvaziamento das manifestações reivindicatórias e no distanciamento das bases (cf. Gohn, 2011GOHN, M. da G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, maio/ago. 2011.). Forças conservadoras cresceram dentro dessa coalizão, dando efeito às pressões exercidas no sentido do alinhamento neoliberal às necessidades do mercado e do sistema financeiro, e barrando pautas apresentadas pelas tendências de esquerda no que tange às demandas do campo dos direitos humanos, do combate à violência de gênero e das políticas sociais distributivas, inclusivas e reparatórias.

Não se trata, todavia, de um fenômeno isolado no Brasil. As forças progressistas que acumulam uma longa trajetória de lutas na América Latina encontram-se tensionadas pelo avanço do neoliberalismo, que se arroja no poder do mercado financeiro, ameaçando estender o golpismo a diversas nações, ao passo que a retórica desse modelo também investe numa defesa da governabilidade, capaz de justificar as mais inconcebíveis alianças do ponto de vista da identidade política (cf. Silva, 2017SILVA, F. P. da. Fin de la marea rosa y el neogolpismo en América Latina. In: SIERRA, G. de (Org.) Los progresismos en la encrucijada. Montevideo: Universidad de la Republica; Facultad de Ciencias Sociales, 2017. p. 79-97.). No contraponto desse pacto social que tenta acuar as forças progressistas, assinalam-se desafios à esquerda, pautados diante das possibilidades e dos limites de integração como estratégia de fortalecimento em tempos de crise (cf. Sarti, 2017SARTI, I. Desafios à esquerda. Notas sobre a integração em tempos de crise. In: SIERRA, G. de (Org.) Los progresismos en la encrucijada. Montevideo: Universidad de la Republica; Facultad de Ciencias Sociales, 2017. p. 99-109.).

No caso brasileiro, a leitura desse quadro atual, também marcado pelo fracasso de um sistema político que reproduz diversos esquemas de corrupção, a autonomia e a radicalidade democrática anunciam-se como discursos de construção de uma nova esquerda, visibilizando diversos coletivos e organizações, como o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), o Partido Comunista Brasileiro (PCB), o Partido da Causa Operária (PCO) e o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU).

No que se refere à governabilidade sustentada pela coalizão, no Brasil tal modelo configurou, segundo a leitura da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, a situação de “um governo em que a mão direita e a mão esquerda não parecem pertencer a um mesmo corpo”.7 7 Assunto tratado em entrevista concedida pela referida antropóloga ao jornal Folha de São Paulo, intitulada As Duas Faces de Dilma. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/politica/manuela-carneiro-da-cunha-duas-maos-mesmo-corpo.html>. Acesso em 14. 11. 17. Alude-se, portanto, a um governo que, por um lado, cedeu a pressões econômicas do capitalismo financeiro e da bancada ruralista, aprovando projetos de crescimento econômico cujos efeitos trazem enorme impacto sobre comunidades indígenas, quilombolas, ribeirinhas, agricultores familiares e populações urbanas submetidas a remoções forçadas. Por outro lado, promoveu programas de assistência e políticas sociais capazes de reduzir o índice de pobreza no país, retirá-lo do mapa da fome, expandir o ensino superior incluindo segmentos menos favorecidos, conduzir ações afirmativas e reparatórias com cotas nas universidades e no serviço público, além de investir na valorização do salário mínimo e na elevação do poder de consumo de bens e serviços pela classe trabalhadora, dentre outros feitos, como as oportunidades abertas em diferentes regiões com o Programa Luz para Todos.

Ressalto a pertinência dessa retrospectiva como forma de facilitar o entendimento sobre uma cena política que não parece nova. Os movimentos sociais de bairros cresceram na relação com partidos de esquerda, mas essa não é uma faceta única das chamadas entidades comunitárias. A comunicação clientelista com assessores políticos alinhados a forças de direita também é um dado importante no contexto das associações de moradores. Não se trata de uma história de feições puras. Entretanto, a dimensão pedagógica e formativa das lutas sociais aponta para outras identidades políticas possíveis, que resultam em escolhas mais delineadas e propositivas.

No percurso de pesquisa que tenho trilhado, observo que a relação de lideranças do Conjunto Palmeiras com a política partidária é heterogênea, abrigando, em seu território, entidades dos mais diversos carizes. Todavia essa relação se destaca pelos contornos das lutas históricas travadas por justiça social e pela construção da cidadania, em que o apoio a candidaturas ditas de esquerda transparece de forma declarada e reconhecida como meio legítimo de influenciar tendências sensíveis a causas favoráveis às demandas do bairro.

Estudo realizado pela antropóloga Kuschnir (2003)KUSCHNIR, K. Uma pesquisadora na metrópole: identidade e socialização no mundo da política. In: VELHO, G.; KUSCHNIR, K. (Orgs.) Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 20-42., na cidade do Rio de Janeiro, aponta como a pesquisadora buscou relativizar prenoções que carregava consigo, pelo fato de sempre ter votado em candidatos da esquerda, especificamente do PT e, familiarizada com o universo simbólico esquerdista, ter incorrido na tendência de analisar de modo normativo a ação dos chamados políticos tradicionais.

Ao ingressar no subúrbio da Zona Norte carioca para pesquisar o cotidiano da política, ela polarizou o modo de fazer política do PT com o perfil de atuação de uma vereadora local, vista como política tradicional, em virtude do trabalho de assistência oferecido aos eleitores. Percebendo o juízo de valor da pesquisadora, a vereadora levou-a a rever suas prenoções. Inserida em seu universo semântico, a vereadora elaborava um juízo sobre a atuação política própria, ressignificando o rótulo de assistencialista, ao defender-se como mediadora cujo objetivo era conquistar investimentos públicos para a região do subúrbio. A antropóloga, por sua vez, passou a estranhar o que até então lhe era familiar: o fazer política de um parlamentar vinculado ao PT, seu universo de inserção partidária como eleitora. A experiência vivida na observação participante fez a pesquisadora notar que também se afetava pela “crença nas dicotomias Zona Sul e Zona Norte, cidade e subúrbio, político moderno e político tradicional” (Kuschnir, 2003KUSCHNIR, K. Uma pesquisadora na metrópole: identidade e socialização no mundo da política. In: VELHO, G.; KUSCHNIR, K. (Orgs.) Pesquisas urbanas: desafios do trabalho antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. p. 20-42., p. 25).

Esse episódio sugere uma reflexão sobre a leitura maniqueísta que polariza a atuação de lideranças comunitárias pelos qualificativos de esquerda ou direita, simplificando a análise do papel das associações de bairro. Ao pesquisar a comunidade Brisa da Praia, observei que a relação de troca de interesses entre lideranças comunitárias e representantes do governo não é vista ali sob a ótica negativa do assistencialismo ou do clientelismo, ainda que, em diversas situações, essa troca esteja circunscrita ao compromisso eleitoral firmado diante de uma promessa pontual.

Nesse caso, o líder comunitário ressalta a figura do apoio externo como assessor político que facilita a conquista de recursos para a comunidade: “[...] ele como assessor do prefeito [...], nós tivemo muito apoio da Prefeitura. [...] É tanto que as drenagem nós tivemo o apoio maciço do Dr. A. C., ajudano a gente pra que os processo e os pedido dos aufício da gente chegasse mais fácil na mão do prefeito” (Trecho de entrevista gravada em 25/11/2003 com José Lúcio, da União dos Moradores da Brisa da Praia).

Já no Conjunto Palmeiras, especificamente no ambiente da ASMOCONP, o significado da relação que se trava entre o espaço da organização comunitária e a política partidária assenta-se também na troca de interesses. Manifesta-se o apoio através da colaboração no período de campanha para que, se for eleito, o político utilize seu poder de influência a favor de projetos e bandeiras defendidos no espaço local. A troca de interesses não se encerra numa pauta imediatista. Há uma relação política amadurecida na esfera local, em que lideranças comunitárias se impõem nessa relação de troca como agentes propositores de projetos sociais, de políticas públicas.

Na campanha eleitoral de 2006, acompanhei uma visita realizada à ASMOCONP e ao Banco Palmas por candidatos que de lá saíram em caminhada pelas ruas do bairro, na companhia de moradores e lideranças ligadas à ASMOCONP e a outras organizações. No cortejo, havia candidatos a cargos nos poderes executivo e legislativo, destacando-se os partidos PT, PC do B e PSB. Durante a visita, foi entregue ao então candidato a governador um projeto de criação de bancos comunitários no Ceará. A comunidade estava manifestando também seu apoio à reeleição do presidente Lula como forma de influenciar políticas públicas em prol da economia solidária.

Esse fato sinaliza o acúmulo de aprendizados que caracterizam os movimentos sociais como espaços de construção da cidadania, considerando-se o contexto brasileiro e de outras nações latino-americanas historicamente marcadas pelo domínio da colonização e pela presença de governos ditatoriais. No caso do Brasil, o esforço de construção da cidadania política se expressa nas lutas que se configuraram como fundamentais no processo de transição democrática que culmina, em 1988, na promulgação de uma Constituição mais aberta à participação política e condensadora do reconhecimento legal de diversos direitos sociais básicos.

Tais aprendizados revelam, desde momento anterior à Constituição de 1988, que “nos movimentos sociais, de um modo geral, a passagem do reconhecimento da carência para a formulação da reivindicação é mediada pela afirmação de um direito” (Durham, 1984DURHAM, E. R. Movimentos sociais: a construção da cidadania. Revista Novos Estudos, São Paulo, n. 10, p. 24-30,1984., p. 29), produzindo-se uma identidade política não mais centrada em questões clássicas do universo trabalhista, ao abrir caminho para atores sociais múltiplos, dando contorno aos chamados novos movimentos sociais (Cf. Gohn, 2011GOHN, M. da G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, maio/ago. 2011.). Assim, amplia-se, no início dos anos 1990 e anos posteriores, a relação com organizações que passam a atuar como mediadoras em espaços da sociedade civil, com destaque para conferências realizadas em setores como saúde, educação, assistência social, segurança pública, meio ambiente, segurança alimentar e nutricional, direitos humanos, igualdade racial, economia solidária, dentre outros.

Na cena política de então, as lutas pelo direito à habitação digna pautada pelo acesso a serviços sociais básicos enfatizam a cidadania política como bandeira que também atrai manifestações organizadas em defesa de segmentos específicos, como indígenas, afrodescendentes, mulheres, lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros, oportunizando o uso da Internet e de outros canais de comunicação para a atuação nas chamadas redes de movimentos sociais (Scherer-Warren, 2006SCHERER-WARREN, I. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006.).

No cenário plural aqui descrito, a palavra comunidade alcança uma definição contextualizada sob a ótica dos próprios movimentos sociais. Nesse sentido, tal conceito é mais do que uma categoria teórica pensada em abordagens das Ciências Sociais. É incorporado ao universo simbólico nativo, significando que os moradores de um lugar pertencem a um território, reconhecem-no como chão comum às pessoas que o habitam e onde vivem necessidades semelhantes que não suplantam diferenças. Necessidades e desejos, no âmbito da comunidade, mobilizam a busca por melhores condições de vida, construindo uma esfera de ação política. Em dadas situações, o termo comunidade se configura também como sinônimo de lugar, território demarcado, bairro.

Na história do movimento organizado no Conjunto Palmeiras, a noção de comunidade foi incorporada à linguagem cotidiana com a presença da Igreja Católica – representada nas Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) – e de organizações que se definem como atores externos ao território, a exemplo da Federação de Órgãos para Assistência Social e Educacional (FASE). Mas perceber essa influência não significa dizer que o aprendizado acumulado a partir das lutas locais aportou de fora para dentro. O bairro foi construído pouco a pouco pelos moradores, com ousadia, criatividade e celebração autônoma diante das conquistas alcançadas. Cabe citar aqui um episódio emblemático dessa memória de lutas, quando da conquista da energia elétrica para o bairro:

Nós chegamo no Palmeira e não tinha energia. Pra gente conseguir energia no Palmeira, a gente trouxe o superintendente da Coelce8 8 Companhia Energética do Ceará. , de noite, colocamo ele num lugar escuro, que não tinha energia e ele terminou caindo dentro dum buraco. E... então ele deu toda razão a gente [...] e foi instalada a primeira parte de energia do Palmeiras. Quem queria inaugurar? O Prefeito de Fortaleza, a Fundação de Ação Social de Fortaleza e... as autoridades queria e nós moradores não aceitamos. “Não. Nós não aceita vocês inaugurar a energia no Palmeiras”. Porque se a gente fosse aceitar a inauguração feita por eles, ia aparecer na mídia toda. [...]. Fizemo a nossa festa como a gente poderia fazer e a partir daí o povo foi acreditando mais naquele momento e a gente foi avançando. [...] (Trecho de entrevista gravada em 02/11/2007 com o líder comunitário Augusto Barros Filho).

Os relatos que ilustram a história da ASMOCONP instigam-nos a pensar acerca de processos em que sujeitos sociais investem na invenção e reinvenção do cotidiano. O bairro foi criado pelos moradores onde antes nada existia: apenas uma terra pantanosa, resultante de carnaubais devastados. Somente em 2007 o território foi reconhecido oficialmente como bairro demarcado na planta urbana de Fortaleza. Todavia, do ponto de vista simbólico, já se fazia reconhecer como lugar social ou, como diz Certeau (2003CERTEAU, M. de. A Invenção do cotidiano. Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 2003. v. 1., p. 202), como espaço socialmente praticado, cuja significação se fez na experiência associativa e solidária, a mobilizar afetos na recusa da passividade e na afirmação da resistência.

Ao analisar essa história, cito Chaui (2002)CHAUI, M. Sobre o medo. In: CARDOSO, S. et al. Os Sentidos da paixão. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. p. 35-75., em ensaio intitulado Sobre o medo, onde ela evoca Espinosa quando ressalta as paixões humanas que movimentam a negação do medo, contra a passividade e em favor da liberdade. Não obstante a imposição de um regime político fechado e autoritário durante a ditadura militar, e a repressão policial do Estado, mesmo no processo da reabertura democrática, as lideranças locais buscaram investir na organização com autonomia. Assim, em 1979, intensificou-se a luta da comunidade pelo acesso a água tratada e energia elétrica, impulsionando a consolidação da ASMOCONP, que registra seu estatuto em 1981. No ano de 1991, realizou-se o Seminário Habitando o Inabitável. A construção de um canal de drenagem é apontada como demanda principal, cujas obras se estenderam até 1995, com a participação e o controle dos moradores e um convênio firmado entre o Governo do Estado, a Prefeitura de Fortaleza e a Sociedade Alemã de Apoio Técnico (GTZ).

Em 1997, a ASMOCONP e outros segmentos organizados realizaram o II Seminário Habitando o Inabitável. Constatou-se que o bairro estava parcialmente urbanizado. Mas o processo de urbanização não fora capaz de desencadear oportunidades de geração de trabalho e renda, num cenário de desemprego intensificado ante o processo de globalização e reestruturação do capital, agravado na esfera local pelo perfil de baixa escolaridade e precária qualificação para o trabalho, fatores que influenciavam na dificuldade de várias famílias permanecerem ocupando seus imóveis.

A principal deliberação do segundo seminário foi o planejamento de um projeto de geração de renda para “[...] possibilitar às pessoas da comunidade morar no bairro que construíram” (Melo Neto Segundo; Magalhães, 2003MELO NETO SEGUNDO, J. J. de; MAGALHÃES, S. Bairros pobres, ricas soluções: Banco Palmas, ponto a ponto. Fortaleza: Expressão Gráfica, 2003., p. B16). Surge o Banco Palmas, em janeiro de 1998, como estratégia focada na inclusão econômica pela via do microcrédito solidário. Desde então, iniciou-se um processo de organização voltado para o desenvolvimento socioeconômico, produzindo-se métodos de trabalho posteriormente denominados como tecnologias sociais, estando em destaque o passo a passo para a criação de bancos comunitários (cf. Paulino, 2012PAULINO, A. G. L. Economia solidária como projeto cultural e político: a experiência do Banco Palmas. Fortaleza: Edições UFC, 2012. 398p.).

Tais tecnologias atraíram parceiros locais e internacionais, como a Rede Latino-americana de Socioeconomia Solidária (REDLASES), ONGs e agências de fomento bilateral e multilateral, priorizando-se eixos de ação, como o apoio a mulheres vítimas de violência e socialmente vulneráveis, o trabalho com juventudes e, principalmente, o incentivo à produção e ao consumo interno, como vetor de fortalecimento da economia do bairro, ancorado na circulação da moeda Palmas. E, durante o governo do presidente Lula, quando foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), essa experiência ganhou mais fôlego, pois o Banco Palmas passou a coordenar a Rede de Bancos Comunitários, surgindo, então, o Instituto Palmas de Desenvolvimento e Socioeconomia Solidária, responsável pela operacionalização de projetos sociais no espaço local, atendendo também a comunidades circunvizinhas.9 9 Em 2013, comemoraram-se os 15 anos do Banco Palmas. Na ocasião, foi lançado o livro Banco Palmas 15 anos: resistindo e inovando, obra organizada pelo Instituto Palmas e o Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (NESOL-USP). Recomenda-se consulta a essa referência, onde se encontra uma análise sobre o impacto social positivo da presença do Banco Palmas no Conjunto Palmeiras.

A ênfase na dimensão econômica da organização comunitária começou a ocasionar tensões entre a esfera de ação do Banco e lideranças ligadas à ASMOCONP. Em decorrência desses conflitos de interesses ou relacionados à concepção da identidade do movimento comunitário, no cenário mais recente, pelo menos desde 2015, ocorre uma ruptura institucional entre ASMOCONP e o Banco/Instituto Palmas, sendo que esse último passa a funcionar em espaço físico separado da sede da Associação.

Conflitos à parte, o fato é que o campo de ação do Banco Palmas em nenhum momento se mostrou insensível ou distante das pautas de reivindicação de um bairro que, situado na área Regional VI (uma das unidades de administração da Prefeitura Municipal), caracteriza-se como um dos territórios mais empobrecidos de Fortaleza, onde se localiza a população mais jovem da cidade e se registram os maiores índices de analfabetismo, sendo que no bairro predominam baixos indicadores de renda média familiar, com 54,7% da população (pessoas de 10 anos ou mais de idade) incluída na categoria dos que declaram não ter nenhum rendimento – dados referentes ao Censo 2010 do IBGE, citados por Fernanda Rodrigues (2016)RODRIGUES, M. F. de S. Deus criou o mundo e nós construímos o Conjunto Palmeira: etnografia sobre a solidariedade de um bairro. Fortaleza: Edições UFC, 2016. –, além de ser apontado como um dos espaços de Fortaleza mais vulneráveis à violência urbana.

No capítulo seguinte, busco mostrar que o Instituto Palmas e a ASMOCONP continuam como referências na organização comunitária do bairro, inclusive como agentes de incentivo à formação de outras entidades representativas, articulando-se em momentos de interlocução ou de enfrentamento e resistência em face do poder público, configurando uma esfera pública local ativa, onde é possível pensar sobre os sentidos de um movimento social que ressalta, em sua dinâmica discursiva, uma alusão à soberania popular.

O MOVIMENTO LOCAL: fazendo política entre o diálogo e a resistência

A história recente do movimento de bairro no Conjunto Palmeiras é marcada pelo surgimento do Banco Palmas. O aprendizado que antecedeu a criação do Banco, acumulado ao longo de anos de lutas sociais, trouxe a aproximação com colaboradores diversos, acessados em redes onde interagem ONGs e outros entes, numa articulação capaz de seguir pressionando o Estado na reinvindicação de direitos, passando de uma postura radicalizada no fazer política, para a construção de diálogos possíveis.

A compreensão de que se faz necessário atrair parceiros para projetos desenvolvidos no bairro ressalta a flexibilidade como uma estratégia reconhecida no discurso de lideranças: “Eu penso que hoje ninguém pode ser radical. A gente tem que ir ocupando espaços, sendo inteligente. No Prorenda,10 10 O PRORENDA Urbano-Ceará foi um projeto de cooperação técnica iniciado em 1990, representado, no Brasil, pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e, na Alemanha, pela Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ). No Ceará, o PRORENDA promoveu ações de cogestão em parceria com comunidades, sob a coordenação da Secretaria de Planejamento e Controle do Estado do Ceará (SEPLAN), executadas por instituições estaduais e municipais. a comunidade foi esperta e soube se organizar. [...]. O importante era garantir que o poder de decisão ficasse com o Conselho Local” (Socorro Alves, líder comunitária da ASMOCONP, fala registrada na Cartilha Memória de Nossas Lutas, Vol. II (Associação..., 1998ASSOCIAÇÃO dos Moradores do Conjunto Palmeiras. Conjunto Palmeiras: o canal de drenagem – A história de um povo que se organiza, busca parcerias e urbaniza seu bairro. Memória de Nossas Lutas II. Fortaleza: ASMOCONP; Expressão Gráfica Digital, 1998., p. 16).

Ao mesmo tempo em que a flexibilidade no diálogo político é vista como necessária, não se abre mão de um poder de decisão organizado e mobilizado na esfera local. Nesse sentido, há símbolos muito caros à memória da comunidade, a exemplo de um banner que adornava o salão da ASMOCONP e que se punha também como fala política no chão da praça do bairro com os dizeres: “Deus criou o mundo e nós construímos o Conjunto Palmeiras”.

Manifesta-se, aí, um sentimento de pertença, fato que contemplei em atividade de pesquisa, em 2010, no Comício Inverso, durante a campanha eleitoral. Como diz o título dado ao evento, ali a posição ritual de um comício estava invertida: moradores e lideranças do bairro ficavam no palanque e apresentavam a plataforma de suas demandas e reivindicações, enquanto candidatos e figuras ligadas a partidos políticos encontravam-se no chão da praça, ouvindo a comunidade discursar no palanque; um discurso de exigência para que, se fossem eleitos, respeitassem a plataforma política que lhes foi simbolicamente entregue, e representassem os anseios daqueles que lhes dariam votos.

Ainda no ano 2010, vivenciei outra atividade na pesquisa de campo. Na Universidade Federal do Ceará, foi apresentado o projeto de turismo comunitário Palmatur, cujo objetivo era disponibilizar o serviço de uma pousada gerenciada sob os princípios da economia solidária, para atrair turistas interessados em conhecer a história do bairro. O folder que chamava para o evento trazia a expressão: “na periferia tem tudo de bom”, frase destacada no discurso de uma liderança, reproduzindo uma prática comum nos eventos promovidos pela ASMOCONP e o Banco Palmas: a narrativa da memória local a evocar a imagem de moradores organizados, construindo projetos sociais que relativizam o rótulo fixado sobre o bairro pela grande mídia, a qual o projeta de forma reducionista e estigmatizada como lugar de pobreza e violência.

O Banco Palmas é um dos principais eixos de projeção de outra imagem do bairro, pioneiro no Brasil na utilização de uma moeda local circulante, que hoje tem sua visibilidade potencializada na forma de dinheiro eletrônico ou E-dinheiro, através de um banco digital comunitário. Essa experiência permite materializar uma lógica em que se prioriza produzir, distribuir, comprar e consumir bens e serviços dentro do território, sendo também possível que o recurso monetário retorne para o banco digital e siga seu curso circulante mesmo quando se compra fora do bairro utilizando o E-dinheiro.

O Instituto Palmas é articulador da Rede Brasileira de Bancos Comunitários Digitais e trabalha na intenção de abrir agências em territórios que não contam com serviço bancário, buscando assegurá-lo a aposentados, mulheres beneficiárias do programa de transferência de renda Bolsa Família, pequenos empreendedores e cidadãos comuns que necessitam de crédito em seus municípios e comunidades.

Mesmo após se desligar da esfera decisória da ASMOCONP, o sistema Banco Palmas e Instituto Palmas continua como forte articulador comunitário no Conjunto Palmeiras, realizando aproximações possíveis com a ASMOCONP em momentos que demandam uma mobilização mais abrangente. Atualmente, um dos principais vetores de organização da população local se difunde na formação de Conselhos de Quarteirão.11 11 Acompanho essas experiências recentes através da internet, no sítio eletrônico do Instituto Palmas e na página pessoal de Joaquim Melo, coordenador do Instituto, onde ele publica com assídua frequência notícias sobre o processo de mobilização da comunidade local e a participação em eventos da esfera dos bancos comunitários e afins. Ver: <http://www.institutobancopalmas.org/conselho-do-quarteirao-tecnologia-social-do-conjunto-palmeira/> e <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>. Cada conselho abrange um determinado quarteirão do bairro, encarregando-se de fiscalizar, reivindicar e realizar ações de limpeza e paisagem urbana na área, mobilidade, cultura e lazer, dentre outras. O primeiro ato do primeiro conselho foi um mutirão de limpeza e jardinagem na Avenida Valparaíso.

Uma das ações destacáveis no âmbito desses espaços é a articulação com outras instâncias comunitárias para pressionar o Comitê Estadual de Regularização Fundiária no que concerne à conquista do “papel da terra”, em outras palavras, o título definitivo de posse de imóvel, com matrícula e registro, para famílias de baixa renda que vivem em terrenos públicos, o que fica assegurado pela Lei 0369/2017, aprovada na Câmara dos Vereadores de Fortaleza. A mobilização formada em torno dessa demanda trouxe à tona uma antiga questão. Os moradores que se encontravam em estado de alerta em relação à questão fundiária, depararam-se com uma intervenção do governo estadual, através de uma obra de duplicação da Adutora do Ancuri, realizada sob a gestão da Companhia de Água e Esgoto do Ceará (CAGECE):

O Conjunto Palmeira foi invadido essa semana! De uma hora pra outra começaram a cavar o asfalto, quebrar os canteiros, destruir os jardins, arrebentar o canal de drenagem (que nós construímos na década de 90). [...]. Com pouco, distribuíram panfletos anunciando que iam fazer uma obra em toda a Av. Castelo de Castro com duração de 04 meses. E pronto! Incrível, o poder público [...] é por natureza autoritário, arrogante e narcisista. [...]. Não precisa pedir licença, pode chegar e quebrar tudo. Pois bem, na Castelo de Castro, existem 10 Conselhos de Quarteirão formados que se empoderaram e cuidam dos 5 km de avenida como se fosse sua própria casa: protegem, vigiam, plantam, varrem, regam, pintam, deixam tudo bonito. O poder público chega de repente e “desempodera”. (Joaquim Melo. Depoimento publicado em 28/10/2017, disponível em: <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>. Acesso em 05/11/2017).

A comunidade não aceitou o fato. Com rapidez, lideranças do Banco Palmas, da ASMOCONP e da Associação das Mulheres Emancipadas do Conjunto Palmeiras fizeram um apelo à desobediência civil, caso o governo se fechasse ao diálogo:

O Palmeiras é um bairro que aprendeu fazer-se respeitado. A gente não vai permitir ter a obra sem o governador negociar com a comunidade, explicar pra comunidade o que é essa obra e também atender à pauta da comunidade. A gente tem reivindicações históricas: o sistema de esgoto do bairro, que tá todo estourado. [...]. A gente quer que a mão de obra utilizada seja da comunidade. [...]. Ou vai explicar pra comunidade a obra, ou vai ter negociação, ou vai ter resistência na rua e não vai ter obra. Então, estamos aqui com o presidente da Associação de Moradores, nós estamos com a Associação Emancipada das Mulheres do Bairro [...]. E nós tamos fazendo uma convocação pra hoje, seis horas da noite, plenária popular do povo soberano do Conjunto Palmeiras, aqui na Castelo de Castro [...], todo mundo lá hoje seis e meia da noite, pra discutir sobre essa obra [...]. (Depoimento de Joaquim Melo, postado em vídeo no dia 31/10/2017, disponível em: <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>, com 57 compartilhamentos e 4,9 mil visualizações. Verificado em 13/11/2017).

Na sequência das notícias veiculadas por Joaquim Melo na rede Facebook, não foi divulgada a ocorrência de impedimento da realização da obra como efeito de uma ocupação do local pelos moradores. Mas foi anunciado que, diante do chamado para a resistência, iniciou-se um diálogo com o governo, que resultou na criação do Conselho de Integração da Obra de Duplicação da Adutora do Ancuri, composto por representantes da CAGECE, da construtora responsável pela obra e das Associações e Conselhos de Quarteirão do Conjunto Palmeiras, firmando-se uma declaração de trégua na resistência à obra, acordada após escuta da pauta de reivindicações apresentada pelos reclamantes, a qual incluiu a contratação de mão de obra local, a reparação dos danos nos canteiros ajardinados e nas residências atingidas pela trepidação causada pelas máquinas e, principalmente, a requalificação do sistema de esgoto do bairro.

A obra em questão objetivou instalar novas adutoras para aumentar a vasão da água que abastece Fortaleza a partir do Sistema Ancuri. A passagem dessa tubulação pelo Conjunto Palmeiras remete a uma antiga cena, quando os moradores lutavam pela água encanada da qual não dispunham, embora a adutora passasse naquele território:

[...] A água que veio pra Fortaleza passa no coração do Palmeira e nós num temo água. O que é que nós íamo fazer? Nós começamo a se articular. E foi um momento tão bom [...] com aquela força mesmo da gente conseguir... Conseguimos a água com muita luta. E na época a polícia veio, queria prender a nossa presidente da Associação [...]. A gente foi na CAGECE pra negociar [...]. A CAGECE não negociou com a gente. A gente foi até o governador [...] e ele conversou com a gente e deu um prazo de 30 dias pra colocar água no Palmeiras. [...]. Com 30 dias o governo não instalou a água. E a gente voltou pra lá: olha, nós agora não vamo se responsabilizar pelo que a gente fizer com os canos que passam pra Fortaleza. Aí nós já tinha se articulado, técnicos já tinham avisado a gente que a gente tivesse muito cuidado, porque a gente ia estourar os canos [...]. Aí com 15 dia o governo mandou fazer o trabalho de instalação de água no Palmeira e nós exigimo: e nós queremos... todos funcionários lá tem que ser morador do Palmeira e ainda com carteira assinada. [...] (Trecho de entrevista gravada com Augusto Barros Filho em 02/11/2007).

As cenas que remetem a momentos da luta do Conjunto Palmeiras pela urbanização do bairro apresentam um encontro entre passado e presente, num processo de organização comunitária e resistência que segue ativo. Não obstante o diálogo alcançando no episódio recente da obra da Adutora do Ancuri, a principal pauta apresentada pelos moradores durante a negociação, qual seja, a requalificação do sistema de esgoto, não foi atendida:

Nosso projeto de esgotamento sanitário [...] não foi contemplado. Demanda antiga dos moradores, sempre a resposta do Governo foi: “Não temos dinheiro”. Agora que 2 bi estão disponíveis, lançamos o movimento ‘ABRACE O CONJUNTO PALMEIRA, ESGOTO JÁ’! Objetiva incluir no programa Juntos por Fortaleza, as obras de saneamento do Conjunto Palmeira. Veja a programação: 07/12 - Reunião com deputados para mediar uma audiência com o Governador (8h30min) / 13/12 - Ato na praça do Palmeiras para entrega do abaixo assinado para a Presidente Geral da Defensoria Pública do Estado (8h) / 18/01/18 - Manifestação na obra de duplicação da adutora (caso não haja negociação). (Depoimento de Joaquim Melo, publicado em 05/12/2017, disponível em: <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>. Acesso em 08/12/2017).

“Caso não haja negociação”. Esse trecho da fala citada acima é tomado como um emblema importante. Embora, em diversas ocasiões, o movimento sugira chamados à desobediência civil, isso não significa demarcar uma postura de oposição radical em face do poder público estadual e municipal. Todavia, mesmo na situação de diálogo, símbolos de que a memória das lutas sociais no Conjunto Palmeiras é resguardada, num discurso que evoca coragem e ousadia, são postos em movimento. Cabe aqui a descrição de uma cena, registrada na televisão, ocorrida em audiência pública na Assembleia Legislativa do Ceará, no dia 12/09/2017, com o tema Regularização Fundiária do Conjunto Palmeiras. Dona Dacília, da ASMOCONP, no calor do debate, lembra aos políticos presentes que a comunidade ali representada tem uma história de lutas. E, assim, sua fala sinaliza um significado nativo de soberania popular. Para pressionar o poder público em face da demanda pela regularização fundiária de seu lugar de morada, a comunidade estaria disposta a “assanhar o formigueiro”. “Essas formiga aqui ferroa mesmo [sic]”, enfatizou Dacília.

O movimento de bairro aqui focado segue num processo organizativo que se pauta na resistência, oportunizando também diálogos que se tornam possíveis, em grande parte, pela visibilidade e legitimidade que a experiência local alcança ao projetar-se como produtora de tecnologias sociais.

Os Conselhos de Quarteirão são apresentados como um exemplo desse tipo de tecnologia. Através do processo de limpeza do bairro, ajardinamento de canteiros, tratamento do lixo, dentre outras realizações, a comunidade já recebeu visitas da Prefeitura de Fortaleza, interessada em conhecer, para possivelmente reproduzir, um modelo de gestão comunitária do tratamento dos resíduos sólidos urbanos, identificado na intenção do Instituto Palmas de criar uma Cooperativa de Gestão Ambiental que objetiva atrair para o território o título de primeiro bairro sustentável do Brasil.

No jogo desenhado entre o diálogo e a resistência, o movimento local recebe visitas da situação política e da oposição, acumulando um capital simbólico (cf. Bourdieu, 2004BOURDIEU, P. Razões práticas: sobre a teoria da ação. São Paulo: Papirus, 2004.) de feições plurais. Ali, há possibilidades de parceria com o poder público, como também aportam aprendizados para a luta política em rodas de conversa formadas, por exemplo, com nomes da cena política considerada mais radical.12 12 Destacam-se as visitas de Guilherme Boulos (do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST) e Pablo Capilé (das redes Circuito Fora do Eixo e Mídia Ninja), divulgadas por Joaquim Melo em 04. 10. 2017. Disponível em <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>. Acesso em 06. 11.2017.

No que concerne a aportes teóricos de pertinência a essa análise, contribuições de diferentes campos, como filosofia política, ciência política, história, sociologia e antropologia poderiam ser tomadas como perspectivas de leitura. Todavia, dado o limite disponível para a escrita do presente artigo, cumpre-se direcionar breves apontamentos. Assim, a experiência de conhecer a realidade do movimento social do Conjunto Palmeiras instiga o pensamento sociológico e antropológico, acionando categorias que possibilitam uma descrição substanciada em acontecimentos aqui mencionados, contextualizados num cotidiano do fazer política. Nesse sentido, o conceito de soberania popular é evocado com a criticidade necessária, de forma a retomar questões clássicas à luz de referentes empíricos contemporâneos.

Antunes (2006ANTUNES, V. L. O conceito de soberania em Jean-Jacques Rousseau. Revista Controvérsia, São Leopoldo, v. 2, n. 1, p. 70-77, jan./jun. 2006., p. 74) traz sua contribuição ao referir-se ao princípio da soberania no pensamento de Rousseau, no Discurso sobre a Desigualdade, destacando, como ponto fundamental, o conceito de vontade geral. Segundo tal conceito, a organização do Estado deve seguir o princípio do bem comum, sendo o soberano, portanto, o ser coletivo firmado pelo pacto social. Todavia a crítica a Rousseau considera que deduzir daí a concretude dessa vontade geral pode ser concebido como um paradoxo, pois, se couber ao povo somente obedecer a senhores, instituídos como representantes, negando-se a possibilidade de divergência, o princípio da soberania popular torna-se sem efeito, configurando-se, desse modo, uma democracia totalitária.

Pensando à luz dessa leitura do pressuposto rousseauniano, perspectiva de crítica que contribui para embasar meu olhar diante dos fatos observados e dos relatos colhidos, nota-se que a organização dos Conselhos de Quarteirão e o chamado à desobediência e à resistência que se apregoa no Conjunto Palmeiras, em momentos significativos de um movimento social de bairro, expressam um tipo emblemático de fazer política que nos instiga a refletir acerca dos limites da democracia representativa e sobre vivências da esfera comunitária pautadas na democracia participativa, na ação direta, quando os processos organizativos não esperam passivamente que políticos e governantes, por si próprios, se encarreguem do bem comum.

No contexto de desigualdades profundas que caracterizam a configuração dos territórios de uma cidade como Fortaleza, a não ser que a ameaça da desobediência civil pressione o Estado a ouvir o que seus cidadãos representados têm a dizer, a noção de bem comum torna-se uma abstração. Assim, no movimento específico aqui em análise, lideranças e base não abrem mão da política representativa. Ao longo da observação realizada durante a pesquisa, pude notar a presença de parlamentares da chamada esquerda no espaço das lutas sociais do Conjunto Palmeiras, apoiando iniciativas no âmbito da economia solidária e outras ações, e também buscando apoio eleitoral junto aos moradores. Alguns seguem uma trajetória de reeleição, o que, na esfera local, é compreendido como a legitimação de nomes que têm demonstrado representar, de fato, seus eleitores.

Tal lógica evoca a abordagem de Andrew Arato (2002)ARATO, A. Representação, soberania popular e Accountability. Revista Lua Nova, São Paulo, n. 55-56, p. 85-103, 2002. sobre representação e soberania popular, ao considerar que o espaço soberano dos cidadãos se fortalece quando se instituem mecanismos constitucionalistas de controle social, a exemplo de um modelo caracterizado como accountability, responsável por publicizar o que é feito em nome do povo pelos políticos, de forma a permitir uma prestação de contas, sendo que, a depender do que tal prestação revele, esses políticos podem ter ou não renovado o voto de confiança de seus eleitores.

Mas essa concepção de soberania popular atende a uma lógica legalista que, grosso modo, não contempla plenamente o que se observa no movimento protagonizado no Conjunto Palmeiras. Ali não se espera para ver o que os políticos farão em um mandato. O mandato ocorre e, em seu transcurso, há a formação de parcerias possíveis, mas há também firmeza na cobrança e na pressão social que se faz presente num espaço onde não se descarta o chamado à desobediência, ao ato de incomodar e resistir, a exemplo de acontecimentos já narrados nesta escrita: o episódio da obra do Ancuri, em 2017; a apropriação comunitária do ato de inaugurar a rede de energia elétrica; a luta por água encanada, nos anos 1990 (cf. Paulino, 2012PAULINO, A. G. L. Economia solidária como projeto cultural e político: a experiência do Banco Palmas. Fortaleza: Edições UFC, 2012. 398p.); e a luta por regularização fundiária, em 2017. Tais eventos são retomados em narrativas memoráveis da história do bairro e, de certa forma, sintetizam-se numa fala de liderança, também já citada: “O Palmeiras é um bairro que aprendeu fazer-se respeitado”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante observar que a discussão aqui proposta se desdobra a partir de aproximações etnográficas que tiveram lugar, em momentos distintos, no contexto do movimento social de bairro do Conjunto Palmeiras, com observações registradas em notas de campo e entrevistas com sujeitos ativos do referido movimento. Do trabalho etnográfico despontam, portanto, referentes históricos para pensar sobre processos de organização política em que a mobilização local põe em relevo vivências de diálogo e resistência na relação com o Estado, constituindo aprendizados que elaboram também uma memória de lutas na qual se enfatiza um corpo discursivo onde a declaração do princípio político da soberania quer ocupar espaço.

Nessa perspectiva, as considerações aqui tratadas não pretendem ser conclusivas nem operam no sentido de afirmar a existência de tal soberania como fato ou como dado pronto e acabado, até porque o movimento local se insere numa dinâmica mais ampla da política, que é determinada por aspectos formais em vigor, numa estrutura mais ampla. Assim, a etnografia nos fornece pistas para o exercício de tensionar, desde referentes empíricos, o corpus teórico da compreensão acerca da participação política e da relação entre Estado e movimentos sociais, no plano da luta pelo acesso a direitos e infraestrutura no ambiente de morada.

O resultado do estudo indica que o discurso nativo, projetado nas narrativas de lideranças e no espaço da Internet, cadencia-se pela cultura de recusa, resistência, inovação e, em momentos específicos, pela desobediência, embora a prática política do movimento local também dê expressividade à busca de apoios e parcerias nas esferas legislativa e governamental. Tal discurso ganha projeção no contexto mais amplo dos movimentos sociais, manifestando um traço novo de tais movimentos, quando se compara o momento presente com décadas passadas aqui já descritas, o que se caracteriza pela ocupação do espaço midiático e das redes sociais (cf. Scherer-Warren, 2006SCHERER-WARREN, I. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006.), pondo em cena novos atores (cf. Gohn, 2011GOHN, M. da G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Revista Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, v. 16, n. 47, p. 333-361, maio/ago. 2011.) e oportunizando a instantaneidade do tempo no espaço da Internet, como nova estratégia de mobilização de recursos e pessoas, aumento da visibilidade, publicização e legitimação de demandas.

A análise desse fenômeno ainda permanece em aberto, haja vista as controvérsias de um debate em que se cogita, por um lado, a possibilidade de um agir revolucionário que prioriza o espaço virtual, tendo-se como consequência o risco da perda do referencial de lideranças no espaço da política, comprometendo a eficácia da organização dos movimentos. Mas que, por outro lado, aposta no poder da mobilização instantânea, potencializando o chamado para a ocupação de ruas e outros espaços públicos, tomando-se o ambiente da Internet como mídia alternativa aos veículos da grande mídia que seguem manipulados por grupos poderosos, ao passo que a articulação em redes de movimentos pode apontar também para a aproximação de universos multiculturais, acrescida pelo fortalecimento de uma cultura contra-hegemônica (cf. Gajanigo; Souza, 2014GAJANIGO, P. R.; SOUZA, R. F. de. Manifestações sociais e novas mídias: a construção de uma cultura contra-hegemônica. Caderno CRH, Salvador, Centro de Recursos Humanos da UFBA, v. 27, n. 72, p. 577-592, set./dez. 2014.; Scherer-Warren, 2006SCHERER-WARREN, I. Das mobilizações às redes de movimentos sociais. Revista Sociedade e Estado, Brasília, v. 21, n.1, p. 109-130, jan./abr. 2006.).

Por fim, cumpre considerar que os Conselhos de Quarteirão representam uma dimensão instituinte no processo de organização e mobilização no Conjunto Palmeiras, como experiência recente, em vias de formação. Todavia já se delineiam como um tipo político que incorpora os componentes discursivos descritos acima, inspirando-se, também, na dinâmica propositiva presente nos projetos de economia solidária do bairro.

Assim, no plano do discurso e em ações pontuais, a comunidade se apresenta como ente que constitui um poder de barganha e proposição, lançando mão de tecnologias do cuidado com o território, influenciando na gestão da cidade à medida que disputa, no jogo político, o reconhecimento de suas demandas diante do poder público, na luta contra a desigualdade social. Tais Conselhos capitalizam, portanto, aportes simbólicos como espaços de debate, decisão, proposição e ação, cuja imagem se projeta no ambiente das novas mídias, evocando sua história social no tempo presente a reafirmar o passado de lutas e a legitimar uma presença ativa nos mecanismos sociais do diálogo e da resistência.

REFERÊNCIAS

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  • ASSOCIAÇÃO dos Moradores do Conjunto Palmeiras. Favela do conjunto Palmeiras: habitando o inabitável. Memória de Nossas Lutas I. Fortaleza: ASMOCONP, 1990.
  • ASSOCIAÇÃO dos Moradores do Conjunto Palmeiras. Conjunto Palmeiras: o canal de drenagem – A história de um povo que se organiza, busca parcerias e urbaniza seu bairro. Memória de Nossas Lutas II. Fortaleza: ASMOCONP; Expressão Gráfica Digital, 1998.
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  • 1
    Pesquisa desenvolvida através do projeto “Ocupações de terras urbanas em Fortaleza: o legal e o legítimo em questão”, no Programa de Iniciação Científica da UFC, com bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
  • 2
    Destaco as conversas que tive com Augusto Barros Filho, líder comunitário e um dos fundadores da ASMOCONP, uma das lideranças mais marcantes na história do Conjunto Palmeiras, que, em seus relatos, evoca as memórias das lutas travadas pelo movimento social local nos anos 1980 e 1990.
  • 3
    Informação extraída dos dados referentes ao Censo Demográfico de 2010, divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
  • 4
    O Conjunto Palmeiras esteve oficialmente inserido, até o final de outubro de 2007, na área do bairro Jangurussu. Essa situação dificultou, por décadas, a sistematização de dados socioeconômicos que tratassem de forma desagregada sua realidade específica.
  • 5
    Dados extraídos da publicação Aglomerados Subnormais – Informações Territoriais, relativos ao Censo IBGE 2010. O documento refere-se a “áreas conhecidas ao longo do país por diversos nomes, como favela, comunidade, grotão, vila, mocambo, entre outros”. Disponível em: <https://ww2.ibge.gov.br/home/presidencia/noticias/imprensa/ppts/00000015164811202013480105748802.pdf>. Acesso em 13. 11. 2017.
  • 6
    Categoria que atua dentro e fora do tempo de campanhas eleitorais, constituindo uma espécie de correia de ligação para a troca de interesses entre eleitor e candidato. Normalmente, os indivíduos aplicados a essa tarefa são beneficiados com algum ganho material ou prestígio junto ao político para o qual trabalham. Uma versão mais atual desse tipo apresenta-se sob a figura de “apoio” ou “assessor”, termos que, de alguma forma, disfarçam a carga simbólica negativa da condição de cabo eleitoral.
  • 7
    Assunto tratado em entrevista concedida pela referida antropóloga ao jornal Folha de São Paulo, intitulada As Duas Faces de Dilma. Disponível em: <http://www.viomundo.com.br/politica/manuela-carneiro-da-cunha-duas-maos-mesmo-corpo.html>. Acesso em 14. 11. 17.
  • 8
    Companhia Energética do Ceará.
  • 9
    Em 2013, comemoraram-se os 15 anos do Banco Palmas. Na ocasião, foi lançado o livro Banco Palmas 15 anos: resistindo e inovando, obra organizada pelo Instituto Palmas e o Núcleo de Economia Solidária da Universidade de São Paulo (NESOL-USP). Recomenda-se consulta a essa referência, onde se encontra uma análise sobre o impacto social positivo da presença do Banco Palmas no Conjunto Palmeiras.
  • 10
    O PRORENDA Urbano-Ceará foi um projeto de cooperação técnica iniciado em 1990, representado, no Brasil, pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC) e, na Alemanha, pela Deutsche Gesellschaft für Technische Zusammenarbeit (GTZ). No Ceará, o PRORENDA promoveu ações de cogestão em parceria com comunidades, sob a coordenação da Secretaria de Planejamento e Controle do Estado do Ceará (SEPLAN), executadas por instituições estaduais e municipais.
  • 11
    Acompanho essas experiências recentes através da internet, no sítio eletrônico do Instituto Palmas e na página pessoal de Joaquim Melo, coordenador do Instituto, onde ele publica com assídua frequência notícias sobre o processo de mobilização da comunidade local e a participação em eventos da esfera dos bancos comunitários e afins. Ver: <http://www.institutobancopalmas.org/conselho-do-quarteirao-tecnologia-social-do-conjunto-palmeira/> e <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>.
  • 12
    Destacam-se as visitas de Guilherme Boulos (do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto – MTST) e Pablo Capilé (das redes Circuito Fora do Eixo e Mídia Ninja), divulgadas por Joaquim Melo em 04. 10. 2017. Disponível em <https://www.facebook.com/joaquim.melo.750>. Acesso em 06. 11.2017.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Fev 2020
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2019

Histórico

  • Recebido
    04 Mar 2018
  • Aceito
    27 Maio 2019
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