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A EROSÃO DO CONSENSO DE ESQUERDA NO PARLAMENTO BRASILEIRO: da Constituinte de 1988 à ascensão de Jair Bolsonaro em 2018

THE SHATTERING OF THE LEFT CONSENSUS IN THE BRAZILIAN PARLIAMENT: from the 1988 Constituent Assembly to the rise of Jair Bolsonaro in 2018

LA DECONSTRUCTION DU CONSENSUS DE GAUCHE AU PARLEMENT BRESILIEN: de l’Assemblée Constituante de 1988 à la montée de Jair Bolsonaro en 2018

Resumos

Este trabalho tem o objetivo de verificar como um suposto “consenso de esquerda” vigente no Parlamento brasileiro a partir da Constituinte de 1988 tem se manifestado nos últimos anos. Por meio do confronto de resultados de pesquisas que adotam metodologias baseadas na autodeclaração dos partidos, na opinião de especialistas e na percepção do eleitorado, observou-se um nítido esfacelamento do chamado “recalque de direita”, principalmente após a ascensão de Dilma Rousseff ao poder, em 2010, e após as grandes manifestações de junho de 2013, culminando na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

Guerra Cultural; Discurso Político; Parlamento; Bancadas Parlamentares; Conservadorismo


The work aims to verify how a supposed “left consensus” presented in the Brazilian Parliament since the Constituent Assembly of 1988 has appeared in recent years. Through the confrontation of research results that adopt methodologies based on the self-declaration of the parties, on the opinion of experts, and on the perception of the electorate, one concludes that there was a clear disruption of the so-called “right self-repression”, mainly after the rise of Dilma Rousseff, in 2010, and after the great protestations in June 2013, reaching Jair Bolsonaro election in 2018.

Culture Wars; Political Discourse; Parliament; Parliamentary Benches; Conservatism


Le travail vise à vérifier comment un supposé «consensus de gauche» en vigueur au Parlement brésilien depuis l’Assemblée constituante de 1988 s’est manifesté ces dernières années. À travers la confrontation des résultats de recherches qui adoptent des méthodologies basées sur l’auto-déclaration des partis, sur l’avis des experts et sur la perception de l’électorat, on aperçoit une claire perturbation de la soi-disant «auto-répression de droite», principalement après la montée au pouvoir de Dilma Rousseff, en 2010, et après les grandes manifestations de juin 2013 et l’arrivée de Jair Bolsonaro au pouvoir en 2018.

Guerre Culturelle; Discours Politique; Parlement; Bancs Parlementaires; Conservatisme


INTRODUÇÃO

Trabalhos em ciência política têm se debruçado sobre a composição ideológico-partidária do Congresso Nacional por meio de diversas metodologias e pressupostos teóricos. No entanto, os parâmetros de distinção entre esquerda e direita políticas, conservadorismo e progressismo, a despeito das diversas abordagens, parecem semelhantes, uma vez que cada campo ideológico é representado por opiniões comuns e valores praticamente consensuais, como se verá.

Do ponto de vista metodológico, as pesquisas sobre a distribuição ideológica no Parlamento brasileiro podem ser divididas em três tendências, conforme observam Madeira e Tarouco (2013)MADEIRA, R. M.; TAROUCO, G. S. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 45, p. 149-165, 2013.: a) métodos com base na autodeclaração do partido, com suas insígnias, slogans, programas partidários etc.; b) métodos baseados na percepção de analistas; c) métodos para auferir a percepção dos eleitores sobre os partidos, por meio de pesquisas de opinião pública.

A análise conjunta de resultados de pesquisas provenientes dessas três abordagens apontou para a existência de um conservadorismo recalcado no Congresso, ofuscando tendências ideológicas, muito provavelmente devido ao ranço negativo que o conservadorismo e a direita adquiriram após o período de redemocratização do país. Existiria, assim, uma espécie de “consenso esquerdista” nos discursos de autodefinição dos partidos.

Essa autonegação dos imaginários de direita começa a mudar a partir das eleições de 2010, quando, pela primeira vez, uma mulher possuía chances reais de vencer o pleito, Dilma Rousseff. Essa tendência de esfacelamento do recalque da direita teria atingido o seu ápice depois das grandes manifestações de 2013, com a ascensão, no Congresso, das chamadas bancadas religiosa e da bala.

Essas reivindicações populares, também chamadas de “Manifestações dos 20 centavos”, “Jornadas de Junho” ou “Manifestações de Junho” ( Magnoli, 2014MAGNOLI, D. Flores no jardim. Folha de S.Paulo, São Paulo, 8 fev. 2014. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/colunas/demetriomagnoli/2014/02/1409351-flores-no-jardim.shtml. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/de...
) consistiram em movimentações populares que, no início, tinham somente por escopo o protesto contra aumento de tarifas de transporte público ( Monteiro Filho, 2013MONTEIRO FILHO, M. E o ‘Gigante’ segue em frente… RollingStone, São Paulo, 16 jul. 2013. ). Foram as maiores mobilizações da população desde os atos pró-impeachment de Fernando Collor de Mello, em 1992 ( Protesto…, 2013PROTESTO em São Paulo é o maior desde manifestação contra Collor. Folha de S.Paulo, São Paulo, 17 jun. 2013. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/06/1296834-protesto-em-sao-paulo-e-o-maior-desde-manifestacao-contra-collor.shtml. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/...
), contando com cerca de 85% de empatia da sociedade ( Manifestações agradam, 2013MANIFESTAÇÕES AGRADAM a 84% dos brasileiros, diz pesquisa Ibope. R7, São Paulo, 06 ago. 2013. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/manifestacoes-agradam-a-84-dos-brasileiros-diz-pesquisa-ibope-06082013. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://noticias.r7.com/brasil/manifesta...
).

Na próxima seção, serão estabelecidos os critérios de distinção entre esquerda e direita políticas dos quais se servem os estudiosos do Parlamento brasileiro. Em seguida, será analisado como esses pesquisadores chegaram à conclusão sobre a existência de um consenso de esquerda no Congresso Nacional, e como aquele foi se erodindo com a ascensão dos discursos conservadores no interior da sociedade.

OS CRITÉRIOS DE DISTINÇÃO ENTRE ESQUERDA E DIREITA

Apesar da diversidade de estudos que versam sobre a composição ideológico-partidária do Congresso Nacional, os critérios para a distinção entre esquerda e direita políticas, conservadorismo e progressismo, em geral, são os mesmos propostos por pensadores como Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. e Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. .

Na visão de Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. , a díade esquerda-direita ainda é relevante para tratar do discurso político, mesmo depois da queda do Muro de Berlim e do final da Guerra Fria, que opunha, de um lado, com os EUA, os países alinhados ao sistema capitalista e, de outro, junto da ex-URSS, aqueles identificados com o socialismo:

Não obstante a díade ser seguida e diversificadamente contestada – e de modo mais frequente, mas sempre com os mesmos argumentos, nestes tempos de confusão geral –, as expressões “direita” e “esquerda” continuam a ter pleno uso na linguagem política. Todos os que as empregam não dão nenhuma impressão de usar palavras irrefletidas, pois se entendem muito bem entre si. ( BOBBIO, 2011BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. , p. 79)

De acordo ainda com Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. , a despeito de o discurso de esquerda e o de direita poderem apresentar variações no tempo e no espaço – o que explica porque um democrata estadunidense, por exemplo, não adote necessariamente o mesmo discurso de um integrante do Partido Socialista francês –, existiriam certas constantes universais que unificariam os discursos de direita, de um lado, e os de esquerda, de outro:

Partindo do pressuposto […] de que a pessoa de esquerda é aquela que considera mais o que os homens têm em comum do que o que os divide, e de que a pessoa de direita, ao contrário, dá maior relevância política ao que diferencia um homem do outro do que ao que os une, a diferença entre direita e esquerda revela-se no fato de que, para a pessoa de esquerda, a igualdade é a regra e a desigualdade, a exceção […], ao passo que, para o indivíduo de direita […] a desigualdade é a regra e que, se alguma relação de igualdade deve ser acolhida, ela precisa ser devidamente justificada […]. [Assim, a esquerda tende a dar] preferência aos direitos humanos fundamentais contra os bens de consumo e patrimoniais, [ao passo que] a direita [adota] os critérios do mérito e da posição social. ( Bobbio, 2011BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. , p. 23-24)

Com efeito, para Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. , a ideia mais compartilhada no discurso de esquerda é a da igualdade, e a da direita, do mérito. Isso pode ser verificável até mesmo nos discursos extremistas. Apesar de se poderem observar, por exemplo, inúmeras diferenças entre o discurso de uma direita mais liberal do ponto de vista econômico (e mais ainda em relação à direita liberal do ponto de vista dos costumes) e um discurso de extrema direita, nacionalista e reacionário, a ideia de mérito pode também ser aplicada a ambos. Enquanto o menos extremista reivindica o mérito de ser mais poderoso economicamente e, portanto, seu status quo é visto legítimo politicamente, o mais extremista fala igualmente em mérito, mas, no caso, no mérito de um povo, de uma cultura, por ser o que é, uma maioria tradicional, antiga e legítima diante de uma minoria “invasora”.

Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. , por sua vez, também elaborou um conjunto de critérios para distinguir os dois polos do embate político, esquerda e direita. Para o autor, existiriam sistemas de crenças que poderiam ser chamados de matrizes ideológicas de direita e de esquerda. A matriz ideológica de direita se caracterizaria por portar uma visão de mundo segundo a qual a natureza se impõe ao homem, o que implica afirmar que ele é submisso e, portanto, a desigualdade seria consubstancial à natureza humana . Consequentemente, seriam naturais, da mesma forma, as relações de dominação do mais forte sobre o mais fraco.

Trata-se de um posicionamento que engendra a defesa de alguns valores, como o da família , que se impõe pela tradição do patriarcado , uma hierarquia natural de desigualdade entre os homens; o valor do trabalho como atividade vertical de relação entre superiores (empresários) e inferiores (empregados), sem contestação possível; e o valor nação , constituindo um patrimônio identitário e justificando a categoria do inimigo invasor.

Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. ressalta que esses valores podem ser configurados de forma diferente de acordo com o país, mas são uma tendência geral da matriz ideológica de direita, que tende: ao conservadorismo , já que, para se manterem as tradições familiares e de trabalho, repudiam-se as transformações sociais; ao segregacionismo , dividindo raças, etnias e religiões; ao autoritarismo , para preservar o status quo das tradições; e ao patriarcado , possibilitando a educação das gerações futuras segundo o “mérito natural” dos indivíduos.

Por outro lado, a matriz ideológica de esquerda, para Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. , caracteriza-se por apresentar a concepção de que o homem é capaz de dominar a natureza , o que torna pertinente a ideia progressista segundo a qual seria possível aplacar as desigualdades impostas pelo meio rumo a uma sociedade igualitária . Tal sistema de pensamento possibilitaria questionar os valores da direita como: a crítica à ordem hierárquica da sociedade, defendendo a supressão de privilégios ; o questionamento da discriminação, em defesa da solidariedade social (entre raças, credos, etnias, gênero, orientação sexual etc.); o confronto com as tradições religiosas, em prol da laicidade ; e o ataque ao princípio da ordem, opondo o princípio da contestação e colocando em causa o poder político de diversas maneiras (pelo sindicato, pelas associações etc.), em benefício do bem comum.

Nota-se que, segundo a classificação de Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. , a matriz ideológica de direita possui em sua base o gérmen do conservadorismo e, na matriz de esquerda, do progressismo; por isso a importância, tendo em vista esses critérios, de ainda se falar em esquerda e direita se o assunto é guerra cultural, notadamente no âmbito dos costumes. A esquerda, em seu ímpeto por irromper com a ordem dada, questionando a naturalização do status quo , teria uma tendência progressista, ao passo que a direita, com seu apreço pelas tradições, seria de corte conservador.

Frise-se que se trata de matrizes ideológicas correspondentes a tendências gerais, o que não impede, na materialização de um discurso em específico, que essas regularidades apareçam em maior ou menor grau, misturadas ou não. Na Retórica da Guerra Cultural ( Santos, 2020SANTOS, F. R. C.. A Retórica da Guerra Cultural no Parlamento brasileiro: a argumentação no impeachment de Dilma Rousseff. Curitiba: Brazil Publishing, 2020. ), essas constantes tendem a se radicalizar rumo a uma situação de ineficácia do fluxo comunicacional entre um polo e outro do debate.

Percebe-se que essa visão de Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. de direita, associada ao mérito, e da esquerda, relacionada à igualdade, é a mesma compartilhada por Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011.: o que chama a atenção, porém, é que a ideia de mérito no linguista francês associa-se ao mérito de nascer de determinado modo, em algum lugar ou casta (homem, mulher, forte, fraco, burguês, proletário etc.). É o mérito da natureza, e não o mérito de se conseguir, de se emancipar pelo trabalho e, assim, vencer o círculo vicioso imposto pelas condições de nascimento e progredir na sociedade. O valor do trabalho, assim, nessa visão de direita, não serviria para libertar, mas para manter as relações hierárquicas de produção.

Tendo em vista esses critérios de distinção entre “esquerda” e “direita”, segue a exposição, por meio de diferentes tendências de pesquisa, do chamado “consenso de esquerda”, que parece ter vigorado no Parlamento brasileiro da Constituinte de 1988 até a ascensão de Dilma Rousseff, em 2010, e esfacelando-se por completo depois das grandes manifestações de 2013, desencadeando na ascensão de Bolsonaro em 2018.

O SUPOSTO CONSENSO DE ESQUERDA NO PARLAMENTO BRASILEIRO

As pesquisas sobre a distribuição ideológica no Parlamento brasileiro dividem-se em três vertentes metodológicas ( Madeira; Tarouco, 2013MADEIRA, R. M.; TAROUCO, G. S. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 45, p. 149-165, 2013. ): a) métodos com base na autodeclaração do partido, com suas insígnias, slogans , programas partidários etc.; b) métodos baseados na percepção de analistas; e c) métodos para auferir a percepção dos eleitores sobre os partidos, por meio de pesquisas de opinião pública. Seguem alguns resultados das três tendências de pesquisa.

É preciso ressaltar, antes disso, que no Brasil há mais de 30 partidos políticos registrados, alguns de pequena expressividade. Assim, muitas pesquisas procuram negligenciá-los com o argumento de que, além de terem pouca capilaridade, apresentam-se confusos ideologicamente, atuando de modo pragmático para a manutenção no poder de seus quadros. A exceção a essas regras seriam alguns partidos pequenos de esquerda, como o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), o Partido da Causa Operária (PCO), o Partido Comunista Brasileiro (PCB) e o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), que demarcam mais explicitamente seu posicionamento na guerra cultural.

Além do mais, muitas dessas pesquisas tomaram o Partido Social Liberal (PSL), do qual o presidente da República, Jair Bolsonaro, fazia parte na sua eleição em 2018, como inexpressivo, não captando, portanto, a sua guinada recente que o lançou como o segundo partido mais importante em número de bancadas, perdendo para o Partido dos Trabalhadores (PT) por somente uma cadeira.1 1 A distribuição das bancadas pode ser conferida no site da Câmara dos Deputados, disponível em: https://www.camara.leg.br/deputados/bancada-atual . Acesso em: 8 ago. 2019. Em 2021, o PSL se uniu com o Democratas (DEM), formando o União Brasil (União), do qual Bolsonaro se desfiliou, restando sem partido até as proximidades das eleições de 2022, quando se filiou ao Partido Liberal (PL).

De orientação nitidamente conservadora, o PSL da época da eleição de Bolsonaro em 2018 trazia, em seu site, ao autodescrever-se, expressões como “cidadão de bem”, “revogação do Estatuto do desarmamento”, “males provocados pelo comunismo e pelo socialismo”, “combate à censura […] do politicamente correto”, “combate à sexualização precoce das crianças”, “combate à apologia de gênero”, “combate aos privilégios decorrentes de quotas”, “vedação de parcerias, alianças, conjugações e coligações com partidos de esquerda bolivariana” etc.2 2 Disponível em: https://web.archive.org/web/20181101095733/https://www.psl.org.br/pagina/em-que-acreditamos/ . Acesso em: 8 ago. 2019. Trata-se de expressões que, levando-se em consideração somente essa autodescrição, colocam o partido em uma posição bastante à direita no espectro político-ideológico, conforme os critérios aqui apontados.

Voltando aos estudos sobre a distribuição ideológico-partidária do Congresso Nacional, Rodrigues (2002)RODRIGUES, L. M. Partidos, ideologia e composição social. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 17, n. 48, p. 31-47, 2002. vislumbrou três blocos ideológicos no sistema partidário do Brasil, tendo em conta os partidos de maior expressividade no Parlamento até então: a) o bloco da direita, representado pelo Partido do Povo Brasileiro (PPB), que se renomeou Partido Progressista3 3 Aqui, um partido nitidamente conservador se intitula como progressista. Conforme será explicado adiante, a autodescrição dos partidos no Brasil não serve como parâmetro para qualificá-los no campo da guerra cultural. (PP) até 2017, transformando-se em Progressistas (tentando se desvincular da má fama por ter sido o partido mais implicado na operação da Política Federal denominada Lava-Jato ); o Partido da Frente Liberal (PFL), que se transformou em DEM, para depois se associar com o PSL, para formar o União, uma ramificação do Partido Democrático Social (PDS), extinto em 1993, para onde desaguaram os integrantes da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido do regime militar do Brasil; b) o bloco do centro, representado pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), atual Movimento Democrático Brasileiro (MDB), retomando, pois, sua sigla de criação na década de 1980, quando era a única oposição permitida pelo regime militar; e pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB); c) o bloco da esquerda, representado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) e o PT, considerando, como se advertiu supra , somente os mais expressivos.

De modo bastante similar é a classificação de Mainwaring (1999)MAINWARING, S. Rethinking party systems in the third wave of democratization: the case of Brazil. Stanford: Stanford University Press, 1999. , que considera, na esquerda, o PT, o Partido Socialista Brasileiro (PSB) e o Partido Popular Socialista (PPS), atual Cidadania; na centro-esquerda, o PSDB e o PDT; no centro, o PMDB (atual MDB); na centro-direita, o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB); na direita, o PP, atual Progressistas, e o PFL, posteriormente DEM e, em seguida, União.

Essa categorização dos analistas pode ser também observada em pesquisas de opinião pública. Como ressalta Quadros (2015)QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. , os eleitores teriam situado os partidos políticos de forma semelhante à dos analistas, com o PSDB e o PMDB, no centro; o PT, PDT, PSB, PCB e o PCdoB, à esquerda; e o DEM (atual União) e Progressistas, na direita.

Em contrapartida, estudos que se concentram na análise das siglas e dos manifestos constitutivos dos partidos observavam que existia um conservadorismo recalcado no Congresso, ofuscando tendências ideológicas, devido provavelmente ao ranço negativo que o conservadorismo e a direita adquiriram após o período de redemocratização do país ( Quadros, 2015QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ). Haveria, assim, uma espécie de consenso esquerdista, pelo menos até a época desses estudos, nos discursos de autodefinição dos partidos.

Madeira e Tarouco (2013)MADEIRA, R. M.; TAROUCO, G. S. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 45, p. 149-165, 2013. , por exemplo, analisaram diversos manifestos de partidos brasileiros de acordo com critérios de definição de direita e esquerda, conservadorismo e progressismo, parecidos com os explicitados na seção anterior, com base em Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. e Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. . O resultado foi o apresentado no Gráfico 1 .

Gráfico 1
– Posição ideológica dos partidos

Como se vê,4 4 Na versão em preto e branco do gráfico, as cores das linhas não se distinguem, mas é possível perceber, na legenda da parte inferior, as porcentagens referentes a cada partido. há nítida prevalência da doxa e dos valores esquerdistas nos manifestos e nas siglas partidárias, o que sugere uma discrepância entre os valores anunciados e os efetivamente praticados. O exemplo talvez mais extremo seja o do PP, atual Progressistas, que, apesar do nome, representa um dos partidos mais conservadores do Congresso. Essa diferença entre prática e discurso pode ser observada, também, no manifesto do PDS de 1979, antecessor do PP e herdeiro, como se disse, da Arena, partido dos militares:

Nossa proposta é a formação de uma agremiação política que defenda a Reforma e a Transformação. Nossa doutrina é a Democracia Social […]. Entre imobilismo conservador e a pregação revolucionária, de inspiração marxista, o PDS opta pela correção das injustiças atuais. ( Chacon, 1985CHACON, V. História dos partidos brasileiros: discurso e práxis dos seus programas. Brasília, DF: Editora da Universidade de Brasília, 1985. , p. 558)

A correspondência, dessa forma, entre manifesto e atitude no Congresso seria coerente apenas nos partidos de esquerda analisados por Madeira e Tarouco (2013)MADEIRA, R. M.; TAROUCO, G. S. Partidos, programas e o debate sobre esquerda e direita no Brasil. Revista de Sociologia e Política, Curitiba, v. 21, n. 45, p. 149-165, 2013. , o PT e o PDT.

Essa autonegação dos imaginários de direita pode ser percebida também em outras pesquisas cuja metodologia baseia-se na entrevista aos próprios parlamentares. É o caso do trabalho de Zucco Jr., que, em 2009, entrevistou parlamentares, perguntando como, em uma escala de 1 a 10, eles classificariam os próprios partidos e os demais, sendo que a pontuação 1 corresponde à extrema-esquerda e a 10, à extrema-direita. Os resultados de três entrevistas são os que se seguem na Tabela 1 .

Tabela 1
– Posição ideológica dos partidos conforme três deputados federais

Nota-se que o deputado do PT de São Paulo classifica o próprio partido como de extrema-esquerda, mais à esquerda do que todos os demais. Em seguida, no espectro ideológico, coloca o PCdoB, o PCB e o PSB mais próximos ao PT, no entanto menos à esquerda. Curioso observar que o PDT, consensualmente, como se viu, considerado por analistas como de esquerda, ficou em uma posição de centro, com nota 5, talvez por ser o maior adversário político que ameace o PT em sua tentativa de monopólio das aspirações esquerdistas. O PSDB figurou em uma posição de centro-esquerda, com nota 4 (menor que a do PDT) e o PMDB, com nota 6. Já os principais adversários ideológicos do PT, como os então PFL e PDS, são colocados em uma posição de máxima extrema-direita, em uma tentativa de associar algo considerado negativo aos adversários políticos.

Esse aspecto de direita envergonhada fica patente também na classificação do deputado do PFL (atual União), do Mato Grosso do Sul. Trata-se de um dos partidos mais à direita no Congresso Nacional, de acordo com os estudos de analistas mencionados supra . O deputado classifica o PT, o PCdoB e o PCB como de extrema-esquerda, e considera seu partido como de centro, com nota 5, a maior nota de todos os partidos, como se não houvesse direita no Brasil.

Rodrigues (1987)RODRIGUES, L. M. Quem é quem na Constituinte: uma análise sócio-política dos partidos e deputados. São Paulo: Oesp-Maltese, 1987. também procedeu a uma pesquisa semelhante na década de 1980, ainda na ditadura militar, mostrando que esse recalque da direita não é fenômeno recente. Do total de 428 deputados entrevistados, nenhum se declarou de extrema-direita, e apenas 6% se consideraram de centro-direita. Por outro lado, 37% se disseram de centro, 52% de centro-esquerda e 5%, de extrema-esquerda. Ainda que o contexto fosse o dos militares, o sistema, com o presidente Figueiredo, já ensaiava abertura ( Fausto, 2004FAUSTO, B. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 2004. ) e a direita começou a ser associada a abusos, autoritarismos, torturas e expurgos ( Quadros, 2015QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ).

Esse quadro parece começar a mudar a partir das eleições de 2010, quando, pela primeira vez, uma mulher estava à frente nas intenções de voto: Dilma Rousseff. Nesse cenário, ensaiou-se uma ruptura com o consenso de esquerda da forma como se segue.

A EROSÃO DO CONSENSO DE ESQUERDA NO PARLAMENTO BRASILEIRO

Entre as primeiras manifestações de um enfrentamento mais acalorado, no Parlamento brasileiro, ao discurso de esquerda, pode-se citar as de Índio da Costa, candidato a vice-presidente na Chapa de José Serra, do PSDB. Aquele candidato empreendeu críticas severas ao PT, afirmando que o partido teria ligações com a narcoguerrilha das Farc, além de ser simpático a regimes ditatoriais como o de Cuba. Percebe-se aí um prenúncio da guerra cultural que o Brasil experimentará, intensificada depois das grandes manifestações de 2013. Nessas eleições de 2010, temas religiosos e morais monopolizaram o debate no final da disputa.

Assim, agendas e atores que antes não dispunham de notoriedade começavam a ganhar relevância. Temas afeitos ao conservadorismo brasileiro romperam com a predominância anterior de um debate aparentemente desideologizado. De acordo com Oro e Mariano (2010)ORO, A.; MARIANO, R. Eleições 2010: religião e política no Rio Grande do Sul. Debates do NER, Porto Alegre, v. 10, n. 16, p. 9-34, 2010. , agentes ligados ao catolicismo bem como a várias igrejas evangélico-pentecostais começaram a conduzir o debate sobre, por exemplo, a descriminalização do aborto. Dilma Rousseff, que no passado havia se declarado agnóstica e favorável à descriminalização, viu-se confrontada no segundo turno das eleições de 2010 por esses grupos, o que contribuiu para promover mudanças substantivas em seu discurso, assim como no de seu adversário, José Serra. Dilma Rousseff passou a encampar o slogan de “defensora da vida”, convertendo-se, rapidamente, ao cristianismo; e José Serra enfatizava identificar-se como “cristão” e “do bem”, incorporando a agenda religiosa-conservadora abruptamente.

Continuam Oro e Mariano (2010)ORO, A.; MARIANO, R. Eleições 2010: religião e política no Rio Grande do Sul. Debates do NER, Porto Alegre, v. 10, n. 16, p. 9-34, 2010. , a mudança de estratégia discursiva dos candidatos nas eleições de 2010 justifica-se não apenas pela adesão a valores religiosos, mas também pela força da chamada “bancada religiosa” no Congresso Nacional; portanto pode-se dizer que os então candidatos à presidência consideraram o auditório em seus discursos não apenas para ganharem as eleições, mas igualmente para obterem chances de governabilidade após a vitória.

Esses fatores parecem ter sido importantes, mas foi a pressão do eleitorado, de movimentos civis e de entidades religiosas que mais enquadrou o debate, pois até mesmo partidos com forte presença de integrantes da bancada religiosa, como o Partido da República (PR), o Partido Republicano Brasileiro (PRB) e o Partido Social Cristão (PSC) faziam parte da coligação da vitória de Dilma Rousseff nas eleições.

Em 2014, foram para o segundo turno os mesmos partidos das eleições de 2010, o PT, com Dilma Rousseff, e o PSDB, agora com Aécio Neves. Este último recrudesceu a retórica antipetista, mas não entrou em temas da moralidade caros aos setores conservadores da sociedade, com exceção da proposta de redução da maioridade penal. Mesmo assim, Aécio recuou e decidiu não mais encampar a causa, uma exigência de Marina Silva, terceira mais bem votada no primeiro turno, como condição para que ela o apoiasse no segundo turno ( Mattos, 2014MATTOS, M. Da maioridade penal ao meio ambiente: a lista de exigências de Marina para Aécio. Veja, São Paulo, 9 out. 2014. Disponível em: https://veja.abril.com.br/politica/da-maioridade-penal-ao-meio-ambiente-a-lista-de-exigencias-de-marina-para-aecio/. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://veja.abril.com.br/politica/da-ma...
).

O candidato que nas eleições de 2014 levantou a bandeira do conservadorismo foi Levi Fidelix, do Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB). Um episódio emblemático se deu durante o debate promovido pela Rede Record , na reta final do primeiro turno. Perguntado sobre sua posição sobre a homossexualidade, o candidato afirmou, entre outras coisas, que “aparelho excretor não reproduz” e conclamou a população a se insurgir contra os homossexuais: “nós somos a maioria; vamos enfrentar essa minoria” ( apud Dantas; Motta, 2014DANTAS, T.; MOTTA, D. Levy Fidelix ofende gays em debate e causa revolta nas redes sociais. O Globo, Rio de Janeiro, 29 set. 2014. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/levy-fidelix-ofende-gays-em-debate-causa-revolta-nas-redes-sociais-14076995. Acesso em: 16 nov. 2019.
https://oglobo.globo.com/brasil/levy-fid...
).

A postura de Fidelix rendeu-lhe uma popularidade que até então era inédita para os seus padrões. Sua votação aumentou em mais de sete vezes em relação a 2010, passando de 59.960 a 446.878 votos ( Mendes, 2014MENDES, P. Levy Fidelix anuncia apoio a Aécio Neves no segundo turno. G1, Brasília, 15 out. 2014. Disponível em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/10/levy-fidelix-anuncia-apoio-aecio-neves-no-segundo-turno.html. Acesso em: 17 nov. 2019.
http://g1.globo.com/politica/eleicoes/20...
). Essa talvez tenha sido uma das senhas, juntamente com os atos de 2013, para que os conservadores do Congresso Nacional começassem a professar suas ideologias sem recalques, ou então as mudassem, tendo em vista o aspecto conservador do eleitorado que então emergia e ganhava visibilidade, amplificado pelas redes sociais.

Soma-se a isso o fato de o Congresso Nacional ter assumido uma configuração nitidamente mais à direita. Como as eleições para presidente no Brasil se dão juntamente com o pleito para o Legislativo, o que se observou, em 2014, foi uma espécie de colonização do conservadorismo no Parlamento ( Queiroz, 2014QUEIROZ, A. A. O Congresso mais conservador desde a redemocratização. Le Monde Diplomatique Brasil, São Paulo, 5 nov. 2014. Disponível em: https://diplomatique.org.br/o-congresso-mais-conservador-desde-a-redemocratizacao/. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://diplomatique.org.br/o-congresso-...
). De acordo com Sakamoto (2014)SAKAMOTO, L. O Congresso não ficou pior. Apenas está mais parecido com o Brasil. Blog do Sakamoto, São Paulo, 8 out. 2014. Disponível em: http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com.br/2014/10/08/o-congresso-nao-ficou-pior-apenas-esta-mais-parecido-com-o-brasil/. Acesso em: 20 mai. 2019.
http://blogdosakamoto.blogosfera.uol.com...
, o Congresso Nacional teria sido, até as eleições de 2014, empurrado pelos movimentos sociais e organizações da sociedade civil mais progressistas, provocando um descompasso entre o Parlamento e o que o autor chama de “Brasil real”. Com as eleições de 2014, o Congresso teria se tornado mais parecido com sua população.

Segundo Quadros (2015)QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. , diante de alguns avanços sociais, sobretudo promovidos por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF), como o reconhecimento de união estável entre pessoas do mesmo sexo ou a autorização para o uso de células-tronco em pesquisas, o conservadorismo teria inventado uma resistência articulada e sistemática às mudanças, recorrendo, por exemplo, às bancadas parlamentares como a religiosa e da bala. Esse foi o caso do expressivo aumento da bancada evangélica, principalmente na Câmara dos Deputados, como se pode observar no Gráfico 2 .5 5 A tendência ao aumento da bancada evangélica se confirmou depois das eleições de 2018, período não contemplado pelo gráfico, aumentando de 73 para 84 o número de cadeiras na Câmara dos Deputados. Disponível em: https://gauchazh.clicrbs.com.br/porto-alegre/noticia/2014/08/Politica-da-salvacao-novas-estrategias-e-mudanca-de-perfil-marcam-o-avanco-dos-evangelicos-4571017.html . Acesso em: 9 ago. 2019.

Gráfico 2
– Evolução da bancada evangélica

Embora não se possa afirmar que, necessariamente, o aumento do número de deputados que compõe a bancada evangélica signifique que todos agiriam em uníssono em favor de interesses conservadores, o fato é que o número de deputados com esse perfil religioso aumentou consideravelmente. Um deputado que compõe essa base, Eduardo Cunha, do PMDB-RJ, pertencente à Assembleia de Deus, conquistou, inclusive, a presidência da Câmara dos Deputados. Condutor do impeachment de Dilma Rousseff, Cunha encontrou-se preso na época das eleições de 2018 em decorrência de condenação por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas.6 6 Sentença disponível em: http://estaticog1.globo.com/2017/03/30/sentenca_cunha.pdf . Acesso em: 9 ago. 2019.

De acordo com Oro (2003)ORO, A. A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 53, p. 54-69, 2003. , uma tática dos congressistas religiosos que tem se mostrado sofisticada é espalharem-se por diversos partidos. Assim, em primeiro lugar, não correm o risco de terem a imagem comprometida por algum ato de corrupção que afete algum partido, como aconteceu com o mensalão no PT. Além do mais, distribuindo-se deputados entre diferentes partidos, é possível conquistar maior poder de barganha política, já que os interesses da Igreja podem se sobrepor aos dos partidos ( Oro, 2003ORO, A. A política da Igreja Universal e seus reflexos nos campos religioso e político brasileiros. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 18, n. 53, p. 54-69, 2003. ).

Há autores, em contrapartida, que contestam a ideia de uma suposta coesão da bancada evangélica. É o caso de Gonçalves (2011)GONÇALVES, R. Bancada evangélica? Uma análise do discurso parlamentar evangélico durante a 52ª Legislatura da Câmara Federal. 2011. 218 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais) – Universidade Federal de Pelotas, Pelotas, 2011. , que sugere até mesmo não existir essa bancada que oriente os parlamentares a votarem em bloco, argumentando que há inúmeros fatores que fazem com que não exista um projeto unívoco de ação dos evangélicos. Um deles seria a existência de diferentes doutrinas da Igreja, bem como a diversidade de partidos e de regiões que os parlamentares representam.

Em todo caso, os indícios de que várias ações da bancada religiosa são concordantes são muitos, pelo menos no que diz respeito aos temas que lhe são mais afeitos, como os relacionados aos costumes, notadamente aos valores da chamada “família cristã” (Baptista, 2009). De fato, como ressalta Campos (2003)CAMPOS, L. Evangélicos nas eleições de 2002: os avanços da Igreja Universal do Reino de Deus. Cadernos Adenauer, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 83-100, 2003. , foram criadas várias frentes parlamentares no interior da Câmara dos Deputados nesse sentido. Exemplos são a Frente Parlamentar Evangélica (FPE), a Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, a Frente Parlamentar Mista da Família e Apoio à Vida e a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana.

O número de deputados que compõe essas bancadas não é desprezível. A bancada evangélica se constituía, na época do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, de 75 deputados federais e, depois das eleições de 2018, 85 ( Damé, 2018DAMÉ, L. Em crescimento, bancada evangélica terá 91 parlamentares no Congresso. Agência Brasil, Brasília, DF, 18 out. 2018. Disponível em: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2018-10/em-crescimento-bancada-evangelica-tera-91-parlamentares-no-congresso. Acesso: 15 nov. 2019.
http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica...
). Observando-se o documento de constituição da referida frente parlamentar, vê-se que foram aprovadas, em 2 de abril de 2019, 195 assinaturas de deputados confirmadas, mais oito senadores.7 7 Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/Frente_Parlamentar/54010-integra.pdf . Acesso em: 10 ago. 2019. No caso da Frente Parlamentar Católica, na época do impeachment, contabilizavam-se 209 deputados e, segundo o documento de constituição de 16 de maio de 2019, existiam 204 assinaturas confirmadas de deputados, mais oito senadores.8 8 Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/Frente_Parlamentar/54077-integra.pdf . Acesso em: 10 ago. 2019. Considerando que o número total de deputados na Câmara é de 513, a bancada evangélica dispunha, durante o impeachment, de cerca de 17% dos deputados, e a bancada católica próximo de 41%. Na formação atual, sob o governo Bolsonaro, com dados de 2019, a frente evangélica representa em torno de 38% dos deputados (um crescimento de 223% de uma legislatura a outra), e a frente católica, 40%. Na composição da Câmara durante o governo de Dilma Rousseff, o aumento da bancada evangélica, em relação ao exercício anterior, foi de quase 50% ( Salomon, 2010SALOMON, M. Bancada evangélica na Câmara cresce quase 50%. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 out. 2010. Disponível em: https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,bancada-evangelica-na-camara-cresce-quase-50-imp-,622221. Acesso em: 18 nov. 2019.
https://brasil.estadao.com.br/noticias/g...
).

Como observou Eduardo Cunha (2015)CUNHA, E. Para Eduardo Cunha, “a maioria da sociedade brasileira é conservadora”. Frente Parlamentar Evangélica. 5 mar. 2015. , um representante da bancada evangélica e então presidente da Câmara dos Deputados no impeachment de Dilma Rousseff, a bancada evangélica tinha procurado se unir à católica, uma aliança até então historicamente impensável, em defesa de um forte tradicionalismo moral, contra as pautas dos movimentos feministas e LGBT, como direito ao aborto e ao casamento igualitário. O referido deputado explica que o Congresso só estaria se tornando mais conservador porque a sociedade é conservadora. A diferença é que agora a maioria estaria sendo exercida.

Um episódio emblemático de pressão da bancada religiosa foi o relacionado ao pejorativamente chamado “Kit Gay”. O projeto, formulado pelo governo Dilma Rousseff, em 2011, denominado Escola sem Homofobia , tinha o objetivo de promover os Direitos Humanos dos homossexuais no âmbito escolar ( Soares, 2015SOARES, W. Conheça o “kit gay” vetado pelo governo federal em 2011. Nova Escola, São Paulo, 1 fev. 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011. Acesso em: 18 fev. 2019.
https://novaescola.org.br/conteudo/84/co...
). Tratava-se de uma parceria entre o Ministério da Educação, então sob o comando de Fernando Haddad, e algumas organizações não-governamentais do Brasil e do exterior.

Elaborou-se, na ocasião, uma cartilha9 9 Disponível em: http://bit.ly/2yOSTlJ . Acesso em: 10 ago. 2019. com vocabulário militante e simpático às bandeiras dos homossexuais, assim como alguns vídeos com orientações para professores, entre outros materiais. Um vídeo, intitulado “Probabilidade”, abordava a bissexualidade. Leonardo, o protagonista, descobre-se atraído por Rafael ao se fixar em uma nova cidade. Aquele havia mantido relações heterossexuais anteriormente e, por isso, no início, ficou confuso; em seguida, contudo, descobriu que estava em vantagem, pois, atraído por ambos os sexos, tinha mais chances de encontrar o seu par ( Soares, 2015SOARES, W. Conheça o “kit gay” vetado pelo governo federal em 2011. Nova Escola, São Paulo, 1 fev. 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011. Acesso em: 18 fev. 2019.
https://novaescola.org.br/conteudo/84/co...
).

Outro vídeo, “Torpedo”, mostrava duas mulheres que apresentavam dificuldade de aceitação social no colégio devido à relação amorosa que alimentavam: as duas decidem então se declarar namoradas em pleno saguão da escola, uma forma de mostrar como enfrentar o preconceito, assumindo sua própria natureza ( Soares, 2015SOARES, W. Conheça o “kit gay” vetado pelo governo federal em 2011. Nova Escola, São Paulo, 1 fev. 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011. Acesso em: 18 fev. 2019.
https://novaescola.org.br/conteudo/84/co...
).

Já o vídeo “Encontrando Bianca” retratava um menino que se sentia na pele de uma mulher. Estigmatizado e constrangido, o personagem demonstra sofrimento ao ser impedido de usar o banheiro feminino e ao não ser chamado de Bianca pelos professores, como gostaria ( Soares, 2015SOARES, W. Conheça o “kit gay” vetado pelo governo federal em 2011. Nova Escola, São Paulo, 1 fev. 2015. Disponível em: https://novaescola.org.br/conteudo/84/conheca-o-kit-gay-vetado-pelo-governo-federal-em-2011. Acesso em: 18 fev. 2019.
https://novaescola.org.br/conteudo/84/co...
).

A articulação da bancada evangélica não tardou. Os evangélicos promoveram uma verdadeira guerra contra o denominado “Kit Gay”, mobilizando a militância em protestos, dentre os quais a “Marcha para Jesus” ( Krakovics, 2012KRAKOVICS, F. Outra vez, aborto e união gay na pauta eleitoral. O Globo, Rio de Janeiro, 21 jul. 2012. Disponível em: https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes-2012/outra-vez-aborto-uniao-gay-na-pauta-eleitoral-5549617. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://oglobo.globo.com/brasil/eleicoes...
).

No Congresso Nacional, para pressionar o Executivo, os deputados evangélicos ameaçaram não votar pauta alguma até que o material educativo fosse recolhido. Além do mais, em se sabendo que o então ministro da Casa Civil, Antônio Palocci, era investigado por ocasião de um aumento considerável em seu patrimônio, os deputados da bancada evangélica usaram o fato para pressionar Dilma Rousseff, convocando o ministro para prestar esclarecimentos na Câmara dos Deputados. Essa manobra política foi, posteriormente, admitida pelo líder da bancada, o deputado João Campos de Araújo ( Chagas, 2012CHAGAS, A. Deputado. Opção sexual é assunto da vida privada, não da escola. Terra. 23 mai. 2012. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/deputado-opcao-sexual-e-assunto-da-vida-privada-nao-daescola,2d6a42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em: 15 nov. 2019.
http://noticias.terra.com.br/educacao/de...
).

José Serra, ex-candidato à presidência, perdendo no segundo turno para Dilma Rousseff após ter promovido uma guinada conservadora em sua campanha, como visto, igualmente condenou o material de combate à homofobia. Nas palavras do ex-candidato:

[O Kit Gay ] tem erro incrível, inclusive de matemática, quando no fundo faz apologia do bissexualismo. Diz que é bom ser bissexual porque aumenta em 50% a chance de ter programa no fim de semana. Não é 50%, é 100%. Segundo, isso não é combater homofobia, é uma espécie de doutrina. O problema do “kit gay” é, acima de tudo, pedagógico. Quer doutrinar em vez de educar. (Serra, 2012, apud Kit…, 2012KIT gay quer doutrinar em vez de educar, diz Serra. Carta Capital, São Paulo, 14 out. 2012. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/politica/kit-gay-quer-doutrinar-em-vez-de-educar-diz-serra. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://www.cartacapital.com.br/politica...
, §2.)

Segundo Fernando Haddad, então ministro da Educação, o programa Escola Sem Homofobia teria sofrido críticas desde sua concepção. Materiais que seriam destinados a caminhoneiros e profissionais do sexo foram apresentados por deputados, como Jair Bolsonaro, como sendo o referido “Kit Gay”. Na verdade, a cartilha teria sido fruto de trabalho colaborativo com parlamentares progressistas, bem como com ONGs, e ainda não tinha sido aprovado pelo Ministério da Educação no momento da polêmica ( Chagas, 2012CHAGAS, A. Deputado. Opção sexual é assunto da vida privada, não da escola. Terra. 23 mai. 2012. Disponível em: http://noticias.terra.com.br/educacao/deputado-opcao-sexual-e-assunto-da-vida-privada-nao-daescola,2d6a42ba7d2da310VgnCLD200000bbcceb0aRCRD.html. Acesso em: 15 nov. 2019.
http://noticias.terra.com.br/educacao/de...
).

Na mesma época, ocorreu outro debate em torno desse tema por ocasião de um livro francês chamado Aparelho Sexual e Cia . O então deputado Jair Bolsonaro foi a programas de televisão, inclusive ao Jornal Nacional , em horário nobre, para afirmar que o título estaria sendo distribuído pelo Ministério da Educação, como parte do projeto Escola Sem Homofobia ; e a editora Companhia das Letras negou que o livro tivesse sido comprado pelo MEC e feito parte do referido projeto educativo. O que aconteceu foi que o Ministério da Cultura tinha comprado apenas 28 exemplares, em 2011, para distribuir em bibliotecas públicas ( Livro…, 2018LIVRO exibido por Bolsonaro no Jornal Nacional não foi comprado pelo MEC. UOL, São Paulo, 30 ago. 2018. Disponível em: https://noticias.uol.com.br/comprova/ultimas-noticias/2018/08/30/livro-exibido-por-bolsonaro-no-jornal-nacional-nao-foi-comprado-pelo-mec.htm. Acesso em: 17 nov. 2019.
https://noticias.uol.com.br/comprova/ult...
).

Em 2018, cerca de sete anos depois, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sentenciou no sentido de confirmar que o material não estava, de fato, associado ao MEC, e tampouco fez parte do Programa Brasil sem Homofobia , porque, por pressões parlamentares, Dilma Rousseff foi obrigada a recuar. Já que a polêmica foi muito explorada por Jair Bolsonaro e seus filhos Carlos, Flávio e Eduardo Bolsonaro, o Tribunal determinou a remoção de vídeos dos candidatos em que associavam o livro ao MEC e a Fernando Haddad. O ministro do TSE, Carlos Horbach, argumentou sua decisão com as seguintes palavras:

Nesse quadro, entendem comprovada a difusão de fato sabidamente inverídico, pelo candidato representado e por seus apoiadores, em diversas postagens efetuadas em redes sociais, requerendo liminarmente a remoção de conteúdo. Assim, a difusão da informação equivocada de que o livro em questão teria sido distribuído pelo MEC […] gera desinformação no período eleitoral, com prejuízo ao debate político. (Horbach, 2018, apud TSE diz…, 2018TSE DIZ que “Kit gay” não existiu e proíbe Bolsonaro de disseminar notícia falsa. Congresso em Foco, Brasília, DF, 16 out. 2018. Disponível em: https://congressoemfoco.uol.com.br/eleicoes/tse-diz-que-kit-gay-nao-existiu-e-proibe-bolsonaro-de-disseminar-noticia-falsa/. Acesso em: 18 nov. 2019.
https://congressoemfoco.uol.com.br/eleic...
, §3)

Outro tema que exemplifica a ação em uníssono de deputados ligados a bancadas religiosas é o referente à descriminalização do aborto. De acordo com Quadros (2015)QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. , de 2000 a 2015 (ano anterior à votação do impeachment , mas quando já pululavam pedidos de afastamento de Dilma Rousseff na Câmara), foram protocolados 78 projetos de lei, emendas constitucionais, decretos legislativos ou outros requerimentos que objetivavam coibir o aborto, restringindo ainda mais as leis vigentes. Todas as iniciativas teriam partido de bancadas religiosas.

No Brasil, a regra geral é que o aborto seja considerado crime, exceto se houver risco de vida para gestante, se a gravidez for decorrente de estupro (art. 128, CP),10 10 Código Penal. Decreto-Lei 2.848/1940. ou se o feto for anencefálico (ADPF 54).11 11 Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Houve projetos na Câmara que, por exemplo, visavam a aumentar a pena para gestantes, bem como para aqueles que as auxiliassem, como o PL 3207/2008 de Miguel Maritini, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS), de Minas Gerais. Eduardo Cunha (como se afirmou, o ex-presidente da Câmara condenado por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas) do PMDB/RJ, por sua vez, procurou tornar o aborto crime hediondo, por meio do PL 7443/2006. Pode-se citar também o PL 5058/2005, de Osmânio Pereira, do PTB/MG, que propunha a obrigatoriedade de registro público de gravidez, na tentativa de reduzir prática ilícita de aborto ( Quadros, 2015QUADROS, M. P. R. O conservadorismo à brasileira: sociedade e elites políticas na contemporaneidade. 2015. 273 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. ).

Finalmente, fora dos círculos religiosos, o conservadorismo no Congresso Nacional, rompendo com o consenso de esquerda, pode ser entendido, por exemplo, no âmbito da chamada bancada da bala, da qual fazia parte Jair Bolsonaro. De viés laico, os deputados pertencentes a esse grupo costumam prezar pelas instituições tradicionais e pela hierarquia, bem como por rígida punição para criminosos.

Um caso emblemático é o da Frente Parlamentar para a Segurança Pública, que contava, na legislatura do período do impeachment de Dilma Rousseff, com 287 deputados (56% de toda a Câmara), e, em 2019, com 299 (58%).12 12 Disponível em: https://www.camara.leg.br/internet/deputado/frenteDetalhe.asp?id=53460 . Acesso em: 12 ago. 2019. Suas principais reivindicações são o abrandamento das restrições ao porte de arma, modificando o Estatuto do Desarmamento; o fim das penas alternativas; modificação do Estatuto da Criança e do Adolescente, por exemplo, reduzindo a maioridade penal etc. ( DIAP, 2014DIAP – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso – Legislatura 2015-2019. Brasília, DF: Estudos Políticos do Diap, 2014. Disponível em: https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/finish/41-radiografia-do-novo-congresso/2883-radiografia-do-novo-congresso-legislatura-2015-2019-dezembro-de-2014. Acesso em: 12 ago. 2019.
https://www.diap.org.br/index.php/public...
).

Assim como acontece com os pastores e padres, que saem de seus cultos ou missas, o núcleo duro da bancada da bala, cerca de 21 deputados ( DIAP, 2014DIAP – DEPARTAMENTO INTERSINDICAL DE ASSESSORIA PARLAMENTAR. Radiografia do Novo Congresso – Legislatura 2015-2019. Brasília, DF: Estudos Políticos do Diap, 2014. Disponível em: https://www.diap.org.br/index.php/publicacoes/finish/41-radiografia-do-novo-congresso/2883-radiografia-do-novo-congresso-legislatura-2015-2019-dezembro-de-2014. Acesso em: 12 ago. 2019.
https://www.diap.org.br/index.php/public...
), é formado por policiais ou militares que saem da caserna para colonizar o Congresso, adotando também um modus operandi de grupo de pressão ( Gomes, 2014GOMES, O. Número de ex-policiais eleitos deputados aumenta 25%. Terra. 7 out. 2014. ).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Viu-se que estudos sobre a distribuição partidária no Parlamento brasileiro adotam, em geral, os mesmos critérios propostos por pensadores como Bobbio (2011)BOBBIO, N. Direita e esquerda: razões e significados de uma distinção política. São Paulo: Editora Unesp, 2011. e Charaudeau (2016)CHARAUDEAU, P. Du discours politique au discours populiste. Le populisme est-il de droite ou de gauche? In: CORCUERA, F. et al. (org.). Les discours politiques. Regards croisés. Paris: L’Harmattan, 2016. p. 32-43. de distinção entre os dois lados da guerra cultural.

Na visão de ambos os autores, a díade esquerda-direita ainda é relevante para tratar do discurso político, mesmo depois da queda do Muro de Berlim e do final da Guerra Fria. A despeito de o discurso de esquerda e o de direita poderem apresentar variações no tempo e no espaço, existiriam certas constantes universais, fazendo com que a ideia mais compartilhada no discurso de esquerda seja a da igualdade, e a da direita, do mérito. Isso pode ser verificável até mesmo nos discursos extremistas.

Observou-se também que as pesquisas sobre a distribuição ideológica no Parlamento brasileiro apontaram para a existência de um conservadorismo recalcado no Congresso, ofuscando tendências ideológicas, devido provavelmente ao ranço negativo que o conservadorismo e a direita adquiriram após o período de redemocratização do país.

Esse quadro consensual parece começar a ruir a partir das eleições de 2010, quando, pela primeira vez, uma mulher, Dilma Rousseff, estava prestes a vencer as eleições, ao que se seguiram as grandes manifestações de 2013 e a eleição, em 2018, do candidato de extrema direita Jair Bolsonaro.

Com efeito, agendas e atores que antes não dispunham de notoriedade cresciam em relevância. Temas afeitos ao conservadorismo brasileiro romperam com a predominância anterior de um debate aparentemente desideologizado. Diante de alguns avanços sociais, como o reconhecimento da união estável entre pessoas do mesmo sexo, ou a autorização para o uso de células-tronco em pesquisas, alguns grupos conservadores teriam promovido uma resistência articulada e sistemática às mudanças, recorrendo, por exemplo, às bancadas parlamentares, notadamente religiosa e da bala.

REFERÊNCIAS

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    13 Fev 2020
  • Aceito
    23 Nov 2022
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