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Distribuição de óbitos devido ao câncer do colo do útero nos municípios de extrema pobreza, Brasil, 2000 a 2018

Distribution of deaths due to cervical cancer in extreme poverty municipalities, Brazil, from 2000 to 2018

Resumo

Introdução:

O câncer do colo uterino (CCU) permanece uma importante causa de morte nas regiões mais pobres do mundo.

Objetivo:

Analisar tendências da distribuição relativa de óbitos por CCU ocorridos nos municípios de extrema pobreza (EP) do Brasil, de 2000 a 2018.

Método:

A distribuição relativa de óbitos por CCU nos municípios de EP foi avaliada em relação ao total de óbitos observados em cada Unidade Federativa (UF). Uma modelagem autorregressiva foi usada para avaliar as tendências temporais da distribuição relativa de óbitos de 2000 a 2018.

Resultados:

De 2000 a 2018, houve 94.065 óbitos por CCU no Brasil, e 10,7% deles ocorreram nos municípios de EP. Seis estados (Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins e Mato Grosso do Sul) tiveram 100% dos seus municípios de EP reportando a ocorrência desses óbitos. As tendências na distribuição de óbitos nos municípios de EP em relação ao total de óbitos de cada UF seguiram em elevação em onze estados brasileiros.

Conclusões:

O CCU é doença prioritária das políticas públicas do Brasil, e as tendências desses óbitos observadas nos municípios mais pobres apontam que mais atenção deve ser dada a estas unidades de análise, a fim de melhorar a saúde das pessoas mais pobres.

Palavras-chave:
neoplasias do colo do útero; taxas, razões e proporções; morte; pobreza; estudos de séries temporais

Abstract

Background:

Cervical cancer (CC) remains a major cause of death in the poorest regions of the world.

Objective:

To analyze trends in relative distribution of CC deaths occurred in extreme poverty municipalities, Brazil, from 2000 to 2018.

Method:

The relative distribution of CC deaths occurred in extreme poverty municipalities was evaluated in relation to total number of CC deaths observed in each Federative Unit (FU). An autoregressive modeling was used to assess the temporal trends in the death distribution, 2000-2018.

Results:

From 2000 to 2018, there were 94,065 CC deaths, and 10.7% of them were recorded in extreme poverty municipalities. There were six states (Amazonas, Roraima, Pará, Amapá, Tocantins, and Mato Grosso do Sul) with 100.0% of extreme poverty municipalities reporting the occurrence of these deaths. The trends of death distribution in extreme poverty municipalities in relation to the total of deaths in each FU followed in increasing trends in eleven Brazilian FU.

Conclusions:

CC is a disease prioritized by public policies in Brazil, and the trends of these deaths observed in the poorest municipalities point out that more attention should be given to these units of analysis, in order to improve the health of the poorest people.

Keywords:
uterine cervical neoplasms; rates, ratios and proportions; death; poverty; time series studies

INTRODUÇÃO

O câncer do colo do útero (CCU) contabilizou mais de 570 mil casos novos e provocou 311 mil óbitos no mundo em 201811 Arbyn M, Weiderpass E, Bruni L, de Sanjosé S, Saraiya M, Ferlay J, et al. Estimates of incidence and mortality of cervical cancer in 2018: a worldwide analysis. Lancet Glob Health. 2020;8(2):e191-e203. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(19)30482-6
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. No ranking global, a doença ocupa o quarto lugar tanto em incidência quanto em mortalidade. Contudo, a distribuição desproporcional desse câncer reflete em uma magnitude de taxas médias de mortalidade quase três vezes maior (12,0 por 100.000) nos países com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) baixo ou médio, comparados com aqueles de alto ou muito alto IDH (4,1 por 100.000). Nos cenários menos desenvolvidos, a magnitude de casos novos e óbitos é superada apenas pelo câncer de mama, sendo ainda a principal causa de morte em 42 países22 Bray F, Ferlay J, Soerjomatarm I, Siegel RL, Torre LA, Jemal A. Global cancer statistics 2018: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2018;68(6):394-424. https://doi.org/10.3322/caac.21492
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.

Nas Américas, a grande diferença na magnitude das taxas de incidência e de mortalidade observada entre os países também tem sido atribuída às variações nos determinantes de saúde, principalmente a situação socioeconômica33 Organización Panamericana de la Salud. Organización Mundial de la Salud. 56° Consejo Directivo – CD56/9. 70a sesión del Comité Regional de la OMS para las Américas. Proyecto de Resolución. Plan de acción sobre la prevención y el control del câncer cervicouterino 2018-2030 [Internet]. Washington, D.C.: Organización Panamericana de la Salud; 2018 [acessado em 15 ago. 2020]. Disponível em: https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&view=download&category_slug=56-directing-council-spanish-9965&alias=45802-cd56-9-s-pda-cancer-cervicouterino-802&Itemid=270⟨=en
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. A localidade de residência é expressão do nível socioeconômico, e os lugares menos favorecidos obrigam as pessoas a enfrentar mais desvantagens, permanecer na situação de privação de necessidades básicas ou compelidas ao aprofundamento do nível de pobreza44 Palacio-Mejia LS, Rangel-Gómez G, Hernández-Avila M, Lazcano-Ponce E. Cervical Cancer, a disease of poverty: mortality differences between urban and rural areas in Mexico. Salud Publica Mex. 2003;45(Supl. 3):S315-25. https://doi.org/10.1590/s0036-36342003000900005
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. Em estudo conduzido na Colômbia, a região de residência foi um preditor de morte prematura por CCU55 Bermedo-Carrasco S, Waldner CL. The role of socio-demographic factors in premature cervical cancer mortality in Colombia. BMC Public Health. 2016;16:981. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3645-1
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. Os autores associaram os resultados às condições de vida inadequadas, à falta de acesso aos serviços preventivos primários e secundários e à distribuição desigual de provedores de cuidados de saúde em geral.

Transitando no espaço de desigualdades, o câncer do colo do útero não demanda atenção suficiente para ascender à lista de prioridades em saúde66 Knaul FM, Rodriguez NM, Arreola-Ornelas H, Olson JR. Cervical cancer: lessons learned from neglected tropical diseases. Lancet Glob Health. 2019;7(3):e299-e300. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30533-3
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. A negligência decorre, sobretudo, do fato de a doença afetar pessoas que vivem em situação de pobreza, que experimentam discriminação e não são alvo importante para iniciativas de gestão e de planejamento em saúde66 Knaul FM, Rodriguez NM, Arreola-Ornelas H, Olson JR. Cervical cancer: lessons learned from neglected tropical diseases. Lancet Glob Health. 2019;7(3):e299-e300. https://doi.org/10.1016/S2214-109X(18)30533-3
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.

Apesar dessas questões perdurarem há décadas, a falta de espaço nas agendas de saúde parece ter sido recentemente interrompida, uma vez que o câncer do colo do útero ganhou status que visa sua eliminação da lista de problemas de saúde pública, tornando-se objeto de compromisso global77 World Health Organization. Executive Board. 144th session. Accelerating cervical cancer elimination. EB144/28 [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [acessado em 15 ago. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB144/B144_28-en.pdf
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e regional33 Organización Panamericana de la Salud. Organización Mundial de la Salud. 56° Consejo Directivo – CD56/9. 70a sesión del Comité Regional de la OMS para las Américas. Proyecto de Resolución. Plan de acción sobre la prevención y el control del câncer cervicouterino 2018-2030 [Internet]. Washington, D.C.: Organización Panamericana de la Salud; 2018 [acessado em 15 ago. 2020]. Disponível em: https://www.paho.org/hq/index.php?option=com_docman&view=download&category_slug=56-directing-council-spanish-9965&alias=45802-cd56-9-s-pda-cancer-cervicouterino-802&Itemid=270⟨=en
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Nesse cenário de doença sistematicamente associada às condições socioeconômicas desfavoráveis88 Herrero R. Eliminación del câncer de cérvix em América Latina. Editorial. Salud Publica Mex. 2018;60(6):621-23. https://doi.org/10.21149/10170
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, pouco é sabido sobre os óbitos atribuídos a essa neoplasia nos municípios de extrema pobreza do Brasil. Estão nessa condição os munícipios que têm sido prioritários para políticas públicas99 Brasil. Portaria Interministerial n° 1.369, de 8 de julho de 2013. Dispõe sobre a implementação do Programa Mais Médicos para o Brasil. Diário Oficial da União [Internet]. 2013 [acessado em 13 dez. 2023];Seção 1:49-52. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2013/pri1369_08_07_2013.html
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, por agregarem população em situação de vulnerabilidade, com pelo menos 20% do contingente populacional vivendo em extrema pobreza1010 Oliveira JPA, Sanchez MN, Santos LMP. O Programa Mais Médicos: provimento de médicos em municípios brasileiros prioritários entre 2013 e 2014. Ciên Saúde Colet. 2016;21(9):2716-27. https://doi.org/10.1590/1413-81232015219.17702016
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, ou seja, recebendo rendimento médio domiciliar per capita mensal de até ¼ de salário mínimo1111 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Nota Técnica – proporção de Pessoas com baixa renda [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 20 de abril de 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/pobrezauf.def
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.

Considerando a grande heterogeneidade imposta pela dimensão territorial do Brasil e as barreiras de acesso a serviços de saúde de qualidade enfrentadas por pessoas que vivem em localidades economicamente mais pobres, este estudo teve como objetivo analisar, por meio de séries temporais, a tendência da distribuição relativa de óbitos por câncer do colo do útero ocorridos em municípios de extrema pobreza do Brasil, de 2000 a 2018.

MÉTODOS

Este é um estudo ecológico desenvolvido com informações disponibilizadas pelo Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde1111 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Nota Técnica – proporção de Pessoas com baixa renda [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 20 de abril de 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/pobrezauf.def
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, o qual pretendeu contribuir para a ampliação do conhecimento sobre a distribuição de óbitos por CCU em mulheres residentes nos municípios de extrema pobreza no Brasil.

Para este estudo, a plataforma TABNET, do DATASUS, foi consultada, selecionando-se a opção que estratifica os municípios brasileiros como de extrema pobreza ‘sim’ ou ‘não’.

Do ano 2000 (n=5.507 municípios) a 2018 (n=5.569 municípios), houve um acréscimo de 62 municípios no Brasil, os quais foram instalados em 2001 (53 municípios), 2005 (4 municípios), 2009 (1 município) e 2013 (4 municípios)1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas. População. Cidades e Estados [Internet]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 20 de janeiro de 2020]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html?view=municipio
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. Dos novos municípios, apenas cinco (instalados em 2001) estão classificados como de extrema pobreza, pertencendo aos estados do Rio Grande do Sul (3 municípios) e Mato Grosso (2 municípios). Além do Distrito Federal, a composição territorial do Brasil abrange, na atualidade, 5569 municípios, com 28,4% (n=1.582) deles na categoria de extrema pobreza1111 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Nota Técnica – proporção de Pessoas com baixa renda [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 20 de abril de 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/pobrezauf.def
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.

Fonte e coleta de dados

Para obter as informações sobre os óbitos, o endereço eletrônico http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php foi consultado, seguindo os passos: Informações de Saúde, Estatísticas Vitais, Mortalidade - 1996 a 2018, pela CID-10, Mortalidade Geral, Abrangência Geográfica: Brasil por Municípios (óbitos por município) ou Brasil por Região e Unidade da Federação (óbitos por Unidade da Federação)1111 Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (DATASUS). Nota Técnica – proporção de Pessoas com baixa renda [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 20 de abril de 2020]. Disponível em: http://tabnet.datasus.gov.br/cgi/tabcgi.exe?ibge/censo/cnv/pobrezauf.def
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. A causa básica de morte considerada foi apenas a codificada como C53 (neoplasia maligna do colo do útero), segundo a Décima Revisão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Agravos Relacionados à Saúde (CID 10), abrangendo a faixa etária de 15 a 80 anos e mais.

Proporção de óbitos por câncer do colo do útero em municípios de extrema pobreza

Considerando o somatório de óbitos por CCU de pessoas residentes ocorridos nos municípios de extrema pobreza de cada Unidade Federativa e o total de óbitos pela doença na mesma Unidade Federativa, na faixa etária de 15 a 80 anos e mais, a proporção de óbitos foi calculada para cada ano de estudo (2000 a 2018).

Características dos municípios de extrema pobreza

Antecipando a potencial ausência de óbitos pela malignidade do colo uterino como um resultado possível, informações adicionais, obtidas via https://cidades.ibge.gov.br/, disponibilizadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)1212 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas. População. Cidades e Estados [Internet]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [acessado em 20 de janeiro de 2020]. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html?view=municipio
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, foram consideradas para caracterizar tais localidades, a respeito do tamanho populacional (quantitativo da população e localização segundo macrorregião).

Análise de dados

A regressão de Prais-Winsten foi empregada para verificação das tendências e da significância estatística dos coeficientes beta. Esse procedimento é indicado para lidar com o efeito da autocorrelação serial comum em estudos de séries temporais1313 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024
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. O passo a passo envolveu, primeiramente, a transformação logarítmica base 10 das proporções de óbitos por CCU verificada por conjunto de municípios de extrema pobreza de cada Unidade Federativa em relação à Unidade Federativa como um todo, seguida da introdução dos valores na modelagem de séries temporais autorregressiva. Assim, obteve-se os valores dos coeficientes beta, sua direção (se negativo ou positivo) e a significância estatística, considerando o erro alfa de 5%, permitindo a interpretação das tendências como estacionária, de declínio ou de elevação.

Cálculo do percentual de mudança anual e verificação da significância estatística

A verificação da intensidade da mudança nas proporções foi feita com o uso de equações matemáticas encontradas em Antunes e Cardoso1313 Antunes JLF, Cardoso MRA. Using time series analysis in epidemiological studies. Epidemiol Serv Saúde. 2015;24(3):565-76. https://doi.org/10.5123/S1679-49742015000300024
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, onde b1 é o coeficiente estimado pela autorregressão de Prais-Winsten. A mudança percentual média (Annual Percent Change – APC) nas proporções de óbitos nos municípios de extrema pobreza, por cada ano de estudo, foi obtida com o uso da Equação 1:

(1) A P C ( 95 % ) = [ 1 + 10 b 1 ] * 100

Os respectivos intervalos de confiança (IC) de 95% foram obtidos com o uso da Equação 2:

(2) I C ( 95 % ) = [ 1 + 10 ^ ( b ± t * erro padrão ) ] * 100

Procedimentos éticos

O estudo segue as recomendações para pesquisa científica envolvendo seres humanos e foi conduzido com o uso de informações secundárias, não identificadas e disponibilizadas online pelo DATASUS e pelo IBGE, estando, por conseguinte, dispensado de procedimentos éticos formais.

RESULTADOS

Ao longo dos 19 anos do estudo, houve óbitos por CCU registrados em 89,1% (4.963/5.569) dos municípios brasileiros, excluindo o Distrito Federal. Apesar de apenas 28,4% dos municípios brasileiros receberem a denominação de extrema pobreza, a proporção deles que registrou óbitos por CCU foi de 90,5%, ao passo que, entre os municípios denominados como não extrema pobreza, essa proporção foi de 88,6%. As Unidades da Federação que tiveram 100% dos seus municípios de extrema pobreza com ocorrência desses óbitos no DATASUS estão na região Norte (Amazonas, Roraima, Pará, Amapá e Tocantins) e na região Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul) (Figura 1).

Figura 1
Distribuição de municípios de Extrema Pobreza e Não Extrema Pobreza e proporção de municípios de Extrema Pobreza com óbitos por câncer do colo do útero, por Unidade da Federação de 2000 a 2018.

Ocorreram 94.065 óbitos por CCU, na faixa etária de 15 a 80 anos e mais, no Brasil de 2000 a 2018, com 10,7% (n=10.036) sendo registrados nos municípios de extrema pobreza. Os municípios assim categorizados que mais registraram óbitos por CCU foram os da região Norte (98,2% deles), seguido da região Nordeste (92,4% deles). O total de óbitos nos municípios de extrema pobreza dessas duas regiões (Norte=1.282; Nordeste=6.650) somou mais de 3,7 vezes o quantitativo verificado nos municípios da mesma categoria nas regiões Sudeste (n=1.163), Sul (n=601) e Centro-Oeste (n=340) conjuntamente (Tabela 1).

Tabela 1
Distribuição relativa de óbitos por câncer do colo do útero ocorridos no Brasil, de 2000 a 2018, por Unidade Federativa e por municípios de extrema pobreza e não extrema pobreza.

A análise do comportamento da distribuição relativa dos óbitos por CCU dentro de cada Unidade Federativa via regressão de Prais-Winsten mostrou que ao longo dos 19 anos da série temporal, a proporção de óbitos nos municípios de extrema pobreza não foi igualitária à Unidade Federativa como um todo, principalmente no Norte e no Nordeste do país. No Norte, os municípios pobres dos estados do Amazonas, Pará e Tocantins tiveram a tendência na proporção de óbitos em elevação. No Nordeste, o mesmo ocorreu com os municípios pobres de cinco (Maranhão, Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Bahia) de seus nove estados. O único resultado menos desfavorável em termos de desigualdade foi o encontrado no Ceará, onde a tendência na proporção de óbitos nos municípios de extrema pobreza tendeu ao declínio. Dois estados na região Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro) e um estado na região Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul) também mostraram aumento desproporcional dos óbitos nos seus municípios mais pobres. Na região Sul do país, nenhuma mudança na distribuição dos óbitos por CCU foi verificada nos municípios de extrema pobreza em relação às respectivas Unidades Federativas como um todo (Tabela 2).

Tabela 2
Tendência na distribuição relativa de óbitos por câncer do colo do útero nos municípios de extrema pobreza em relação à Unidade Federativa no Brasil, de 2000 a 2018.

Nenhum óbito por CCU foi registrado em 160 dos 1.582 municípios de extrema pobreza do Brasil no período analisado. A ausência do evento foi observada em municípios das regiões Norte (13 municípios), Nordeste (71 municípios), Sudeste (40 municípios), Sul (25 municípios) e Centro-Oeste (11 municípios). Cem por cento dos municípios sem óbitos são de porte populacional pequeno (<20 mil habitantes), e 62% (99 de 160) deles tem contingente menor que 5 mil. Cerca de 30% (47 de 160) destes municípios apresentam estimativa populacional em redução, comparando dados de 2019 aos do censo de 2010.

DISCUSSÃO

Este estudo foi conduzido para avaliar a distribuição relativa de óbitos por CCU nos municípios de extrema pobreza e mostrou que, apesar de essas localidades terem respondido por menos de 11% do total dessas mortes no Brasil, isso não ocorreu de modo proporcional. Enquanto a região Nordeste teve quase 24% de mortes por CCU ocorrendo nos municípios de extrema pobreza, a proporção nas regiões Sudeste e Sul ficou abaixo de 5%. Adicionalmente, a análise da série histórica sugeriu diferenças na distribuição desses óbitos e tendências não estacionárias dentro de 12 das 26 Unidades Federativas. A região Sul foi a única que não mostrou mudanças nas tendências da distribuição de óbitos por CCU em qualquer dos seus três estados ao longo da série histórica.

Os municípios estudados foram igualados pela denominação de extrema pobreza, mas é notório que há diferenças entre eles, que são, em parte, atribuídas ao nível de desenvolvimento e à distribuição não igualitária de recursos entre as Grandes Regiões Geográficas e entre os estados da Federação. A análise que focou em desigualdades regionais e que projetou mortes por CCU até 2030 delineia um desafio para o controle da doença1414 Barbosa IR, Souza DLB, Bernal MM, Costa ICC. Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até os anos 2030. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(1):253-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232015211.03662015
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. A projeção revelou redução da mortalidade no Sudeste, Sul e Centro-Oeste e aumento das mortes no Norte e Nordeste. Para os autores, estas duas últimas regiões continuarão sofrendo efeito da exposição aos fatores de risco da doença, os quais estão em progressivo controle nas regiões mais desenvolvidas, em paralelo aqueles comuns à variação do perfil demográfico.

Além do óbito por CCU constituir evento injustificável nos dias atuais, surpreendentemente, a implementação desta série temporal mostrou que há desigualdade a respeito da distribuição desses óbitos dentro da própria Unidade Federativa. Isso foi mais forte no Norte do país, onde Pará e Amazonas apresentaram médias anuais de crescimento na distribuição dos óbitos nos municípios de extrema pobreza acima de 5%, enquanto a variação dentro dos estados do Sul e do Centro-Oeste não atingiram 3%. Embora a mensuração das desigualdades nas mortes por este tipo de câncer tenha sido feita de modo diferente, estudos americanos apontam para resultados semelhantes. Em Ohio, a comparação da mortalidade por câncer entre os distritos mais pobres e os mais afluentes, de 2011 a 2015, mostrou que a diferença mais expressiva foi a da mortalidade por CCU, a qual foi 2,3 vezes maior nos lugares mais pobres do que nos mais ricos1515 Kollman J, Sobotka HL. Poverty and cancer disparities in Ohio. Prev Chronic Dis. 2018;15:180332. https://doi.org/10.5888/pcd15.180332
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. Em Nova York, a análise de 5.823 casos de câncer cervicouterino revelou que o grau de pobreza da comunidade impactou na mortalidade, e o fato de viver em bairros mais pobres aumentou em 32% o risco de óbito comparando aos bairros mais favorecidos1616 McCarthy AM, Dumanovsky T, Visvanathan K, Kahn AR, Schymura MJ. Racial/ethnic and socioeconomic disparities in mortality among women diagnosed with cervical cancer in New York City, 1995-2006. Cancer Causes Control. 2010;21:1645-55. https://doi.org/10.1007/s10552-010-9593-7
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.

Apesar da tendência de crescimento desproporcional dos óbitos afetar 5 dos 9 estados nordestinos, a variação anual ultrapassou 3% apenas no Maranhão. O resultado mais promissor veio do Ceará. Esse estado tem um grande contingente de municípios classificados na categoria de extrema pobreza. Mesmo assim, a análise de tendência captou um declínio médio anual de quase 1% na distribuição relativa dos óbitos por CCU. Tais resultados podem ter relação com os ganhos verificados no período de 2006 a 2015, quando a Região Metropolitana de Fortaleza e os setores Rural e Urbano apresentaram movimento comum de redução da pobreza1717 Ceará. Governo do Estado do Ceará. Secretaria de Planejamento e Gestão. Instituto de Pesquisa Estratégica Econômica do Ceará (IPECE). Indicadores Sociais do Ceará – 2017 [Internet]. Fortaleza: IPECE; 2018 [acessado em 8 maio 2020]. 74 p. Disponível em: https://www.ipece.ce.gov.br/wp-content/uploads/sites/45/2019/01/Indicadores_Sociais_2017.pdf
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, permitindo melhores resultados também em saúde. O documento acentua que, no biênio 2016-2017, o Ceará teve redução na taxa de pobreza de 20,1% para 19,1%, enquanto no Brasil (10,3% para 11,1%) e no Nordeste (20,1% para 21,4%) os percentuais aumentaram.

A tendência crescente da distribuição dos óbitos por CCU foi observada nos municípios de extrema pobreza de três outras Unidades Federativas, sendo uma na Região Centro-Oeste (Mato Grosso do Sul) e duas outras da Região Sudeste (Minas Gerais e Rio de Janeiro) do país. Além da desigualdade na distribuição dos óbitos por CCU, o Mato Grosso do Sul registrou tais mortes em todos os seus municípios de extrema pobreza, fato encontrado apenas nos estados da região Norte. A semelhança se estende também quanto à presença de populações tradicionais. O Mato Grosso do Sul tem o segundo contingente populacional de indígenas do Brasil, sendo ultrapassado apenas pelo Amazonas1818 Mato Grosso do Sul. Conselho Estadual de Saúde do Mato Grosso do Sul. Secretaria de Estado de Saúde. Plano Estadual de Saúde 2016-2019 [Internet]. Campo Grande: Conselho Estadual de Saúde do Mato Grosso do Sul [acessado em 11 de maio de 2020]. Disponível em: http://www.saude.ms.gov.br/wp-content/uploads/2015/11/PES-2016-2019-Vers%C3%A3o-Final-1.pdf
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, com a peculiaridade de que dos doze municípios de extrema pobreza em estudo, onze abrigam sedes de Distrito Sanitário Especial Indígena. Entre as mulheres indígenas do Mato Grosso do Sul, um estudo que se estendeu de 2004 a 2006 encontrou baixa cobertura do teste de Papanicolaou em duas aldeias e dois casos de carcinoma invasor detectados por biópsia1919 Pereira JC, Ganassin FMH, Oliveira RD, Renovato RD, Watanabe EAMT. Morbidade por câncer de colo uterino em mulheres de reserva indígena no Mato Grosso do Sul. Cogitare Enferm. 2011;16(1):127-33. https://doi.org/10.5380/ce.v16i1.21123
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Entre todas as Unidades Federativas, Minas Gerais é a que possui o maior contingente de municípios (853), sendo 116 (13,6%) na categoria de extrema pobreza, com a peculiaridade de 59 deles pertencerem a região do semiárido mineiro. A combinação de pobreza e adversidades climáticas, típicas do semiárido, é dramática para a saúde e aumenta o risco de doenças na população mais vulnerável2020 Brasil. Ministério da Saúde. Fundação Oswaldo Cruz. Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde. Semiárido: saúde é o caminho para o desenvolvimento sustentável [Internet]. Brasil: Ministério da Saúde [acessado em 11 de maio de 2020]. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/print/31514
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. Tratando-se de uma outra categoria de população tradicional, um estudo que analisou o uso de métodos preventivos contra o CCU mostrou que 15,1% das mulheres quilombolas do norte de Minas Gerais nunca realizaram o teste de Papanicolaou2121 Oliveira SKM, Pereira MM, Freitas DA, Caldeira AP. Saúde materno-infantil em comunidades quilombolas no norte de Minas Gerais. Cad Saúde Colet. 2014;22(3):307-13. https://doi.org/10.1590/1414-462X201400030013
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.

Com respeito ao estado do Rio de Janeiro, não é novidade a constatação da forte heterogeneidade interna no plano econômico e social entre as suas regiões2222 Rio de Janeiro. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Secretaria de Estado de Planejamento e Gestão. Subsecretaria de Planejamento. Municípios em dados [Internet]. Rio de Janeiro: Governo do Estado do Rio de Janeiro [acessado em 26 de maio de 2020]. Disponível em: http://www.fazenda.rj.gov.br/sefaz/content/conn/UCMServer/uuid/dDocName%3AWCC197714
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. Além disso, oito dos seus 12 municípios de extrema pobreza estão situados nas regiões mais distantes em relação à capital. Em que pese o posicionamento um pouco menos centralizado dos seus polos de saúde, os deslocamentos para obtenção de serviços de saúde de alta complexidade também existem no Rio de Janeiro, sendo necessário percorrer em média 67 km para obter tais serviços2323 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Regiões de Influência das Cidades. Informações de deslocamentos para serviços de saúde. Notas Técnicas [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2020 [acessado em 26 de maio de 2020]. Disponível em: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101719_notas_tecnicas.pdf
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, os quais são fundamentais ao tratamento do câncer.

Surpreendentemente, pouco mais de 10% dos municípios de extrema pobreza do Brasil não registraram sequer um óbito por CCU ao longo dos 19 anos investigados neste estudo. Essa é uma questão intrigante sobretudo pela associação da malignidade cervical com a pobreza. Além disso, boa parte desses municípios estão com o contingente populacional em redução. De acordo com o IBGE2424 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Agência IBGE Notícias. IBGE divulga as estimativas da população dos municípios para 2019 [Internet]. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística; 2019 [acessado em 11 de maio de 2020]. Disponível em: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/25278-ibge-divulga-as-estimativas-da-populacao-dos-municipios-para-2019
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, dos 5570 municípios do país, 28,6% sofreram redução do tamanho populacional comparando os anos 2017 e 2018. A redução ocorreu nas localidades de até 20 mil habitantes, uma característica comum dos municípios-alvo do presente estudo. A redução da população pode estar refletindo taxas de mortalidade geral mais elevadas, bem como o processo migratório, aspectos que reforçam a condição de pobreza municipal. Ainda buscando entender as circunstâncias que caracterizam a ausência de mortes por CCU em tais municípios, outras interrogações são pertinentes:

  • Ainda seria a questão da (in)completude do registro de óbitos que, apesar de vir ganhando qualidade e confiabilidade1414 Barbosa IR, Souza DLB, Bernal MM, Costa ICC. Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até os anos 2030. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(1):253-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232015211.03662015
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    , pode impactar negativamente a qualidade da informação tanto pela atribuição às causas mal definidas quanto pela indefinição da localização anatômica da neoplasia?;

  • Seria pela migração de pessoas doentes que, para buscar tratamentos em outras localidades, deixam para trás antigos endereços de residência e assumem os novos com objetivo de facilitar a obtenção de cuidado, como afirma Bermedo-Carrasco e Waldner55 Bermedo-Carrasco S, Waldner CL. The role of socio-demographic factors in premature cervical cancer mortality in Colombia. BMC Public Health. 2016;16:981. https://doi.org/10.1186/s12889-016-3645-1
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    ?;

  • Seriam mesmo o maior acesso e a oferta de cuidados mais efetivos para as mulheres, levando à almejada eliminação dos óbitos pela doença? Quanto a este último cenário, permanece a interrogação se seria um reflexo da expansão da rede básica com efetiva atuação no rastreamento e na detecção precoce da doença e possível repercussão na redução de óbitos. Tais respostas a estas questões extrapola o escopo do presente estudo.

Sob a audaciosa meta da eliminação, o CCU finalmente ganhou espaço próprio na agenda de saúde global como entidade nosológica prioritária no século XXI77 World Health Organization. Executive Board. 144th session. Accelerating cervical cancer elimination. EB144/28 [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [acessado em 15 ago. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB144/B144_28-en.pdf
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. Até então, a malignidade do colo uterino foi inserida na agenda mundial, competindo com grandes e importantes grupos como as Doenças Não Transmissíveis, a infecção pelo HIV e AIDS e sob bandeiras ativistas em prol dos direitos humanos e igualdade de gênero2525 Parkhurst JO, Vulimiri M. Cervical cancer and the global health agenda: insights from multiple policy-analysis frameworks. Global Public Health. 2013;8(10):1093-108. https://doi.org/10.1080/17441692.2013.850524
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. Apesar do avanço no conhecimento da natureza biológica do CCU e das tecnologias para o enfrentamento, as projeções indicam que os óbitos poderão chegar a 460 mil em 2040. A distribuição desigual entre e dentro dos países exige a abordagem também como uma doença de desvantagens socioeconômicas e políticas77 World Health Organization. Executive Board. 144th session. Accelerating cervical cancer elimination. EB144/28 [Internet]. Genebra: WHO; 2018 [acessado em 15 ago. 2020]. Disponível em: https://apps.who.int/gb/ebwha/pdf_files/EB144/B144_28-en.pdf
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. Por exemplo, segundo uma análise dos cinco países que compõem o grupo BRICS (Brasil, Federação Russa, Índia, China e África do Sul), os quais respondem por cerca de 42% dos óbitos por câncer no mundo, a perda da produtividade total foi mais elevada no câncer de mama (2,1 bilhões de dólares), vindo o câncer do colo do útero (1,5 bilhões de dólares) em segundo lugar, tratando-se apenas da análise restritas às mulheres. As perdas relativas à neoplasia cervical no Brasil foram de aproximadamente 0,2 bilhões de dólares2626 Pearce A, Sharp L, Hanly P, Barchuk A, Bray F, Cancela MC, et al. Productivity losses due to premature mortality from cancer in Brazil, Russia, India, China, and South Africa (BRICS): a population-based comparison. Cancer Epidemiol. 2018;53:27-34. https://doi.org/10.1016/j.canep.2017.12.013
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.

Há limitações no estudo que merecem considerações. Primeiramente, o estudo é do tipo ecológico, e o fato de se lidar com agregado de pessoas impede a extrapolação dos resultados para o nível individual. Apesar dessa limitação, este tipo de estudo permite realizar um diagnóstico da situação de saúde coletiva capaz de induzir investigações mais detalhadas ou até o delineamento de políticas especificadas para o enfrentamento do problema. Outra questão é o dado procedente de estatísticas vitais. Embora a melhoria da qualidade da informação alcançada no Brasil seja notória1414 Barbosa IR, Souza DLB, Bernal MM, Costa ICC. Desigualdades regionais na mortalidade por câncer de colo de útero no Brasil: tendências e projeções até os anos 2030. Ciênc Saúde Colet. 2016;21(1):253-62. https://doi.org/10.1590/1413-81232015211.03662015
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, estudos de investigação de óbitos observaram percentuais acima de 10% de causas mal definidas nas regiões Norte e Nordeste2727 Cunha CC, Teixeira R, França E. Avaliação da investigação de óbitos por causas mal definidas no Brasil em 2010. Epidemiol Serv Saúde. 2017;26(1):19-30. https://doi.org/10.5123/s1679-49742017000100003
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. Como o presente estudo abrangeu o período de 19 anos, é prudente considerar possíveis inconsistências principalmente sobre informações mais antigas coletadas de rotina. Contudo, possíveis correções de causas mal definidas e/ou de porção do útero não especificada poderiam incorrer em aumento do quantitativo de casos e, por conseguinte, aumentariam a distribuição relativa ou mesmo poderiam revelar mais padrões não estacionários na tendência além dos identificados. Na qualidade de estudo descritivo, não houve propósito explicativo para as possíveis diferenças que poderiam ser encontradas. Como sugestão para futuros estudos, um fator que merece ser devidamente avaliado é a abrangência e qualidade da rede da atenção básica disponível nas localidades mais pobres.

Concluindo, a distribuição relativa dos óbitos por CCU ocorridos de 2000 a 2018 nos municípios de extrema pobreza do Brasil é desigual em comparação ao conjunto de óbitos observados em cada uma das Unidades da Federação. Este achado mostra a importância de se aprofundarem as investigações nestas unidades de análise, uma vez que o CCU é doença prioritária das políticas públicas do Brasil, as quais têm como meta principal a melhoria da saúde e qualidade de vida das pessoas mais pobres.

  • Fonte de financiamento: nenhuma.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Fev 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2020
  • Aceito
    19 Jul 2021
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