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Associação entre limitação funcional e deficit cognitivo em pacientes idosos hospitalizados1 1 Aprovação CEP, CAAE 37380414.4.0000.0096.

Resumo

Introdução

A hospitalização é reconhecida como um fator de risco para o declínio funcional do idoso, bem como para o declínio cognitivo. Entretanto, a associação entre essas variáveis ainda não é bem estabelecida, sobretudo no contexto hospitalar.

Objetivo

Verificar a associação entre deficit cognitivo e limitação funcional em atividades básicas da vida diária entre idosos hospitalizados.

Método

Estudo seccional, com idosos internados em dois hospitais públicos. Foi verificada a presença de deficit cognitivo por meio do teste de rastreio Mini Exame do Estado Mental e a presença de limitação funcional pelo Índice Katz para Atividades Básicas de Vida Diária. Foi realizada análise descritiva da amostra e regressão logística, estimando-se os valores de odds ratio e respectivos intervalos de confiança (95%).

Resultados

A prevalência de deficit cognitivo foi de 51,5% (IC95%, 41,6-61,4) e 37,6% dos idosos apresentaram dependência em uma ou mais atividades básicas de vida diária. Os resultados mostraram que tanto o número de atividades comprometidas (p=0,002) quanto a classificação final do índice Katz (p=0,001) foram diferentes estatisticamente entre os grupos de idosos com e sem deficit cognitivo. Entre os idosos que eram dependentes parciais para as atividades, 14,9% apresentaram deficit cognitivo; já entre aqueles que eram dependentes totais, o valor foi de 13,9%. Os idosos dependentes nas atividades apresentaram 5,08 vezes (IC95%, 1,84-14,01) maior chance de deficit cognitivo. Conclusão: O deficit cognitivo foi associado à limitação funcional e os resultados colaboraram no direcionamento da sistematização da assistência precoce direcionada, a fim de minimizar perdas cognitivas e funcionais na hospitalização.

Palavras-chave:
Hospitalização; Idoso; Cognição; Envelhecimento; Atividades Cotidianas

Abstract

Introduction

Hospitalization is recognized as a risk factor for the functional decline and cognitive decline of elderly people. However, the association between these variables is still well unestablished, especially in the hospital context.

Objective

To verify the association between cognitive deficit and functional disability in hospitalized elderly people.

Method

Cross-sectional study with elderly patients admitted to two public hospitals. The presence of cognitive deficit was verified through the Mini-Mental State Examination screening test and the presence of functional disability through the Basic Daily Life Activities Scale. Descriptive sample analysis of the sample and logistic regression was made, estimating the odds ratio values and respective intervals of confidence (95%).

Results

The prevalence of cognitive deficit was 51.5% (IC95%, 41,6-61,4) and 37.6% of the elderly had one or more basic activities in their daily living. The results showed that either the number of compromised activities (p=0,002) and the final classification of the Katz index (p=0.001) were statistically different between the groups of elderly people with or without a cognitive deficit. Among the elderly who were partially dependents for activities, 14.9% had a cognitive deficit and 13.9% among those who were fully dependent elderly. Most dependents elderly are 5,08 times (IC95%, 1,84-14,01) more likely to have a cognitive deficit.

Conclusion

Cognitive deficits were associated with functional disability and the results collaborate in directing the systematization of early care, to minimize cognitive and functional losses in hospitalization.

Keywords:
Hospitalization; Aged; Cognition; Aging; Activities of Daily Living

1. Introdução

O envelhecimento populacional tem sido estudado no contexto da hospitalização, por se tratar de um evento complexo que ocorre em momento de fragilidade, no qual o deficit cognitivo e a limitação funcional, que repercutem em dependência para o desempenho das atividades de vida diária, são aspectos que têm sido considerados como potenciais indicadores de risco à fragilidade e associados à hospitalização de idosos (Pimenta et al., 2013Pimenta, F. A. P., Bicalho, M. A. C., Silva, M. A. R., Moraes, E. M., & Rezende, N. A. (2013). Doenças crônicas, cognição, declínio funcional e índice de Charlson em idosos com demência. Revista da Associação Médica Brasileira, 59(4), 326-334.http://dx.doi.org/10.1016/j.ramb.2013.02.002.
http://dx.doi.org/10.1016/j.ramb.2013.02...
; Lage et al., 2014Lage, J. S. S., Okuno, M. F. P., Campanharo, C. R. V., Lopes, M. C. B. T., & Batista, R. E. A. (2014). Capacidade funcional e perfil do idoso internado no serviço de emergência. Rev. Min. Enferm, 18(4), 855-860.; Andrade et al., 2017Andrade, F. L. J. P., Lima, J. M. R., Fidelis, K. N. M., Jeres-Roig, J., & Lima, K. C. (2017). Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(2), 186-197. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160151.
http://dx.doi.org/10.1590/1981-225620170...
).

As alterações cognitivas mais comuns são a dificuldade de armazenar e processar informações novas para a constituição da memória de longo prazo, a qual é explicada pelo declínio nos mecanismos inibitórios de atenção e velocidade de processamento e pode incorrer em deficit na memória operacional (Levy, 2014Levy, L. (2014). Envelhecimento cognitivo. In N. Katz. Neurociência, Reabilitação cognitiva e modelos de intervenção em terapia ocupacional (pp.133-147). São Paulo: Santos Editora.). Um desempenho cognitivo mais baixo, somado à presença da hospitalização, pode contribuir para a exclusão do idoso do convívio e relacionamento com outras pessoas e favorecer a limitação por meio da espiral de declínio funcional (Santos et al., 2018Santos, B. P., Poltronieri, B. C., & Hamdan, A. C. (2018). Associação entre declínio cognitivo e funcional em idosos hospitalizados, uma revisão integrativa. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup, 2(3), 639-653. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto12792.
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). A condição aguda de saúde por si só pode comprometer a capacidade funcional, de forma permanente, temporária ou prolongada, o que, por sua vez, também pode explicar o declínio cognitivo, permanente ou transitório (Santos et al., 2018Santos, B. P., Poltronieri, B. C., & Hamdan, A. C. (2018). Associação entre declínio cognitivo e funcional em idosos hospitalizados, uma revisão integrativa. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup, 2(3), 639-653. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto12792.
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). Nos Estados Unidos, por exemplo, ao menos 30% de idosos hospitalizados por doença aguda receberam alta com declínio funcional que não existia anteriormente à hospitalização (Andrade et al., 2017Andrade, F. L. J. P., Lima, J. M. R., Fidelis, K. N. M., Jeres-Roig, J., & Lima, K. C. (2017). Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(2), 186-197. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160151.
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). Já entre idosos italianos com deficit cognitivo durante a hospitalização, as chances aumentam em quinze vezes de desenvolver declínio funcional nas atividades básicas da vida diária (Lage et al., 2014Lage, J. S. S., Okuno, M. F. P., Campanharo, C. R. V., Lopes, M. C. B. T., & Batista, R. E. A. (2014). Capacidade funcional e perfil do idoso internado no serviço de emergência. Rev. Min. Enferm, 18(4), 855-860.).

Segundo a Associação Americana de Terapia Ocupacional (AOTA), as atividades básicas de vida diária (ABVDs) são atividades cotidianas relacionadas ao autocuidado da pessoa, como realizar higiene e cuidados pessoais, atividade sexual, vestir-se, comer e deglutir, mobilidade física, tomar banho e usar vaso sanitário (American Occupational Therapy Association, 2020American Occupational Therapy Association – AOTA (2020). Occupational therapy practice framework: Domain and process. American Journal of Occupational Therapy, 74 (Supplement 2). Recuperado em 24 de Março de 2021, de https://doi.org/10.5014/ajot.2020.74S2001.
https://doi.org/10.5014/ajot.2020.74S200...
). No contexto hospitalar, os idosos apresentam condição de dependência parcial ou total nas ABVDs dada a sua condição clínica, sendo atividades como tomar banho, vestir-se e realizar transferência as mais prejudicadas, e a alimentação com menor limitação (Martins et al., 2020Martins, N. P. R., Silqueira, F. S. M., Souza, C. P. M., Soares, S. M., & Matos, S. S. (2020). Qualidade de vida de idosos internados em uma Unidade de Clínica Médica de um Hospital Público. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 54, e03573. http://dx.doi.org/10.1590/s1980-220x2018032903573.
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). Em estudo de revisão anterior, a hospitalização foi considerada fator de risco para piora do declínio funcional, podendo gerar ou potencializar o deficit cognitivo em idosos, seja durante a internação ou até mesmo após a alta, devido ao risco de imobilidade, polifarmácia, infecções, múltiplas comorbidades e privação de estímulos sensoriais (Santos et al., 2018Santos, B. P., Poltronieri, B. C., & Hamdan, A. C. (2018). Associação entre declínio cognitivo e funcional em idosos hospitalizados, uma revisão integrativa. Rev. Interinst. Bras. Ter. Ocup, 2(3), 639-653. http://dx.doi.org/10.47222/2526-3544.rbto12792.
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).

Quando em conjunto, internação hospitalar de idosos com deficit cognitivo e funcional, essas condições são fatores de risco para mortalidade precoce (Andrade et al., 2017Andrade, F. L. J. P., Lima, J. M. R., Fidelis, K. N. M., Jeres-Roig, J., & Lima, K. C. (2017). Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(2), 186-197. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160151.
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). Por outro lado, idosos com declínio da capacidade funcional também estão em risco elevado para prolongamento da hospitalização e futuras readmissões (Mudge et al., 2011Mudge, A. M., Kasper, K., Anne, C., Redfern, H., Bell, J. J., Barras, M. A., Dip, G., & Pachana, N. A. (2011). Recurrent Readmissions in Medical Patients, a prospective study. Journal of Hospital Medicine, 6(2), 61-67.http://dx.doi.org/10.1002/jhm.811.
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). O resultado frequentemente observado após a internação é a piora tanto da condição funcional quanto cognitiva, comprometendo a qualidade de vida e sobrecarregando os familiares e demais profissionais na prestação de cuidados de saúde para esses idosos (Buurman et al., 2011Buurman, B. M., Hoogerduijn, J. G., de Haan, R. J., Abu-Hanna, A., Lagaay, A. M., Verhaar, H. J., Schuurmans, M. J., Levi, M., & de Rooij, S. E. (2011). Geriatric conditions in acutely hospitalized older patients, prevalence and one-year survival and functional decline. PLoS One, 6(11), e26951. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0026951.; Hoogerduijn et al., 2012Hoogerduijn, J. G., Buurman, B. M., Korevaar, J. C., Grobbee, D. E., de Rooij, S. E., & Schuurmans, M. J. (2012). The prediction of functional decline in older hospitalized patients. Age and Ageing, 29(10), 381-387. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015.
http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015...
). Entretanto, as evidências não são consistentes em determinar os fatores de risco causais, seja por dificuldade no delineamento amostral, seja por definição clara da incapacidade cognitiva e funcional, pela interação entre esses desfechos ou número reduzido de pesquisas com idosos hospitalizados, como é o caso do Brasil. São incipientes os estudos analíticos com objetivo de investigar a relação entre cognição, capacidade funcional e hospitalização entre idosos (Cristo & Pernambuco, 2009Cristo, G. O., & Pernambuco, A. C. A. (2009). The Impact of Functional Status on Mortality of Elderly Patients. Einstein, 7(3), 266-270.; Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201000...
; von Renteln-Kruse et al., 2015von Renteln-Kruse, W., Neumann, L., Klugmann, B., Liebetrau, A., Golgert, S., Dapp, U., & Frilling, B. (2015). Geriatric patients with cognitive impairment. Deutsches Ärzteblatt International, 112(7), 103-112. http://dx.doi.org/10.3238/arztebl.2015.0103.
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).

Ainda não se tem clareza em relação à causalidade direta entre internação hospitalar e comprometimento cognitivo, o que justifica a necessidade de outros estudos sobre o assunto. Investigações sobre o deficit cognitivo e a limitação funcional em idosos podem auxiliar na elaboração de estratégias clínicas para o melhor manejo do paciente hospitalizado, assim como para minimizar os danos, a iatrogenia e o prolongamento da internação. Esses aspectos interferem diretamente na prática clínica do terapeuta ocupacional com o idoso, uma vez que importante atribuição do profissional se refere à prevenção do declínio cognitivo, à estimulação e à potencialização de habilidades cognitivas remanescentes e sua relação com o desempenho das ABVDs (Exner et al., 2017Exner, C., Batista, M. P. P., & Almeida, M. H. M. (2017). Experiência de terapeutas ocupacionais na atuação com idosos com comprometimento cognitivo leve. Cad. Bras. Ter. Ocup, 26(1), 17-26. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1017.
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). Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a associação entre deficit cognitivo e limitação funcional em atividades básicas de vida diária em pacientes idosos hospitalizados.

2 Método

2.1 Delineamento do estudo e amostra

Estudo seccional, com amostragem de idosos hospitalizados em enfermarias de dois hospitais públicos de nível terciário e quaternário em Curitiba (PR). A escolha do hospital se deu por atenderem considerável parcela da população de idosos no município e região metropolitana, por atenderem exclusivamente o Sistema Único de Saúde e pelo número de leitos ativos (516 no total). Em ambas as instituições são ofertados serviços de internação, urgência e emergência, cirurgias, acompanhamento ambulatorial por especialidade e domiciliar. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, sob o registro nº 37380414.4.0000.0096, os hospitais assinaram a anuência com a condução da pesquisa e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, concordando em participar da investigação ou de informante proxy.

Para a seleção dos idosos participantes no estudo, considerou-se somente aqueles com idade igual ou superior a 60 anos, admitidos nas Unidades de Clínica Médica (enfermarias) e internados por mais de 72 horas. Foram excluídos casos de recusa, pacientes em cuidados paliativos, rebaixamento do nível de consciência por delirium diagnosticado, alterações cognitivas por demência pré-existente e diagnóstico de lesões encefálicas, condições psiquiátricas e instabilidade clínica que impedissem a realização da entrevista; e, aqueles que no momento do contato tiveram alta hospitalar. Essas informações foram obtidas por meio de dados descritos no prontuário eletrônico/impresso de cada idoso. Assim, por meio de uma amostra não probabilística por conveniência, foram selecionados 101 pacientes no período de janeiro de 2014 a agosto de 2016.

2.2 Variável dependente

O deficit cognitivo foi avaliado por meio do Mini Exame do Estado Mental (MEEM) (Pereira et al., 2014Pereira, E. E. B., Souza, A. B. F., Carneiro, S. R., & Sarges, E. S. N. F. (2014). Funcionalidade global de idosos hospitalizados. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 17(1), 165-176. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232014000100016.
http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232014...
). Esse é um instrumento de rastreio cognitivo frequentemente utilizado na literatura (Folstein et al., 1975Folstein, M. F., Folstein, S. E., & Mchugh, P. R. (1975). Mini-Mental State, a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research, 12(1), 189-198. http://dx.doi.org/10.1016/0022-3956(75)90026-6.
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; Spirgiene et al., 2010Spirgiene, L., Macijauskiené, J., Kucikiené, O., & Lesauskaité, U. (2010). Assessment of cognitive function of the elderly in a hospital and long-term care institutions. Medicina, 46(1, Supl. 1), 63-70.; Ehlenbach et al., 2010Ehlenbach, W. J., Hough, C. L., Crane, P. K., Haneuse, S. J., Carson, S. S., Curtis, J. R., & Larson, E. B. (2010). Association between acute care and critical illness hospitalization and cognitive function in older adults. Journal of the American Medical Association, 303(8), 763-770.http://dx.doi.org/10.1001/jama.2010.167.
http://dx.doi.org/10.1001/jama.2010.167...
; Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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; Lourenço et al., 2014Lourenço, T. M., Lenardt, M. H., Kletemberg, D. F., Seima, M. D., & Carneiro, N. H. K. (2014). Functional Independent of long-living elderly at hospital admission. Text Context Nursing, 23(3), 673-679. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014001500013.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720140...
; Dias et al., 2015Dias, E. G., Andrade, F. B., Duarte, Y. A. O., Santos, J. L. F., & Lebrão, M. L. (2015). Atividades avançadas de vida diária e incidência de declínio cognitivo em idosos, estudo SABE. Cadernos de Saúde Pública, 31(8), 1623-1635.http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125...
) e a versão foi validada em estudos com populações de baixa escolaridade, com o objetivo de minimizar possíveis efeitos de confusão (Cullen et al., 2007Cullen, B., O’Neill, B., Evans, J. J., Coen, R. F., & Lawlor, B. A. (2007). A review of screening tests for cognitive impairment. Journal of Neurology, Neurosurgery, and Psychiatry, 78(8), 790-799. http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.2006.095414.
http://dx.doi.org/10.1136/jnnp.2006.0954...
). Quando utilizado isoladamente ou incorporado a instrumentos mais amplos, permite a avaliação da função cognitiva e rastreamento de quadros demenciais. Tem sido utilizado em ambientes clínicos, para a detecção de deficit cognitivo, para o seguimento de quadros demenciais e no monitoramento de resposta ao tratamento. Em pesquisa, tem sido utilizado em estudos populacionais e na avaliação de resposta a drogas de experimentação (Bertolucci et al., 1994Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D., Campacci, S. R., & Juliano, Y. (1994). O mini exame do estado mental em uma população geral, impacto da escolaridade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 52(1), 1-7.); no Brasil, foi traduzido, validado e adaptado por Bertolucci e colaboradores (Bertolucci et al., 1994Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D., Campacci, S. R., & Juliano, Y. (1994). O mini exame do estado mental em uma população geral, impacto da escolaridade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 52(1), 1-7.).

Considerando a realidade de grande parte dos idosos hospitalizados, que apresentam baixa escolaridade, fato já evidenciado em investigações anteriores (Caramelli & Nitrini, 2000Caramelli, P., & Nitrini, R. (2000). Como avaliar de forma breve e objetiva o estado mental de um paciente? Revista da Associação Médica Brasileira, 46(4), 289-311. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302000000400018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302000...
; Bustamante et al., 2003Bustamante, S. E. Z., Bottino, C. M. C., Lopes, M. A., Azevedo, D., Hototian, S. R., Litvoc, J., & Filho, W. J. (2003). Instrumentos combinados na avaliação de demência em idosos, resultados preliminares. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 61(3a), 601-606. http://dx.doi.org/10.1590/S0004-282X2003000400014.
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), e de acordo com amostra representativa populacional para identificação de deficit cognitivo (Pedone et al., 2005Pedone, C., Ercolani, S., Catani, M., Maggio, D., Ruggiero, C., Quartesan, R., Senin, U., Mecocci, P., & Cherubini, A. (2005). Elderly patients with cognitive impairment have a high risk for functional decline during hospitalization, the GIFA study. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 60(11), 1576-1580.http://dx.doi.org/10.1093/gerona/60.12.1576.
http://dx.doi.org/10.1093/gerona/60.12.1...
), optou-se por adotar os seguintes pontos de corte: 18 para analfabetos, 21 para aqueles com até três anos de escolaridade, 24 para aqueles com escolaridade de quatro a sete anos e 26 para aqueles com mais de sete anos de escolaridade, dentro dos 30 itens (com pontuação máxima de 30 pontos) do instrumento. Esse ponto de corte foi definido com base em estudo epidemiológico para identificar suspeita de demência por meio da versão do MEEM, com o ajuste das notas de corte em função da escolaridade com base em uma amostra de idosos hospitalizados (Bertolucci et al., 1994Bertolucci, P. H. F., Brucki, S. M. D., Campacci, S. R., & Juliano, Y. (1994). O mini exame do estado mental em uma população geral, impacto da escolaridade. Arquivos de Neuro-Psiquiatria, 52(1), 1-7.; Caramelli & Nitrini, 2000Caramelli, P., & Nitrini, R. (2000). Como avaliar de forma breve e objetiva o estado mental de um paciente? Revista da Associação Médica Brasileira, 46(4), 289-311. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302000000400018.
http://dx.doi.org/10.1590/S0104-42302000...
). As questões são agrupadas em sete categorias, conforme funções cognitivas específicas, orientação para o tempo (5 pontos), memória imediata (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), evocação (5 pontos), lembrança de palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto).

2.3 Variável explicativa – limitação funcional

A realização de atividades de vida diária, classicamente estratificada em básicas (ABVD), instrumentais (AIVD) e avançadas (AAVD), é medida por componentes envolvendo funções cognitivas superiores, participação familiar, ambiental e social (Dias et al., 2015Dias, E. G., Andrade, F. B., Duarte, Y. A. O., Santos, J. L. F., & Lebrão, M. L. (2015). Atividades avançadas de vida diária e incidência de declínio cognitivo em idosos, estudo SABE. Cadernos de Saúde Pública, 31(8), 1623-1635.http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125...
). Considerou-se, neste estudo, como limitação funcional a dificuldade para realizar atividades que compõem a escala funcional de Katz (Katz et al., 1963Katz, S., Ford, A. B., Moskowitz, R. W., Jackson, B. A., & Jaffe, M. W. (1963). Studies of illness in the aged. The index of ADL, a standardized measure of biological and psychosocial function. Journal of the American Medical Association, 185(12), 914-919. http://dx.doi.org/10.1001/jama.1963.03060120024016.
http://dx.doi.org/10.1001/jama.1963.0306...
), a saber, alimentação, controle de esfíncteres, transferência, higiene pessoal, capacidade para se vestir e tomar banho. Essa escala é uma das mais utilizadas para avaliar o desempenho nas atividades básicas de vida diária. Consta de seis itens que medem o desempenho do indivíduo nas atividades de autocuidado, os quais obedecem a uma hierarquia de complexidade. A pontuação resulta da soma de respostas positivas que variam de seis (independência para as AVDs), quatro (dependência parcial) a dois pontos (dependência importante – incapacidade) (Lino et al., 2008Lino, V. T. S., Pereira, S. R. M., Camacho, L. A. B., Ribeiro Filho, S. T., & Buksman, S. (2008). Adaptação transcultural da Escala de Independência em Atividades da Vida Diária (Escala de Katz). Cadernos de Saúde Pública, 24(1), 103-112. http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008000100010.
http://dx.doi.org/10.1590/S0102-311X2008...
). Devido à alta subjetividade envolvida na realização dessas atividades e à inexistência de um instrumento único para a sua avaliação, as ABVD incluídas no estudo foram selecionadas com base na literatura (Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201000...
; Lourenço et al., 2014Lourenço, T. M., Lenardt, M. H., Kletemberg, D. F., Seima, M. D., & Carneiro, N. H. K. (2014). Functional Independent of long-living elderly at hospital admission. Text Context Nursing, 23(3), 673-679. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014001500013.
http://dx.doi.org/10.1590/0104-070720140...
; Andrade et al., 2017Andrade, F. L. J. P., Lima, J. M. R., Fidelis, K. N. M., Jeres-Roig, J., & Lima, K. C. (2017). Incapacidade cognitiva e fatores associados em idosos institucionalizados em Natal, RN, Brasil. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 20(2), 186-197. http://dx.doi.org/10.1590/1981-22562017020.160151.
http://dx.doi.org/10.1590/1981-225620170...
).

2.4 Seleção das variáveis de ajuste

Os dados foram coletados com base na aplicação dos instrumentos padronizados descritos e em um questionário breve contendo informações, como sexo, idade, escolaridade, tempo de internação, presença de cuidador, quantidade de medicamentos, comorbidades e diagnóstico nutricional.

Esses instrumentos foram selecionados com base nas evidências quanto à sua aplicabilidade ao público idoso e por serem instrumentos de coleta breves adequados para o ambiente hospitalar. Os testes foram aplicados sempre nos períodos da manhã e tarde durante todo o processo de coleta de dados. As potenciais variáveis de confusão foram selecionadas com base em pesquisas anteriores sobre deficit cognitivo e limitação funcional em idosos (Pedone et al., 2005Pedone, C., Ercolani, S., Catani, M., Maggio, D., Ruggiero, C., Quartesan, R., Senin, U., Mecocci, P., & Cherubini, A. (2005). Elderly patients with cognitive impairment have a high risk for functional decline during hospitalization, the GIFA study. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 60(11), 1576-1580.http://dx.doi.org/10.1093/gerona/60.12.1576.
http://dx.doi.org/10.1093/gerona/60.12.1...
; Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201000...
; Ehlenbach et al., 2010Ehlenbach, W. J., Hough, C. L., Crane, P. K., Haneuse, S. J., Carson, S. S., Curtis, J. R., & Larson, E. B. (2010). Association between acute care and critical illness hospitalization and cognitive function in older adults. Journal of the American Medical Association, 303(8), 763-770.http://dx.doi.org/10.1001/jama.2010.167.
http://dx.doi.org/10.1001/jama.2010.167...
; Hoogerduijn et al., 2012Hoogerduijn, J. G., Buurman, B. M., Korevaar, J. C., Grobbee, D. E., de Rooij, S. E., & Schuurmans, M. J. (2012). The prediction of functional decline in older hospitalized patients. Age and Ageing, 29(10), 381-387. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015.
http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015...
), incluindo fatores sociodemográficos (idade, sexo, escolaridade em anos de estudo e presença de cuidador/acompanhante) e clínicos (comorbidades, polifarmácia, estado nutricional, tempo de internação e hospital de internação).

As comorbidades incluíram doenças crônicas selecionadas, avaliadas em “nenhuma ou uma” e “duas e mais”, incluindo as seguintes condições: infecciosa (HIV/AIDS), renal (insuficiência renal, cálculo renal, litíase), cardiovascular (hipertensão arterial, infarto, insuficiência cardíaca, trombose venosa), pulmonar (DPOC ou asma), musculoesquelética (osteoporose, artrite reumatoide, gota), metabólica (anemia, obesidade, diabetes, hipotireoidismo), visual (catarata), câncer e psíquica (ansiedade). Todos os diagnósticos foram estabelecidos por médicos do serviço e a informação foi extraída do prontuário do paciente, conforme modelo teórico prévio (Sierra et al., 2015Sierra, M. C., Lañarraga, A. C., Velilla, M. N., Mitxeltorena, I. V., Herce, P. A., & Plou, B. P. (2015). Multimorbidity Patterns in Geriatric Patients. PLoS One, 10(7), 1-14. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0132909.
http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0...
).

Complementando as informações das condições clínicas, o estado de risco nutricional e medicamentos de uso contínuo foram coletados por meio de consulta ao prontuário da equipe multiprofissional e elementos comprobatórios (receitas ou embalagens de medicamentos). O diagnóstico nutricional foi realizado pelos nutricionistas clínicos das instituições e baseou-se no instrumento de Avaliação Subjetiva Global – ASG (Detsky et al., 1987Detsky, A. S., McLaughlin Junior, J. R., Baker, J. P., Johnston, N., Whittaker, S., Mendelson, R. A., & Jeejeebhoy, K. N. (1987). What is subjective global assessment of nutritional status? Journal of Parenteral and Enteral Nutrition, 11(1), 8-13. http://dx.doi.org/10.1177/014860718701100108.
http://dx.doi.org/10.1177/01486071870110...
), que contempla perda ponderal recente de peso, percepção de alteração na ingestão alimentar, qualidade da ingestão alimentar e sintomas gastrointestinais, segundo a percepção do paciente ou acompanhante. Ele ainda avalia o estresse metabólico provocado pela doença por meio de critérios laboratoriais, depleção muscular e presença de edema característico de desnutrição protéica, sendo esse conjunto de dados subjetivamente classificados em: adequação nutricional; desnutrição leve, moderada ou grave. Para efeito de análise, os pacientes foram classificados em apenas dois grupos, sem risco nutricional ou estado de risco nutricional. Por fim, foi considerado polifarmácia o uso de cinco ou mais drogas simultaneamente (Loyola Filho et al., 2008Loyola Filho, A. I., Uchôa, E., Firmo, J. O. A., & Lima-Costa, M. F. (2008). Influência da renda na associação entre disfunção cognitiva e polifarmácia: projeto Bambuí. Revista de Saúde Pública, 42(1), 89-99. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008000100012.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102008...
). O tempo de internação foi contado em dias a partir do momento em que o idoso deu entrada no hospital (via pronto socorro, internação ou cirurgia eletiva) até o momento da alta hospitalar.

2.5 Análise estatística

As características da amostra, considerando as variáveis de desfecho e de confusão incluídas neste estudo, foram apresentadas em proporções e médias (com os respectivos desvios-padrão) e, em seguida, comparadas entre os grupos com e sem deficit cognitivo, por meio do teste do Qui-quadrado de Pearson e Exato de Fisher, para proporção. Foi utilizada a regressão logística, estimando-se os valores de odds ratio e respectivos intervalos de confiança (95%), sem ajustamento (modelo bruto) e com ajustamento, incluindo as variáveis sociodemográficas e clínicas. Na análise univariada, utilizou-se critério estatístico de inclusão dos múltiplos fatores de confusão, considerando-se nível de significância estatística de 20%. Na análise multivariada, foi considerada estatisticamente significativa associação ao nível de 5% e as variáveis sexo e idade foram mantidas no modelo final como critério clínico. O teste de Hosmer-Lemeshow e R2 fundamentaram a qualidade do ajuste e utilidade das variáveis explicativas. Todas as análises foram realizadas no software Stata 13.0, considerando-se o nível de significância de 0,05.

3 Resultados

A prevalência de deficit cognitivo foi de 51,5% (IC95%, 41,6-61,4) no período do estudo. Entre os homens, a prevalência foi de 51,0% (IC95%, 36,5-65,5) e, entre as mulheres, de 51,9% (IC95%, 37,9-66,0). A Tabela 1 descreve as características da amostra de estudo e a associação com deficit cognitivo. A média de idade foi de 71 (±8,34) anos, a maioria era do sexo feminino (54,5%), estavam internados sem acompanhante (63,3%), com tempo médio de escolaridade de 4,33 (±4,15) anos completos. Os motivos da internação predominantes foram as doenças cardiovasculares (45,5%), endócrinas (16,6%) e respiratórias (8,1%) com alta carga de morbidade, principalmente a hipertensão arterial sistêmica e diabetes. Observou-se que 79,2% dos pacientes apresentaram múltiplas comorbidades, pois obtinham dois ou mais diagnósticos de doenças crônicas, o que repercutiu na quantidade de medicações em uso. A média de medicamentos prescritos por idoso foi de 7,8 (±3,15) e o tempo médio de internamento foi 8,04 (± 8,01) dias.

Tabela 1
Caracterização sociodemográfica e condição de saúde dos idosos hospitalizados, de acordo com o deficit cognitivo.

A investigação da limitação funcional mostrou que 37,6% dos pacientes avaliados apresentaram dependência em uma ou mais atividades básicas de vida diária com média de 4,1 pontos (IC95%, 3,7-4,7). A Tabela 2 apresenta os resultados da análise do desempenho nas atividades básicas de vida diária e o deficit cognitivo. Observa-se que tanto o número de atividades comprometidas (p=0,002) quanto a classificação final do índice Katz (p=0,001) foram diferentes estatisticamente entre os grupos de idosos com e sem deficit cognitivo.

Tabela 2
Deficit cognitivo segundo o número de atividades de vida diária comprometidas e a classificação no Índice Katz entre os idosos hospitalizados.

A Figura 1 mostra a distribuição dos idosos com e sem deficit cognitivo de acordo com o grau de dependência nas ABVDs. Observa-se que a proporção de idosos sem deficit cognitivo é maior no grupo daqueles independentes e que idosos com dependência (parcial ou total) apresentam maiores prevalências de deficit cognitivo.

Figura 1
Proporção de deficit cognitivo de acordo com a classificação do desempenho para Atividades Básicas de Vida Diária (ABVD) dos idosos internados nos hospitais.

A análise bivariada demonstrou que a idade, as comorbidades, a polifarmácia, o hospital de internação e a funcionalidade em atividades básicas de vida diária foram associados ao desfecho (p<0,20). A Tabela 3 apresenta os modelos de regressão logística para as variáveis associadas ao deficit cognitivo, bruto e ajustado. Verificou-se que a associação entre deficit cognitivo e limitação funcional independe dos fatores que poderiam confundir a relação. Ter de uma a três atividades comprometidas aumentou em 7,47 (IC95%,1,97-28,42) vezes a chance de deficit. Por sua vez, a chance de deficit foi 4,25 (IC95%,1,18-15,38) vezes maior entre os idosos com quatro a seis dificuldades em atividades básicas de vida diária. A dependência nas ABVDs implicou um aumento de 5,08 (IC95%,1,84-14,01) na chance de deficit cognitivo.

Tabela 3
Modelos de regressão logística da associação entre o deficit cognitivo e limitação funcional em atividades básicas de vida diária de idosos hospitalizados.

Para exploração dos dados, foi determinado o efeito preditivo das variáveis que apresentaram correlações com significância estatística, com intuito de explicar tanto os resultados do MEEM quanto do índice de Katz. A escolaridade, a idade e o índice de Katz explicam 37,4% da variabilidade de MEEM. Já a idade e local de coleta explicam 44,5% da variabilidade do índice de Katz. Destaca-se que a limitação funcional foi fator preditivo do desempenho cognitivo dos idosos hospitalizados.

4. Discussão

Os resultados deste estudo mostram elevadas prevalências de deficit cognitivo e dependência nas atividades de vida diária dos idosos hospitalizados. Esses achados sugerem que, além de um evento multifatorial, o deficit cognitivo é resultado de condições funcionais e que, conforme estudos anteriores, podem colaborar na interpretação de sua complexidade etiológica e no direcionamento da sistematização da assistência por meio da elaboração de estratégias para avaliação e intervenção precoce direcionada, a fim de minimizar perdas cognitivas e funcionais que possam se originar com a hospitalização (Pereira et al., 2014Pereira, E. E. B., Souza, A. B. F., Carneiro, S. R., & Sarges, E. S. N. F. (2014). Funcionalidade global de idosos hospitalizados. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia, 17(1), 165-176. http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232014000100016.
http://dx.doi.org/10.1590/S1809-98232014...
.; Siqueira et al., 2004Siqueira, A. B., Cordeiro, R. C., Perracini, M. R., & Ramos, L. R. (2004). Impacto funcional da internação hospitalar de pacientes idosos. Revista de Saúde Pública, 38(5), 687-694. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102004000500011.
http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102004...
; Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
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).

A hipótese de associação entre deficit cognitivo e limitação funcional é fundamentada na premissa de que idosos hospitalizados estão expostos a complicações, como imobilidade no leito, risco de quedas, privação do sono e dor (Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
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), sendo que tais condições podem desencadear alterações cognitivas, como o delirium (Alvarez et al., 2012Alvarez, E., Garrido, M. A., Tobar, E. A., Prieto, A. S., Vergara, S. O., Briceno, C. D., & González, F. J. (2012). Terapia ocupacional precoz e intensiva en la prevención del delirium en adultos mayores ingresados a unidades de paciente crítico. ensayo clínico randomizado, resultados preliminares. Revista Chilena Terapia Ocupacional, 12(1), 45-58. http://dx.doi.org/10.5354/0719-5346.2012.22051.
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), por exemplo. A prevalência de deficit cognitivo levantada nesta pesquisa foi de 51,5%, o que corrobora outras evidências que adotaram as mesmas medidas de avaliação (Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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; Buurman et al., 2011Buurman, B. M., Hoogerduijn, J. G., de Haan, R. J., Abu-Hanna, A., Lagaay, A. M., Verhaar, H. J., Schuurmans, M. J., Levi, M., & de Rooij, S. E. (2011). Geriatric conditions in acutely hospitalized older patients, prevalence and one-year survival and functional decline. PLoS One, 6(11), e26951. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0026951.). Entretanto, é relevante ressaltar que o deficit pode ser transitório e os idosos, ao saírem do hospital, podem recuperar a condição cognitiva, conforme aponta estudo em Taiwan, que evidenciou que 31% dos idosos com deficit cognitivo intra-hospitalar se recuperaram após alta (Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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).

Os resultados apontaram que a dependência nas ABVD implicou um aumento de 5,8% na chance de deficit cognitivo, porém, essa associação entre deficit cognitivo e funcional ainda é bastante debatida. Spirgiene et al. (2010)Spirgiene, L., Macijauskiené, J., Kucikiené, O., & Lesauskaité, U. (2010). Assessment of cognitive function of the elderly in a hospital and long-term care institutions. Medicina, 46(1, Supl. 1), 63-70. corrobora o presente estudo ao apontar o deficit cognitivo como condição secundária ao declínio funcional já existente, sugerindo que o comprometimento funcional leva ao comprometimento cognitivo. Contudo, em estudo longitudinal de curto prazo, o deficit cognitivo foi considerado preditor do declínio funcional, junto com o fator idade avançada (Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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). Assim, independentemente da direção causal entre esses desfechos, o que se observa é a associação consistente entre estes, o que aumenta o sofrimento dos indivíduos, famílias e gastos com tratamento.

Os resultados díspares acerca da prevalência de deficit cognitivo e limitação funcional durante a hospitalização podem ser justificados pela pontuação distinta adotada em cada estudo, assim como também pela utilização de diferentes instrumentos de rastreio cognitivo e de funcionalidade. O Mini Exame do Estado Mental, amplamente utilizado, também foi adotado como medida avaliativa em outros estudos (Talmelli et al., 2010Talmelli, L. F. S., Gratão, A. C. M., Kusumota, L., & Rodrigues, R. A. P. (2010). Nível de independência funcional e déficit cognitivo em idosos com doença de Alzheimer. Revista Escola Enfermagem USP, 44(4), 933-936. http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342010000400011.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234201000...
; Hoogerduijn et al., 2012Hoogerduijn, J. G., Buurman, B. M., Korevaar, J. C., Grobbee, D. E., de Rooij, S. E., & Schuurmans, M. J. (2012). The prediction of functional decline in older hospitalized patients. Age and Ageing, 29(10), 381-387. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015.
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; von Renteln-Kruse et al., 2015von Renteln-Kruse, W., Neumann, L., Klugmann, B., Liebetrau, A., Golgert, S., Dapp, U., & Frilling, B. (2015). Geriatric patients with cognitive impairment. Deutsches Ärzteblatt International, 112(7), 103-112. http://dx.doi.org/10.3238/arztebl.2015.0103.
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), que consideraram idosos internados com alto grau de instrução e detentores de pontuação inferior a 24 pontos com declínio cognitivo. Entretanto, Chen et al. (2010)Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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, Buurman et al. (2011)Buurman, B. M., Hoogerduijn, J. G., de Haan, R. J., Abu-Hanna, A., Lagaay, A. M., Verhaar, H. J., Schuurmans, M. J., Levi, M., & de Rooij, S. E. (2011). Geriatric conditions in acutely hospitalized older patients, prevalence and one-year survival and functional decline. PLoS One, 6(11), e26951. http://dx.doi.org/10.1371/journal.pone.0026951. e Lourenço et al. (2014)Lourenço, T. M., Lenardt, M. H., Kletemberg, D. F., Seima, M. D., & Carneiro, N. H. K. (2014). Functional Independent of long-living elderly at hospital admission. Text Context Nursing, 23(3), 673-679. http://dx.doi.org/10.1590/0104-07072014001500013.
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utilizaram distintas pontuações desse teste em seus estudos, baseados em outros parâmetros psicométricos, comprometendo a comparação entre as investigações.

Este mesmo fenômeno pode ser observado para mensuração da capacidade funcional a qual a classificação em “independente” ou “dependente” é bastante plural e arbitrária na literatura. Há estudo que define como “sem comprometimento” o idoso internado que não apresenta nenhum comprometimento em quaisquer uma das atividades de vida diária (Hoogerduijn et al., 2012Hoogerduijn, J. G., Buurman, B. M., Korevaar, J. C., Grobbee, D. E., de Rooij, S. E., & Schuurmans, M. J. (2012). The prediction of functional decline in older hospitalized patients. Age and Ageing, 29(10), 381-387. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015.
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), porém, outros descrevem em quais atividades básicas da vida diária o idoso encontra-se dependente, sem considerar o score final (Mudge et al., 2010Mudge, M. A., O’Rourke, P., & Denaro, P. C. (2010). Timing and risk factors for functional changes associated with medical hospitalization in older patients. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 65(10), 866-872. http://dx.doi.org/10.1093/gerona/glq069.
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; Hoogerduijn et al., 2012Hoogerduijn, J. G., Buurman, B. M., Korevaar, J. C., Grobbee, D. E., de Rooij, S. E., & Schuurmans, M. J. (2012). The prediction of functional decline in older hospitalized patients. Age and Ageing, 29(10), 381-387. http://dx.doi.org/10.1093/ageing/afs015.
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). Outros autores que utilizaram índice de Barthel, por exemplo, levam em consideração a pontuação geral de 0 a 100 para definir capacidade funcional (Lendinez et al., 2010Lendinez, A. J. C., Hidalgo, P. L. P., Fernandéz, F. P. G., Garcia, M. I. C., Díaz, M. C. J., & Dávila, R. V. (2010). Deterioro funcional en ancianos ingresados en un hospital sin unidades geriátricas. Gerokomos, 21(1), 8-16.; Spirgiene et al., 2010Spirgiene, L., Macijauskiené, J., Kucikiené, O., & Lesauskaité, U. (2010). Assessment of cognitive function of the elderly in a hospital and long-term care institutions. Medicina, 46(1, Supl. 1), 63-70.). Em nosso estudo, buscamos compreender essas diferentes classificações e a estratificação da pontuação do índice de Katz permitiu compreender a associação do deficit cognitivo em relação à capacidade funcional dos idosos hospitalizados.

Os fatores que poderiam confundir a associação entre deficit cognitivo e funcional em idosos hospitalizados, hipótese que norteou esta investigação, como idade, especialmente idosos com mais de 80 anos, sexo feminino, estado nutricional desnutrido, baixa escolaridade, gravidade do quadro clínico, diagnóstico, isolamento social e efeitos adversos de psicofármacos, são considerados na literatura bons preditores, tanto de prejuízos da capacidade funcional (Cristo & Pernambuco, 2009Cristo, G. O., & Pernambuco, A. C. A. (2009). The Impact of Functional Status on Mortality of Elderly Patients. Einstein, 7(3), 266-270.; Ehlenbach et al., 2010Ehlenbach, W. J., Hough, C. L., Crane, P. K., Haneuse, S. J., Carson, S. S., Curtis, J. R., & Larson, E. B. (2010). Association between acute care and critical illness hospitalization and cognitive function in older adults. Journal of the American Medical Association, 303(8), 763-770.http://dx.doi.org/10.1001/jama.2010.167.
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; Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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; Mudge et al., 2010Mudge, M. A., O’Rourke, P., & Denaro, P. C. (2010). Timing and risk factors for functional changes associated with medical hospitalization in older patients. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 65(10), 866-872. http://dx.doi.org/10.1093/gerona/glq069.
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) como do deficit cognitivo (Mudge et al., 2011Mudge, A. M., Kasper, K., Anne, C., Redfern, H., Bell, J. J., Barras, M. A., Dip, G., & Pachana, N. A. (2011). Recurrent Readmissions in Medical Patients, a prospective study. Journal of Hospital Medicine, 6(2), 61-67.http://dx.doi.org/10.1002/jhm.811.
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; Covinsky et al., 2011Covinsky, K. E., Pierluissi, E., & Johnston, C. B. (2011). Hospitalization-Associated disability “She was probably able to ambulate, but I’m not sure”. Journal of the American Medical Association, 306(16), 1782-1793.http://dx.doi.org/10.1001/jama.2011.1556.
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), em idosos hospitalizados. Entretanto, em nosso estudo não se identificou diferenças significativas entre os grupos com e sem deficit cognitivo com base nessas características, o que difere de outros achados nacionais e internacionais (Folstein et al., 1975Folstein, M. F., Folstein, S. E., & Mchugh, P. R. (1975). Mini-Mental State, a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. Journal of Psychiatric Research, 12(1), 189-198. http://dx.doi.org/10.1016/0022-3956(75)90026-6.
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; Siqueira et al., 2004Siqueira, A. B., Cordeiro, R. C., Perracini, M. R., & Ramos, L. R. (2004). Impacto funcional da internação hospitalar de pacientes idosos. Revista de Saúde Pública, 38(5), 687-694. http://dx.doi.org/10.1590/S0034-89102004000500011.
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; Chen et al., 2010Chen, C. C. H., Chang, Y. C., Huang, G. H., Peng, J. H., & Tseng, C. N. (2010). Persistent Cognitive decline in older hospitalized patients in Taiwan. Journal of Advanced Nursing, 66(9), 1991-2011.http://dx.doi.org/10.1111/j.1365-2648.2010.05382.x.
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; Dias et al., 2015Dias, E. G., Andrade, F. B., Duarte, Y. A. O., Santos, J. L. F., & Lebrão, M. L. (2015). Atividades avançadas de vida diária e incidência de declínio cognitivo em idosos, estudo SABE. Cadernos de Saúde Pública, 31(8), 1623-1635.http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00125014.
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), que levantaram uma influência direta desses aspectos no desempenho cognitivo no contexto da hospitalização. Apesar disso, nosso modelo de análise ainda considerou as evidências para evitar possíveis fatores de confusão na associação, sustentando a hipótese da associação do deficit cognitivo e funcional.

Esses resultados sugerem a necessidade de ampliar a intervenção multiprofissional por reduzir o risco de declínio da capacidade funcional durante a hospitalização, por meio do acesso aos serviços de reabilitação precoce (Mudge et al., 2010Mudge, M. A., O’Rourke, P., & Denaro, P. C. (2010). Timing and risk factors for functional changes associated with medical hospitalization in older patients. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 65(10), 866-872. http://dx.doi.org/10.1093/gerona/glq069.
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; Covinsky et al., 2011Covinsky, K. E., Pierluissi, E., & Johnston, C. B. (2011). Hospitalization-Associated disability “She was probably able to ambulate, but I’m not sure”. Journal of the American Medical Association, 306(16), 1782-1793.http://dx.doi.org/10.1001/jama.2011.1556.
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). Esses serviços são geralmente mais acessíveis em hospitais de grande porte inseridos no Sistema Único de Saúde. Destaca-se, também, a contribuição dos resultados para pensar a própria intervenção terapêutica ocupacional baseada em evidência, ao considerar as potencialidades, limitações e o impacto das alterações cognitivas e da capacidade funcional no desempenho das ABVDs e na organização da rotina do idoso hospitalizado (Exner et al., 2017Exner, C., Batista, M. P. P., & Almeida, M. H. M. (2017). Experiência de terapeutas ocupacionais na atuação com idosos com comprometimento cognitivo leve. Cad. Bras. Ter. Ocup, 26(1), 17-26. http://dx.doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAO1017.
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).

Quanto aos locais de realização da coleta de dados, ressaltamos que estes possuem programas de residência multiprofissional que contam com a intervenção de um número variado de categorias profissionais, bem como especialidades médicas, atuantes na rotina das unidades, assistindo grande parte dos pacientes participantes na pesquisa.

Porém, apesar da atuação destas equipes, ainda assim constatou-se elevada prevalência de deficit cognitivo e limitação funcional entre os idosos hospitalizados, dados estes que não estavam descritos previamente em prontuário e só foram identificados após a realização da pesquisa, sinalizando a relevância da avaliação precoce durante as primeiras horas da internação, com vistas a contribuir para a recuperação e/ou manutenção da independência e autonomia o mais cedo possível.

Os resultados do estudo devem ser apreciados com algumas limitações. Embora a proposta do estudo não tenha sido de determinar a causalidade entre os desfechos, o delineamento transversal com uma amostra restrita, selecionada por conveniência, limita a inferência temporal entre estes. Também deve se destacar que o momento exato da evidência do deficit cognitivo ou funcional não pode ser estabelecido, uma vez que foram considerados somente os idosos já internados. Essa questão é discutida com mais detalhes em outros estudos, reforçando a hipótese de que os desfechos podem ocorrer em diferentes momentos da hospitalização (Spirgiene et al., 2010Spirgiene, L., Macijauskiené, J., Kucikiené, O., & Lesauskaité, U. (2010). Assessment of cognitive function of the elderly in a hospital and long-term care institutions. Medicina, 46(1, Supl. 1), 63-70.; Mudge et al., 2010Mudge, M. A., O’Rourke, P., & Denaro, P. C. (2010). Timing and risk factors for functional changes associated with medical hospitalization in older patients. The Journals of Gerontology. Series A, Biological Sciences and Medical Sciences, 65(10), 866-872. http://dx.doi.org/10.1093/gerona/glq069.
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).

5. Conclusões

Este estudo evidenciou a associação entre limitação nas atividades de vida diária e deficit cognitivo entre idosos, considerando potenciais fatores de confusão. O processo de incapacidade funcional e deficit cognitivo é complexo, e o estabelecimento de causalidade requer delineamentos de longo prazo. Contudo, a compreensão da relação entre deficit cognitivo e limitação funcional em idosos hospitalizados é condição inerente para o incentivo de uma prática clínica da terapia ocupacional baseada em evidências, bem como para a elaboração de políticas de incentivo à prevenção e recuperação desses danos no contexto hospitalar. Portanto, esta pesquisa colabora na sistematização da assistência ao público em questão, o que pode permitir às equipes multiprofissionais a elaboração de estratégias para avaliação e intervenção precoce direcionada, a fim de minimizar perdas cognitivas e funcionais que possam se originar com a hospitalização.

  • Como citar: Santos, B. P., Amorim, J. S. C., Poltronieri, B. C., & Hamdan, A. C. (2021). Associação entre limitação funcional e deficit cognitivo em pacientes idosos hospitalizados. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 29, e2101. https://doi.org/10.1590/2526-8910.ctoAO2101
  • 1
    Aprovação CEP, CAAE 37380414.4.0000.0096.

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Profa. Dra. Iza Faria-Fortini

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Abr 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    14 Maio 2020
  • Aceito
    16 Nov 2020
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