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A saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional

Resumo

Este ensaio teórico tem o objetivo de apontar importantes contribuições, no âmbito da Saúde e da Segurança do Trabalhador, no que se refere ao enfrentamento da COVID-19, baseando-se em leis, políticas, normas e recomendações internacionais sobre o assunto. Pretende-se, ainda, identificar possíveis atuações em Terapia Ocupacional, saúde e trabalho, levando em consideração o combate à pandemia no Brasil. A literatura aponta que profissionais da saúde têm três vezes mais chances de contrair o vírus do que a população em geral. Por essa razão, no Brasil, o Governo federal precisa se articular com os estaduais e os municipais para elaborar, adaptar, implementar e fiscalizar leis, políticas e normas sobre saúde e segurança do trabalhador, de forma a garantir condições de trabalho adequadas e diminuir os riscos à saúde dos trabalhadores durante a pandemia. Sobre a Terapia Ocupacional, foram pontuados direcionamentos iniciais acerca da atuação no âmbito da saúde do trabalhador, considerando o que preconizam o Sistema Único de Saúde, a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e o Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional. Convém enfatizar que ações não devem ser direcionadas somente aos trabalhadores dos serviços de saúde, mas também aos de outros serviços assistenciais essenciais e considerar estratégias para alcançar os que trabalham de forma desregulamentada.

Palavras-chave:
Saúde Pública; Exposição Ocupacional; Saúde do Trabalhador; Terapia Ocupacional; COVID-19; Coronavírus

Abstract

This theoretical essay aims to point out the main contributions in the health and workers' safety aspects, considering the laws, public policies, international recommendations, and point out possible paths and roles of Occupational Therapy to fight against COVID-19 Brazilian pandemic. The literature shows that health care workers have three times more likely to get infected than the general population. Thus, in Brazil, the Federal Government needs to articulate with the local and regional sphere to create, adapt, implement and inspect laws, policies, and standards on workers' health and safety to ensure conditions to work and reduce health risks for workers during the pandemic. Regarding Occupational Therapy, initial guidelines were pointed out about the work in the occupational health, considering policies of the Unified Health System, National Health Policy for Workers and Federal Council of Physiotherapy and Occupational Therapy. The actions must be directed not only to health service workers, but also to other essential assistance services, and those who work in an unregulated manner.

Keywords:
Public Health; Occupational Exposure; Occupational Health; Occupational Therapy; COVID-19; Coronavirus

1 Introdução

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou o surto causado pelo novo coronavírus (SARS-CoV-2), uma pandemia global ( Cucinotta & Vanelli, 2020Cucinotta, D., & Vanelli, M. (2020). WHO Declares COVID-19: a pandemic. Acta Bio Medica Atenei Parmensis , 91 (1), 157-160. http://dx.doi.org/10.23750/abm.v91i1.9397.
http://dx.doi.org/10.23750/abm.v91i1.939...
). Detectado pela primeira vez em dezembro de 2019, na cidade de Wuhan, China, esse vírus causa uma doença denominada de COVID-19, cujo quadro clínico varia de infecções assintomáticas a quadros respiratórios graves. No Brasil, o primeiro caso foi notificado no dia 21 de fevereiro de 2020 ( Gorbalenya et al., 2020Gorbalenya, A. E., Baker, S. C., Baric, R. S., Groot, R. J., Drosten, C., Gulyaeva, A. A., Haagmans, B. L., Lauber, C., Leontovich, A. M., Neuman, B. W., Penzar, D., Perlman, S., Poon, L. L. M., Samborskiy, D., Sidorov, I. A., Sola, I., & Ziebuhr, J. (2020). Severe acute respiratory syndrome-related coronavirus: The species and its viruses – a statement of the Coronavirus Study Group. BioRxiv , 1-15. In press. https://doi.org/10.1101/2020.02.07.937862.
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).

Desde então, diversos países e instituições vêm atualizando os números sobre a doença quase em tempo real. Como exemplo de vias de divulgação dessas informações, temos o site criado pela Universidade Johns Hopkins e a OMS, que libera relatórios diários sobre a evolução da pandemia e descreve as principais mudanças ocorridas em relação à situação do dia anterior ( Candido et al., 2020Candido, D. S., Watts, A., Abade, L., Kraemer, M. U. G., Pybus, O. G., Croda, J., Oliveira, W., Khan, K., Sabino, E. C., & Faria, N. R. (2020). Routes for COVID-19 importation in Brazil. Journal of Travel Medicine , 27 (3), 1-3. http://dx.doi.org/10.1093/jtm/taaa042.
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; World Health Organization, 2020World Health Organization – WHO. (2020). Coronavirus disease 2019 (COVID-19) (Situation Report, Vol. 69). Genebra: WHO. ).

No relatório nº 94 de 23 de abril de 2020, a OMS confirmou a existência mundial de 2.544.792 casos e 175.694 mortes. Esses números ultrapassaram rapidamente os da última pandemia - a da gripe suína (H1N1) - que causou 18 mil mortes em todo o mundo, entre 2009 e 2010. No Brasil, em abril, já havia 43.079 casos confirmados e 2.741 mortes causadas pela COVID-19, colocando-o como o país da América do Sul em que mais se detectaram casos. O número de mortes no país por COVID-19 dobra a cada cinco dias e supera os índices da Europa e dos Estados Unidos ( Candido et al., 2020Candido, D. S., Watts, A., Abade, L., Kraemer, M. U. G., Pybus, O. G., Croda, J., Oliveira, W., Khan, K., Sabino, E. C., & Faria, N. R. (2020). Routes for COVID-19 importation in Brazil. Journal of Travel Medicine , 27 (3), 1-3. http://dx.doi.org/10.1093/jtm/taaa042.
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; Pierre, 2020Pierre, E. (2020). Curva de mortes de Covid-19 no Brasil está mais rápida que a da Espanha, dizem universidades . G1. Recuperado em 20 de março de 2020, de https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/noticia/2020/04/23/curva-de-mortes-de-covid-19-no-brasil-esta-mais-rapida-que-a-da-espanha-dizem-universidades.ghtml
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; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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; World Health Organization, 2020World Health Organization – WHO. (2020). Coronavirus disease 2019 (COVID-19) (Situation Report, Vol. 69). Genebra: WHO. ).

Ao quase continente chamado Brasil - devido ao seu vasto território – com sua diversidade cultural, a distribuição econômica desigual e a grande variabilidade dos seus equipamentos de saúde, acrescentam-se desafios no que tange à efetividade da vigilância na área de Saúde do Trabalhador. A redução de investimentos e o constante processo de precarização do Sistema Único de Saúde (SUS), principalmente nos últimos três anos, depois da inclusão de um novo regime fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da Seguridade Social da União, por meio da aprovação da Emenda Constitucional 95, vêm colocando à prova a organização e a estrutura do sistema brasileiro de vigilância e assistência (Lacaz et al., 2019). Aspectos como o despreparo e a desproteção das equipes de saúde em relação a essa pandemia são identificados como pontos importantes a serem discutidos.

O SUS, considerado o maior sistema público de saúde do mundo, mesmo tendo sido subfinanciado desde sua criação, vem fornecendo a base necessária para as ações de enfrentamento da COVID-19, por dispor de uma rede de serviços, equipamentos e recursos humanos. Entretanto, a falta de investimentos, seu desmonte e sua desestruturação ficam mais evidentes nos momentos de crise, denotando o número insuficiente de recursos humanos na saúde; a falta de treinamento das equipes da atenção básica e da média complexidade para lidar com as suspeitas e com os casos da COVID-19; o número insuficiente de equipamentos de proteção individual (EPI); a falta de profissionais especializados em serviços de urgência; as poucas ações de prevenção interna nos espaços de cuidado, dentre outras ações necessárias ao enfrentamento de situações emergenciais de saúde pública ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Lacaz et al., 2019Lacaz, F. A. C., Reis, A. A. C., Lourenço, E. A. S., Goulart, P. M., & Trapé, C. A. (2019). Movimento da Reforma Sanitária e Movimento Sindical da Saúde do Trabalhador: um desencontro indesejado. Saúde em Debate , 43 (spe8), 120-132. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042019s809.
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; The Lancet, 2020The Lancet. (2020). Editorial. COVID-19: protecting health-care workers. The Lancet , 395 (10228), 922. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9.
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).

As discussões que permeiam as necessidades de produção normativa que envolvam a saúde e a segurança do trabalhador, durante o enfrentamento de emergências de saúde pública – aedes aegypti, H1N1, zika vírus - e a legislação sanitária referente ao controle de doenças carecem de atualização. O Estado brasileiro, para cumprir a Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora (PNSTT), deve garantir a saúde e a segurança durante a execução de suas atividades produtivas ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Brasil, 2018Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2018). Saúde do trabalhador e da trabalhadora (Cadernos de Atenção Básica, No. 41). Brasília: Ministério da Saúde. ; Lacaz et al., 2019Lacaz, F. A. C., Reis, A. A. C., Lourenço, E. A. S., Goulart, P. M., & Trapé, C. A. (2019). Movimento da Reforma Sanitária e Movimento Sindical da Saúde do Trabalhador: um desencontro indesejado. Saúde em Debate , 43 (spe8), 120-132. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042019s809.
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).

No que tange ao enfrentamento da pandemia da COVID-19, os estados brasileiros têm promovido ações de cunho individual e coletivo para lidar com os impactos sanitários e econômicos. Governadores dos estados que constituem o Consórcio de Integração Sul e Sudeste (COSUD) reuniram-se em 02 de abril de 2020 e propuseram medidas econômicas e fiscais que contribuam para que os governos locais enfrentem a crise sanitária. Além disso, os nove estados do Nordeste do Brasil formaram o Comitê Científico de Combate ao Coronavírus (C4NE) para auxiliar os governadores a encontrarem a melhor forma de planejar a alocação dos recursos para combater a proliferação do vírus e estruturar o sistema de saúde, associados à adoção de medidas de isolamento social pouco debatidas no âmbito das legislações vigentes. Essas medidas reconhecem o trabalhador e a trabalhadora do SUS como a maior e mais potente força de combate à pandemia ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Lacaz et al., 2019Lacaz, F. A. C., Reis, A. A. C., Lourenço, E. A. S., Goulart, P. M., & Trapé, C. A. (2019). Movimento da Reforma Sanitária e Movimento Sindical da Saúde do Trabalhador: um desencontro indesejado. Saúde em Debate , 43 (spe8), 120-132. http://dx.doi.org/10.1590/0103-11042019s809.
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; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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).

Quanto à atuação dos terapeutas ocupacionais para combater e tratar a COVID-19, no início de abril, o Governo Federal, por meio da Portaria nº 639, que dispõe da ação estratégica e obrigatória ‘Brasil, Conta Comigo’, apresenta uma proposta “[...] voltada para a capacitação e o cadastramento de profissionais de Saúde, entre eles, fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais” ( Brasil, 2020cBrasil. (2020c, 23 de março). Portaria GM/MS n° 492, de 23 de março de 2020. Institui a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada para os alunos dos cursos da área de Saúde, para o enfrentamento da pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil , Brasília, seção 1, p. 56. , p. 01). Todos os profissionais regulares no Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO) e no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CREFITO) precisam se cadastrar, no que tange ao objetivo da normativa, que visa “[...] proporcionar capacitação aos profissionais da área da Saúde nos protocolos clínicos do Ministério da Saúde para o enfrentamento da COVID-19, devendo perdurar até o fim da pandemia” ( Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, 2020Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO. (2020). Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais do Brasil.Brasília: COFFITO. , p. 1). A inclusão do terapeuta ocupacional nas capacitações oferecidas pelo Governo do Brasil demonstra que ele é um profissional importante e necessário no enfrentamento à pandemia ( Brasil, 2020cBrasil. (2020c, 23 de março). Portaria GM/MS n° 492, de 23 de março de 2020. Institui a ação estratégica “O Brasil Conta Comigo”, voltada para os alunos dos cursos da área de Saúde, para o enfrentamento da pandemia do coronavírus (COVID-19). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil , Brasília, seção 1, p. 56. ). Devido a isso, é imprescindível discutir sobre as possibilidades de atuar nesse momento.

Nessa direção, o objetivo deste ensaio teórico é de apontar importantes contribuições, no âmbito da Saúde e da Segurança do Trabalhador, no que se refere ao enfrentamento da COVID-19, baseando-se em leis, políticas, normas e recomendações internacionais sobre o assunto. Pretende-se, também, identificar possíveis atuações em terapia ocupacional, saúde e trabalho, com vistas ao combate à pandemia no Brasil.

2 Saúde, Segurança, Trabalho e Coronavírus: Direcionamentos Possíveis Acerca da Atuação da Terapia Ocupacional

Tanto no Brasil quanto na China, as primeiras mortes por COVID-19 foram de trabalhadores contaminados no exercício de suas funções. Em Wuhan, os primeiros óbitos foram referentes a trabalhadores do mercado de frutos do mar da cidade, considerado o foco inicial de contaminação devido ao manuseio de animais vivos. No Brasil, que diz respeito ao início dos óbitos, uma das primeiras vítimas foi uma empregada doméstica, contaminada depois de ser exposta ao vírus por seus empregadores que tinham retornado da Itália no início do ano ( Goumenou et al., 2020Goumenou, M., Sarigiannis, D., Tsatsakis, A., Anesti, O., Docea, A. O., Petrakis, D., & Calin, D. (2020). COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the outbreak. Molecular Medicine Reports , 22 (1), 20-32. http://dx.doi.org/10.3892/mmr.2020.11079.
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; Leme, 2020Leme, V. (2020). Ministério Público do Trabalho analisa morte de doméstica no RJ após patroa ter coronavírus . BBC Brasil. Recuperado em 20 de março de 2020, de https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51982465
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; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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).

No que se refere especificamente aos trabalhadores da área da Saúde, os principais desafios que eles vivenciam no enfrentamento da pandemia são a elevada transmissibilidade do vírus, a falta de EPI, a sobrecarga de trabalho e os impactos na saúde mental. A Comissão Nacional de Saúde da China informou que mais de 3.300 profissionais foram infectados até o início de março. Na Itália, 20% dos profissionais da área de Saúde foram contaminados depois de ter contato com pacientes infectados. A infecção também atingiu os trabalhadores dos serviços de limpeza, e a falta de EPI adequados nos hospitais foi o motivo mais apontado para o aumento das taxas de infecção ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Leme, 2020Leme, V. (2020). Ministério Público do Trabalho analisa morte de doméstica no RJ após patroa ter coronavírus . BBC Brasil. Recuperado em 20 de março de 2020, de https://www.bbc.com/portuguese/brasil-51982465
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; Tavares, 2020Tavares, V. (2020). Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente . Rio de Janeiro: Fiocruz. Recuperado em 27 de abril de 2020, de https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente
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; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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; Goumenou et al., 2020Goumenou, M., Sarigiannis, D., Tsatsakis, A., Anesti, O., Docea, A. O., Petrakis, D., & Calin, D. (2020). COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the outbreak. Molecular Medicine Reports , 22 (1), 20-32. http://dx.doi.org/10.3892/mmr.2020.11079.
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; The Lancet, 2020The Lancet. (2020). Editorial. COVID-19: protecting health-care workers. The Lancet , 395 (10228), 922. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30644-9.
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).

A literatura científica sobre o assunto aponta que os profissionais da área de Saúde têm três vezes mais chances de contrair o vírus do que a população em geral. No Brasil, cerca de 3,5 milhões de trabalhadores atuam no Sistema Único de Saúde (SUS). No estado de Pernambuco, mais de 1.353 profissionais da Saúde foram testados positivos para a COVID-19 - uma das mais altas taxas de contaminação do país ( Goumenou et al., 2020Goumenou, M., Sarigiannis, D., Tsatsakis, A., Anesti, O., Docea, A. O., Petrakis, D., & Calin, D. (2020). COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the outbreak. Molecular Medicine Reports , 22 (1), 20-32. http://dx.doi.org/10.3892/mmr.2020.11079.
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; Tavares, 2020Tavares, V. (2020). Covid-19: a saúde dos que estão na linha de frente . Rio de Janeiro: Fiocruz. Recuperado em 27 de abril de 2020, de https://portal.fiocruz.br/noticia/covid-19-saude-dos-que-estao-na-linha-de-frente
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; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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).

Entre as 14 categorias profissionais da área da Saúde que constituem a linha de frente no combate e no tratamento da pandemia e considerando o que preconizam o SUS e a PNSTT, entendemos que a terapia ocupacional é uma profissão que pode desenvolver ações tanto com os indivíduos que contraíram a doença e seus familiares quanto com os trabalhadores da Saúde, além de ações para prevenir o contágio ( Brasil, 2018Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2018). Saúde do trabalhador e da trabalhadora (Cadernos de Atenção Básica, No. 41). Brasília: Ministério da Saúde. ). De acordo com o COFFITO – Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (2020)Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional – COFFITO. (2020). Fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais do Brasil.Brasília: COFFITO. e com portarias do Ministério de Saúde, os terapeutas ocupacionais têm respaldado para atuar nos âmbitos da Atenção Básica à Saúde, a partir dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), e da rede hospitalar, considerados dispositivos importantes no combate à pandemia. O referido Conselho regulamenta, ainda, por meio da Resolução nº 459, de 20 de novembro de 2015, que os terapeutas ocupacionais têm competência para atuar na área de Saúde do Trabalhador, por meio de programas de estratégias inclusivas, de prevenção, proteção e recuperação da saúde.

Na Atenção Básica, as principais ações direcionadas à população, que podem ser realizadas pela profissão, são as orientações de prevenção do contágio, para saber como as pessoas atendidas desenvolvem cotidianamente seus hábitos de higiene pessoal e do ambiente em que vivem e como podem adquirir novos hábitos para evitar o contágio e a transmissão do vírus que sejam condizentes com suas possibilidades, seu contexto social, econômico e cultural e as condições em que vivem. A terapia ocupacional também pode desenvolver ações direcionadas aos processos de adequação/reformulação/reorganização das atividades realizadas no cotidiano de indivíduos e famílias atendidos - tanto com as famílias que têm condições de se manter em isolamento social quanto as que estão em situações em que alguns de seus membros precisem sair do ambiente domiciliar para trabalhar. O matriciamento das equipes de Saúde da Família, com ações de acolhimento dos profissionais e de reorganização de processos de trabalho, também é essencial ( Pimentel et al., 2011Pimentel, A., Costa, M., & Souza, F. (2011). Terapia Ocupacional na Atenção Básica: a construção de uma prática. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , 22 (2), 110-116. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v22i2p110-116.
http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-614...
; Brasil, 2020aBrasil. (2020a). Protocolo de manejo clínico para o novo-coronavírus (2019-nCoV) . Brasília: Ministério da Saúde. Recuperado em 23 de março de 2020, de https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2020/fevereiro/11/protocolo-manejo-coronavirus.pdf
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).

No âmbito hospitalar, a terapia ocupacional pode contribuir para adaptar os usuários à rotina do hospital e aos cuidados diários exigidos; para prestar esclarecimentos sobre a doença e seu tratamento, a fim de que o usuário compreenda sua nova situação; para posicionar o paciente no leito adequadamente e prevenir úlceras por pressão; para criar dispositivos e recursos de tecnologia assistiva que possibilitem a realização de atividades cotidianas, como alimentar-se, vestir-se e realizar o autocuidados no ambiente hospitalar, e para criar, junto com os familiares, estratégias necessárias para continuar fazer as principais atividades realizadas no cotidiano familiar, enquanto um de seus membros estiver hospitalizado. Ações de acolhimento a familiares, por causa dos impactos do afastamento involuntário entre os membros da família e das situações de luto, também são necessárias, sobretudo as de cuidado prestado à pessoa em processo de adoecimento, hospitalização e iminência de morte, levando em consideração as repercussões biopsicossociais provenientes desse processo ( Frizzo & Corrêa, 2018Frizzo, H. C. F., & Corrêa, V. A. C. (2018). Terapia ocupacional em contextos hospitalares: a especialidade, atribuições, competências e fundamentos. Revista Família Ciclos de Vida e Saúde no Contexto Social , 6 (1), 130-139. ).

Em relação à atuação com os trabalhadores da saúde, os terapeutas ocupacionais podem intervir por meio de ações direcionadas ao acompanhamento e ao apoio desses profissionais, principalmente nos casos de afastamento do trabalho, e auxiliá-los a se adaptar a novas rotinas de trabalho e aos processos de retorno ao trabalho. Somam-se a isso as atuações direcionadas a solucionar problemas impostos pelos desafios encontrados para garantir a proteção e a segurança para o exercício do trabalho dos profissionais da saúde ( Lancman et al., 2016Lancman, S., Barros, J., & Jardim, T. (2016). Teorias e práticas de retorno e permanência no trabalho: elementos para a atuação dos terapeutas ocupacionais. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo , 27 (2), 101-108. http://dx.doi.org/10.11606/issn.2238-6149.v27i2p101-108.
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).

Ressalte-se, todavia, que os profissionais da área da Saúde, inclusive os que intervêm no âmbito da saúde do trabalhador, enfrentam desafios ao atuar na pandemia, e um dos principais é a escassez de EPI, realidade encontrada em diversos países. Compreender as condições de trabalho e elaborar estratégias para preparar/treinar o trabalhador para desenvolver suas atividades laborais são atitudes que devem ser tomadas com urgência para decidir como serão destinados os recursos, realizadas proposições para organizar o trabalho e criar medidas protetivas, que priorizem a saúde dos profissionais e tenham como objetivo enfrentar e contingenciar a pandemia nos serviços de atendimento essenciais ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Brasil, 2018Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2018). Saúde do trabalhador e da trabalhadora (Cadernos de Atenção Básica, No. 41). Brasília: Ministério da Saúde. ; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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).

A insuficiência desses equipamentos é apenas um dos aspectos observados no processo de desvalorização e degradação do trabalho em saúde. Pesquisas, publicações e reportagens diversas mostram relatos de profissionais da área que descrevem as duras e as prolongadas jornadas de trabalho; a exaustão física e mental; a falta de assistência por parte dos gestores e do sistema governamental brasileiro; e a falta de equipamentos e dispositivos fundamentais para o diagnóstico e o tratamento dos indivíduos com quadros clínicos suspeitos ou contaminados pelo vírus (testes rápidos, respiradores, balões de oxigênio, entre outros). Esses aspectos também são somados com as angústias para tomar decisões difíceis no momento da triagem, com a dor de perder colegas de trabalho e pacientes, com o risco de infecção tanto de si quanto de familiares e com a impossibilidade de fazer a testagem rápida em larga escala devido à inexistência de vacina e de tratamentos com eficácia cientificamente comprovada ( Brasil, 2018Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. (2018). Saúde do trabalhador e da trabalhadora (Cadernos de Atenção Básica, No. 41). Brasília: Ministério da Saúde. ; Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
https://www.comitecientifico-ne.com.br...
; Cucinotta & Vanelli, 2020Cucinotta, D., & Vanelli, M. (2020). WHO Declares COVID-19: a pandemic. Acta Bio Medica Atenei Parmensis , 91 (1), 157-160. http://dx.doi.org/10.23750/abm.v91i1.9397.
http://dx.doi.org/10.23750/abm.v91i1.939...
; Candido et al., 2020Candido, D. S., Watts, A., Abade, L., Kraemer, M. U. G., Pybus, O. G., Croda, J., Oliveira, W., Khan, K., Sabino, E. C., & Faria, N. R. (2020). Routes for COVID-19 importation in Brazil. Journal of Travel Medicine , 27 (3), 1-3. http://dx.doi.org/10.1093/jtm/taaa042.
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).

3 Trabalho Precário, Desemprego e Saúde do Trabalhador: Ações Emergenciais em Pandemias

No Brasil, a desvalorização e a precarização do trabalho dos profissionais de Saúde é histórica. O trabalho é caracterizado por baixos salários, falta de plano de carreira, fragilização de vínculos trabalhistas, elevadas cargas horárias de trabalho e insuficiência de ações de educação permanente que tenham como público-alvo os trabalhadores ( Romero & Delduque, 2017Romero, L. C. P., & Delduque, M. C. (2017). O Congresso Nacional e as emergências de saúde pública. Saúde e Sociedade , 26 (1), 240-255. http://dx.doi.org/10.1590/s0104-12902017156433.
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; Porto & Martins, 2019Porto, M. F. S., & Martins, B. S. (2019). Repensando alternativas em Saúde do Trabalhador em uma perspectiva emancipatória. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional , 44 , e16. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369000019018.
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).

A pandemia causada pela COVID-19 nos mostra a fragilidade das leis e das normas que asseguram a saúde e a segurança do trabalhador. Embora sejam necessárias medidas de proteção, capacitação e oferta de condições de trabalho adequadas para os profissionais dos estabelecimentos de saúde, é importante que haja, sobretudo, mais destinação de recursos para essas medidas, contratação de um número maior de profissionais na linha de frente, reflexões e ações que foquem a organização dos processos de trabalho, aproximação da gestão responsável pelos ambientes de trabalho, capacitação/treinamento dos trabalhadores, entre outras ações.

O atual governo do Brasil, a partir de 2019, fez diversas modificações nas normas que regulamenta a segurança no trabalho. As mudanças foram apoiadas por empresários, mas, da mesma forma, muitas críticas foram atribuídas por parte dos sindicatos e do Ministério Público do Trabalho (MPT) ( Warth, 2020Warth, A. (2020, abril, 27). Governo altera mais normas de segurança do trabalho. Estadão (Economia & Negócios) . Recuperado em 27 de abril de 2020, de https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,governo-altera-mais-normas-de-seguranca-do-trabalho-incluindo-exames-para-algumas-categorias,70003229363
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). O governo contabiliza que a modificação nas normas de segurança tem o objetivo de reduzir exigências feitas às empresas, o que acarreta mais lucratividade para elas. Em termos de normativas que garantem a segurança dos trabalhadores, o governo brasileiro vem retrocedendo no que se refere às conquistas trabalhistas anteriores.

Nessa perspectiva, compreende-se que, à medida que a pandemia se alastra, a necessidade de usar os EPI e de adotar as medidas de conscientização, capacitação e proteção, é colocada não só para os profissionais de saúde, como também para os trabalhadores que atuam nos demais serviços públicos e privados considerados essenciais em tempos de pandemia, como, por exemplo, os serviços de limpeza, segurança, alimentação, venda e distribuição de medicamentos, venda de combustíveis, serviços funerários e outros.

Embora não seja o objetivo central deste manuscrito aprofundar-se na questão da saúde e da segurança dos trabalhadores envolvidos em outros serviços essenciais que não os de saúde, as capacitações, as normativas e as intervenções sobre segurança no trabalho devem abranger todos os trabalhadores. Na Itália, caixas de supermercado relataram que receberam gel desinfetante, luvas e apenas uma máscara, que deveria ser reutilizada ( Goumenou et al., 2020Goumenou, M., Sarigiannis, D., Tsatsakis, A., Anesti, O., Docea, A. O., Petrakis, D., & Calin, D. (2020). COVID-19 in Northern Italy: an integrative overview of factors possibly influencing the sharp increase of the outbreak. Molecular Medicine Reports , 22 (1), 20-32. http://dx.doi.org/10.3892/mmr.2020.11079.
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). Em São Paulo, o Ministério Público do Trabalho (MPT) contabilizou cerca de 500 denúncias contra empresas que expuseram seus funcionários ao risco de contaminação, registradas entre os dias 1º e 24 de março de 2020 ( Rede Brasil Atual, 2020Rede Brasil Atual. (2020). Quarentena impõe condições especiais para trabalhadores em serviços essenciais . Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2020/03/quarentena-direitos-trabalhadores-servicos-essenciais/
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).

Acerca da sabida subnotificação do número de pessoas com COVID-19, principalmente na realidade brasileira, os grupos ocupacionais não têm feito uma notificação específica, por isso não é possível avaliar onde e em que circunstâncias os indivíduos testados positivos ou diagnosticados com a doença estavam trabalhando, tampouco identificar focos de disseminação relacionados às atividades de trabalho ( Fiho et al., 2020Fiho, J. M. J., Assunção, A. A., Algranti, E., Garcia, E. G., Saito, C. A., & Maeno, M. (2020). A saúde do trabalhador e o enfrentamento da COVID -19. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional , 45 (e14), 1-3. http://dx.doi.org/10.1590/2317-6369ed0000120.
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).

O isolamento social da população e o uso de EPI para circular são considerados duas das principais medidas a serem adotadas para aumentar a proteção de todos e, em especial, dos trabalhadores e trabalhadoras que têm garantida a continuidade da vida da sociedade em geral ( Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste, 2020Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste – C4NE. (2020). Recuperado em 20 de abril de 2020, de https://www.comitecientifico-ne.com.br
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). Neste momento, o Estado brasileiro deve garantir proteção social para toda a classe trabalhadora, inclusive para a que enfrenta problemas com a desregulamentação, já que, em fevereiro deste ano, atingiu-se o índice de 41,1% de trabalhadores informais, um dos maiores da história do país ( Almeida, 2020Almeida, I. M. (2020). Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Revista Brasileira de Saúde Ocupacional , 45 , e17. http://dx.doi.org/10.1590/scielopreprints.140.
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).

Considerando que, em alguns países do mundo, existe uma alta taxa de trabalhadores que têm vínculos formais de trabalho, resguardados por meio de direitos e de proteção social, as medidas adotadas no combate à pandemia serão mais eficientes. Isso se deve ao fato de que a proteção proposta pelo Governo se dará dentro de dispositivos já consolidados. Todavia, no caso dos países em desenvolvimento, que detêm altos índices de desigualdade social e muitos trabalhadores inseridos na economia informal ou desempregados, os efeitos do vírus serão mais devastadores, principalmente no que diz respeito à saúde do trabalhador. Consequentemente, o Governo, juntamente com os profissionais da linha de frente, deve dedicar-se a elaborar medidas contra a pandemia que, no geral, terão mais dificuldade de surtir o efeito desejado ( Melo, 2020Melo, T. (2020, abril 3). Ricardo Antunes e o proletariado em tempos de pandemia . Cult. Recuperado em 3 de abril de 2020, de https://revistacult.uol.com.br/home/o-proletariado-em-tempos-de-pandemia/
https://revistacult.uol.com.br/home/o-pr...
).

Acerca dos trabalhadores informais, é importante pontuar que os profissionais que desenvolvem ações que consideram os impactos do trabalho sobre a vida dos sujeitos precisam refletir sobre a elaboração de ações de educação em saúde que sejam capazes de extrapolar a rede formalizada de saúde e alcançar indivíduos em situações de trabalho atípicas. A partir do momento em que uma pandemia é instalada, os trabalhadores de serviços essenciais que enfrentam a escassez de direitos trabalhistas podem ficar sujeitos a receber menos treinamentos, capacitações e informações para executar seu trabalho de maneira segura.

No que diz respeito à garantia de uma renda básica para os indivíduos impedidos de trabalhar, prejudicados financeiramente pela pandemia ou que enfrentam dificuldades financeiras diversas, no Brasil, o Projeto de Lei n° 873, de 2020 foi aprovado com o intuito de proporcionar uma renda auxiliar emergencial no período de enfrentamento à crise causada pela pandemia no valor de R$ 600,00, para até duas pessoas da mesma família - nesse caso, um total R$ 1.200,00, pelo período de três meses, destinado aos indivíduos cadastrados no Programa Bolsa Família e no Cadastro Único, a trabalhadores informais, a microempreendedores individuais (MEI), a autônomos e a desempregados ( Brasil, 2020bBrasil. (2020b, 2 de abril). Projeto de Lei do Senado n° 873/2020. Promove mudanças no auxílio emergencial instituído pela Lei nº. 13.982, de 2 de abril de 2020, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil , Brasília, seção 1, p. 2. Recuperado em 20 de março de 2020, de https://legis.senado.leg.br/norma/32180339
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).

É necessário garantir a efetivação dos princípios e das ações preconizados pela Política Nacional de Saúde do Trabalhador e da Trabalhadora e das demais políticas e legislações trabalhistas, bem como criar, reformular e implementar medidas efetivas no âmbito da saúde e da segurança ocupacional de trabalhadores de todos os serviços considerados essenciais no Brasil. Entre outros aspectos desafiadores e sem precedentes colocados pela pandemia, destacam-se a alta carga viral e sua rápida transmissibilidade, que exigem mecanismos de gestão e tomada de decisão céleres e eficientes para garantir proteção, boa qualidade de vida e condições de trabalho mais dignas para todos os trabalhadores da linha de frente. Além disso, o estabelecimento de uma renda básica é de extrema necessidade para populações que enfrentam altos índices de desemprego e grande incidência da economia informal.

4 Considerações Finais

A pandemia recoloca, na ordem do dia, a defesa do SUS e de seus princípios de universalidade, integralidade e equidade, assim como a dos sistemas de garantia de direitos da classe trabalhadora brasileira, a saber: direito ao acesso a serviços de saúde; à proteção social, nos casos de impossibilidade de exercer suas atividades de trabalho; ao trabalho digno, instrumentalizado e protegido aos trabalhadores e trabalhadoras da saúde e dos serviços essenciais públicos e privados; a uma renda básica, em caso de desemprego ou de trabalho desregulamentado; e, mais do que nunca, o direito fundamental à vida.

Como se trata de um ensaio teórico e reflexivo escrito em meio a uma pandemia, as situações emergenciais relacionadas às leis, às normas e às orientações dobre a segurança no trabalho bem como às atuações profissionais precisam ser constantemente revistas. A partir desta reflexão, indica-se que devem ser realizadas discussões ampliadas sobre os limites e as possibilidades de praticar a terapia ocupacional na área de Saúde, especificamente no enfrentamento às pandemias, e sistematizar as experiências que já vêm sendo feitas.

Nesse cenário de emergência sanitária, terapeutas ocupacionais vêm propondo, no âmbito da Atenção Básica, práticas de prevenção do contágio e/ou de agravos decorrentes da COVID-19, bem como de promoção e recuperação da saúde, entre elas, a reorganização do cotidiano familiar na diversidade de novos contextos; no âmbito hospitalar, desde ações de adequação postural até orientações aos familiares de pessoas internadas por COVID-19; e no âmbito da saúde do trabalhador, práticas de cuidado com os trabalhadores da linha de frente e de reorganização de processos de trabalho dessas equipes, bem como sua permanência e o retorno ao trabalho depois do contágio. A terapia ocupacional apresenta um amplo escopo de atuação nesses três âmbitos e que, em relação à área de Saúde do Trabalhador, suas ações podem abranger todos os trabalhadores das áreas consideradas essenciais, tendo como base a compreensão de suas condições de trabalho, considerando o papel do Estado, a legislação trabalhista, as recomendações da Organização Internacional do Trabalho e a necessidade de intervenções interinstitucionais e intersetoriais.

Nesse sentido, os terapeutas ocupacionais, nos âmbitos da prática e da pesquisa, devem se ater às intervenções que serão realizadas na esfera da saúde do trabalhador, durante esse período, descrever suas experiências e contribuir com o arcabouço científico sobre o tema, o que contribui para divulgar e disseminar a importância da profissão para a saúde dos trabalhadores e no combate ao coronavírus.

  • Como citar:Barroso, B. I. L., Souza, M. B. C. A., Bregalda, M. M., Lancman, S., & Costa, V. B. B. (2020). A saúde do trabalhador em tempos de COVID-19: reflexões sobre saúde, segurança e terapia ocupacional. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. Ahead of Print.https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoARF2091

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    28 Abr 2020
  • Revisado
    17 Jun 2020
  • Aceito
    05 Ago 2020
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