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Terapia ocupacional e medidas socioeducativas: uma revisão de literatura

Resumo

Adolescência e juventude têm sido temas de interesse crescente por parte da terapia ocupacional e, especificamente, a relação deste ciclo de vida com os atos infracionais tem aparecido mais recentemente nas práticas e nas pesquisas de terapeutas ocupacionais brasileiros. O presente artigo é uma revisão de literatura realizada em cinco bases de dados utilizando os termos “terapia ocupacional”, “medidas socioeducativas”, “medidas socioeducadoras” e “socioeducação”. Foram encontradas 22 produções científicas, sendo que quatro dessas foram analisadas de acordo com os critérios de inclusão e de exclusão. Em todos os textos selecionados foram abordados temas relacionados à adolescência e à juventude, vulnerabilidade, histórico das medidas socioeducativas e questões sobre o cotidiano dos jovens em conflito com a lei. Os conceitos e concepções dos temas abordados variam de acordo com a linha teórica dos autores e há a necessidade de mais trabalhos científicos serem produzidos sobre o tema. A terapia ocupacional é uma profissão que pode contribuir com o trabalho a ser desenvolvido com os jovens em cumprimento de medidas socioeducativas, seja em ações individuais, grupais e/ou na gestão dos serviços disponibilizados para o atendimento dessa população.

Palavras-chave:
Literatura de Revisão como Assunto; Terapia Ocupacional; Sistema de Justiça; Juventude

Abstract

Adolescence and youth have been topics of growing interest in Occupational Therapy, and specifically, the relation of this life cycle to the infraction acts has appeared more recently in the practices and research of Brazilian occupational therapists. This article is a literature review carried out in five databases using the terms “occupational therapy”, “socio-educative measures”, “socio-educational measures” and “socio-education”. This research found 22 scientific productions, but only four were analyzed according to the inclusion and exclusion criteria. In all selected texts, topics related to adolescence and youth were discussed, vulnerability, history of socio-educational measures, and questions about the daily life of young people in conflict with the law. The concepts and conceptions of the topics covered vary according to the theoretical line of the authors and there is a need for more scientific works being produced on the theme. Occupational Therapy is a profession that can contribute to the work to be developed with young people in compliance with socio-educational measures, in individual procedures, group actions, and/or in the management of the services available for the care of this population.

Keywords:
Review Literature as Topic; Occupational Therapy; Justice Administration System; Youth

1 Introdução

De acordo com o censo do IBGE de 2010, 18% da população brasileira é jovem (15 a 29 anos), sendo 20 milhões de brasileiros com faixa etária entre 12 a 17 anos (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Há distinções de linhas teóricas quando o assunto é adolescência e juventude, pois esses termos se diferem quanto à sua concepção e ao seu significado. Em parte dos referenciais advindos das teorias do desenvolvimento, o termo “adolescente” é empregado com uma perspectiva individualizante e com foco nos processos com base no indivíduo. Já “juventude” é utilizado em grande parte das correntes advindas da sociologia, considerando a dimensão das relações sociais (Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.; Margulis & Urresti, 1998Margulis, M., & Urresti, M. (1998). La juventud es más que uma palabra. In M. Margulis (Ed.), La juventud és más que uma palabra: ensayos sobre cultura y juventud (pp. 13-30). Buenos Aires: Editorial Biblos.; Waiselfisz, 2011Waiselfisz, J. J. (2011). Mapa da violência 2011: os jovens do Brasil. Brasília: Instituto Sangari.).

Contudo, é necessária a compreensão de que a juventude, para além de um período de transição, é uma representação social e cronológica, que não é homogênea, podendo apresentar-se diferente para cada indivíduo, a depender de sua classe social, gênero e outros fatores de diferença social (Pais, 1990Pais, J. M. (1990). A construção sociológica da Juventude. Analise Social, XXV(105-106), 139-165.).

Entendendo as diversas formas possíveis de representação da adolescência e juventude, este artigo faz o recorte para este ciclo de vida em vulnerabilidade social (Castel, 1997Castel, R. (1997). As dinâmicas do processo de marginalização: da vulnerabilidade à desfiliação. Caderno CRH, 10(26), 19-40.), ou seja, que se encontra nos processos de precarização do trabalho e da fragilidade dos vínculos sociais, além de possuir seu acesso limitado às oportunidades de âmbito social, cultural, econômico, que são disponibilizados pelo contexto social (Abramovay, 2002Abramovay, M. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO.).

Algumas pesquisas atuais sobre o tema ressaltam os perigos da estigmatização na relação do senso comum entre pobreza e criminalidade, já que os atos infracionais não têm correlação direta com a pobreza ou a classe social. O que acontece com frequência é que os atos infracionais são tratados de forma bastante desigual quando comparados às classes sociais (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Borba (2012)Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre ato infracional e a Escola Pública em São Carlos – SP (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. discute os perigos da correlação entre juventude pobre e ato infracional, destacando que tais categorias não podem ser vistas como uma linha causal de acontecimentos, o que levaria à compreensão equivocada de que “[...] todos os atos infracionais são cometidos pelos adolescentes pobres” (Borba, 2012Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre ato infracional e a Escola Pública em São Carlos – SP (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., p. 24).

Ainda de acordo com Borba (2012)Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre ato infracional e a Escola Pública em São Carlos – SP (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., é pela condição da pobreza que se violam cotidianamente os direitos sociais, o que acaba por expor os adolescentes e jovens ao envolvimento em atos infracionais. Tal fato também pode ser encontrado em outras investigações sobre o tema (Volpi, 2001Volpi, M. (2001). Sem liberdade, sem direitos: a experiência de privação de liberdade na percepção os adolescentes em conflito com a lei. São Paulo: Cortez.; Zaluar, 2004Zaluar, A. (2004). Integração Perversa: pobreza e tráfico de drogas. Rio de Janeiro: FGV.; Spagnol, 2005Spagnol, A. (2005). Jovens delinqüentes paulistanos. Tempo Social, 17(2), 275-299.; Saliba, 2006Saliba, M. G. (2006). A educação como disfarce e vigilância: análise das estratégias de aplicação das medidas socioeducativas a jovens infratores (Tese de doutorado). Universidade Estadual Paulista, Marília.; Sposito, 2009aSposito, M. P. (2009a). Estado da arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1996-2006) (Coleção EDVECRE). Belo Horizonte: Argvmentvm.; Malvasi, 2011Malvasi, P. A. (2011). Choque de mentes: dispositivos de controle e disputas simbólicas no sistema socioeducativo. RAU, 3, 331-352.).

Outro ponto importante nesta discussão é levantado por Malvasi (2011)Malvasi, P. A. (2011). Choque de mentes: dispositivos de controle e disputas simbólicas no sistema socioeducativo. RAU, 3, 331-352., que analisa a penalização da pobreza, no sentido de compreender que a maioria dos adolescentes que sofre sanções pelos atos infracionais é pobre. Isso transforma a correlação de pobreza/ato infracional em pobreza/penalização do ato infracional.

Essa discussão é de grande relevância para a terapia ocupacional, uma vez que essa profissão busca a produção de autonomia das pessoas que apresentam dificuldades na inserção e participação na vida social, devido a diversas problemáticas, como o caso dos indivíduos em cumprimento de medida socioeducativa. A terapia ocupacional faz isso investindo principalmente no estímulo ao exercício do protagonismo e cidadania pelos próprios indivíduos, para que sejam personagens principais no enfrentamento de situações reais e de vulnerabilidade de sua vida social (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.).

Por isso, a profissão mostra-se muito relevante nos Serviços de Medidas Socioeducativas, por sua compreensão do indivíduo e sua relação com o microssocial e macrossocial (Malfitano, 2016Malfitano, A. P. S. (2016). Contexto social e atuação social: generalizações e especificidades na terapia ocupacional. In R. E. Lopes & A. P. S. Malfitano (Eds.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 117-133). São Carlos: EDUFSCar.), e como essas conexões interferem em seu cotidiano, suas atividades, limites e potencialidades (Salles & Matsukura, 2013Salles, M. M., & Matsukura, T. S. (2013). Estudo de revisão sistemática sobre uso do conceito cotidiano no campo da terapia ocupacional no Brasil. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 21(2), 265-273.).

O terapeuta ocupacional pode se inserir nos Serviços de Medida Socioeducativa de diversas formas, entre elas: coordenação do serviço realizando gestão, previsão orçamentária, formação e organização da equipe, supervisão de estágios, articulação interna e externa, reuniões e discussão em planejamento de propostas para acompanhamentos, mediação de conflitos com a rede, suporte e cuidado para a equipe (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Além disso, o profissional também trabalha com recursos terapêutico-ocupacionais com objetivo de, além de gerar aproximação e vínculo com os jovens, proporcionar a ampliação das possibilidades de trajetórias de vida para essa população (Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O Terapeuta Ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 531-542.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.).

Neste sentido, o objetivo deste texto é apresentar uma revisão de literatura que aborde as relações da terapia ocupacional com as medidas socioeducativas, focalizando o que terapeutas ocupacionais têm produzido, no âmbito das práticas e das pesquisas, sobre este tema.

2 Procedimentos Metodológicos

Para a concretização desta revisão de literatura, as buscas foram realizadas em cinco bases de dados bibliográficos: Portal de Periódicos CAPES, Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD), Biblioteca Virtual em Saúde, Directory of Open Access Journals (DOAJ), Medical Literature Analysis and Retrieval System Online (MEDLINE) e Scielo.

Os termos utilizados nas bases de dados foram escolhidos com base na listagem dos Descritores em Ciências da Saúde, como forma de se adequar a pesquisa bibliográfica nas bases de dados utilizadas. Este pode ter sido, também, um fator que restringiu a abrangência do estudo, uma vez que alguns trabalhos publicados podem não ter utilizado os termos com base nestes descritores.

Dessa forma, a busca foi realizada com os termos “terapia ocupacional”, “medidas socioeducativas”, “medidas socioeducadoras” e “socioeducação”, para o título, resumo e palavras-chave, além disso, o período de publicação foi até o ano 2019.

Foram incluídas as produções acadêmicas que atendiam os seguintes critérios: 1) ser tese, dissertação ou artigo; 2) o texto completo estar disponibilizado nas bases de dados citadas anteriormente, online e em português; 3) possuir correlação entre terapia ocupacional e medidas socioeducativas, sendo que este último critério foi possível por meio de uma leitura prévia dos resumos dos trabalhos.

Dessa forma, produções que estivessem incompletas, em formato de livro, redigidas em línguas estrangeiras e/ou não relacionados com a temática terapia ocupacional e medida socioeducativa foram excluídas da pesquisa. Ao finalizar a pesquisa em cada base, as referências duplicadas foram excluídas.

Foram encontradas, ao total, 22 produções, entretanto, apenas quatro corresponderam aos critérios de inclusão determinados para a pesquisa, sendo duas dissertações e dois artigos publicados entre 2013 a 2017.

Não foram encontrados trabalhos na base de dados MEDLINE e Scielo; já na CAPES nenhuma das 12 produções encontradas se encaixavam nos critérios de inclusão. Na BDTD, foram encontrados cinco estudos, dentre os quais dois foram inseridos, pois atendiam aos critérios de inclusão e três excluídos por não abordarem a temática proposta. Na BVS, quatro produções correspondiam aos termos de busca, porém, somente duas foram aceitas e o restante excluído por estar em língua estrangeira e não atender à temática sugerida. Na base de dados DOAJ, três trabalhos foram encontrados, mas apenas dois se inseriam nos critérios anteriormente citados.

Os trabalhos que não foram selecionados não apresentavam relação com a temática proposta pela pesquisa, grande parte desses trabalhos abordava as medidas socioeducativas, de forma geral, ou correlacionada com outras profissões. Além disso, foram excluídos textos escritos em língua estrangeira e outros publicados em formato de livro.

Posteriormente, foi realizada a leitura, na íntegra, de todos os textos incluídos nesta pesquisa. Os dados reunidos foram organizados em um quadro contendo o nome de cada produção acadêmica inserida, nome das autoras, ano de publicação, tipo de publicação e base de dados encontrada.

Com a organização dos trabalhos e leitura prévia, foi possível identificar alguns temas comuns que perpassaram os trabalhos de terapeutas ocupacionais que se debruçam sobre a temática da adolescência e juventude em conflito com a lei.

Neste sentido, os resultados a seguir serão apresentados e discutidos com base nas seguintes categorias: “Definições de adolescência e juventude”, “Discussão conceitual sobre vulnerabilidade”, “Histórico e papel das medidas socioeducativas no Brasil”, “Terapia ocupacional nas medidas socioeducativas”, “Dados relevantes dos trabalhos analisados”. Por fim, com a conclusão da leitura dos trabalhos, optou-se por incluir uma categoria com a discussão sobre “Educação e perspectiva de futuro dos adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas”, qual foi abordada apenas na dissertação de Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., mas mostra-se relevante para a compreensão do cotidiano do jovem em cumprimento de Medidas Socioeducativas.

3 Resultados e Discussão

3.1 Trabalhos analisados

A dissertação de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., “Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas”, realizou o mapeamento dos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto nos municípios de São Paulo, com população acima de 100 mil habitantes, para caracterizar os serviços, seu funcionamento, equipe técnica e dados relacionados à terapia ocupacional. Com base nesse trabalho, em 2016, a autora publicou o artigo “O terapeuta ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática”, visando a conhecer os terapeutas ocupacionais e a atuação destes nos serviços de medidas socioeducativas em meio aberto.

“Há saídas? As saídas. Pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado” (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.) foi outra dissertação selecionada, cujo objetivo proposto foi conhecer as expectativas dos jovens sobre seu cotidiano após a internação. Como metodologia, a autora realizou 22 encontros de oficinas com os jovens nas instituições, entrevistas semiestruturadas com os técnicos e acompanhamentos territoriais com adolescentes que cumpriram a medida socioeducativa.

Por último, o relato de experiência de Gonçalves (2016)Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137. “‘Eu nem sabia que podia entrar aqui’: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei” realizou uma reflexão acerca do uso da arte e cultura como instrumentos da terapia ocupacional para promoção de cidadania e acesso aos direitos.

Os trabalhos analisados são apresentados na Tabela 1 a seguir.

Tabela 1
Trabalhos reunidos e analisados.

3.2 Definições de adolescência e juventude

Os termos “adolescência” e “juventude” são analisados com base em diversas perspectivas. No que se refere à idade cronológica, o trabalho de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. se apoia em Novaes et al. (2006)Novaes, R., Cara, D. T., Silva, D. M., & Papa, F. C. (2006). Política Nacional de Juventude: diretrizes e perspectivas. São Paulo: Conselho Nacional de Juventude, Fundação Friedrich Ebert., que considera “adolescentes” indivíduos de 12 a 18 anos e “jovens” os que têm de 15 a 29 anos, assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que compreende a adolescência entre o período de 12 a 18 anos incompletos.

No trabalho de Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., aprofundou-se a discussão utilizando-se do aporte sociológico, pois a juventude possui características próprias, como o não compartilhamento de vivências socio-históricas que gerações anteriores vivenciaram (Margulis & Urresti, 1998Margulis, M., & Urresti, M. (1998). La juventud es más que uma palabra. In M. Margulis (Ed.), La juventud és más que uma palabra: ensayos sobre cultura y juventud (pp. 13-30). Buenos Aires: Editorial Biblos.). Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. retoma, também, os trabalhos de Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. para compreender a juventude sob a ótica sociológica, compreendendo que a construção da juventude é social, assim como a divisão de poder por idade. Dessa forma, os sentidos e expectativas são atribuídos em cada comunidade.

Quando se pensa em adolescência, Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ainda recorre a outros trabalhos para destacar que não é possível considerar apenas os aspectos biológicos, sociais ou geracionais, pois esta é resultado das construções históricas, culturais e sociopolíticas (Ariès, 1975Ariès, P. (1975). História social da criança e da família. Rio de Janeiro: LTC.; Margulis & Urresti, 1998Margulis, M., & Urresti, M. (1998). La juventud es más que uma palabra. In M. Margulis (Ed.), La juventud és más que uma palabra: ensayos sobre cultura y juventud (pp. 13-30). Buenos Aires: Editorial Biblos.).

Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ainda discute as diferenças de classe social, apoiada em Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero., apontando que os jovens da camada popular acabam por ter a trajetória escolar atravessada por diversas demandas contextuais, o que, por muitas vezes, pode levar à desistência do ensino formal, além de se demandar dessa população a entrada no mundo do trabalho e a expectativa de se assumir diversas responsabilidades precocemente. Por outro lado, o jovem da elite desfruta de uma adolescência prolongada, com menos responsabilidades, subsídio familiar, podendo garantir a formação no ensino formal e a perspectiva de trabalho remunerado (Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.).

O trabalho de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. se apoia em Freitas (2005)Freitas, M. V. (2005) Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais. São Paulo: Ação Educativa. para destacar o fato de que é preciso ampliar o conceito de adolescência para além do indivíduo que se prepara para ser adulto e deixou de ser criança, pois essa faixa etária possui indivíduos que também possuem direitos e é necessário investir em ações para que o futuro possa ser projetado.

A legislação brasileira inclui a infância e a adolescência como prioridade de investimentos de políticas sociais e os colocam como inimputáveis perante a legislação dos adultos, contudo, podendo responder a medidas especiais para a sua faixa etária, baseando-se na perspectiva de que só se constrói cidadania com a consciência de responsabilização (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Em relação à transição dessa fase da vida, Bourdieu (1983)Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero. defende que esta acontece não somente pela idade cronológica, mas também pelos marcos atribuídos socialmente por meio de responsabilidades e formações. Para parte da sociologia, a juventude não pode ser considerada como a representação de uma fase da vida homogênea, pois acontece de formas diferentes para cada contexto (Pais, 1990Pais, J. M. (1990). A construção sociológica da Juventude. Analise Social, XXV(105-106), 139-165.).

Alguns autores aprofundam essa temática defendendo que a construção histórica da juventude é articulada com as condições socio-históricas e culturais com influência de classe social, etnia, gênero, sexualidade e capital cultural, não sendo, portanto, homogênea. Além disso, fazem críticas a essa representação, pois quando não se assume o caráter de heterogeneidade da juventude, esconde-se as diferenças vividas pelos jovens de diversas classes sociais (Margulis & Urresti, 1998Margulis, M., & Urresti, M. (1998). La juventud es más que uma palabra. In M. Margulis (Ed.), La juventud és más que uma palabra: ensayos sobre cultura y juventud (pp. 13-30). Buenos Aires: Editorial Biblos.; Bourdieu, 1983Bourdieu, P. (1983). Questões de Sociologia. Rio de Janeiro: Marco Zero.).

Nota-se que esse tema possui diversas linhas teóricas, conceitos e concepções. Alguns autores consideram a idade cronológica, o contexto socio-histórico cultural e a questão de direitos e deveres envolvidos nas diferentes classes sociais.

3.3 Discussão conceitual sobre vulnerabilidade

“Vulnerabilidade” foi um termo que apareceu em todos os resultados incluídos na pesquisa e, apesar de ser um termo frequentemente utilizado, pouco se encontra nesses mesmos escritos sobre sua conceituação, ficando, por vezes, um termo amplo e pouco delimitado no que se refere à conceituação.

O trabalho de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., única produção encontrada que, de fato, conceitua vulnerabilidade de forma nítida, traz que esse termo expressa resultado negativo entre a disponibilidade de recursos, tanto simbólicos quanto materiais, dos grupos e sujeitos, podendo estar relacionado com o acesso a oportunidades de âmbito social, cultural, econômico, que são disponibilizados pelo Estado, sociedade e mercado (Abramovay, 2002Abramovay, M. (2002). Juventude, violência e vulnerabilidade social na América Latina: desafios para políticas públicas. Brasília: UNESCO.).

Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. também aciona Sposito (2009b)Sposito, M. P. (2009b). Estado de arte sobre Juventude na pós-graduação brasileira: Educação, Ciências Sociais e Serviço Social (1999-2006) (Coleção EDVECRE). Belo Horizonte: Argvmentvm., propondo que a vulnerabilidade é um termo que aparece, frequentemente, em uma análise dissociada da noção de classe social, sendo utilizado para nomear situações de vida em que há “risco”, de uma maneira mais ampliada. Vulnerabilidade também pode caracterizar situações em que há precarização das relações de trabalho e fragilização das redes de suporte social e das redes relacionais (Castel, 1997Castel, R. (1997). As dinâmicas do processo de marginalização: da vulnerabilidade à desfiliação. Caderno CRH, 10(26), 19-40.). Malvasi (2012)Malvasi, P. A. (2012). Interfaces da vida loka: um estudo sobre jovens, tráfico de drogas e violência em São Paulo (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo. escreve que a vulnerabilidade se refere à noção de fragilidade e dependência, o que auxilia na contraditoriedade de, ao mesmo tempo em que se protege os jovens em vulnerabilidade, pode-se também estigmatizá-los, desencadeando na possível associação entre vulnerabilidade e crime.

Nas outras produções incluídas na pesquisa, o termo vulnerabilidade não apresenta tanta nitidez no que diz respeito ao seu conceito, porém, os escritos trazem algumas associações que podem colaborar com a compreensão desse termo. A vulnerabilidade aparece associada à necessidade de bens materiais, dificuldades no âmbito familiar (acolhimento, privações, segurança material e afetiva), falta de habitação, de mobilidade e de alimentação, falta de oportunidade no mercado de trabalho, dificuldade da família de acessar serviços, dentre outros fatores. Na dissertação de Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., o não acesso aos direitos e aos bens também aparece como uma decorrência à vulnerabilidade, baseando-se em alguns estudos, como Bauman (1999)Bauman, Z. (1999). O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Zahar. e Teixeira (1985)Teixeira, S. M. F. (1985). Política social e democracia: reflexões sobre o legado da seguridade social. Cadernos de Saúde Pública, 1(4), 400-417..

A vulnerabilidade, portanto, é considerada por Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. e Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. como um fator importante a ser considerado, mas não o determinante, para a entrada do adolescente no serviço das medidas socioeducativas, já que o ato infracional é apenas uma consequência de uma série de direitos que foram violados na vida desses sujeitos. Ao mesmo tempo é levantado por Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. e Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. o questionamento sobre a correlação no senso comum e acadêmico entre a pobreza e a criminalidade, relação que pode conter estigmatização, já que a criminalidade também é praticada por adolescentes de classe média e alta, sendo a única diferença o enfoque das mídias e da justiça para com os indivíduos, ou seja, os estudos apontam que a diferença entre jovens pobres e os de classe média e alta não está em cometer ou não os atos infracionais, mas em como eles são julgados.

É possível concluir, portanto, que parte dos estudos que empregam o termo vulnerabilidade nem sempre apresenta de forma nítida o seu conceito, ficando por vezes amplos e genéricos seu significado e sua utilização. Porém, quando o termo em questão aparece, está, em todos os trabalhos analisados, relacionado à falta de acesso a bens materiais, oportunidades, educação de qualidade e fragilidade em suas redes de suporte social.

3.4 Histórico e papel das medidas socioeducativas no Brasil

Todos os estudos encontrados na revisão de literatura buscam fazer uma retrospectiva sobre a história das medidas socioeducativas, bem como identificar qual é a sua função para que seja possível a compreensão de como está a oferta de serviços de Medidas Socioeducativas no país atualmente, relembrando historicamente o caminho percorrido.

Em sua dissertação, Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. inicia sua reflexão sobre o lugar do jovem na lei brasileira com uma retomada histórica da legislação: antes da promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), estava em vigor, no país, o Código de Menores, criado em 1927, o qual era responsável pelo regramento para adolescentes de até 18 anos incompletos e trazia em seu documento a diferenciação entre criança, aquele indivíduo pertencente a “família estruturada” e com lugar social de valor, e “menor”, oriundo de classe social baixa, que era visto como provável “delinquente” (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Desde os anos 80, as políticas públicas e movimentos sociais voltaram seu olhar para a adolescência, entendendo que é um ciclo de vida peculiar que precisava de atenção, culminando no Estatuto da Criança e Adolescente, promulgado em 1990, sendo também influenciado pelo processo de democratização do país com a Constituição Federal de 1988 (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.). Dessa forma, o ECA representou avanços significativos quando comparado ao Código de Menores, com mudanças nas concepções relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes, buscando extinguir a relação do jovem pobre com o jovem que comete atos infracionais.

Apesar de todos os avanços desde a criação do documento, pouco aconteceu para promover o desenvolvimento seguro e a proteção social efetiva das crianças e adolescentes atualmente (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Sposito et al., 2006Sposito, M. P., Silva, H. H. C., & Souza, N. A. (2006). Juventude e poder local: um balanço de iniciativas públicas brasileiras voltadas para jovens em municípios de regiões metropolitanas. Revista Brasileira de Educação, 11(32), 248-267.).

Nas discussões específicas sobre as medidas socioeducativas, foi encontrado que, de acordo com o ECA, elas seriam uma nova forma de compreender a conduta em relação aos atos infracionais. A diferença nesta proposição seria compreender o processo como pedagógico e educativo e não meramente ligado aos delitos e aos processos criminais, tendo como foco a promoção de direitos e a proteção dos sujeitos no processo de reconstrução de seus projetos de vida, e não se caracterizando de forma unicamente punitiva.

A Lei nº 12.594, de 18 de janeiro de 2012, regulamenta a execução das medidas socioeducativas, denominando um Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, com o objetivo de sistematizar as práticas dos serviços, tentando um alinhamento entre estes (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

O Sistema de Garantia de Direitos é um documento sobre as medidas socioeducativas, instituído em 2012, no qual afirma que a promoção de direitos deve ser do Estado e da família, havendo o respeito às singularidades de cada jovem. No documento em questão, é possível verificar a classificação das medidas socioeducativas (Brasil, 1990Brasil. (1990, 16 de julho). Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 3 de fevereiro de 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm
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), que são: 1) advertência verbal que posteriormente é registrada; 2) reparo ao dano (restituição do bem, compensação do prejuízo da vítima ou ressarcimento material); 3) prestação de serviço à comunidade (atividades de interesse comunitário sem remuneração, pelo período máximo de seis meses); 4) liberdade assistida, que deve ser priorizada e prevê o acompanhamento técnico da família e do adolescente visando à promoção social por meio de acesso a serviços e direitos; 5) semiliberdade, caracterizada pela restrição de liberdade, resultando na necessidade da permanência do adolescente por um período em uma casa, sob a orientação e o monitoramento de uma equipe profissional; 6) internação, caracterizada pela privação de liberdade, e deve ser utilizada apenas em situações específicas em que o adolescente tem direito à defesa judicial e processo legal.

O Serviço de Proteção Social e Adolescentes em Cumprimento de Medidas Socioeducativas (SINASE) deve ser operacionalizado segundo a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.; Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O Terapeuta Ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 531-542.).

As medidas socioeducativas em meio aberto sofreram recente transformação para gestão local, próxima aos grupos sociais. Tal transição pode significar uma gestão participativa, visto que a população pode ter autonomia, de acordo com o que é previsto no SINASE. Entretanto, Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. relata que, na prática, observa-se formas de gestão que são apresentadas de diversas formas, a depender de interesses de governantes locais municipais.

Para além da discussão teórica, Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. discute sobre uma inclinação ao encarceramento juvenil, fato que contradiz o caráter prioritário das medidas em meio aberto, previstas por lei. Isso ocorre porque há uma tendência da sociedade de utilizar a internação como forma de controle social, excluindo os adolescentes que cometeram ato infracional da convivência e do acesso a bens sociais. Apesar dos altos índices de internação, as medidas em meio aberto continuam sendo as mais aplicadas. De acordo com Brasil (2007)Brasil. Secretaria de Direitos Humanos. (2007). Mapeamento Nacional de Medidas Socioeducativas em Meio Aberto – Relatório Resumido. Brasília: ILANUD., a taxa média é de dois adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto para um adolescente em internação.

Dessa forma, conclui-se que a conquista dos direitos das crianças e adolescentes é uma luta recente e influenciada pelo apoio popular e é por meio deste apoio que mais avanços serão conquistados. São necessárias muitas mudanças para que o que está garantido por lei no ECA e em documentos específicos seja colocado em prática e, para além disso, que atinja toda a população brasileira, não se tornando uma outra forma de privilégio das camadas de maior poder econômico.

É possível perceber que as conquistas referentes aos direitos das crianças e dos adolescentes são recentes. Inicia-se com o Código de Menores, o qual fazia distinção dos direitos das crianças com base na sua classe social e progredindo para o ECA, garantindo um lugar social para esse ciclo de vida, estipulando seus direitos e deveres. Em relação aos jovens que cometem o ato infracional, o ECA preza pela construção de novas formas de conduta por meio de forma pedagógica e sem ferir os direitos do desenvolvimento do adolescente. Para isso, foi criado o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, documento que regulamenta o funcionamento das medidas socioeducativas.

3.5 Terapia ocupacional nas medidas socioeducativas

Todas as produções analisadas e selecionadas nesta pesquisa apresentam de forma ampla o trabalho da terapia ocupacional, com o enfoque da perspectiva teórico-metodológica da terapia ocupacional social. Porém, Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. é a única autora que traz metodologicamente quais as abordagens que têm sido utilizadas na profissão da terapia ocupacional especificamente para o trabalho com medidas socioeducativas.

Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. discorre sobre os métodos de trabalho que os terapeutas ocupacionais têm utilizado nos municípios do Estado de São Paulo com população acima de 100 mil habitantes. As principais estratégias realizadas com a população acompanhada nesses serviços são: acompanhamento individual, realização de grupos de terapia ocupacional, visitas domiciliares, visitas técnicas e encaminhamentos para realização de cursos de profissionalização, reinserção no sistema educacional formal, encaminhamentos de saúde, propostas para busca de trabalhos formais, auxílio para a efetivação de diferentes documentações pessoais, atividades de cultura, esportes e lazer, além de diversos programas sociais e comunitários.

Também há atuação dos terapeutas ocupacionais na coordenação do serviço, realizando gestão, previsão orçamentária, formação e organização da equipe, supervisão de estágios, articulação interna e externa, reuniões e discussão em planejamento de propostas para acompanhamentos, mediação de conflitos com a rede, suporte e cuidado para a equipe (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Além disso, Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. também escreve sobre a realidade dos serviços de medidas socioeducativas em que o terapeuta ocupacional está inserido, os quais são ofertados em mais da metade por Organizações Não-Governamentais (ONGs), contando com uma média de seis profissionais para acompanhar 98 adolescentes por mês.

Os terapeutas ocupacionais nesses serviços propõem diferentes atividades compreendidas como recurso terapêutico-ocupacional que pode gerar adesão para essa faixa etária, tendo seu trabalho sob a perspectiva de ampliação das possibilidades de escolhas de trajetórias de vida para os adolescentes e jovens e não na perspectiva de afastá-los do ato infracional. Os recursos terapêutico-ocupacionais acabam sendo um meio de intervenção e aproximação, possibilitando o vínculo, relação de confiança e de interdependência, o qual permite que o profissional chegue às reais demandas do indivíduo (Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O Terapeuta Ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 531-542.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.).

Portanto, para Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., a terapia ocupacional busca emancipação e autonomia de pessoas que apresentam dificuldades na inserção e participação na vida social, devido a diversas problemáticas, como o caso dos indivíduos em cumprimento de medida socioeducativa, investindo principalmente no estímulo ao exercício do protagonismo e cidadania protagonizados por estes, para que sejam personagens principais no enfrentamento de situações reais de sua vida social. E, para isso, o terapeuta ocupacional baseia-se em sua formação teórica sobre o cotidiano, lócus de suas ações (Galheigo, 2003Galheigo, S. (2003). O cotidiano na terapia ocupacional: cultura, subjetividade e contexto histórico-social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 14(3), 104-109.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.).

3.6 Dados relevantes dos trabalhos analisados

Alguns dados reunidos nos trabalhos analisados serão destacados a seguir com o intuito de expor informações relevantes aos estudos sobre os jovens em conflito com a lei e a prática da terapia ocupacional com essa população.

De acordo com as produções incluídas na revisão de literatura, constatou-se que há predominância no sistema carcerário de jovens negros, apresentando renda que varia entre um e três salários mínimos para o sustento de 3 a 6 pessoas (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente, 2008Instituto Latino Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinquente – ILANUD. (2008). Medida legal: a experiência de 5 programas de medidas socioeducativas em meio aberto. São Paulo: Fundação Telefônica.). Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. problematiza esse dado, destacando que isso não significa que apenas os jovens pobres são atores de atos infracionais, evidenciando que a pobreza tem sido criminalizada no contexto brasileiro.

Ainda sobre os dados encontrados nos trabalhos analisados, no que diz respeito à tipificação dos atos infracionais, 43% se refere ao roubo, 24,8% ao tráfico e 9,23% a homicídios. Constata-se que a maioria dos atos são contra o patrimônio, o que leva Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. a levantar questionamentos sobre os motivos da alta taxa de internações, já que estas devem, segundo o próprio ECA (Brasil, 1990Brasil. (1990, 16 de julho). Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília. Recuperado em 3 de fevereiro de 2017, de http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l8069.htm
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), ser utilizadas apenas quando há grave ameaça ou violência à pessoa, descumprimento de outras medidas ou acumulação de outros delitos graves.

Em relação ao serviço de medidas socioeducativas, conforme a pesquisa de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. nos municípios de São Paulo com população acima de 100 mil habitantes, a maioria é ofertada por ONGs e, também, é consideravelmente recente, principalmente a partir de 2008. A falta de adesão dos adolescentes e jovens ao serviço, o excesso de tempo investido em atividades burocráticas e não necessariamente no contato direto com os jovens, a dificuldade de criação de parcerias com a rede de serviços, a incoerência entre o tempo de cumprimento da medida socioeducativa e o ato infracional, as frustrações geradas no processo de acompanhamento, além de garantir efetivamente os direitos aos jovens, são as principais dificuldades relatadas pelos profissionais desse serviço (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Também é constatada a contraditoriedade dos profissionais na prática, os quais, ao mesmo tempo em que enxergam os adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa como “um adolescente como qualquer outro”, destacam as ressalvas, reafirmando a relação com o ato infracional.

Outro dado apontado pelo trabalho, de acordo com os terapeutas ocupacionais participantes da pesquisa de Morais (2013)Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., é a insuficiência da presença do conteúdo de terapia ocupacional social na graduação em terapia ocupacional, o que, somado à falta de produções teóricas sobre a profissão e as medidas socioeducativas, acaba resultando em um despreparo da categoria para compreender o serviço e produzir práticas coerentes (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O Terapeuta Ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 531-542.).

3.7 Educação e perspectiva de futuro dos adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas

No trabalho de Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., a autora busca fazer uma discussão sobre “educação” e “vida após a medida socioeducativa”, analisando como essas questões são vivenciadas no contexto dos jovens que cumprem medida socioeducativa. Apesar da categoria ser estudada por apenas uma autora entre os quatro trabalhos analisados, optou-se pela inclusão desses assuntos no artigo devido à sua importância para compreensão de questões da juventude em contato com o Sistema Socioeducativo.

De acordo com a Constituição Brasileira (Brasil, 1988Brasil. (1988, 5 de outubro). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília.), a educação é dever do Estado e direito de todos; independentemente de sua classe social a criança e o adolescente devem ser zelados pelo poder público e pelas famílias. Entretanto, na medida socioeducativa, a frequência ao serviço passa a ser uma responsabilidade do jovem. Em sua pesquisa, Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. evidencia que, para os trabalhadores das medidas socioeducativas, a escola funciona como entrave, é produtora de vulnerabilidades e/ou exclusão, e fortalece o conceito de sujeição criminal. Além disso, em muitos casos as vagas nas instituições de ensino são negadas aos jovens de medidas socioeducativas e é preciso ação judicial para que o conflito seja solucionado; tal fato também acontece nos cursos profissionalizantes.

Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. se apoia em Borba (2012)Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre ato infracional e a Escola Pública em São Carlos – SP (Tese de doutorado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. para destacar que grande parte das dificuldades escolares já existiam antes do envolvimento do jovem com o ato infracional, pois, desde o primeiro ano do ensino fundamental, há desassistência dos jovens nos estudos. Dessa forma, a evasão está relacionada com dificuldades de outra ordem, não com a criminalidade. A escola está focada nas demandas relacionadas ao “ensino/aprendizagem”, porém, os jovens chegam ao espaço com outras demandas.

Outra dificuldade que a educação enfrenta é a falta de investimento para melhorias estruturais e formação continuada dos professores. Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. ressalta que as dificuldades de uma educação com qualidade não é culpa dos agentes, professores ou jovens e sim da própria organização do sistema educacional. O papel da medida socioeducativa e da educação, para a autora, seria reverter a estigmatização que existe nos espaços que os jovens frequentam.

Ainda de acordo com Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., em relação ao cotidiano do jovem, percebe-se que, em muitos casos, o estudo não faz parte da cultura familiar e que eles são criados com autonomia, fator conflitante com o ambiente escolar tutelado e organizado pelos moldes tradicionais. Diante desse cenário repleto de dificuldades, o retorno ao tráfico se torna uma saída lucrativa, pois o jovem administra seu tempo e esforço e é recompensado a curto prazo, ganhando mais do que ganharia em um emprego regular ou estudando.

Um dos objetivos de Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. foi analisar como é o cotidiano do jovem quando retorna a sua casa após o cumprimento da medida socioeducativa. Nota-se que existem entraves sociais que fecham as portas para a reconstrução de um cotidiano possível, como a escassez/insuficiência de serviços e espaços para jovens, dificuldades de acesso e permanência escolar, a qual tem se apresentado como dificuldade concreta de ascensão na estrutura social, dificuldade de encontrar suporte e pertença em espaços fora da medida socioeducativa, sendo necessário auxílio de outros atores para acessar outros locais e falta de sentido nos projetos que visam à educação e à profissionalização, instituídos pelos serviços. A sujeição criminal não é desconstruída na sociedade, portanto, o retorno do jovem continua marcado e dificultado.

Além das problemáticas macrossociais que perpassam esse cotidiano, Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. destaca que os jovens da pesquisa relatam outras dificuldades: as regras das facções, como a proibição de sair destas, uma vez inserido; a sensação constante de morte, devido aos confrontos territoriais das facções e aos atritos com a Polícia Militar, além de outros embates constantes que fazem com que determinados jovens tenham que conviver com o medo (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Manso, 2012Manso, B. P. (2012). Crescimento e queda dos homicídios em SP entre 1960 e 2010 (Tese de doutorado). Universidade de São Paulo, São Paulo.).

No cotidiano pós-medida socioeducativa, o jovem tem sua circulação restrita. Esse grupo sente a necessidade de ser acompanhado e continuar tendo suporte após a internação. Muitos jovens relatam preferir continuar cumprindo a medida socioeducativa por estarem protegidos e com direitos básicos garantidos, além de terem suporte que os possibilitem ficar “longe” do mundo do crime. A família funciona, nesses casos, tanto como suporte quanto como futuros projetos de vida para os jovens. Assim, a mudança não depende somente deles e sim de fatores externos, como oferta de serviços, direitos e atitudes que os beneficiem (Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Em seu trabalho, Faria (2017)Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos. aponta que as problemáticas dos jovens em conflito com a lei vão além do discurso enraizado na sociedade. A educação é vista como a solução para os atos infracionais, porém, há diversas dificuldades envolvendo o ambiente escolar anterior ao ato, como a precariedade da educação no país, o modelo educacional que não atende às demandas dos jovens e a sujeição criminal.

4 Considerações Finais

A análise das produções bibliográficas encontradas com os termos “terapia ocupacional”, “medidas socioeducativas”, “medidas socioeducadoras” e “socioeducação” resultou em diferentes temas: “Definições de adolescência e juventude”, “Discussão conceitual sobre vulnerabilidade”, “Histórico e papel das medidas socioeducativas no Brasil”, “Terapia ocupacional nas medidas socioeducativas”, “Dados sobre os adolescentes e jovens em conflito com a lei” e “Educação e perspectiva de futuro dos adolescentes e jovens em cumprimento de medidas socioeducativas” (Morais, 2013Morais, A. C. (2013). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas em meio aberto: percepções e práticas (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O Terapeuta Ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(3), 531-542.; Faria, 2017Faria, C. B. (2017). Há saídas? As saídas: pelos caminhos dos cotidianos das vidas de adolescentes após cumprimento de medida socioeducativa em meio fechado (Dissertação de mestrado). Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.; Gonçalves, 2016Gonçalves, M. V. (2016). “Eu nem sabia que podia entrar aqui”: promoção de cidadania cultural como experiência de ressignificação de identidade de jovens em conflito com a lei. Cadernos de Terapia Ocupacional da UFSCar, 24(1), 127-137.).

Em linhas gerais, constata-se a diversificação de conceitos e concepções sobre juventude e adolescência, a depender do alinhamento teórico, visto que alguns estudos abordam a idade cronológica, aspectos biológicos e outros consideram a perspectiva socio-histórica cultural e econômica sobre este grupo social.

Observa-se que “vulnerabilidade” foi um termo discutido em todas as produções encontradas, entretanto, percebe-se uma escassez de conceituações sobre este. Apesar disso, os estudos apontam que a vulnerabilidade é expressa na fragilidade e/ou falta de assistência de moradia, alimentação e educação, impossibilidade de acesso aos serviços tanto de saúde quanto de assistência social e a sujeição criminal que os jovens estão expostos.

Todas as produções levantam que não se deve propor relação causal entre vulnerabilidade e jovens que cometem atos infracionais, apesar desta concepção existir no senso comum, pois esta pode ser considerada um fator desencadeante, mas não determinante.

Há também a tentativa de fazer uma retrospectiva sobre o histórico das medidas socioeducativas, bem como de identificar sua função. As medidas socioeducativas, regulamentadas pelo Sistema de Garantia de Direitos, surgem com a intenção de formar novas condutas e comportamentos, promovendo direitos e proteção dos sujeitos por meio da reconstrução dos projetos de vida do jovem.

Existem diversos documentos, leis e estatutos para garantir os direitos e os deveres dos jovens, entretanto, na prática, existem dificuldades para garantir sua execução de forma plena e que alcance todas as classes sociais. Da mesma forma, as medidas socioeducativas possuem regulamentos e objetivos próprios para garantir o desenvolvimento pessoal e social dos jovens e construir as possibilidades de projetos de vida possíveis com eles. Todavia, novamente, constata-se a dificuldade de execução das normas. Além do mais, quando o jovem retorna ao seu local de origem e à sua família, retorna ao mesmo cotidiano repleto de problemáticas não solucionadas e depara-se com os mesmos fatores citados anteriormente.

A terapia ocupacional está inserida nesse contexto utilizando estratégias como acompanhamento individual, grupos, visitas domiciliares, visitas técnicas e encaminhamentos relacionados à saúde, educação, profissionalização, esporte e lazer. Os profissionais estão atuando na gestão dos serviços, mediação de conflitos e fazendo articulação, tanto interna quanto externa, e os serviços de medidas socioeducativos.

A atuação dos terapeutas ocupacionais nas medidas socioeducativas busca a emancipação e a autonomia de indivíduos que apresentam dificuldades na inserção e participação social, investindo no protagonismo e cidadania, tornando o jovem personagem principal nas situações reais de seu cotidiano.

Apontamos a necessidade de se realizar mais estudos sobre essa temática para ser possível entender e desenvolver estratégias que melhorem o funcionamento das medidas socioeducativas, bem como compreender o cotidiano dos jovens que cometeram atos infracionais e para fundamentar a atuação profissional da terapia ocupacional.

Agradecimentos

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Espírito Santo (FAPES) pelo financiamento à pesquisa que originou este artigo, pelo Edital FAPES Nº 03/2017 - Universal.

  • Como citar: Kobi, E. C., Machado, M. V. C., & Monzeli, G. A. (2020). Terapia ocupacional e medidas socioeducativas: uma revisão de literatura. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional. Ahead of Print. https://doi.org/10.4322/2526-8910.ctoAR2016

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Set 2020
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2020

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2019
  • Revisado
    18 Jan 2020
  • Aceito
    25 Maio 2020
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