Acessibilidade / Reportar erro

Aspectos contextuais e individuais relacionados à dor osteomuscular em adultos do sul do Brasil

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor gera consequências negativas na vida pessoal e social dos indivíduos. O objetivo deste estudo foi investigar a associação entre dor osteomuscular e aspectos individuais e contextuais em adultos do sul do Brasil.

MÉTODOS:

Análise transversal de um estudo de coorte de base populacional (n=571). A dor osteomuscular foi avaliada através da versão adaptada e traduzida para o Brasil do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO). Na análise multivariável, as variáveis foram ajustadas entre si levando em consideração os dois níveis: contextual e individual.

RESULTADOS:

A prevalência de dor osteomuscular foi de 71,1% (IC 95%:66,4-75,4). Na análise ajustada estiveram associados a maior dor osteomuscular em nível contextual: menor renda, menor apoio social da vizinhança e menor ação social. Em nível individual estiveram associados o sexo (feminino), maior idade, menor escolaridade, menor apoio social e morbidades (≥3).

CONCLUSÃO:

Os achados desta pesquisa evidenciaram alta prevalência de dor osteomuscular. A ação social no nível contextual permaneceu no modelo após ajustamento, essa associação sugere a contribuição dos fatores socioambientais em desfechos de saúde.

Descritores:
Dor; Dor musculoesquelética; Estudos transversais

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Pain generates negative consequences in the personal and social life of individuals. The objective of this study was to investigate the association between musculoskeletal pain and individual and contextual aspects in adults in the south of Brazil.

METHODS:

Cross-sectional analysis of a population-based cohort study (n=571). Musculoskeletal pain was assessed using the adapted and translated version for Brazil of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire (NMQ). In the multivariable analysis, the variables were adjusted for each other taking into account the two levels: contextual and individual.

RESULTS:

The prevalence of musculoskeletal pain was 71.1% (95% CI: 66.4-75.4). In the adjusted analysis, the following were associated with greater musculoskeletal pain at the contextual level: lower income, lower social support from the neighborhood and lower social action. At the individual level, sex (female), older age, lower education, lower social support and morbidities (≥ 3) were associated.

CONCLUSION:

The present research findings showed a high prevalence of musculoskeletal pain. Social action at the contextual level remained in the model after adjustment, this association suggests the contribution of socio-environmental factors to health outcomes.

Keywords
Cross-sectional studies; Musculoskeletal pain; Pain

RESUMO GRÁFICO

DESTAQUES

Análise transversal de um estudo de coorte de base populacional;

Foi realizada uma análise de dados multivariável;

Modelagem utilizada foi realizada com base em um modelo conceitual de determinação.

INTRODUÇÃO

Segundo a Associação Internacional Para o Estudo da Dor (IASP) e demais estudos da área11 Raja SN, Carr DB, Cohen M, Finnerup NB, Flor H, Gibson S, Keefe FJ, Mogil JS, Ringkamp M, Sluka KA, Song XJ, Stevens B, Sullivan MD, Tutelman PR, Ushida T, Vader K. The revised International Association for the Study of Pain definition of pain: concepts, challenges, and compromises. Pain 2020;161(9):1976-82.,22 Souza JB, Barros CM. Considerations about the new concept of pain. BrJP 2020;3(3):294-294., a definição de dor atual é “uma experiência sensitiva e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a uma lesão tecidual real ou potencial”. A dor osteomuscular (DO), por sua vez, pode ser produto do esforço repetitivo, de uso excessivo ou de distúrbios musculoesqueléticos. Como consequência, essas lesões ocasionam dores em articulações, ossos, músculos ou nas estruturas adjacentes33 Perrot S, Cohen M, Barke A, Korwisi B, Rief W, Treede RD. The IASP classification of chronic pain for ICD-11: chronic secondary musculoskeletal pain. Pain 2019;160(1):77-82..

Há impactos físicos e mentais negativos da DO, sendo um dos principais motivos para a procura por atendimento em serviços de saúde, destacando-se como uma das causas de alta demanda de automedicação no país44 Almeida LMS, Dumith SC. Association between musculoskeletal symptoms and perceived stress in public servants of a Federal University in the South of Brazil. BrJP. 2018;1(1):9-14.. Além disso, afeta a qualidade de vida dos indivíduos, produzindo incapacidades funcionais e diminuindo a produtividade55 Hotta GH, Oliveira ASD, Alaiti RK, Reis FJ. Abordagem terapêutica do medo relacionado à dor e da evitação em adultos com dor musculoesquelética crônica: revisão integrativa e roteiro para o clínico. BrJP. 2022;5(1):72-9..

Um estudo global de doenças, lesões e fatores de risco, apontou que entre os anos de 2007 e 2017, quando ajustados por incapacidade, os distúrbios musculoesqueléticos potencializaram um aumento significativo nos anos de vida perdidos na população investigada pelo Disability Adjusted Life Years (DALY’s)66 Kyu HH. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALYs) for 359 diseases and injuries and healthy life expectancy (HALE) for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1859..

Embora haja um crescimento nos estudos epidemiológicos sobre a dor no Brasil, permanece relevante a investigação da prevalência de DO no país. Uma revisão sistemática em países de baixa e média renda encontrou prevalência de sintomas osteomusculares de 26% (IC 95%:19-33) entre os adultos e 39% (IC 95%:23-57) entre os idosos77 Jackson T, Thomas S, Stabile V, Han X, Shotwell M, Mcqueen K. Prevalence of chronic pain in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. Lancet. 2015;385(Suppl 2):S10..

A presença de DO pode ser influenciada por diversos fatores, sendo eles contextuais e individuais. Estudos de base populacional no Brasil têm apontado alguns aspectos em nível individual associados à maior prevalência de DO, entre os principais fatores, podemos citar: ser do sexo feminino, maior idade, menor escolaridade, maior índice de massa corporal (IMC) e tabagismo88 Romero DE, Santana D, Borges P, Marques A, Castanheira D, Rodrigues JM, Sabbadini L. Prevalence, associated factors, and limitations related to chronic back problems in adults and elderly in Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00012817.

9 Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em adultos do Sul do Brasil: estudo de base populacional. Braz J Phys Ther. 2011;15(1):31-6.

10 Vieira EB, Garcia JB, Silva AA, Araújo RL, Jansen RC, Bertrand AL. Chronic pain, associated factors, and impact on daily life: are there differences between the sexes? Cad Saude Publica. 2012;28(8):1459-67.

11 Vitta AD, Canonici AA, Conti MHSD, Simeão SFDAP. Prevalência e fatores associados à dor musculoesquelética em profissionais de atividades sedentárias. Fisioter Mov. 2012;25(2):273-80.
-1212 Saes-Silva E, Vieira YP, Saes MO, Meucci RD, Aikawa P, Cousin E, Silva LMAD, Dumith SC. Epidemiology of chronic back pain among adults and elderly from Southern Brazil: a cross-sectional study. Braz J Phys Ther. 2021;25(3):344-51.. Fatores psicossociais também têm apresentado associação com a DO. Um estudo de base populacional austríaco encontrou associação entre capital social individual e DO em adultos. Os resultados apontaram prevalência maior de dor nos indivíduos com baixo capital social1313 Muckenhuber J, Pollak L, Stein KV, Dorner TE. Individual cognitive social capital and its relationship with pain and sick leave due to pain in the Austrian population. PloS One. 2016;11(6):e0157909..

O capital social pode ser definido como os recursos obtidos a partir da participação dos indivíduos em redes duráveis de relações sociais1414 Bourdieu P. The forms of capital. In: Richardson JG. Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood; 1986. 15-29p., trazendo luz para as relações não monetárias e suas consequências para as pessoas através do envolvimento e participação em grupos1515 Pattussi MP, Moysés SJ, Junges JR, Sheiham A. Social capital and the research agenda in epidemiology. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1525-46.. É através dessas redes de apoio que as pessoas partilham suas informações, viabilizam e recebem apoio de seus pares e trabalham coletivamente a fim de alcançar metas e objetivos, inclusive aqueles relacionados à sua saúde, que de forma individual não obtêm o mesmo êxito1616 Macinko J, Starfield B. The utility of social capital in research on health determinants. Milbank Q. 2001;79(3):387-427.

Em nível contextual, os aspectos psicossociais e socioeconômicos igualmente trazem impactos em desfechos de saúde pois estão relacionados ao local de moradia e aos fatores sociais e interpessoais1717 Meints SM, Edwards RR. Evaluating psychosocial contributions to chronic pain outcomes. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2018;87(Pt B):168-82.,1818 Turk DC, Fillingim RB, Ohrbach R, Patel KV. Assessment of psychosocial and functional impact of chronic pain. J Pain. 2016;17(9):21-49.. Um estudo europeu conduzido com adolescentes apontou que o baixo capital social da vizinhança estava associado a maiores taxas de dor musculoesquelética1919 Åslund C, Starrin B, Nilsson KW. Social capital in relation to depression, musculoskeletal pain, and psychosomatic symptoms: a cross-sectional study of a large population-based cohort of Swedish adolescents. BMC Public Health. 2010;10(1):715..

Embora estudos tenham apontado associação entre diversos fatores, incluindo os psicossociais e a DO, ainda existem lacunas nesse conhecimento, principalmente para estudos latino-americanos que façam essa abordagem no nível individual e contextual. Por esse motivo, o caminho é aberto para que novos trabalhos sejam realizados, a fim de auxiliar que políticas públicas também foquem nos indicadores sociais para superar o peso das doenças2020 Majeed MT, Ajaz T. Social capital as a determinant of population health outcomes: a global perspective. Pakistan J Comm Soc Sci. 2018;12(1):52-77..

Portanto, o objetivo deste estudo foi investigar a relação entre DO e aspectos individuais e contextuais em adultos participantes de um estudo de coorte do sul do Brasil.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo transversal, recorte de um estudo maior de coorte, de base populacional, com uma amostra representativa de adultos do município de São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil. O município está localizado no Vale do Rio dos Sinos, região metropolitana de Porto Alegre e, de acordo com o censo de 2010, sua população era de 214.087 habitantes2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico. Brasília: IBGE; 2010..

Para o cálculo do tamanho da amostra da linha de base, foram utilizados dados do estudo piloto por meio do método para proporções com aleatorização de conglomerados2222 Hsieh FY. Sample size formulae for intervention studies with the cluster as unit of randomization. Stat Med. 1988;7(11):1195-201. e do desfecho de autopercepção da saúde. Foi estimado ser necessária uma amostra de 1260 domicílios em 36 setores censitários.

Portanto, na linha de base, realizada nos anos de 2006 e 2007, foram entrevistadas 1.100 pessoas de 18 ou mais anos de idade, residentes em 38 setores censitários da zona urbana do município de São Leopoldo. Maiores detalhes sobre os procedimentos metodológicos encontram-se disponíveis em publicações anteriores2323 Cremonese C, Backes V, Olinto MT, Dias-da-Costa JS, Pattussi MP. Neighborhood sociodemographic and environmental contexts and self-rated health among Brazilian adults: a multilevel study. Cad Saude Publica. 2010;26(12):2368-78.

24 Pattussi MP, Anselmo Olinto MT, Rower HB, Souza de Bairros F, Kawachi I. Individual and neighbourhood social capital and all-cause mortality in Brazilian adults: a prospective multilevel study. Public Health. 2016;134:3-11.
-2525 Romero SS, Gonçalves TR, Mattos CNB, Bairros FS, Pattussi MP. Validity and reliability of the 8-item EUROHIS-QOL to assess Brazilian adults’ quality of life. Cad Saude Publica. 2022;38(11):e00200921..

A segunda onda teve início em 2013 e foi finalizada em 2018, quando foram realizadas novas entrevistas a fim de diminuir o número de perdas. Foi realizado um cálculo amostral a posteriori para o desfecho DO nos últimos 12 meses e tendo como exposição o sexo. Considerou-se um poder de 80% (1-β=0,80), com nível de confiança de 95%, razão expostos/não expostos de 0,32, para detectar uma razão de prevalência de 1,24 ou mais, sendo necessária uma amostra de 561 indivíduos. Nessa segunda onda houve perda de seguimento de 43%, em que foram entrevistados 571 indivíduos, sendo a amostra objeto de análise no presente estudo.

Os dados foram coletados por meio de entrevistas estruturadas, utilizando um questionário padronizado e pré-testado com o responsável pelo domicílio. O questionário abrangia questões sociodemográficas, econômicas, comportamentais e psicossociais.

O desfecho do estudo, DO nos últimos 12 meses, foi avaliado através da versão adaptada e traduzida para o Brasil do Questionário Nórdico de Sintomas Osteomusculares (QNSO)2626 Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validity of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire as morbidity measurement tool. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-12.. O instrumento contempla diversas regiões anatômicas do corpo agrupadas em três grandes grupos: coluna (pescoço, costas superiores e costas inferiores), membros superiores (ombros, cotovelos, punhos/mãos) e membros inferiores (quadril, joelhos, tornozelos/pés).

O respondente deveria considerar, além da ocorrência dos sintomas nos últimos 12 meses precedentes à entrevista, se houve afastamento de atividades e se consultou algum profissional da área da saúde nos últimos 12 meses devido aos sintomas, estes fatos tendo apenas sua ocorrência descrita no presente estudo. A categorização se deu de forma dicotômica: sim (apresentou dor em pelo menos um dos segmentos anatômicos) e não (sem sintomas em nenhum segmento anatômico).

As variáveis psicossociais utilizadas no estudo foram capital social e apoio social. O capital social foi mensurado através de escala de eficácia coletiva proposta pelos autores2727 Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods and violent crime: a multilevel study of collective efficacy. Science. 1997;277(5328):918-24., composta por 23 questões, exploradas previamente na literatura sobre o tema2424 Pattussi MP, Anselmo Olinto MT, Rower HB, Souza de Bairros F, Kawachi I. Individual and neighbourhood social capital and all-cause mortality in Brazilian adults: a prospective multilevel study. Public Health. 2016;134:3-11.,2828 Baum FE, Bush RA, Modra CC, Murray CJ, Cox EM, Alexander KM, Potter RC. Epidemiology of participation: an Australian community study. J Epidemiol Community Health. 2000;54(6):414-23.,2929 Stafford M, Bartley M, Mitchell R, Marmot M. Characteristics of individuals and characteristics of areas: investigating their influence on health in the Whitehall II study. Health Place. 2001;7(2):117-29.. A escala se refere a 5 dimensões: confiança social, com 5 itens referindo-se às relações sociais de vizinhança; apoio social da vizinhança, com 4 itens referindo-se à reciprocidade entre vizinhos com vistas ao bem do outro; controle social informal, com 5 itens referindo-se às normas sociais informais que produzem benefícios positivos individuais e comunitários; percepção política, com 4 itens referindo-se às percepções que o indivíduo tem do poder público; ação social, com 5 itens referindo-se ao agir do indivíduo na perspectiva de cooperação coletiva. Todas as respostas foram coletadas na forma de escala de Likert. Com intuito de avaliar cada uma das dimensões, foi criada uma variável categórica ordinal, em que os itens que compõem cada construto foram somados e transformados em uma escala de 0 a 100, sendo categorizados em tercis.

O apoio social individual foi coletado por meio da Escala de Apoio Social utilizada no Medical Outcomes Study (MOS)3030 Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991;32(6):705-14., adaptada e validada para o português3131 Griep RH, Chor D, Faerstein E, Werneck GL, Lopes CS. Construct validity of the Medical Outcomes Study’s social support scale adapted to Portuguese in the Pró-Saúde Study. Cad Saude Publica. 2005;21(3):703-14.. A escala é composta por 19 questões, em 5 dimensões funcionais: material, afetiva, emocional, interação social positiva e informação e para todas elas, há cinco opções de resposta: 1 (“nunca”); 2 (“raramente”); 3 (“às vezes”); 4 (“quase sempre”); e 5 (“sempre”). A variável foi transformada em uma escala de 0 a 100 e posteriormente categorizada em tercis.

As variáveis demográficas incluíram sexo, idade (18 a 29, 30 a 39, 40 a 49, 50 a 59 e ≥ 60 anos), cor da pele (branca e amarelo/negro/ pardo/indígena) e estado marital (com companheiro e sem companheiro). As variáveis socioeconômicas individuais foram escolaridade (referida em anos completos de estudo) e renda familiar (referida em salários-mínimos), ambas categorizadas em tercis. As variáveis comportamentais do estudo foram: atividade física, (ativo: pratica atividade física por mais de 150 minutos/semana; e sedentário: não pratica atividade física ou pratica menos de 150 minutos/semana) conforme o estudo3232 Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC. Questionário internacional de atividade física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ. 2001;6(2):5-18.; hábito de fumar (fumante e não fumante); e consumo de álcool (consome e não consome). As variáveis de saúde foram o IMC, classificado segundo a Organização Mundial da Saúde3333 World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 2000. (eutrófico ≤ 24,9 kg/m2, sobrepeso 25,0 a 29,9 kg/m2 e obesos ≥30,0 kg/m2); e morbidades, categorizadas de acordo com o número de doenças apresentado (0, 1/2 e ≥ 3 morbidades).

As variáveis contextuais relacionadas a renda, escolaridade e condições sanitárias foram coletadas a partir do censo demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)2121 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico. Brasília: IBGE; 2010., sendo: renda a média do valor do rendimento nominal médio mensal do responsável pelo domicílio no setor censitário em reais; alfabetização a porcentagem de alfabetizados no setor censitário; e esgotamento sanitário a porcentagem de domicílios no setor censitário com esgotamento sanitário na rede geral de esgoto ou pluvial. Todas essas variáveis foram categorizadas em tercis.

Por sua vez, as dimensões do capital social em nível contextual foram definidas a partir da média aritmética dos escores individuais em cada um dos setores censitários, e a variável foi categorizada em tercis (alto, médio e baixo).

A entrada de dados foi realizada no programa Epi Info 6, versão 6.0 (Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, Estados Unidos), em dupla entrada, com comparação a posteriori, para eliminar a probabilidade de possíveis erros de digitação. A análise dos dados foi executada no programa Stata 14.0 para Windows (StataCorp., College Station, Estados Unidos). Foram estimadas as prevalências de DO e seus respectivos intervalos de confiança 95% (IC 95%), e a associação do desfecho e variáveis independentes foram estimadas através do teste de Qui-quadrado de Pearson. Para as estimativas das razões de prevalências (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança 95% (IC 95%), foi realizada a regressão de Poisson, utilizando controle para efeito de delineamento mediante comando svy.

Para a análise ajustada, utilizou-se uma estratégia baseada no modelo conceitual hierarquizado proposto pelos autores3434 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7. com o método backward, pelo qual todas as variáveis do mesmo bloco foram incluídas e permaneceram apenas aquelas com valores de p abaixo do nível de significância de 0,10. A análise multivariável foi realizada utilizando quatro modelos. No primeiro, as variáveis de controle foram as contextuais (psicossociais e sociodemográficas), no segundo, foram incluídas as variáveis sociodemográficas individuais, no terceiro, as psicossociais individuais e, no quarto, as comportamentais e de saúde.

O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS; CEP projetos nº. 04/034 e nº. 11/054). Os participantes do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), pelo qual foi assegurado a garantia de sigilo total dos dados.

RESULTADOS

Do total de 571 participantes do estudo, a maioria da amostra era composta por mulheres (75,7%), de cor branca (81,4%) e com companheiro (60,4%). Mais de um terço dos indivíduos pertencia a faixa etária de 60 anos ou mais. Com relação ao comportamento, houve predomínio de sedentários (87,8%), não fumantes (84,3%) e consumidores de álcool (76,0%). Os eutróficos representaram 39,9% da amostra e aqueles com nenhuma morbidade eram 41,2% (Tabela 1). A distribuição das variáveis contextuais são apresentadas na tabela 2.

Tabela 1
Distribuição da amostra de acordo com variáveis individuais demográficas, socioeconômicas, comportamentais, psicossociais e prevalência de dor osteomuscular em adultos. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018. (n = 571).
Tabela 2
Distribuição da amostra de acordo com variáveis contextuais demográficas, socioeconômicas, psicossociais e prevalência de dor osteomuscular em adultos. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018. (n = 571).

Do total de indivíduos, 401 (71,1%; IC 95%:66,4-75,4) apresentaram DO em pelo menos um local, 154 (27,3%; IC9 5%:23,7-31,2) relataram que a dor impediu a realização de atividades de trabalho, domésticas e de lazer, e 225 (39,9%; IC 95%:35,4-44,5) precisaram consultar um profissional da área da saúde devido a dor. Com relação ao local da dor, a parte inferior das costas (33,1%; IC 95%:28,837,6), os tornozelos/pés (26,1%; IC 95%:22,4-30,3) e os joelhos (25,8%; IC95%:22,1-30,0) foram os locais com maior presença de dor (Tabela 3).

Tabela 3
Distribuição da prevalência de dor, impedimento na realização de atividades e consulta a profissionais da saúde nos últimos 12 meses, geral e segundo local da dor em adultos. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018. (n=571).

As maiores prevalências de dor foram verificadas em mulheres (75,8%; IC 95%:70,7-80,2), indivíduos com idade de 50 a 59 anos (76,6%; IC 95%:69,1-82,7), com baixa escolaridade (79,1%; IC 95%:72,4-84,6), baixa renda (78,9%; IC 95%:71,9-84,6), sedentários (72,9%; IC 95%:68,3-77,1), obesos (83,0%; IC 95%:72,390,1) e que apresentaram três ou mais morbidades (86,0%; IC 95%:77,6-91,6) (Tabela 1).

Na análise bruta, as mulheres apresentaram aumento de prevalência de dor 1,33 vez maior (IC 95%:1,14-1,56) que os homens. Além disso, os indivíduos com 50 a 59 anos tiveram uma prevalência 1,76 vez maior (IC95%:1,16-2,67) do que aqueles com 18 a 29 anos. Com relação à escolaridade, houve aumento de prevalência conforme diminuía a escolaridade, sendo 1,25 vez maior (IC95%:1,091,42) nas pessoas com baixa escolaridade (Tabela 4).

Tabela 4
Razão de Prevalência (RP) bruta e ajustada para dor osteomuscular de acordo com os modelos de ajustes. São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil, 2018. (n = 571).

Ainda na análise bruta, os indivíduos sedentários tiveram uma prevalência 1,26 vez maior (IC 95%:1,02-1,55) do que aqueles ativos. Os obesos apresentaram prevalência 1,24 vez maior (IC 95%:1,101,40) do que os eutróficos, assim como os indivíduos com três ou mais morbidades tiveram prevalência 1,42 vez maior (IC95%: 1,24 - 1,61) quando comparados com aqueles sem morbidades. Na variável psicossocial apoio social individual, os indivíduos com baixo apoio social tiveram prevalência 1,29 vez maior (IC 95%:1,16-1,43) de dor do que aqueles com alto apoio social. (Tabela 4).

Na análise ajustada, o modelo 1 incluiu as variáveis contextuais. Permaneceram no modelo a renda, o apoio social da vizinhança e a ação social. Os indivíduos com baixa renda, baixo apoio social e baixa ação social apresentaram prevalências de dor 1,28 (IC 95%:1,08-1,52), 1,16 (IC 95%:1,00-1,34) e 1,15 (IC 95%:1,001,34) vezes maior do que aqueles com renda, apoio social e ação social altos, respectivamente. No modelo 2 foram incluídas as variáveis sociodemográficas individuais, e as mulheres tiveram prevalência 1,32 vez maior (IC95%:1,13-1,54) que os homens. No que se refere à idade, aqueles com 50 a 59 anos apresentaram prevalência 1,76 vez maior (IC95%:1,16-2,67) se comparados aos de 18 a 29 anos (Tabela 4).

No modelo 3, foram incluídas as variáveis psicossociais individuais, permanecendo no modelo o apoio social individual. Indivíduos com baixo apoio social apresentaram prevalência de dor 1,28 vez maior (IC95%:1,15-1,41) que aqueles com alto apoio social. Por fim, o modelo 4 teve a inclusão das variáveis comportamentais e de saúde, e as pessoas com três ou mais morbidades tiveram uma prevalência 1,16 vez maior (IC95%:1,01-1,34) que aqueles sem morbidades. (Tabela 4).

DISCUSSÃO

Este estudo teve como objetivo investigar a relação entre DO e aspectos contextuais e individuais em adultos. A prevalência de dor na população estudada foi de 71,1% (IC 95%: 66,4-75,4), superior ao encontrado em estudos de base populacional, no Brasil e na Europa99 Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em adultos do Sul do Brasil: estudo de base populacional. Braz J Phys Ther. 2011;15(1):31-6.,1313 Muckenhuber J, Pollak L, Stein KV, Dorner TE. Individual cognitive social capital and its relationship with pain and sick leave due to pain in the Austrian population. PloS One. 2016;11(6):e0157909.,3535 Iguti AM, Guimarães M, Barros MBA. Health-related quality of life (SF-36) in back pain: a population-based study, Campinas, São Paulo State, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(2):e00206019..

Com relação às variáveis contextuais, os indivíduos residentes em setores censitários com baixa renda apresentaram maior prevalência de DO. Uma revisão sistemática, que incluiu 30 estudos, encontrou uma prevalência estimada de dor crônica de 14,5% (IC95%: 3,925,1) em países em desenvolvimento, com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), prevalência superior a encontrada em países desenvolvidos e com maior IDH3636 Andrews P, Steultjens M, Riskowski J. Chronic widespread pain prevalence in the general population: a systematic review. Eur J Pain. 2018;22(1):5-18.. Os autores3636 Andrews P, Steultjens M, Riskowski J. Chronic widespread pain prevalence in the general population: a systematic review. Eur J Pain. 2018;22(1):5-18. sugerem que a tensão financeira e as baixas condições socioeconômicas podem desencadear tensão muscular resultando em dor osteomuscular induzida pelo estresse.

Os estudos populacionais têm apontado que indivíduos residentes em áreas economicamente desfavorecidas apresentam maior propensão de apresentar dor crônica3737 Mills SEE, Nicolson KP, Smith BH. Chronic pain: a review of its epidemiology and associated factors in population-based studies. Br J Anaesth. 2019;123(2):e273-e283.. Esses resultados em que há associação entre desfechos de saúde e o contexto socioeconômico dos indivíduos corroboram a hipótese da influência do ambiente na saúde individual das pessoas.

Cabe ressaltar que, para os indivíduos que vivem na pobreza, cada decisão financeira é pautada pelo baixo estado socioeconômico, dificultando o acesso às intervenções, fármacos e consultas a profissionais de saúde a fim de controlar a dor3838 Maly A, Vallerand AH. Neighborhood, socioeconomic, and racial influence on chronic pain. Pain Manag Nurs. 2018;19(1):14-22.. Por consequência, as áreas mais carentes, com piores condições econômicas e maior desigualdade de renda, podem afetar negativamente os desfechos em saúde3939 Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZPD. Markers of inequality in self-rated health in Brazilian adults according to sex. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318.. Os presentes resultados também indicaram que a baixa ação social, uma das dimensões do capital social, no nível contextual, esteve associada à maior prevalência de DO. Um estudo realizado na Suécia, com jovens entre 13 e 18 anos de idade, apontou que aqueles indivíduos com baixo capital social de bairro tinham duas vezes mais chance de apresentar DO que aqueles com alto capital social. Embora o país europeu seja altamente igualitário, do ponto de vista social e econômico, as relações menos confiáveis entre os indivíduos de um mesmo território podem desencadear desfechos negativos em saúde1919 Åslund C, Starrin B, Nilsson KW. Social capital in relation to depression, musculoskeletal pain, and psychosomatic symptoms: a cross-sectional study of a large population-based cohort of Swedish adolescents. BMC Public Health. 2010;10(1):715..

Outros desfechos de saúde também têm apresentado associação com baixos níveis de capital social contextual como maior dor dentária, mortalidade e incapacidade funcional2424 Pattussi MP, Anselmo Olinto MT, Rower HB, Souza de Bairros F, Kawachi I. Individual and neighbourhood social capital and all-cause mortality in Brazilian adults: a prospective multilevel study. Public Health. 2016;134:3-11.,4040 Aida J, Kondo K, Kawachi I, Subramanian SV, Ichida Y, Hirai H, Kondo N, Osaka K, Sheiham A, Tsakos G, Watt RG. Does social capital affect the incidence of functional disability in older Japanese? A prospective population-based cohort study. J Epidemiol Community Health. 2013;67(1):42-7.,4141 Santiago BM, Valença AMG, Vettore MV. Social capital and dental pain in Brazilian northeast: a multilevel cross-sectional study. BMC Oral Health. 2013;13(1):1-9.. Embora os estudos de dor e capital social se concentrem em países desenvolvidos, prejudicando a comparabilidade, esses achados reforçam o entendimento do capital social em uma perspectiva de cooperação coletiva, e o impacto dos fatores socioambientais sobre a saúde dos indivíduos1717 Meints SM, Edwards RR. Evaluating psychosocial contributions to chronic pain outcomes. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2018;87(Pt B):168-82.,1818 Turk DC, Fillingim RB, Ohrbach R, Patel KV. Assessment of psychosocial and functional impact of chronic pain. J Pain. 2016;17(9):21-49.. Com relação às variáveis do nível individual, no presente estudo as mulheres apresentaram uma prevalência 31% maior de DO que os homens.

Um estudo de base populacional, realizado na cidade de Pelotas, RS, Brasil, encontrou prevalência 24% maior de dor nas costas em mulheres99 Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em adultos do Sul do Brasil: estudo de base populacional. Braz J Phys Ther. 2011;15(1):31-6.. Outro estudo de base populacional conduzido na cidade de Criciúma, também no Sul do Brasil, apontou que a dor nas costas aguda e crônica esteve associada ao sexo feminino1212 Saes-Silva E, Vieira YP, Saes MO, Meucci RD, Aikawa P, Cousin E, Silva LMAD, Dumith SC. Epidemiology of chronic back pain among adults and elderly from Southern Brazil: a cross-sectional study. Braz J Phys Ther. 2021;25(3):344-51.. Já os dados da Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2013 apontou uma prevalência de dor crônica na coluna maior entre as mulheres4242 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s..

Essas diferenças entre os sexos podem ser explicadas pela maior percepção que as mulheres demonstram em relação a sintomas e sinais de doenças. Outros fatores como “dupla jornada”, devido à realização de tarefas domésticas somadas à rotina de trabalho, diferenças anátomo-funcionais, como maior IMC, menor estatura e menor carga óssea também contribuem para uma maior sobrecarga e consequentemente maior presença de dor4242 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s.

43 Simões TC, Meira KC, Santos JD, Câmara DCP. Prevalências de doenças crônicas e acesso aos serviços de saúde no Brasil: evidências de três inquéritos domiciliares. Cien Saude Colet. 2021;26:3991-4006.
-4444 Oliveira MMD, Andrade SSCDA, Souza CAVD, Ponte JN, Szwarcwald CL, Malta DC. Problema crônico de coluna e diagnóstico de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) autorreferidos no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24:287-96..

O aumento da idade esteve associado ao aumento das prevalências de DO, outros estudos brasileiros também encontraram resultados semelhantes88 Romero DE, Santana D, Borges P, Marques A, Castanheira D, Rodrigues JM, Sabbadini L. Prevalence, associated factors, and limitations related to chronic back problems in adults and elderly in Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00012817.,4141 Santiago BM, Valença AMG, Vettore MV. Social capital and dental pain in Brazilian northeast: a multilevel cross-sectional study. BMC Oral Health. 2013;13(1):1-9.,4545 Zanuto EAC, Codogno JS, Christófaro DGD, Vanderlei LCM, Cardoso JR, Fernandes RA. Prevalência de dor lombar e fatores associados entre adultos de cidade média brasileira. Cien Saude Colet. 2015;20(5):1575-82.

46 Depintor JD, Bracher ES, Cabral DM, Eluf-Neto J. Prevalence of chronic spinal pain and identification of associated factors in a sample of the population of São Paulo, Brazil: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2016;134(5):375-84.
-4747 Bento TPF, Genebra CVDS, Cornélio GP, Biancon RDB, Simeão SFAP, Vitta AD. Prevalência e fatores associados com dor no ombro na população geral: um estudo transversal. Fisioter Pesqui. 2019; 26(4):401-6.. Esses achados podem ser explicados pelas mudanças fisiológicas no organismo e degeneração osteomuscular, resultados do processo de envelhecimento4242 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s..

A baixa escolaridade se mostrou associada a maiores prevalências de dor, semelhante ao encontrado em outros estudos88 Romero DE, Santana D, Borges P, Marques A, Castanheira D, Rodrigues JM, Sabbadini L. Prevalence, associated factors, and limitations related to chronic back problems in adults and elderly in Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00012817.,4242 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s.,4545 Zanuto EAC, Codogno JS, Christófaro DGD, Vanderlei LCM, Cardoso JR, Fernandes RA. Prevalência de dor lombar e fatores associados entre adultos de cidade média brasileira. Cien Saude Colet. 2015;20(5):1575-82.,4646 Depintor JD, Bracher ES, Cabral DM, Eluf-Neto J. Prevalence of chronic spinal pain and identification of associated factors in a sample of the population of São Paulo, Brazil: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2016;134(5):375-84.. O restrito acesso à educação pública de qualidade resulta em indivíduos com baixa escolaridade, que são submetidos a condições de trabalho inferiores, com carga horária excessiva e maior esforço físico do que aqueles com alta escolaridade e melhores qualificações profissionais4444 Oliveira MMD, Andrade SSCDA, Souza CAVD, Ponte JN, Szwarcwald CL, Malta DC. Problema crônico de coluna e diagnóstico de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) autorreferidos no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24:287-96.,4848 Souza I, Vasconcelos AG, Caumo W, Baptista AF. Resilience profile of patients with chronic pain. Cad Saude Publica. 2017;33(1):e00146915..

No presente estudo, os indivíduos com baixo apoio social individual apresentaram maiores prevalências de DO. Entre os estudiosos do tema, é consenso que maior apoio social contribui de forma positiva para benefícios à saúde, e que baixo apoio social resulta em fatores de risco e fragilização social4949 Macedo JP, Dimenstein M, Sousa HRD, Costa APAD, Silva BÍDBDM. A produção científica brasileira sobre apoio social: tendências e invisibilidades. Gerais: Rev Int Psicol. 2018;11(2):258-78.. Um estudo de coorte realizado na Inglaterra com idosos acima de 65 anos apontou associação entre a presença de dor musculoesquelética em pelo menos uma região do corpo e dor generalizada com apoio social insuficiente5050 Nicolson PJ, Williamson E, Morris A, Sanchez-Santos MT, Bruce J, Silman A, Lamb SE. Musculoskeletal pain and loneliness, social support and social engagement among older adults: analysis of the Oxford Pain, Activity and Lifestyle cohort. Musculoskeletal Care. 2021;19(3):269-77..

É importante salientar que o apoio social funciona como mecanismo de solidariedade, participação e cidadania que tem como base o benefício mútuo com intuito do enfrentamento das doenças, assim como na prevenção e promoção de saúde5151 Canesqui AM, Barsaglini RA. Social support and health: standpoints from the social and human sciences. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1103-14..

Outro achado do presente estudo é a associação entre presença de três ou mais morbidades com DO. A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) de 2013 apontou que o diagnóstico de hipertensão e colesterol elevado estavam associados à dor crônica na coluna em homens e mulheres adultos4242 Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s.. Em pesquisa realizada em Baltimore (EUA), com indivíduos entre 30 e 64 anos de idade, aqueles que relataram DO tinham maior probabilidade de apresentar comorbidades5252 Sardina AG, Gamaldo AA, Andel R, Johnson S, Baker TA, Thorpe RJ, Mcevoy C, Evans MK, Zonderman AB. Cross-sectional examination of musculoskeletal pain and physical function in a racially and socioeconomically diverse sample of adults. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2021;76(2):368-77.. Essa associação pode ter relação com o processo de envelhecimento, uma vez que o aumento da idade acarreta maior risco de os indivíduos apresentarem mais morbidades e consequentemente maior prevalência de DO5151 Canesqui AM, Barsaglini RA. Social support and health: standpoints from the social and human sciences. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1103-14..

Cabe ressaltar que o presente estudo apresentou limitações que são inerentes ao tipo de desenho. Embora o mesmo faça parte de uma coorte, a análise foi realizada de forma transversal, portanto há a possibilidade de causalidade reversa. Além disso, as prevalências podem ser superestimadas, uma vez que a DO foi coletada de forma autorreferida retrospectiva e está sujeita ao erro recordatório. Por outro lado, foi realizada análise multivariável que teve como intuito controlar os possíveis fatores de confusão, e a modelagem utilizada foi realizada com base em um modelo conceitual de determinação3434 Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7..

CONCLUSÃO

Os achados desta pesquisa evidenciaram alta prevalência de DO, que por vezes ocasiona incapacidades físicas e laborais. Cabe ressaltar a associação com variáveis psicossociais contextuais que sugerem a contribuição dos fatores socioambientais em desfechos de saúde. Desta forma, os presentes achados podem subsidiar novos estudos sobre o tema e o planejamento de programas e políticas públicas para ações de enfrentamento aos sintomas osteomusculares na população.

  • Fontes de fomento: Este trabalho foi apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq, processos nº. 478503/20040, nº. 481410/2009-0 e nº. 431329/2016-8), e pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (FAPERGS, processos nº. 0415621 e nº. 11/2177-4).

REFERENCES

  • 1
    Raja SN, Carr DB, Cohen M, Finnerup NB, Flor H, Gibson S, Keefe FJ, Mogil JS, Ringkamp M, Sluka KA, Song XJ, Stevens B, Sullivan MD, Tutelman PR, Ushida T, Vader K. The revised International Association for the Study of Pain definition of pain: concepts, challenges, and compromises. Pain 2020;161(9):1976-82.
  • 2
    Souza JB, Barros CM. Considerations about the new concept of pain. BrJP 2020;3(3):294-294.
  • 3
    Perrot S, Cohen M, Barke A, Korwisi B, Rief W, Treede RD. The IASP classification of chronic pain for ICD-11: chronic secondary musculoskeletal pain. Pain 2019;160(1):77-82.
  • 4
    Almeida LMS, Dumith SC. Association between musculoskeletal symptoms and perceived stress in public servants of a Federal University in the South of Brazil. BrJP. 2018;1(1):9-14.
  • 5
    Hotta GH, Oliveira ASD, Alaiti RK, Reis FJ. Abordagem terapêutica do medo relacionado à dor e da evitação em adultos com dor musculoesquelética crônica: revisão integrativa e roteiro para o clínico. BrJP. 2022;5(1):72-9.
  • 6
    Kyu HH. Global, regional, and national disability-adjusted life-years (DALYs) for 359 diseases and injuries and healthy life expectancy (HALE) for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1859.
  • 7
    Jackson T, Thomas S, Stabile V, Han X, Shotwell M, Mcqueen K. Prevalence of chronic pain in low-income and middle-income countries: a systematic review and meta-analysis. Lancet. 2015;385(Suppl 2):S10.
  • 8
    Romero DE, Santana D, Borges P, Marques A, Castanheira D, Rodrigues JM, Sabbadini L. Prevalence, associated factors, and limitations related to chronic back problems in adults and elderly in Brazil. Cad Saude Publica. 2018;34(2):e00012817.
  • 9
    Ferreira GD, Silva MC, Rombaldi AJ, Wrege ED, Siqueira FV, Hallal PC. Prevalência de dor nas costas e fatores associados em adultos do Sul do Brasil: estudo de base populacional. Braz J Phys Ther. 2011;15(1):31-6.
  • 10
    Vieira EB, Garcia JB, Silva AA, Araújo RL, Jansen RC, Bertrand AL. Chronic pain, associated factors, and impact on daily life: are there differences between the sexes? Cad Saude Publica. 2012;28(8):1459-67.
  • 11
    Vitta AD, Canonici AA, Conti MHSD, Simeão SFDAP. Prevalência e fatores associados à dor musculoesquelética em profissionais de atividades sedentárias. Fisioter Mov. 2012;25(2):273-80.
  • 12
    Saes-Silva E, Vieira YP, Saes MO, Meucci RD, Aikawa P, Cousin E, Silva LMAD, Dumith SC. Epidemiology of chronic back pain among adults and elderly from Southern Brazil: a cross-sectional study. Braz J Phys Ther. 2021;25(3):344-51.
  • 13
    Muckenhuber J, Pollak L, Stein KV, Dorner TE. Individual cognitive social capital and its relationship with pain and sick leave due to pain in the Austrian population. PloS One. 2016;11(6):e0157909.
  • 14
    Bourdieu P. The forms of capital. In: Richardson JG. Handbook of theory and research for the sociology of education. New York: Greenwood; 1986. 15-29p.
  • 15
    Pattussi MP, Moysés SJ, Junges JR, Sheiham A. Social capital and the research agenda in epidemiology. Cad Saude Publica. 2006;22(8):1525-46.
  • 16
    Macinko J, Starfield B. The utility of social capital in research on health determinants. Milbank Q. 2001;79(3):387-427
  • 17
    Meints SM, Edwards RR. Evaluating psychosocial contributions to chronic pain outcomes. Prog Neuropsychopharmacol Biol Psychiatry. 2018;87(Pt B):168-82.
  • 18
    Turk DC, Fillingim RB, Ohrbach R, Patel KV. Assessment of psychosocial and functional impact of chronic pain. J Pain. 2016;17(9):21-49.
  • 19
    Åslund C, Starrin B, Nilsson KW. Social capital in relation to depression, musculoskeletal pain, and psychosomatic symptoms: a cross-sectional study of a large population-based cohort of Swedish adolescents. BMC Public Health. 2010;10(1):715.
  • 20
    Majeed MT, Ajaz T. Social capital as a determinant of population health outcomes: a global perspective. Pakistan J Comm Soc Sci. 2018;12(1):52-77.
  • 21
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Censo Demográfico. Brasília: IBGE; 2010.
  • 22
    Hsieh FY. Sample size formulae for intervention studies with the cluster as unit of randomization. Stat Med. 1988;7(11):1195-201.
  • 23
    Cremonese C, Backes V, Olinto MT, Dias-da-Costa JS, Pattussi MP. Neighborhood sociodemographic and environmental contexts and self-rated health among Brazilian adults: a multilevel study. Cad Saude Publica. 2010;26(12):2368-78.
  • 24
    Pattussi MP, Anselmo Olinto MT, Rower HB, Souza de Bairros F, Kawachi I. Individual and neighbourhood social capital and all-cause mortality in Brazilian adults: a prospective multilevel study. Public Health. 2016;134:3-11.
  • 25
    Romero SS, Gonçalves TR, Mattos CNB, Bairros FS, Pattussi MP. Validity and reliability of the 8-item EUROHIS-QOL to assess Brazilian adults’ quality of life. Cad Saude Publica. 2022;38(11):e00200921.
  • 26
    Pinheiro FA, Troccoli BT, Carvalho CV. Validity of the Nordic Musculoskeletal Questionnaire as morbidity measurement tool. Rev Saude Publica. 2002;36(3):307-12.
  • 27
    Sampson RJ, Raudenbush SW, Earls F. Neighborhoods and violent crime: a multilevel study of collective efficacy. Science. 1997;277(5328):918-24.
  • 28
    Baum FE, Bush RA, Modra CC, Murray CJ, Cox EM, Alexander KM, Potter RC. Epidemiology of participation: an Australian community study. J Epidemiol Community Health. 2000;54(6):414-23.
  • 29
    Stafford M, Bartley M, Mitchell R, Marmot M. Characteristics of individuals and characteristics of areas: investigating their influence on health in the Whitehall II study. Health Place. 2001;7(2):117-29.
  • 30
    Sherbourne CD, Stewart AL. The MOS social support survey. Soc Sci Med. 1991;32(6):705-14.
  • 31
    Griep RH, Chor D, Faerstein E, Werneck GL, Lopes CS. Construct validity of the Medical Outcomes Study’s social support scale adapted to Portuguese in the Pró-Saúde Study. Cad Saude Publica. 2005;21(3):703-14.
  • 32
    Matsudo S, Araújo T, Matsudo V, Andrade D, Andrade E, Oliveira LC. Questionário internacional de atividade física (IPAQ): estudo de validade e reprodutibilidade no Brasil. Rev Bras Ativ. 2001;6(2):5-18.
  • 33
    World Health Organization (WHO). Obesity: preventing and managing the global epidemic. Geneva: WHO; 2000.
  • 34
    Victora CG, Huttly SR, Fuchs SC, Olinto MT. The role of conceptual frameworks in epidemiological analysis: a hierarchical approach. Int J Epidemiol. 1997;26(1):224-7.
  • 35
    Iguti AM, Guimarães M, Barros MBA. Health-related quality of life (SF-36) in back pain: a population-based study, Campinas, São Paulo State, Brazil. Cad Saude Publica. 2021;37(2):e00206019.
  • 36
    Andrews P, Steultjens M, Riskowski J. Chronic widespread pain prevalence in the general population: a systematic review. Eur J Pain. 2018;22(1):5-18.
  • 37
    Mills SEE, Nicolson KP, Smith BH. Chronic pain: a review of its epidemiology and associated factors in population-based studies. Br J Anaesth. 2019;123(2):e273-e283.
  • 38
    Maly A, Vallerand AH. Neighborhood, socioeconomic, and racial influence on chronic pain. Pain Manag Nurs. 2018;19(1):14-22.
  • 39
    Sousa JL, Alencar GP, Antunes JLF, Silva ZPD. Markers of inequality in self-rated health in Brazilian adults according to sex. Cad Saude Publica. 2020;36(5):e00230318.
  • 40
    Aida J, Kondo K, Kawachi I, Subramanian SV, Ichida Y, Hirai H, Kondo N, Osaka K, Sheiham A, Tsakos G, Watt RG. Does social capital affect the incidence of functional disability in older Japanese? A prospective population-based cohort study. J Epidemiol Community Health. 2013;67(1):42-7.
  • 41
    Santiago BM, Valença AMG, Vettore MV. Social capital and dental pain in Brazilian northeast: a multilevel cross-sectional study. BMC Oral Health. 2013;13(1):1-9.
  • 42
    Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Factors associated with chronic back pain in adults in Brazil. Rev Saude Publica. 2017;51(Suppl 1):9s.
  • 43
    Simões TC, Meira KC, Santos JD, Câmara DCP. Prevalências de doenças crônicas e acesso aos serviços de saúde no Brasil: evidências de três inquéritos domiciliares. Cien Saude Colet. 2021;26:3991-4006.
  • 44
    Oliveira MMD, Andrade SSCDA, Souza CAVD, Ponte JN, Szwarcwald CL, Malta DC. Problema crônico de coluna e diagnóstico de distúrbios osteomusculares relacionados ao trabalho (DORT) autorreferidos no Brasil: Pesquisa Nacional de Saúde, 2013. Epidemiol Serv Saude. 2015;24:287-96.
  • 45
    Zanuto EAC, Codogno JS, Christófaro DGD, Vanderlei LCM, Cardoso JR, Fernandes RA. Prevalência de dor lombar e fatores associados entre adultos de cidade média brasileira. Cien Saude Colet. 2015;20(5):1575-82.
  • 46
    Depintor JD, Bracher ES, Cabral DM, Eluf-Neto J. Prevalence of chronic spinal pain and identification of associated factors in a sample of the population of São Paulo, Brazil: cross-sectional study. Sao Paulo Med J. 2016;134(5):375-84.
  • 47
    Bento TPF, Genebra CVDS, Cornélio GP, Biancon RDB, Simeão SFAP, Vitta AD. Prevalência e fatores associados com dor no ombro na população geral: um estudo transversal. Fisioter Pesqui. 2019; 26(4):401-6.
  • 48
    Souza I, Vasconcelos AG, Caumo W, Baptista AF. Resilience profile of patients with chronic pain. Cad Saude Publica. 2017;33(1):e00146915.
  • 49
    Macedo JP, Dimenstein M, Sousa HRD, Costa APAD, Silva BÍDBDM. A produção científica brasileira sobre apoio social: tendências e invisibilidades. Gerais: Rev Int Psicol. 2018;11(2):258-78.
  • 50
    Nicolson PJ, Williamson E, Morris A, Sanchez-Santos MT, Bruce J, Silman A, Lamb SE. Musculoskeletal pain and loneliness, social support and social engagement among older adults: analysis of the Oxford Pain, Activity and Lifestyle cohort. Musculoskeletal Care. 2021;19(3):269-77.
  • 51
    Canesqui AM, Barsaglini RA. Social support and health: standpoints from the social and human sciences. Cien Saude Colet. 2012;17(5):1103-14.
  • 52
    Sardina AG, Gamaldo AA, Andel R, Johnson S, Baker TA, Thorpe RJ, Mcevoy C, Evans MK, Zonderman AB. Cross-sectional examination of musculoskeletal pain and physical function in a racially and socioeconomically diverse sample of adults. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2021;76(2):368-77.

Editado por

Editor associado responsável: Josie Resende Torres da Silva https://orcid.org/0000-0002-6679-2675

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Mar 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    30 Out 2023
  • Aceito
    30 Jan 2024
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br