Acessibilidade / Reportar erro

Dor musculoesquelética, multimorbidade e fatores associados em indivíduos acompanhados por serviço de fisioterapia: estudo observacional de corte transversal

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

Dores musculoesqueléticas estão entre as condições mais incapacitantes, agravando quadros de multimorbidade. Dificuldades no tratamento da dor e multimorbidade ressaltam a importância do estudo dessas populações. O objetivo deste estudo foi determinar a frequência de dor musculoesquelética e multimorbidade, principais queixas em pacientes admitidos em serviço de fisioterapia.

MÉTODOS:

Este é um estudo observacional de corte transversal. Pacientes com 50 anos ou mais foram avaliados através do Inventário Breve de Dor, Questionário de Incapacidade de Roland Morris para dor em geral, formulário de dados sociodemográficos e clínicos e teste timed-up-and-go. Foram realizadas análises descritivas através da distribuição de números absolutos e proporções para as variáveis categóricas.

RESULTADOS:

A amostra foi composta por 62 pacientes com 2 ou mais regiões dolorosas, 88,7% mulheres com mediana de idade de 67 anos [IQR 62-72], 81% com índice de massa corpórea acima da normalidade, 71% hipertensos e 97% com multimorbidade. A mediana de regiões dolorosas foi de 7 [IQR 4-8], sendo as mais prevalentes lombar e joelhos (87%); 66% dos pacientes descrevem dor intensa e mediana da duração da dor de 7,5 anos [IQR 3-15]. O alto número de regiões dolorosas teve maior interferência (p<0,05) na vida dos indivíduos e foi associado ao sexo feminino (p=0,04) e a ocorrência de queda no último ano (p<0,003).

CONCLUSÃO:

A população descrita é majoritariamente composta por mulheres hipertensas, com sobrepeso, multimorbidade, dor crônica e alto número de regiões dolorosas, interferindo nos componentes de afetividade e atividades da vida. Faz-se necessário contínuo estudo da dor musculoesquelética crônica, difusa e multimorbidade, buscando melhores intervenções para estes pacientes.

Descritores
Dor crônica; Dor musculoesquelética; Multimorbidade.

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

Musculoskeletal pain is among the most disabling conditions, aggravating multimorbidity scenarios. Difficulties in the treatment of pain and multimorbidity highlight the importance of the study of these populations. The objective of this study was to determine the frequency of musculoskeletal pain and multimorbidity, the main complaints in patients admitted to physiotherapy services.

METHODS:

This is a cross-sectional observational study. Patients 50 years or older were evaluated using the Brief Pain Inventory, Roland Morris Disability Questionnaire for general pain, sociodemographic and clinical data form, and timed-up-and-go test. Descriptive analyses were performed through the distribution of absolute numbers and proportions for categorical variables.

RESULTS:

The sample consisted of 62 patients with 2 or more painful regions, 88.7% women with a median age of 67 years [IQR 62-72], 81% with body mass index above normal, 71% hypertensive and 97% with multimorbidity. The median of painful regions was 7 [IQR 4-8], the most prevalent being low back and knees (87%); 66% of patients describe severe pain, and median pain duration of 7.5 years [IQR 3-15]. The high number of painful regions had greater interference (p<0.05) in the lives of individuals and was associated with females (p=0.04) and the occurrence of a fall in the last year (p<0.003).

CONCLUSION:

The described population is mostly composed of hypertensive, overweight women with multimorbidity, chronic pain and a high number of painful regions, interfering in activities and in the affective components of life. A continuous study of chronic, diffuse musculoskeletal pain and multimorbidity is necessary, seeking better interventions for these patients.

Keywords
Chronic pain; Multimorbidity; Musculoskeletal pain.

Destaques

  • Quase todos os pacientes apresentaram multimorbidade e relataram uma mediana de 7 regiões dolorosas

  • O alto número de regiões dolorosas teve alta interferência na vida das pessoas

  • Dois terços dos pacientes relataram dor intensa e duração mediana de 7,5 anos.

Destaques

  • Quase todos os pacientes apresentaram multimorbidade e relataram uma mediana de 7 regiões dolorosas

  • O alto número de regiões dolorosas teve alta interferência na vida das pessoas

  • Dois terços dos pacientes relataram dor intensa e duração mediana de 7,5 anos.

INTRODUÇÃO

Virtualmente, todo adulto já vivenciou um ou mais episódios breves de dor musculoesquelética (DME) associada com lesão ou overuse11 IASP. 2009-2010 Global Year Against Musculoskeletal Pain. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/rdcms-iasp/files/production/public/Content/ContentFolders/GlobalYearAgainstPain2/20092010MusculoskeletalPain/Epidemiology_Final.pdf (verificado em 25/04/2019).
https://s3.amazonaws.com/rdcms-iasp/file...
. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 20% a 33% da população mundial vive com DME, variando de acordo com idade e diagnóstico22 GBD 2016 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2017;390(10100):1211-59.. Em se tratando de afecções relacionadas ao trabalho, as afecções musculoesqueléticas representam 61%33 Koch P, Schablon A, Latza U, Nienhaus A. Musculoskeletal pain and effort-reward imbalance--a systematic review. BMC Public Health. 2014;15:14:37.. Todavia, relatos da literatura trazem maior variação desta estatística, observando que a DME afeta entre 13,5% e 47% da população geral, sendo que a prevalência de dor crônica (DC) difusa varia entre 11,4% e 24%44 Cimmino MA, Ferrone C, Cutolo M. Epidemiology of chronic musculoskeletal pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2011;25(2):173-83..

Em estudo de base populacional realizado em 2017, foi observado que a prevalência de DC no Brasil era de 39% e no Nordeste de 30%55 de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN, de Oliveira Junior JO, da Fonseca PRB, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830.. Já em recente revisão sistemática, foi observada prevalência nacional de DC de 45,6%, sendo 41,7% no Nordeste e 41,4% no estado da Bahia66 Aguiar DP, Souza CP, Barbosa WJ, Santos-Junior FF, Oliveira AS. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. BrJP. 2021;4(3):257-67.. Apesar dos avanços recentes no entendimento dos mecanismos da dor trazerem a possibilidade de novos tratamentos, o manejo da DC permanece de forma geral insatisfatório77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.. A presença de dor, além de gerar estresses físicos e emocionais e perdas para os pacientes e seus cuidadores, é razão de fardo econômico para a sociedade88 Teixeira MJ, Teixeira WGJ, Santos FPS, Andrade DCA, Bezerra SL, Figueiro JB, et al. Clinical epidemiology of muscleskeletal pain. Rev Med. 2001;80(ed.esp.pt.1):1-21..

As doenças musculoesqueléticas abrangem cerca de 150 agravos diferentes, sendo que, destes, a osteoartrose de quadril e joelho, artrite reumatoide, dor lombar/dorsal e cervical e gota representam cerca de 75% do total99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858. e todos apresentam dor e suas consequências limitantes como um fator comum1010 Blyth FM, Briggs AM, Schneider CH, Hoy DG, March LM. The Global Burden of Musculoskeletal Pain-Where to From Here? Am J Public Health. 2019;109(1):35-40.. A carga (ou impacto) global da dor relacionada a condições musculoesqueléticas está em segundo lugar entre as mais incapacitantes, perdendo apenas para transtornos mentais, segundo o estudo Global Burden of Disease (GBD)22 GBD 2016 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2017;390(10100):1211-59.. As DME têm caráter incapacitante importante, principalmente quando se trata de indivíduos idosos, levando a baixos níveis de atividade física, diminuição da mobilidade, depressão, comprometimento cognitivo, quedas e piora da qualidade do sono1111 Blyth FM, Noguchi N. Chronic musculoskeletal pain and its impact on older people. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2017;31(2):160-8..

Apesar das evidências de que há uma significativa carga de doenças musculoesqueléticas associada à dor, as estimativas atuais provavelmente subestimam tanto a prevalência quanto a carga1010 Blyth FM, Briggs AM, Schneider CH, Hoy DG, March LM. The Global Burden of Musculoskeletal Pain-Where to From Here? Am J Public Health. 2019;109(1):35-40.. A maioria das afecções musculoesqueléticas dolorosas aumenta com a idade e, uma vez que ocorre aumento de doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) e da multimorbidade e redução do nível de atividade física relacionado com a DME, a carga global da dor também aumentará substancialmente1010 Blyth FM, Briggs AM, Schneider CH, Hoy DG, March LM. The Global Burden of Musculoskeletal Pain-Where to From Here? Am J Public Health. 2019;109(1):35-40.. A multimorbidade pode ser definida como a coexistência de duas ou mais afecções crônicas sem que uma delas seja considerada a principal1010 Blyth FM, Briggs AM, Schneider CH, Hoy DG, March LM. The Global Burden of Musculoskeletal Pain-Where to From Here? Am J Public Health. 2019;109(1):35-40.,1212 van den Akker M, Buntinx F, Knottnerus JA. Comorbidity or multimorbidity what’s in a name? A review of literature. Eur J Gen Pract. 1996;2(2):65-70.. A classificação de multimorbidade nos estudos, todavia, pode ser muito variada, já que diferentes autores consideram diferentes doenças. As variadas doenças musculoesqueléticas, por exemplo, são consideradas como doença única por diversos autores1313 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43.,1414 Boeckxstaens P, Peersman W, Goubin G, Ghali S, De Maeseneer J, Brusselle G, De Sutter A. A practice-based analysis of combinations of diseases in patients aged 65 or older in primary care. BMC Fam Pract. 2014;15:159.. Mais recentemente, diante do importante impacto de doenças musculoesqueléticas na saúde, alguns estudos já consideram condições como lombalgia e osteoartrose de outras articulações, por exemplo, de forma independente1515 Scherer M, Hansen H, Gensichen J, Mergenthal K, Riedel-Heller S, Weyerer S, Maier W, Fuchs A, Bickel H, Schön G, Wiese B, König HH, van den Bussche H, Schäfer I. Association between multimorbidity patterns and chronic pain in elderly primary care patients: a cross-sectional observational study. BMC Fam Pract. 2016;17:68..

A crescente carga de doenças não-fatais, lesões e comprometimentos representam um desafio para sistemas de saúde e economias99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858.. Faz-se necessário abordar a DC como um importante componente da saúde na multimorbidade e no estresse crônico, almejando uma melhora global da saúde77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.. É evidente a necessidade de uma maior compreensão dos fatores envolvidos na evolução e prognóstico da DME no contexto da multimorbidade, possibilitando assim uma melhor avaliação ao traçar estratégias terapêuticas.

O objetivo deste estudo foi determinar a frequência de DME e de multimorbidade, principais sintomas e limitações em pacientes admitidos no serviço de fisioterapia.

MÉTODOS

Foi realizado um estudo observacional de corte transversal no serviço de fisioterapia do no Instituto Bahiano de Reabilitação (IBR) da Fundação José Silveira (FJS), entre agosto de 2019 e janeiro de 2020. O IBR atende, pelo Sistema Único de Saúde, pacientes com indicação de reabilitação referidos por instituições da Bahia, Brasil, sendo uma referência de excelência em atendimento no estado.

Participaram do estudo todos os adultos com mais de 50 anos admitidos por queixa de DME por mais de 3 meses, excluindo aqueles com dor de origem traumática, em período pós-operatório inferior a 3 meses e aqueles portadores de deficiência cognitiva ou sensorial. Foram avaliados dados sociodemográficos e clínicos, além do peso e altura aferidos. Foi aplicado o Questionário de Incapacidade de Roland Morris (QIRM) para dor em geral para identificar o impacto da dor em 24 aspectos da vida diária, dentre eles sono, humor e tarefas domésticas. Este questionário foi desenvolvido e validado originalmente em pacientes com lombalgia1616 Roland M, Morris R. A study of the natural history of back pain. Part I: development of a reliable and sensitive measure of disability in low-back pain. Spine. 1983;8(2):141-4. e foi posteriormente modificado e validado na língua portuguesa para utilização desta ferramenta na avaliação de pacientes com dor em geral1717 Sardá Júnior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validation of the Roland Morris disability questionnaire for general pain. Rev Dor. 2010;11(1):28-36..

Na sequência, foi aplicado o Inventário Breve de Dor (IBD) para caracterizar as regiões do corpo afetadas, a intensidade da dor e o grau de interferência da dor na vida do indivíduo, avaliando as dimensões “atividade” e “afetividade”1818 Stanhope J. Brief Pain Inventory review. Occup Med (Lond). 2016;66(6):496-7.,1919 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11.. Este questionário foi desenvolvido para captar dois aspectos da dor, sendo estes gravidade e interferência, e é recomendado para estudos em pacientes com dor crônica2020 Cleeland CS, Ryan KM. Pain assessment: global use of the Brief Pain Inventory. Ann Acad Med Singap. 1994;23(2):129-38., sendo validado para utilização na população brasileira em 20111919 Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11..

Para classificação de multimorbidade, avaliou-se apenas 4 condições: a presença de diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica (HAS), lombalgia e osteoartrose em outras regiões1515 Scherer M, Hansen H, Gensichen J, Mergenthal K, Riedel-Heller S, Weyerer S, Maier W, Fuchs A, Bickel H, Schön G, Wiese B, König HH, van den Bussche H, Schäfer I. Association between multimorbidity patterns and chronic pain in elderly primary care patients: a cross-sectional observational study. BMC Fam Pract. 2016;17:68.. A multimorbidade foi definida como a coexistência de 2 ou mais condições crônicas de saúde sem que uma seja a principal1212 van den Akker M, Buntinx F, Knottnerus JA. Comorbidity or multimorbidity what’s in a name? A review of literature. Eur J Gen Pract. 1996;2(2):65-70.. A lista de doenças que são consideradas nos diversos estudos que classificam a multimorbidade é bastante variada. A maioria dos autores considera grandes grupos de doenças e, dessa forma, doenças musculoesqueléticas múltiplas são computadas como condição única. Mais recentemente têm sido apresentadas classificações que segmentam as doenças musculoesqueléticas variadas, que consideram lombalgia e osteoartrose em outras articulações como condições independentes1515 Scherer M, Hansen H, Gensichen J, Mergenthal K, Riedel-Heller S, Weyerer S, Maier W, Fuchs A, Bickel H, Schön G, Wiese B, König HH, van den Bussche H, Schäfer I. Association between multimorbidity patterns and chronic pain in elderly primary care patients: a cross-sectional observational study. BMC Fam Pract. 2016;17:68.. Desta forma, optou-se por utilizar esta classificação segmentada, diante das características da população de estudo e das evidências do importante impacto destas múltiplas condições na vida dos pacientes.

Para a avaliação da mobilidade funcional, foi aplicado o teste timed-up-and-go (TUG), que quantifica o tempo de caminhada em ritmo seguro e confortável. O paciente inicia o teste a partir da posição sentada em uma cadeira de metal sem braços, com as costas apoiadas no encosto, levanta-se, caminha por uma distância de três metros, vira 180o e retorna à posição inicial2121 Stienen MN, Ho AL, Staartjes VE, Maldaner N, Veeravagu A, Desai A, Gautschi OP, Bellut D, Regli L, Ratliff JK, Park J. Objective measures of functional impairment for degenerative diseases of the lumbar spine: a systematic review of the literature. Spine J. 2019;19(7):1276-93.. O teste foi realizado duas vezes em cada voluntário e a média dos dois tempos foi anotada. Diversos estudos vêm sendo conduzidos utilizando o teste TUG para determinar o ponto de corte preditor de risco de queda em diferentes populações e doenças2222 Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott M. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.

23 Rose DJ, Jones CJ, Lucchese N. Predicting the probability of falls in community-residing older adults using the 8-foot up-and-go: a new measure of functional mobility. J Aging Phys Activity. 2002;10(4):466-75.
-2424 Alexandre TS, Meira DM, Rico NC, Mizuta SK. Accuracy of timed up and go test for screening risk of falls among community-dwelling elderly. Rev Bras Fisioter. 2012;16(5):381-8..

Esta pesquisa foi avaliada pelo comitê de Ética em Pesquisa em seres humanos da Maternidade Climério de Oliveira da Universidade Federal da Bahia e aprovada em 15 de junho de 2019 sob parecer Nº 3.394.021, CAAE 15185019.4.0000.5543. O manuscrito foi relatado seguindo as recomendações do The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement2525 von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. PLoS Med. 2007;4(10):e296..

Análise estatística

Estes dados foram organizados em tabelas e descritos utilizando estatística descritiva e de resumo. Foram avaliadas as associações entre escalas através do teste de Mann-Whitney. Foi definido um nível de significância de 5% e poder de 80% para o uso dos testes estatísticos. Os dados foram analisados no pacote estatístico Statistic Package for Social Science SPSS® versão 27.0.

RESULTADOS

Participaram do estudo 62 pacientes, sendo 89% (n=55) mulheres com idade mediana de 67 anos (IQR: 62-72), 57% (n=38) desempregados e 26% (n=16) moram sozinhos. A mediana do índice de massa corpórea (IMC) foi de 28,4 (IQR: 26,3-32,2), estando 81% (n=50) com sobrepeso ou obesidade e 37% (n=23) obesos. 29% (n=18) eram portadores de DM e 71% (n=44) de HAS. Cerca de 96,8% (n=60) dos pacientes foram classificados como portadores de multimorbidade1515 Scherer M, Hansen H, Gensichen J, Mergenthal K, Riedel-Heller S, Weyerer S, Maier W, Fuchs A, Bickel H, Schön G, Wiese B, König HH, van den Bussche H, Schäfer I. Association between multimorbidity patterns and chronic pain in elderly primary care patients: a cross-sectional observational study. BMC Fam Pract. 2016;17:68..

Os participantes relataram mediana de 7,5 anos (IQR: 3-15) vividos com DME. Todos os pacientes tinham, no mínimo, um mês de admissão e relataram ter feito fisioterapia previamente em outros locais, sendo que 90,32% estavam recebendo intervenção fisioterapêutica há mais de seis meses. Sobre as regiões dolorosas, a escala do IBD evidenciou que os participantes tinham mediana de 7 (IQR: 4-8) regiões dolorosas, relatando até 13 regiões dolorosas.

A intensidade da pior dor experimentada nas últimas 24h teve mediana de 8 de um máximo de 10 [IQR: 7-9], sendo que 66% (n=41) dos indivíduos pontuou esta dor como intensa (8 a 10/10). Já a mediana da dor no momento da avaliação foi de 5/10 (IQR: 0-6), sendo que 19% (n=12) dos pacientes estavam sem dor no momento da avaliação. Foram relatadas como região dolorosa com maior frequência os joelhos (87%, n=54) (ambos (68%, n=42) ou um deles (19%, n=12)), e região lombar (87%, n=54). As principais regiões relatadas como local da pior dor foram joelhos (40,3%, n=25) e a região lombar (38,7%, n=24) sendo que, em geral, esta foi percebida nos membros inferiores (52%, n=32). 69% (n=43) dos pacientes relataram uso contínuo de fármacos para dor no momento da entrevista. 29% (n=18) dos participantes relatou ocorrência de queda no último ano (Tabela 1). Dentre os caidores apenas 77% eram idosos, e a mediana do tempo de realização do teste TUG, que avalia mobilidade funcional, foi de 14,13 segundos [IQR 12,3-15,9] (Tabela 2).

Tabela 1
Características clínicas e demográficas de pacientes com 50 anos ou mais em tratamento fisioterápico para dor musculoesquelética em centro de referência da cidade de Salvador
Tabela 2
Escores dos questionários e escala funcional de pacientes com 50 anos ou mais em tratamento fisioterápico para dor musculoesquelética

Na avaliação da interferência da dor em aspectos da vida do indivíduo através do domínio interferência do IBD (IBDi), a mediana de interferência geral foi de 5,7 (IQR 3,7-7,1), na dimensão “atividade” a mediana foi 6,3 (IQR: 4,3-7,8) e na dimensão “afetividade” a mediana foi 4,5 (IQR: 2,0-7,0). Na avaliação do nível de incapacidade através do QIRM, a mediana da pontuação foi de 16 (IQR 11-20) (Tabela 2). O escore do QIRM não mostrou associação com as variáveis estudadas. Contudo, escores significantemente maiores foram obtidos naquelas pessoas com dor lombar (17 vs. 6; p=0,024) quando foi realizada a comparação com a dor cervical. Diferenças maiores, porém não significativas, foram observadas no quadril (11 vs. 6; p=0,233), joelho (15 vs. 6; p=0,079) e tornozelo e pé (20 vs. 6; p=0,094) na comparação com a dor cervical (Tabela 3).

Tabela 3
Medianas dos escores de Incapacidade de Roland Morris para dor em geral (QIRM) e Inventário Breve de Dor (IBDi) segundo dor principal e comparação das regiões dolorosas com a dor cervical de pacientes com 50 anos ou mais em tratamento fisioterápico para dor musculoesquelética

DISCUSSÃO

A DME crônica de origem não traumática em múltiplas regiões do corpo foi muito frequente nos adultos maiores de 50 anos. A dor crônica é considerada um fenômeno mal adaptativo2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53. e mais do que uma comorbidade, sendo considerada atualmente uma condição de saúde por si só77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.. Como identificado no presente estudo, a literatura associa o sexo feminino com a dor crônica, além de outros fatores sociodemográficos, como a idade avançada, baixa condição socioeconômica, situação laboral, fatores ocupacionais e histórico de abuso ou violência77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.. O relato da intensidade da dor nas 24h prévias à entrevista foi alarmante (8 - 10/10) sendo apontado como o motivo do uso contínuo de analgésicos por 69,4% dos participantes. Contudo, no momento da avaliação, identificou-se intensidades da dor mais baixas (5/10) e 19% dos pacientes relataram estar sem dor. É provável que essa diferença esteja associada com o horário, pois outros estudos identificaram que a dor piora pela noite ao deitar-se pela fadiga2727 Pereira E, Teixeira C, Daronco L, Acosta MA. Estilo de vida, prática de exercício físico e dores musculoesqueléticas em idosas fisicamente ativas. RBCEH (Passo Fundo). 2009;6(3):343-52..

Outros fatores que podem influenciar a percepção da dor são contextuais, como o paciente estar no local da reabilitação e estar recebendo atenção e sendo cuidado, ou até mesmo por ter saído de casa e, em diversos casos, ser o único momento de distração e interação social44 Cimmino MA, Ferrone C, Cutolo M. Epidemiology of chronic musculoskeletal pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2011;25(2):173-83.,2828 Rossettini G, Carlino E, Testa M. Clinical relevance of contextual factors as triggers of placebo and nocebo effects in musculoskeletal pain. BMC Musculoskelet Disord. 2018;19(1):27.. Este achado ressalta também a importância de avaliar com cautela a história do paciente com DC para traçar corretamente o plano terapêutico, de forma que ausência de dor no momento da avaliação não seja um fator determinante.

É preocupante o número de regiões dolorosas apontado pelos pacientes (de até 13), pois sabe-se que, em indivíduos com variadas condições dolorosas, a ansiedade, depressão e pensamentos catastróficos se associam com DC e pior prognóstico77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.. Em estudo retrospectivo com informações de mais de 100 milhões de pacientes dos Estados Unidos foi observado que a média de diagnósticos de dor por paciente foi de 2,7 (DP: 1,3)2929 Murphy KR, Han JL, Yang S, Hussaini SM, Elsamadicy AA, Parente B, Xie J, Pagadala P, Lad SP. Prevalence of specific types of pain diagnoses in a sample of the United States adults. Pain Physician. 2017;20(2):E257-E268.. Esta diferença possivelmente se deve a características populacionais e socioeconômicas, como o caráter de multimorbidade presente nesse grupo (96,8%), considerando apenas as condições lombalgia, osteoartrose, hipertensão e DM. A HAS foi a comorbidade mais frequente entre os participantes (71%). Outros estudos apontam que a prevalência de multimorbidade chega a ser de até 100%3030 Xu X, Mishra GD, Jones M. Evidence on multimorbidity from definition to intervention: an overview of systematic reviews. Ageing Res Rev. 2017;37:53-68. em populações semelhantes, estando associada à redução da funcionalidade e alta mortalidade1313 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43..

Uma das dores mais frequentemente relatadas (87% da amostra) foi a dor lombar, semelhante ao relatado em outros estudos com prevalências de até 75%3131 de Souza IMB, Sakaguchi TF, Yuan SLK, Matsutani LA, do Espírito-Santo AS, Pereira CAB, Marques AP. Prevalence of low back pain in the elderly population: a systematic review. Clinics (Sao Paulo). 2019;28;74:e789.. A dor lombar é um problema de saúde pública entre adultos em “idade laboral” do mundo inteiro e tem sua prevalência e incidência aumentadas com o envelhecimento99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858.. A dor lombar foi a principal causa de “anos vividos com incapacidade” (YLD) em 126 dos 195 países e territórios estudados, uma situação preocupante, dada sua relação com perda da capacidade funcional e capacidade laboral99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858.. No Brasil, a dor lombar é a principal causa de YLD, segundo estimativas do estudo GBD3232 Ferreira G, Costa LM, Stein A, Hartvigsen J, Buchbinder R, Maher CG. Tackling low back pain in Brazil: a wake-up call. Braz J Phys Ther. 2019;23(3):189-95.. No Canadá, a dor lombar está entre as cinco principais queixas em serviço de emergência3333 Edwards J, Hayden J, Asbridge M, Gregoire B, Magee K. Prevalence of low back pain in emergency settings: a systematic review and meta-analysis. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18(1):143..

Estima-se que a prevalência de dor lombar na população geral é de até 20%, com maior frequência no sexo masculino3434 Fatoye F, Gebrye T, Odeyemi I. Real-world incidence and prevalence of low back pain using routinely collected data. Rheumatol Int. 2019;39(4):619-26.. Em indivíduos com mais de 65 anos, a prevalência foi próxima a 65%3535 Ikeda T, Sugiyama K, Aida J, Tsuboya T, Watabiki N, Kondo K, Osaka K. Socioeconomic inequalities in low back pain among older people: the JAGES cross-sectional study. Int J Equity Health. 2019;18(1):15.. Algumas caraterísticas como o envelhecimento, alta intensidade de atividade física, alta carga na coluna, abaixar-se e torcer a coluna, já foram descritas como fatores de risco para desenvolver dor lombar crônica3434 Fatoye F, Gebrye T, Odeyemi I. Real-world incidence and prevalence of low back pain using routinely collected data. Rheumatol Int. 2019;39(4):619-26..

A osteoartrose (OA) em mais de uma articulação esteve presente em 98,4% dos participantes, sendo mais afetada a articulação do joelho (87%). OA é a alteração articular crônica mais comum e a principal causa de dor articular, perda de função e incapacidade em adultos2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53.. Em geral, é a segunda afecção musculoesquelética mais prevalente99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858., afetando 34% de indivíduos acima de 65 anos2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53. e até 80% da população acima de 75 anos, principalmente nos joelhos3636 Hafsi K, McKay J, Li J, Lana JF, Macedo A, Santos GS, Murrell WD, Nutritional, metabolic and genetic considerations to optimize regenerative medicine outcome for knee osteoarthritis. J Clin Orthop Trauma. 2019;10(1):2-8.. A alta carga física no trabalho se mostrou o principal fator de risco ocupacional para desenvolver OA em diversas regiões anatômicas3636 Hafsi K, McKay J, Li J, Lana JF, Macedo A, Santos GS, Murrell WD, Nutritional, metabolic and genetic considerations to optimize regenerative medicine outcome for knee osteoarthritis. J Clin Orthop Trauma. 2019;10(1):2-8.. Outros fatores para a OA incluem ajoelhar-se, subir escadas regularmente, curvar-se e realizar movimentos repetitivos3737 Yucesoy B, Charles LE, Baker B, Burchfiel CM. Occupational and genetic risk factors for osteoarthritis: a review. Work. 2015;50(2):261-73.. Foi observado que pacientes eventualmente reduzem sua participação em atividades como tentativa de evitar desencadear episódios de dor2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53.. O tipo de dor da OA caracterizada como intensa teve maior impacto na qualidade de vida do paciente com OA do que a dor constante, porém de menor intensidade2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53..

A avaliação do grau de interferência da DC na realização de atividade e em aspectos afetivos da vida foi semelhante (6 e 5/10). Relacionado a este achado, a literatura descreve que muitos pacientes com DC apresentam sintomas depressivos clinicamente significantes, assim como baixos escores autorrelatados de qualidade de vida3838 Gallagher RM, Verma S, Mossey J. Chronic pain. Sources of late-life pain and risk factors for disability. Geriatrics. 2000;55(9):40-4, 47..

Segundo a avaliação do QIRM, a principal dor na região lombar foi a mais incapacitante. Estes achados também são respaldados pela literatura, pois a lombalgia é uma das principais causa de anos vividos com incapacidade, relacionada com redução da capacidade funcional e laboral99 GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858.. Estão documentados, também, os efeitos negativos da dor no humor, na participação social e em atividades recreativas, e no sono2626 Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53., o que corrobora os presentes achados de níveis de incapacidade (mediana 16/24 no QIRM) e grau de interferência da dor em atividades da vida dos pacientes.

O presente estudo apontou que 71% dos indivíduos tiveram tempo de teste TUG acima do ponto de corte de risco de queda para idosos (12,47 segundos), e 35,5% acima do ponto de corte para idoso frágil (15 segundos), segundo a literatura nacional2424 Alexandre TS, Meira DM, Rico NC, Mizuta SK. Accuracy of timed up and go test for screening risk of falls among community-dwelling elderly. Rev Bras Fisioter. 2012;16(5):381-8.. Segundo recente revisão sistemática e metanálise, a presença de dores em locais diversos do corpo confere um fator de risco para futuras quedas em idosos residentes na comunidade (não institucionalizados)3939 Welsh VK, Clarson LE, Mallen CD, McBeth J. Multisite pain and self-reported falls in older people: systematic review and meta-analysis. Arthritis Res Ther. 2019;21(1):67., alertando para a necessidade de conscientização para este risco e da implementação de estratégias de prevenção. Ressalta-se que 29% dos pacientes que se avaliou já relataram ocorrência de queda no último ano, porém apenas 77% destes são idosos, o que nos leva a concluir que a condição de saúde destes indivíduos caidores não idosos está deteriorando precocemente.

Há relatos na literatura de que o IMC impacta no desempenho de testes funcionais4040 Nur H, Sertkaya BS, Tuncer T. Determinants of physical functioning in women with knee osteoarthritis. Aging Clin Exp Res. 2018;30(4):299-306., porém não se observou esta associação nesta amostra. A implementação de programas de exercícios para indivíduos com multimorbidade é de extrema importância devido aos amplos benefícios do exercício na saúde, e são relatados bons resultados, porém, exige maiores cuidados4141 Dekker J, Buurman BM, van der Leeden M. Exercise in people with comorbidity or multimorbidity. Health Psychol. 2019;38(9):822-830..

Segundo dados da literatura, indivíduos que vivem em áreas com maior privação econômica tem maiores chances de apresentarem multimorbidade, e a presença de desordem da saúde mental está fortemente associada aos maiores números de condições físicas de saúde1313 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43.. O predomínio de mulheres nesta amostra também corrobora achados da literatura que observaram que mulheres tendem a relatar DME em múltiplos locais mais do que homens3838 Gallagher RM, Verma S, Mossey J. Chronic pain. Sources of late-life pain and risk factors for disability. Geriatrics. 2000;55(9):40-4, 47.. Há relatos de associação entre o número de condições de saúde e a ocorrência de quedas4242 Teixeira L, Araújo L, Duarte N, Ribeiro O. Falls and fear of falling in a sample of centenarians: the role of multimorbidity, pain and anxiety. Psychogeriatrics. 2019;19(5):457-64., e nesse sentido observou-se associação entre o número de regiões dolorosas e a ocorrência de queda no último ano (p<0,003).

Pacientes portadores de multimorbidade tem maiores chances de fazerem uso de múltiplos fármacos, o que é comum na população idosa, e que pode ter como consequência eventos adversos4343 Doos L, Roberts EO, Corp N, Kadam UT. Multi-drug therapy in chronic condition multimorbidity: a systematic review. Fam Pract. 2014;31(6):654-63., como o aumento do risco de quedas4444 Montero-Odasso M, Sarquis-Adamson Y, Song HY, Bray NW, Pieruccini-Faria F, Speechley M. Polypharmacy, gait performance, and falls in community-dwelling older adults. results from the gait and brain study. J Am Geriatr Soc. 2019;67(6):1182-8.. O contexto de multimorbidade dificulta o manejo clínico do paciente pois o fármaco para uma condição de saúde pode ser prejudicial para a outra condição de saúde, significando que seguir as guidelines para cada condição pode não ser a melhor estratégia terapêutica4343 Doos L, Roberts EO, Corp N, Kadam UT. Multi-drug therapy in chronic condition multimorbidity: a systematic review. Fam Pract. 2014;31(6):654-63., representando um desafio para um sistema de saúde organizado para doenças individuais, e não para multimorbidade1313 Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43..

Este estudo chama atenção para a associação da DC e a multimorbidade. Em indivíduos com mais de 65 anos, há alta prevalência de multimorbidade e 94% destes pacientes têm mais do que duas condições de saúde1414 Boeckxstaens P, Peersman W, Goubin G, Ghali S, De Maeseneer J, Brusselle G, De Sutter A. A practice-based analysis of combinations of diseases in patients aged 65 or older in primary care. BMC Fam Pract. 2014;15:159.. A baixa prevalência de combinações específicas de multimorbidade e a alta prevalência de problemas psiquiátricos e sociais associados somados à complexidade geral da multimorbidade representam a dificuldade para realização de estudos controlados e prospectivos1414 Boeckxstaens P, Peersman W, Goubin G, Ghali S, De Maeseneer J, Brusselle G, De Sutter A. A practice-based analysis of combinations of diseases in patients aged 65 or older in primary care. BMC Fam Pract. 2014;15:159., o que representou uma limitação também no delineamento deste estudo. Além da potencial limitação deste estudo relativa à heterogeneidade no contexto da multimorbidade, há também o fato de que nem todos os participantes apresentavam duração de tratamento fisioterapêutico similar, o que poderia condicionar os presentes achados.

Contudo, a cronicidade dos sintomas foi um fator comum e reforçado pelo relato de que mais de 90% dos indivíduos estavam há mais de seis meses sob tratamento fisioterapêutico e com sintomas persistentes, justificando a inclusão para análises finais. Estes pacientes com multimorbidade são ainda mais afetados por serem assistidos por um sistema de saúde complexo e fragmentado, estruturado para tratar doenças e não pessoas4545 Bierman AS. Preventing and managing multimorbidity by integrating behavioral health and primary care. Health Psychol. 2019;38(9):851-54.. Uma revisão sistemática aponta a dificuldade para obter melhora de desfechos clínicos nessa população, mas focar em dificuldades funcionais na multimorbidade poderia ser mais efetivo4646 Smith SM, Soubhi H, Fortin M, Hudon C, O’Dowd T. Managing patients with multimorbidity: systematic review of interventions in primary care and community settings. BMJ. 2012;345:e5205..

Além disso, as condições de vida de cada indivíduo determinam como este lida com sua condição de saúde4747 Cáceres-Matos R, Gil-García E, Cabrera-León A, Porcel-Gálvez AM, Barrientos-Trigo S. Factors that influence coping with chronic noncancer pain in European Countries: a systematic review of measuring instruments. Pain Manag Nurs. 2020;21(2):123-33.. O coping ou enfrentamento pode ser definido como os esforços cognitivos e práticas comportamentais desenvolvidas pelo indivíduo em situações consideradas estressantes. Em indivíduos com DC (não relacionada ao câncer), o enfrentamento pode ser influenciado por fatores biológicos, psicológicos e socioculturais4747 Cáceres-Matos R, Gil-García E, Cabrera-León A, Porcel-Gálvez AM, Barrientos-Trigo S. Factors that influence coping with chronic noncancer pain in European Countries: a systematic review of measuring instruments. Pain Manag Nurs. 2020;21(2):123-33., que podem ser barreiras ou facilitadores4848 Bratzke LC, Muehrer RJ, Kehl KA, Lee KS, Ward EC, Kwekkeboom KL. Self-management priority setting and decision-making in adults with multimorbidity: a narrative review of literature. Int J Nurs Stud. 2015;52(3):744-55.. A literatura aponta que, em pacientes com DC, há relatos de insatisfação com o tratamento atual por dois terços dos acometidos e a persistência da DC por anos77 van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8., ressaltando a importância fundamental da busca de estratégias terapêuticas analgésicas mais eficientes e implementação de intervenções terapêuticas longitudinais e contínuas.

Foram descritos os achados de uma população com DC e multimorbidade composta majoritariamente por mulheres hipertensas, com sobrepeso e alto número de regiões dolorosas, quadro que interfere na afetividade e atividade da vida destes indivíduos.

CONCLUSÃO

Faz-se necessário o contínuo esforço para estudo, identificação e compreensão dos múltiplos fatores envolvidos na DME crônica e difusa e multimorbidade para que seja possível ofertar melhores intervenções para estes pacientes. O foco na abordagem à complexidade da multimorbidade, incluindo o manejo da intensidade da dor mais importante, a melhora da capacidade funcional e utilização de estratégias para minimizar riscos de quedas, é fundamental.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem toda a equipe de fisioterapeutas do IBR pelo apoio durante o período de seleção dos participantes.

REFERENCES

  • 1
    IASP. 2009-2010 Global Year Against Musculoskeletal Pain. Disponível em: https://s3.amazonaws.com/rdcms-iasp/files/production/public/Content/ContentFolders/GlobalYearAgainstPain2/20092010MusculoskeletalPain/Epidemiology_Final.pdf (verificado em 25/04/2019).
    » https://s3.amazonaws.com/rdcms-iasp/files/production/public/Content/ContentFolders/GlobalYearAgainstPain2/20092010MusculoskeletalPain/Epidemiology_Final.pdf
  • 2
    GBD 2016 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 328 diseases and injuries for 195 countries, 1990-2016: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2016. Lancet. 2017;390(10100):1211-59.
  • 3
    Koch P, Schablon A, Latza U, Nienhaus A. Musculoskeletal pain and effort-reward imbalance--a systematic review. BMC Public Health. 2014;15:14:37.
  • 4
    Cimmino MA, Ferrone C, Cutolo M. Epidemiology of chronic musculoskeletal pain. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2011;25(2):173-83.
  • 5
    de Souza JB, Grossmann E, Perissinotti DMN, de Oliveira Junior JO, da Fonseca PRB, Posso IP. Prevalence of chronic pain, treatments, perception, and interference on life activities: Brazilian population-based survey. Pain Res Manag. 2017;2017:4643830.
  • 6
    Aguiar DP, Souza CP, Barbosa WJ, Santos-Junior FF, Oliveira AS. Prevalence of chronic pain in Brazil: systematic review. BrJP. 2021;4(3):257-67.
  • 7
    van Hecke O, Torrance N, Smith BH. Chronic pain epidemiology and its clinical relevance. Br J Anaesth. 2013;111(1):13-8.
  • 8
    Teixeira MJ, Teixeira WGJ, Santos FPS, Andrade DCA, Bezerra SL, Figueiro JB, et al. Clinical epidemiology of muscleskeletal pain. Rev Med. 2001;80(ed.esp.pt.1):1-21.
  • 9
    GBD 2017 Disease and Injury Incidence and Prevalence Collaborators. Global, regional, and national incidence, prevalence, and years lived with disability for 354 diseases and injuries for 195 countries and territories, 1990-2017: a systematic analysis for the Global Burden of Disease Study 2017. Lancet. 2018;392(10159):1789-858.
  • 10
    Blyth FM, Briggs AM, Schneider CH, Hoy DG, March LM. The Global Burden of Musculoskeletal Pain-Where to From Here? Am J Public Health. 2019;109(1):35-40.
  • 11
    Blyth FM, Noguchi N. Chronic musculoskeletal pain and its impact on older people. Best Pract Res Clin Rheumatol. 2017;31(2):160-8.
  • 12
    van den Akker M, Buntinx F, Knottnerus JA. Comorbidity or multimorbidity what’s in a name? A review of literature. Eur J Gen Pract. 1996;2(2):65-70.
  • 13
    Barnett K, Mercer SW, Norbury M, Watt G, Wyke S, Guthrie B. Epidemiology of multimorbidity and implications for health care, research, and medical education: a cross-sectional study. Lancet. 2012;380(9836):37-43.
  • 14
    Boeckxstaens P, Peersman W, Goubin G, Ghali S, De Maeseneer J, Brusselle G, De Sutter A. A practice-based analysis of combinations of diseases in patients aged 65 or older in primary care. BMC Fam Pract. 2014;15:159.
  • 15
    Scherer M, Hansen H, Gensichen J, Mergenthal K, Riedel-Heller S, Weyerer S, Maier W, Fuchs A, Bickel H, Schön G, Wiese B, König HH, van den Bussche H, Schäfer I. Association between multimorbidity patterns and chronic pain in elderly primary care patients: a cross-sectional observational study. BMC Fam Pract. 2016;17:68.
  • 16
    Roland M, Morris R. A study of the natural history of back pain. Part I: development of a reliable and sensitive measure of disability in low-back pain. Spine. 1983;8(2):141-4.
  • 17
    Sardá Júnior JJ, Nicholas MK, Pimenta CA, Asghari A, Thieme AL. Validation of the Roland Morris disability questionnaire for general pain. Rev Dor. 2010;11(1):28-36.
  • 18
    Stanhope J. Brief Pain Inventory review. Occup Med (Lond). 2016;66(6):496-7.
  • 19
    Ferreira KA, Teixeira MJ, Mendonza TR, Cleeland CS. Validation of brief pain inventory to Brazilian patients with pain. Support Care Cancer. 2011;19(4):505-11.
  • 20
    Cleeland CS, Ryan KM. Pain assessment: global use of the Brief Pain Inventory. Ann Acad Med Singap. 1994;23(2):129-38.
  • 21
    Stienen MN, Ho AL, Staartjes VE, Maldaner N, Veeravagu A, Desai A, Gautschi OP, Bellut D, Regli L, Ratliff JK, Park J. Objective measures of functional impairment for degenerative diseases of the lumbar spine: a systematic review of the literature. Spine J. 2019;19(7):1276-93.
  • 22
    Shumway-Cook A, Brauer S, Woollacott M. Predicting the probability for falls in community-dwelling older adults using the Timed Up & Go Test. Phys Ther. 2000;80(9):896-903.
  • 23
    Rose DJ, Jones CJ, Lucchese N. Predicting the probability of falls in community-residing older adults using the 8-foot up-and-go: a new measure of functional mobility. J Aging Phys Activity. 2002;10(4):466-75.
  • 24
    Alexandre TS, Meira DM, Rico NC, Mizuta SK. Accuracy of timed up and go test for screening risk of falls among community-dwelling elderly. Rev Bras Fisioter. 2012;16(5):381-8.
  • 25
    von Elm E, Altman DG, Egger M, Pocock SJ, Gøtzsche PC, Vandenbroucke JP; STROBE Initiative. The Strengthening the Reporting of Observational Studies in Epidemiology (STROBE) statement: guidelines for reporting observational studies. PLoS Med. 2007;4(10):e296.
  • 26
    Neogi T. The epidemiology and impact of pain in osteoarthritis. Osteoarthritis Cartilage. 2013;21(9):1145-53.
  • 27
    Pereira E, Teixeira C, Daronco L, Acosta MA. Estilo de vida, prática de exercício físico e dores musculoesqueléticas em idosas fisicamente ativas. RBCEH (Passo Fundo). 2009;6(3):343-52.
  • 28
    Rossettini G, Carlino E, Testa M. Clinical relevance of contextual factors as triggers of placebo and nocebo effects in musculoskeletal pain. BMC Musculoskelet Disord. 2018;19(1):27.
  • 29
    Murphy KR, Han JL, Yang S, Hussaini SM, Elsamadicy AA, Parente B, Xie J, Pagadala P, Lad SP. Prevalence of specific types of pain diagnoses in a sample of the United States adults. Pain Physician. 2017;20(2):E257-E268.
  • 30
    Xu X, Mishra GD, Jones M. Evidence on multimorbidity from definition to intervention: an overview of systematic reviews. Ageing Res Rev. 2017;37:53-68.
  • 31
    de Souza IMB, Sakaguchi TF, Yuan SLK, Matsutani LA, do Espírito-Santo AS, Pereira CAB, Marques AP. Prevalence of low back pain in the elderly population: a systematic review. Clinics (Sao Paulo). 2019;28;74:e789.
  • 32
    Ferreira G, Costa LM, Stein A, Hartvigsen J, Buchbinder R, Maher CG. Tackling low back pain in Brazil: a wake-up call. Braz J Phys Ther. 2019;23(3):189-95.
  • 33
    Edwards J, Hayden J, Asbridge M, Gregoire B, Magee K. Prevalence of low back pain in emergency settings: a systematic review and meta-analysis. BMC Musculoskelet Disord. 2017;18(1):143.
  • 34
    Fatoye F, Gebrye T, Odeyemi I. Real-world incidence and prevalence of low back pain using routinely collected data. Rheumatol Int. 2019;39(4):619-26.
  • 35
    Ikeda T, Sugiyama K, Aida J, Tsuboya T, Watabiki N, Kondo K, Osaka K. Socioeconomic inequalities in low back pain among older people: the JAGES cross-sectional study. Int J Equity Health. 2019;18(1):15.
  • 36
    Hafsi K, McKay J, Li J, Lana JF, Macedo A, Santos GS, Murrell WD, Nutritional, metabolic and genetic considerations to optimize regenerative medicine outcome for knee osteoarthritis. J Clin Orthop Trauma. 2019;10(1):2-8.
  • 37
    Yucesoy B, Charles LE, Baker B, Burchfiel CM. Occupational and genetic risk factors for osteoarthritis: a review. Work. 2015;50(2):261-73.
  • 38
    Gallagher RM, Verma S, Mossey J. Chronic pain. Sources of late-life pain and risk factors for disability. Geriatrics. 2000;55(9):40-4, 47.
  • 39
    Welsh VK, Clarson LE, Mallen CD, McBeth J. Multisite pain and self-reported falls in older people: systematic review and meta-analysis. Arthritis Res Ther. 2019;21(1):67.
  • 40
    Nur H, Sertkaya BS, Tuncer T. Determinants of physical functioning in women with knee osteoarthritis. Aging Clin Exp Res. 2018;30(4):299-306.
  • 41
    Dekker J, Buurman BM, van der Leeden M. Exercise in people with comorbidity or multimorbidity. Health Psychol. 2019;38(9):822-830.
  • 42
    Teixeira L, Araújo L, Duarte N, Ribeiro O. Falls and fear of falling in a sample of centenarians: the role of multimorbidity, pain and anxiety. Psychogeriatrics. 2019;19(5):457-64.
  • 43
    Doos L, Roberts EO, Corp N, Kadam UT. Multi-drug therapy in chronic condition multimorbidity: a systematic review. Fam Pract. 2014;31(6):654-63.
  • 44
    Montero-Odasso M, Sarquis-Adamson Y, Song HY, Bray NW, Pieruccini-Faria F, Speechley M. Polypharmacy, gait performance, and falls in community-dwelling older adults. results from the gait and brain study. J Am Geriatr Soc. 2019;67(6):1182-8.
  • 45
    Bierman AS. Preventing and managing multimorbidity by integrating behavioral health and primary care. Health Psychol. 2019;38(9):851-54.
  • 46
    Smith SM, Soubhi H, Fortin M, Hudon C, O’Dowd T. Managing patients with multimorbidity: systematic review of interventions in primary care and community settings. BMJ. 2012;345:e5205.
  • 47
    Cáceres-Matos R, Gil-García E, Cabrera-León A, Porcel-Gálvez AM, Barrientos-Trigo S. Factors that influence coping with chronic noncancer pain in European Countries: a systematic review of measuring instruments. Pain Manag Nurs. 2020;21(2):123-33.
  • 48
    Bratzke LC, Muehrer RJ, Kehl KA, Lee KS, Ward EC, Kwekkeboom KL. Self-management priority setting and decision-making in adults with multimorbidity: a narrative review of literature. Int J Nurs Stud. 2015;52(3):744-55.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    31 Dez 2021
  • Aceito
    02 Ago 2022
Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor Av. Conselheiro Rodrigues Alves, 937 Cj2 - Vila Mariana, CEP: 04014-012, São Paulo, SP - Brasil, Telefones: , (55) 11 5904-2881/3959 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: dor@dor.org.br