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As lacunas do nosso conhecimento e as pesquisas futuras sobre o sistema endocanabinoide e o fenômeno doloroso

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

O presente artigo teve como objetivo debater e apontar as principais lacunas e gargalos na pesquisa clínica nacional e internacional relativas aos compostos canabinoides de uso medicinal e suas respectivas relevâncias nas práticas relacionadas ao controle da dor. Outros objetivos foram estabelecer padrões e regulamentos para testar a qualidade, eficácia e segurança de cultivo e fabricação de produtos de cannabis (semelhantes aos padrões biofarmacêuticos) antes de prescrever ou comercializar, e investigar abordagens a fim de estabelecer orientações robustas para dirigir sob influência de canabinoides.

CONTEÚDO:

Uma pesquisa com os termos “canabinoides” e “pain no domínio do www.clinicaltrials.gov, plataforma internacional de dados de registro de ensaios de pesquisa clínica, cita apenas dois estudos brasileiros, sobre fibromialgia e cefaleia crônica. A busca do termo “canabinoide” na Plataforma Brasil retornou apenas nove menções de estudos relacionados ao tema dor, sendo a maioria relatos de casos ou estudos observacionais, sem intervenção ativa, ou sem grupo controle.

CONCLUSÃO:

Ainda há poucos estudos clínicos, randomizados e controlados avaliando doses eficazes, vias e intervalo de administração, interação farmacológica com opioides ou entre os diversos canabinoides, interação com analgésicos adjuvantes, lesões potenciais no contexto do uso a longo prazo e fatores individuais que predisponham ao uso indiscriminado dos canabinoides.

Descritores
Cannabis; Dor; Pesquisa sobre Serviços de Saúde

ABSTRACT

BACKGROUND AND OBJECTIVES:

This article aimed to discuss and point out the main gaps and bottlenecks in national and international clinical research regarding medicinal cannabinoid compounds and their respective relevance to pain management practices. Other objectives were to establish standards and regulations for testing the quality, efficacy, and safety of cultivation and manufacturing of cannabis products (similar to biopharmaceutical standards) before prescribing or marketing, and to investigate approaches in order to establish robust guidelines for cannabinoid-influenced driving.

CONTENTS:

A search with the terms “cannabinoids” and “pain” in the domain www.clinicaltrials.gov, international data platform for registration of clinical research trials, found only two Brazilian studies, on fibromyalgia and chronic headache. The search for the term “cannabinoid” in Plataforma Brasil returned only nine mentions of studies related to pain, most of them being case reports or observational studies, without active intervention or control group.

CONCLUSION:

There are still few clinical, randomized, controlled trials evaluating effective doses, routes and interval of administration, pharmacological interaction with opioids or among the various cannabinoids, interaction with adjunct analgesics, potential injury in the context of long-term use, and individual factors that predispose to indiscriminate cannabinoid use.

Keywords:
Cannabis; Pain; Research on Health Services

DESTAQUES

  • Reconhecer os efeitos adversos dos canabinoides

  • Destacar evidências científicas

  • Estimular estudos de boa qualidade

DESTAQUES

  • Reconhecer os efeitos adversos dos canabinoides

  • Destacar evidências científicas

  • Estimular estudos de boa qualidade

INTRODUÇÃO

O uso global de canabinoides para fins medicinais e não medicinais está se acelerando em um ritmo notável. Até 2026, a capitalização de mercado dos canabinoides está prevista para atingir a cifra de aproximadamente US$ 97 bilhões, o que ultrapassará em muito a maior empresa farmacêutica do mundo11 Sites BD. Cannabinoids and pain medicine: what could possibly go wrong? Reg Anesth Pain Med. 2020;45(7):485.. Segundo dados da Associação Brasileira da Indústria de Canabinoides (BRCANN), a importação desses fármacos atualmente movimenta R$ 250 milhões por ano. Nos próximos cinco anos, a expectativa é de que o setor movimente R$ 700 milhões. Produtos à base de cannabis passarão a ser comercializados em farmácias da rede varejista nacional22 Medicamentos à base de cannabis passarão a ser vendidos a partir de agosto em farmácias brasileiras. Disponível em: https://www.oliberal.com/brasil/medicamentos-a-base-de-cannabis-passarao-a-ser-vendidos-a-partir-de-agosto-em-farmacias-brasileiras-1.554165.
https://www.oliberal.com/brasil/medicame...
. Em 2017, foi elaborado o projeto para a criação de um Centro de Pesquisas em Canabinoides, parceria entre os laboratórios de pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) e a indústria, e cujo grupo de pesquisadores representa de forma expressiva a pesquisa nacional e internacional sobre o tema33 Liu J, Chen H, Newmaster S, Wang S, Liu C. Global trends in cannabis and cannabidiol research from the year 1940 to 2019. Curr Pharm Biotechnol. 2021;22(5):579-91..

No entanto, a produção científica dos pesquisadores da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto - (FMRP-USP) é voltada, em sua maioria, para estudos com o canabidiol (CBD) e seu uso em neurologia e no tratamento de distúrbios psicoafetivos44 USP tem a maior produção científica mundial sobre canabidiol. [citado 21 de fevereiro de 2022]; Disponível em: https://jornal.fmrp.usp.br/usp-tem-a-maior-producao-cientifica-mundial-sobre-canabidiol/
https://jornal.fmrp.usp.br/usp-tem-a-mai...
. O Professor Carlini, criador do Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (CEBRID) e precursor da pesquisa sobre o assunto no país, salientava a importância da produção de pesquisa nacional sobre o tema e mesmo a criação de uma agência brasileira de cannabis medicinal.

No entanto, uma busca do termo “canabinoide” na Plataforma Brasil, base nacional e unificada de registros de pesquisas envolvendo seres humanos para todo o sistema CEP/CONEP, retornou apenas nove menções de estudos sobre canabinoides relacionados ao tema dor, com desenhos metodológicos diversos, sendo a maioria relatos de casos ou estudos observacionais, sem intervenção ativa farmacológica, ou sem pareamento com um grupo controle. Uma pesquisa com os termos “cannabinoids” e “pain no domínio www.clinicaltrials.gov, plataforma internacional de dados de registro de ensaios de pesquisa clínica, encontrou apenas dois estudos brasileiros (NCT04989413, NCT05283161) relacionados ao tratamento de fibromialgia e à cefaleia crônica em fase prévia ao recrutamento, ambos em colaboração com a indústria farmacêutica.

O presente artigo teve como objetivo apontar e debater as principais lacunas e gargalos na pesquisa clínica nacional e internacional relativas aos compostos canabinoides de uso medicinal e suas respectivas relevâncias nas práticas relacionadas ao controle da dor.

CONTEÚDO

Pesquisas relacionadas aos canabinoides

A pesquisa no campo dos canabinoides envolve, basicamente, três áreas distintas: os fitocanabinoides, os canabinoides endógenos (anandamida e 2-araquidonoilglicerol, 2-AG), com suas respectivas enzimas de síntese e metabolismo e seus respectivos efeitos nos receptores canabinoides 1 e 2 (CB1 e CB2), e, por fim, os análogos dos endocanabinoides endógenos. As pesquisas pré-clínica e clínica avançaram bastante nos últimos anos, e novos conhecimentos em todos os três domínios não apenas esclarecerão um grande número de processos fisiológicos, mas também servirão como ponto de partida para o desenvolvimento de novos fármacos55 Pacher P, Kogan NM, Mechoulam R. Beyond THC and endocannabinoids. Annu Rev Pharmacol Toxicol. 2020;60(1):637-59..

Os canabinoides são compostos endógenos ou exógenos que têm atividade nos receptores canabinoides. Podem ser descritos três tipos de canabinoides: fitocanabinoides (derivados de plantas como nabiximol), endocanabinoides (compostos endógenos como anandamida e 2-araquidonoilglicerol - 2-AG) e canabinoides sintéticos (dronabinol e nabilona). A planta da cannabis contém cerca de 60 a 100 tipos de canabinoides. Os principais canabinoides encontrados na planta da cannabis são delta-9-tetrahidrocanabinol (THC), canabidiol (CBD) e canabinol (CBN). Os canabinoides endógenos (CEs) mais importantes e melhor estudados são a anandamida (AEA) e o 2-araquidonoilglicerol (2-AG), que podem ser encontrados em vários tecidos.

Além dos CEs clássicos, a virodamina (VIR), o éter de noladina (NE) e o N-araquidonoil dopamina (NADA) presumivelmente atuam como CEs66 Gachet MS, Rhyn P, Bosch OG, Quednow BB, Gertsch J. A quantitative LC-MS/MS method for the measurement of arachidonic acid, prostanoids, endocannabinoids, N-acylethanolamines and steroids in human plasma. J Chromatogr B Analyt Technol Biomed Life Sci. 2015;976-77:6-18.. O éter de noladina é um agonista potente e seletivo do receptor canabinoide CB1, que pode causar hipotermia, imobilidade intestinal e antinocicepção leve77 Hanus L, Abu-Lafi S, Fride E, Breuer A, Vogel Z, Shalev DE, Kustanovich I, Mechoulam R. 2-arachidonyl glyceryl ether, an endogenous agonist of the cannabinoid CB1 receptor. Proc Natl Acad Sci U S A. 2001;98(7):3662-5.. Apesar de serem considerados CEs, essas substâncias ainda são detectadas em quantidades mínimas e dificilmente podem ser evidenciadas nos tecidos biológicos, em particular na espécie humana. Assim, grande parte da controvérsia quanto ao uso medicinal dos canabinoides versa quanto às discrepâncias entre os estudos pré-clínicos e estudos clínicos, propriamente ditos.

A Sociedade Americana de Anestesiologistas (ASA) recentemente endossou dois projetos de lei que buscam expandir a pesquisa sobre CBD e maconha: H.R. 601, a Lei de Pesquisa de Cannabis Medicinal de 2019, e S. 2032, a Lei de Expansão de Pesquisa de Cannabidiol e Maconha88%20601 [Internet]. [citado 19 de julho de 2022]. Disponível em: https://www.congress.gov/bill/116th-congress/housebill/%20601?q={%E2%80%9Csearch%E2%80%9D:[%E2%80%9Cmedical+cannabis+research+%20act%E2%80%9D]}
https://www.congress.gov/bill/116th-cong...
. A ASA encomendou o levantamento Caravan®, com cinco perguntas e realizado online, entre 5 e 7 de agosto de 2019, incluindo 1.005 adultos, dos quais 503 homens e 502 mulheres, com 18 anos ou mais. O levantamento revelou alguns dados preocupantes: quando os entrevistados que disseram ter usado ou considerariam usar maconha ou canabinoides foram questionados sobre o motivo, a maioria (62%) disse acreditar que os canabinoides são mais seguros do que os opioides, e (57%) disseram acreditar que os canabinoides têm menos efeitos adversos do que outros fármacos. Nesse sentido, os membros da ASA expressaram preocupação com o fato de os pacientes com dor não saberem que a maconha e os canabinoides podem não ser mais seguros do que outros fármacos, como os anti-inflamatórios, por exemplo, e que podem ter efeitos adversos - desde sonolência excessiva a lesões hepáticas - e, mais importante, que em território americano esses produtos não são regulamentados ou monitorados quanto à qualidade99 Survey-reveals-skyrocketing-interest-in-marijuana-and-cannabinoids-for-pain [Internet]. [citado 19 de julho de 2022]. Disponível em: https://www.asahq.org/about-asa/newsroom/news-releases/2019/08/survey-reveals-skyrocketing-interest-in-marijuana-and-cannabinoids-for-pain
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Segundo a regulamentação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) (RDC 327/2019), as farmácias de manipulação brasileiras não poderiam trabalhar com a cannabis medicinal. Para a agência, apenas drogarias sem manipulação poderiam comercializar o produto. Esse impasse cria não apenas uma lacuna de ordem jurídica que potencializa riscos à segurança e à qualidade dos produtos disponibilizados aos pacientes, mas também impõe limites à possibilidade de registros clínicos formais para pacientes submetidos ao uso de cannabis medicinal em ensaios clínicos, observacionais e base de dados comparativas.

Outros dados do levantamento americano reforçam esta percepção. Entre todos os pesquisados (incluindo aqueles que disseram que nunca usariam maconha ou canabinoides), apenas 57% acredita na necessidade adicional de pesquisas; 34% dispensaria a necessidade de discutir o uso desses produtos com seu médico; 58% acredita haver menos efeitos adversos do que outros fármacos; 48% acha que conhece o que está recebendo; e, por fim, 40% deles acredita que o CBD vendido em supermercados, paradas de caminhões, lojas de alimentos saudáveis ou dispensários de maconha medicinal, é aprovado pelo FDA99 Survey-reveals-skyrocketing-interest-in-marijuana-and-cannabinoids-for-pain [Internet]. [citado 19 de julho de 2022]. Disponível em: https://www.asahq.org/about-asa/newsroom/news-releases/2019/08/survey-reveals-skyrocketing-interest-in-marijuana-and-cannabinoids-for-pain
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. Quanto mais jovem o indivíduo, maior essa percepção. Certamente, tais percepções reforçam o desinteresse e o desengajamento de pacientes na participação em futuros estudos clínicos.

Barreiras e limitações sobre a pesquisa de compostos canabinoides

Existem barreiras regulatórias específicas, incluindo a classificação da cannabis como substância de abuso, que limitam as pesquisas sobre cannabis e canabinoides1010 Groce E. The health effects of cannabis and cannabinoids: the current state of evidence and recommendations for research. J Med Regul. 2018;104(4):32.. A autorização por agências reguladoras de vários países, relativa ao uso de fármacos derivados de canabinoides e canabinoides, é bastante heterogênea1111 Bonomo Y, Souza JDS, Jackson A, Crippa JAS, Solowij N. Clinical issues in cannabis use. Br J Clin Pharmacol. 2018;84(11):2495-8.. Atualmente, a Lei Antidrogas proíbe, em todo o território brasileiro, o plantio, a cultura, a colheita e a exploração de vegetais e substratos dos quais possam ser extraídas ou produzidas drogas, com exceção para aquelas plantas de uso exclusivamente ritualístico religioso e no caso de fins medicinais e científicos.

Pode ser difícil para os pesquisadores obter acesso à quantidade, qualidade e tipo de produtos necessários para abordar questões específicas da pesquisa sobre os efeitos do uso de cannabis na saúde. Uma rede diversificada de financiadores para apoiar projetos de pesquisas sobre cannabis e canabinoides, visando analisar não apenas os potenciais efeitos terapêuticos, mas que também explore os efeitos prejudiciais à saúde do uso de cannabis, é extremamente importante. Em um país com restrição progressiva de recursos para a pesquisa clínica e experimental, o financiamento através de recursos provenientes de parcerias com a indústria torna-se um atrativo, porém sempre envolvendo fomentos com eventuais conflitos de interesse.

Para desenvolver evidências mais consistentes dos efeitos do uso de cannabis nos desfechos de curto e longo prazo, são necessários aprimoramentos nas técnicas e na padronização da metodologia de pesquisa (principalmente em ensaios clínicos controlados e estudos observacionais). Infelizmente, a maioria dos ensaios clínicos aleatórios e com cegamento apresentam inúmeras limitações metodológicas. Certamente, a principal delas é referente à casuística limitada, que afeta a obtenção de uma significância estatística que permita a extrapolação de conclusões para além das populações estudadas.

Excepcionalmente, mesmo se forem considerados os melhores níveis de evidência, tais como ensaios clínicos randomizados (ECR), revisões sistemáticas ou meta-análises, poucos estudos abrangem casuísticas acima de cem indivíduos. Além disso, mesmo os ECR encontram dificuldades metodológicas para realizar o cegamento do grupo controle. Como outras substâncias psicoativas, a cannabis apresenta um desafio no cegamento dos sujeitos devido à sua psicoatividade intrínseca. O braço placebo dos ensaios que avaliam tanto a cannabis fumada quanto a vaporizada normalmente consiste em maconha inativa. Embora a forma inativa possa se assemelhar visual e gustativamente à cannabis, muitos participantes podem distinguir entre a intervenção e o placebo - presumivelmente porque as propriedades psicoativas da cannabis não estão presentes no placebo1212 Badolia I. Cannabinoids Future Research. Em: Narouze SN, organizador. Cannabinoids and Pain [Internet]. Cham: Springer International Publishing; 2021 [citado 7 de julho de 2022]. 325-32p. Disponível em: https://link.springer.com/10.1007/978-3-030-69186-8_40
https://link.springer.com/10.1007/978-3-...
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Evidências do Mundo Real (EMR)

A EMR é definida como evidência derivada de dados de saúde provenientes de estudos não intervencionistas, registros de prontuários, registros eletrônicos de saúde e dados de seguros, em oposição ao cenário altamente controlado dos ECRs. A EMR tem critérios de inclusão mais amplos, levando em consideração fatores como dose fora do padrão, e não é limitado pelo escopo da doença, melhorando assim a validade ecológica. No entanto, alguns estudos concluíram que há pouca diferença entre os resultados obtidos por meio de ECR e estudos observacionais.

A EMR normalmente tem um acompanhamento mais longo do paciente e, consequentemente, pode detectar efeitos adversos raros, mas importantes, que não são detectados nos ECR. A EMR pode melhorar a eficiência dos ensaios clínicos gerando hipóteses, refinando critérios de elegibilidade e explorando ferramentas de desenvolvimento de fármacos. Os registros podem ser usados para formar uma infraestrutura para conduzir um ensaio clínico, reduzindo os custos e mantendo a alta qualidade das evidências.

Mais recentemente, tem havido um foco na coleta de evidências de registros clínicos e bancos de dados nacionais de muitos países, com evidências geradas a partir de medidas de resultados relatados pelo paciente e de farmacovigilância de longo prazo. A EMR pode trazer mais clareza sobre questões que permanecem sem resposta nos ECR. Um estudo recente utilizou pesquisas anônimas de pacientes com fibromialgia que consumiram flores de cannabis. Além de relatar resultados positivos sobre depressão e dor, o estudo também relatou aspectos negativos do consumo de cannabis, por exemplo, dirigir sob a influência de cannabis em 72% dos pacientes1313 Habib G, Avisar I. The consumption of cannabis by fibromyalgia patients in Israel. Pain Res Treat. 2018;2018:1-5.. Bases de dados com essa finalidade foram criadas em vários países, como Reino Unido, Canadá, Austrália, Dinamarca, Itália, Alemanha, EUA e Irlanda, apenas com a finalidade de alimentar dados específicos sobre esse assunto1414 Banerjee R, Erridge S, Salazar O, Mangal N, Couch D, Pacchetti B, Sodergren MH. Real world evidence in medical cannabis research. Ther Innov Regul Sci. 2022;56(1):8-14..

O presidente da Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) estabeleceu uma força-tarefa sobre cannabis e analgesia com canabinoides, com o objetivo de examinar e resumir sistematicamente as evidências sobre: (1) farmacologia analgésica de canabinoides e evidências pré-clínicas de sua eficácia antinociceptiva em modelos animais de dor patológica persistente ou relacionada a lesões, (2) a eficácia clínica de cannabis, canabinoides e fármacos à base de canabinoides (MBC) para tratamento da dor, (3) lesões relacionadas ao uso a longo prazo de canabinoides, bem como (4) questões sociais e implicações políticas relacionadas ao uso de canabinoides, cannabis e MBCs para controle da dor1515 Haroutounian S, Arendt-Nielsen L, Belton J, Blyth FM, Degenhardt L, Di Forti M, Eccleston C, Finn DP, Finnerup NB, Fisher E, Fogarty AE, Gilron I, Hohmann AG, Kalso E, Krane E, Mohiuddin M, Moore RA, Rowbotham M, Soliman N, Wallace M, Zinboonyahgoon N, Rice ASC. Intenational Association for the Study of Pain Presidential Task Force on Cannabis and Cannabinoid Analgesia: research agenda on the use of cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management. Pain. 2021;162(Suppl 1):S117-S124..

Farmacologia analgésica de canabinoides e evidências pré-clínicas de sua eficácia antinociceptiva em modelos animais de dor patológica persistente ou relacionada a lesões

Uma revisão sistemática revelou um risco geral de viés mal definido e baixa prevalência de critérios de qualidade metodológica. Tais critérios incluíram avaliação cega do resultado, seleção ao acaso, exclusões de animais e critérios de exclusão de animais predeterminados, ocultação de alocação e amostras de cálculos de tamanho1616 Soliman N, Haroutounian S, Hohmann AG, Krane E, Liao J, Macleod M, Segelcke D, Sena C, Thomas J, Vollert J, Wever K, Alaverdyan H, Barakat A, Barthlow T, Bozer ALH, Davidson A, Diaz-delCastillo M, Dolgorukova A, Ferdousi MI, Healy C, Hong S, Hopkins M, James A, Leake HB, Malewicz NM, Mansfield M, Mardon AK, Mattimoe D, McLoone DP, Noes-Holt G, Pogatzki-Zahn EM, Power E, Pradier B, Romanos-Sirakis E, Segelcke A, Vinagre R, Yanes JA, Zhang J, Zhang XY, Finn DP, Rice ASC. Systematic review and meta-analysis of cannabinoids, cannabis-based medicines, and endocannabinoid system modulators tested for antinociceptive effects in animal models of injury-related or pathological persistent pain. Pain. 2021;162(Suppl 1):S26-S44.. A força-tarefa elencou vários pontos de prioridades da pesquisa pré-clínica:

  • Neurobiologia da sinalização endocanabinoide em relação ao processamento patológico da dor e pesquisa de potenciais alvos analgésicos adicionais do sistema endocanabinoide.

  • Sinalização do receptor canabinoide e do papel da modulação alostérica e do agonismo enviesado dos receptores canabinoides.

  • Melhor alinhamento entre os compostos testados em ensaios clínicos e os testados pré-clinicamente, para permitir uma melhor compreensão da farmacologia translacional do sistema endocanabinoide para analgesia.

  • Investigação da farmacologia de canabinoides além do THC, incluindo CBD e outros fitocanabinoides.

  • Caracterização detalhada das propriedades farmacocinéticas dos canabinoides e determinação da relação farmacocinética-farmacodinâmica (PK-PD) entre as concentrações plasmáticas, as concentrações no local de efeito e a antinocicepção no contexto de modelos pré-clínicos específicos.

  • Otimização de modos e de formulações de drogas para alcançar exposição consistente no local de ação.

  • Investigação do potencial analgésico adicional de receptores canabinoides e alvos fora do sistema nervoso central (SNC) para evitar efeitos adversos centrais indesejados.

  • Interações fisiológicas entre os sistemas canabinoides e opioides endógenos na modulação da dor.

  • Papel do sistema endocanabinoide e dos canabinoides na modulação das dimensões afetivo-motivacionais e cognitivas do processamento da dor e da experiência da dor.

  • Validade externa aprimorada de modelos animais e medidas de resultado usadas para determinar os efeitos antinociceptivos (particularmente os de longo prazo) de moduladores do sistema canabinoide e endocanabinoide.

  • Aprimoramento do rigor e transparência dos desenhos, conduta, análise e relatórios de estudos pré-clínicos.

Ensaios clínicos sobre eficácia analgésica

Foi conduzida uma revisão sistemática da literatura sobre a eficácia analgésica da cannabis, canabinoides e MBCs, incluindo estudos em pessoas com dor aguda ou crônica, excluindo-se a dor experimental, e em indivíduos recebendo produtos canabinoides de qualquer tipo, naturais ou sintéticos, por qualquer via de administração. A revisão em questão encontrou 36 estudos qualificados para inclusão (representando um total de 7.217 participantes). A maioria dos estudos se concentrou em dor oncológica, dor aguda, dor na esclerose múltipla e dor neuropática, com apenas alguns estudos sobre dor musculoesquelética e dor abdominal. Desses, oito estudos testaram canabinoides individuais ou moduladores do sistema endocanabinoide, seis testaram cannabis e 22 testaram MBCs.

Os autores da mencionada revisão classificaram todos os estudos como tendo um risco incerto ou elevado de viés. Usando os critérios GRADE, todos os resultados foram julgados como evidências de baixa ou muito baixa qualidade para todos os tipos de cannabis, canabinoides e MBCs estudados até o momento, independentemente do tipo de dor1717 Fisher E, Moore RA, Fogarty AE, Finn DP, Finnerup NB, Gilron I, Haroutounian S, Krane E, Rice ASC, Rowbotham M, Wallace M, Eccleston C. Cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicine for pain management: a systematic review of randomised controlled trials. Pain. 2021;162(Suppl 1):S45-S66.. Em função dessa análise, a força-tarefa recomendou o planejamento de futuros ensaios clínicos amparados nos seguintes princípios:

  • Ensaios com canabinoides devem incluir a intensidade da dor e, no contexto da dor crônica, também a avaliação dos efeitos sobre o sono, a qualidade de vida, a função e as dimensões afetivo-motivacionais e cognitivas da experiência da dor, particularmente aquelas mais importantes sob a perspectiva do paciente.

  • Os métodos de dose e titulação (se aplicável) devem ser explícitos; placebo e comparadores ativos devem ser encorajados, assim como estudos examinando cannabis, canabinoides ou MBCs administrados como monoterapia e em conjunto com outros analgésicos.

  • A análise das características demográficas, fenotípicas e genotípicas do paciente, que sejam pertinentes a uma possível resposta personalizada ao tratamento.

  • Investigação das relações entre as concentrações plasmáticas e alvos de canabinoides e os respectivos efeitos farmacodinâmicos, tanto para os desfechos de eficácia quanto de toxicidade.

  • Ensaios de alta qualidade estudando canabidiol (CBD) em condições específicas de dor.

  • Ensaios de alta qualidade estudando os canabinoides, moduladores do sistema endocanabinoide e MBCs que se mostrem mais promissores em estudos pré-clínicos.

  • Desenhos de estudos experimentais de dor com canabinoides que se traduziriam em analgesia relevante e clinicamente significativa.

  • Investigação de interações entre intervenções baseadas em opioides e baseadas em canabinoides, quanto a: (1) eficácia analgésica, (2) perfil de efeitos adversos, por exemplo responsabilidade por abuso ou depressão respiratória, e (3) mudança ou inibição de sintomas durante redução ou abstinência de opioides.

  • Determinação das proporções terapêuticas ideais de canabinoides (por exemplo, THC-CBD) em condições de dor específicas, por exemplo em estratégias que tentam separar a analgesia dos efeitos adversos.

  • Ensaios de alta qualidade com canabinoides inalados ou vaporizados, com tamanho de amostra adequado, duração suficiente, análise farmacocinética detalhada e controles rigorosos.

  • Estudos de saúde populacional de alta qualidade, baseados em dados do “mundo real” sobre os benefícios e danos da cannabis, canabinoides e MBCs, em um grande número de pessoas com dor.

  • Quantificação unificada de maior ou menor teor de fitocanabinoides para preparações de cannabis avaliadas em ensaios clínicos.

  • Determinação dos efeitos das restrições regulatórias na pesquisa clínica de canabinoides.

Revisões sistemáticas de lesões relacionadas a cannabis, canabinoides e fármacos à base de cannabis

Foi realizada uma análise geral das revisões sistemáticas sobre as lesões da cannabis e dos canabinoides na dor crônica e em outras condições. Um total de 72 revisões abordaram cannabis (fumada, vaporizada ou ingerida) e sete revisões abordaram canabinoides individualmente; portanto, a maioria dos dados de segurança refere-se ao uso de cannabis, em vez de compostos canabinoides únicos. No geral, 76 de 79 revisões incluídas receberam uma pontuação “criticamente baixa” e três receberam uma pontuação AMSTAR-2 “baixa”.

Embora os eventos adversos tenham sido maiores nos grupos de tratamento com nabiximol e THC, em comparação com o controle, os ECRs individuais não relataram danos ou eventos adversos de forma consistente, possivelmente subestimando os efeitos adversos1818 Mohiuddin M, Blyth FM, Degenhardt L, Di Forti M, Eccleston C, Haroutounian S, Moore A, Rice ASC, Wallace M, Park R, Gilron I. General risks of harm with cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicine possibly relevant to patients receiving these for pain management: an overview of systematic reviews. Pain. 2021;162(Suppl 1):S80-S96.. Cabe destacar a ausência de dados sobre danos específicos nos estudos de dor, sendo que a maioria das revisões avaliou a segurança da cannabis em populações mistas, fora do contexto de dor propriamente dito. A seguir as principais prioridades listadas pela força-tarefa para esse tipo de revisão:

  • Identificar as potenciais lesões no contexto do uso a longo prazo de cannabis, canabinoides e MBCs para o tratamento da dor crônica: (1) Efeitos cognitivos em diferentes faixas etárias; (2) Efeitos no desenvolvimento neurológico de bebês, crianças e adolescentes, incluindo desenvolvimento neuronal, efeitos na aprendizagem, impedimentos de aprendizagem e desempenho acadêmico; (3) Transtornos de saúde mental, com ênfase em psicose e depressão; (4) Efeitos neurológicos; (5) Distúrbios do uso de cannabis; (6) Efeitos pulmonares; (7) Efeitos na gravidez e amamentação; (8) Efeitos na condução e operação de máquinas; (9) Efeitos cardiovasculares; (10) Carcinogenicidade, com ênfase em cânceres geniturinários.

  • O papel de um composto canabinoide, dose, via, exposição (farmacocinética) e duração do uso em efeitos adversos específicos de curto e longo prazo.

  • Interações farmacológicas, particularmente com fármacos com janelas terapêuticas estreitas (por exemplo, anticoagulantes, imunossupressores, opioides ou anestésicos gerais intravenosos).

  • Fatores individuais (por exemplo, demográficos, psicológicos, genéticos, comorbidade e uso concomitante de fármacos) que conferem suscetibilidade versus resiliência aos efeitos adversos dos canabinoides.

  • Lesões relacionadas ao uso de cannabis e canabinoides sintéticos para fins médicos sob supervisão médica, comparadas com aquelas associadas ao uso na ausência de supervisão médica especializada.

  • Métodos de pesquisa populacional para rastrear o uso autoprescrito de cannabis, específico para o controle da dor, e rastrear os benefícios e danos potenciais desse modo de uso.

  • Melhorar as abordagens para avaliar e relatar os danos da cannabis, canabinoides e MBCs em ECRs sobre dor, com duração apropriada e pós-exposição, para acompanhamento de eventos adversos a longo prazo.

Revisões sistemáticas sobre o uso de canabinoides para a dor

Foi elaborada uma revisão para avaliar a qualidade, o escopo e os resultados das muitas revisões sistemáticas existentes sobre a eficácia da cannabis, canabinoides e MBCs para o alívio da dor1919 Moore RA, Fisher E, Finn DP, Finnerup NB, Gilron I, Haroutounian S, Krane E, Rice ASC, Rowbotham M, Wallace M, Eccleston C. Cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management: an overview of systematic reviews. Pain. 2021;162(Suppl 1):S67-S79.. Foram selecionados 106 artigos, dos quais 57 foram incluídos, contendo 15 condições distintas de dor, sendo a maioria deles publicados a partir de 2010. Nenhuma revisão examinou os efeitos de um canabinoide específico, em uma dose específica, usando uma via de administração específica, para uma condição de dor específica, relatando um resultado analgésico específico.

A confiança nos resultados, usando as definições do AMSTAR-2, foi geralmente baixa: criticamente baixa (39 revisões), baixa (8), moderada (5) e alta (2). Menos de 10% das revisões utilizaram critérios relevantes para avaliação da dor. As estimativas de efeito foram altamente variáveis, com exemplos extremos de agrupamento de dados, e não podiam garantir uma base para a tomada de decisões. A força-tarefa da IASP sugeriu as seguintes prioridades para futuras revisões sistemáticas:

  • As revisões sistemáticas devem atender à definição Cochrane de revisões sistemáticas e fornecer detalhes suficientes para serem de confiança moderada ou alta de acordo com o AMSTAR-2.

  • Os estudos devem ser pré-registrados, delineando objetivos, desfechos primários e secundários e estratégia de análise de dados.

  • Devem ser adequadamente realizados ensaios duplo-encobertos e randomizados em pessoas com uma condição de dor definida e dor inicial autoavaliada como moderada ou intensa.

  • Deve ser examinado o potencial de viés de pequenos estudos, métodos de imputação e risco potencial de viés de publicação.

  • Deve ser declarada antecipadamente a perspectiva da revisão; escolher resultados de eficácia ou eficácia relevantes para tal perspectiva.

  • Deve ser realizada uma meta-análise em nível individual, sempre que possível.

Questões sociais e implicações políticas do uso generalizado de canabinoides para a dor

O uso de cannabis sem regulamentação adequada de fabricação e fornecimento, junto com o acesso imediato a mercados não regulamentados e muitas vezes ilícitos de produtos com alta concentração, pode resultar em grandes riscos e danos sociais2020 Haroutounian S, Gilron I, Belton J, Degenhardt L, Di Forti M, Finn DP, Fogarty A, Kalso E, Krane E, Moore RA, Rowbotham M, Wallace M, Rice ASC. Societal issues and policy implications related to the use of cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management. Pain. 2021;162(Suppl 1):S110-S116.. O cultivo de plantas de cannabis e os subsequentes processos de extração ou formulação apresentam complexidades e desafios legais devido a uma ampla variabilidade jurídica e processos sanitários locais.

O crescimento e a composição da cannabis, incluindo seu conteúdo fitocanabinoide, está sujeito a uma ampla variedade de influências. Para controlar melhor esses parâmetros, principalmente para a cannabis destinada ao uso medicinal, o cultivo interno é normalmente favorecido em relação ao cultivo ao ar livre. Na ausência de regulamentações universalmente aceitas, alguns países determinaram seus próprios critérios, resultando em um cenário regulatório global divergente do cultivo de cannabis, que está muito abaixo dos padrões compatíveis com a fabricação de fármacos para uso humano.

O marketing de produtos de cannabis usados como fármacos (em oposição aos MBCs regulamentados) geralmente não é regulamentado, por agências como o FDA (Food and Drug Administration) ou a EMA (Agência Europeia de Medicamentos), usando os padrões estabelecidos para os demais produtos farmacêuticos, levando a uma supervisão reduzida das alegações de saúde feitas para produtos de cannabis de uso medicinal ou recreativo para adultos. Em alguns países ocorre um rápido crescimento de “clínicas especializadas em cannabis”, nas quais os pacientes, muitas vezes com comorbidades médicas complexas, são tratados predominantemente com terapia à base de cannabis, sem uma abordagem de tratamento abrangente.

Além disso, em contraste com as farmácias onde os fármacos são dispensados por profissionais treinados e licenciados, a maioria dos dispensários de cannabis fornece fármacos e aconselhamento médico por pessoal não médico. A força-tarefa da IASP definiu as seguintes prioridades para as questões sociopolíticas para o uso generalizado da cannabis no contexto da dor1515 Haroutounian S, Arendt-Nielsen L, Belton J, Blyth FM, Degenhardt L, Di Forti M, Eccleston C, Finn DP, Finnerup NB, Fisher E, Fogarty AE, Gilron I, Hohmann AG, Kalso E, Krane E, Mohiuddin M, Moore RA, Rowbotham M, Soliman N, Wallace M, Zinboonyahgoon N, Rice ASC. Intenational Association for the Study of Pain Presidential Task Force on Cannabis and Cannabinoid Analgesia: research agenda on the use of cannabinoids, cannabis, and cannabis-based medicines for pain management. Pain. 2021;162(Suppl 1):S117-S124.:

  • Estabelecer padrões e regulamentos para testar a qualidade, eficácia e segurança de cultivo e fabricação de produtos de cannabis (semelhantes aos padrões biofarmacêuticos) antes de prescrever ou comercializar.

  • Pesquisa de marketing e publicidade de produtos de cannabis. Investigar as consequências (uso e efeitos) da proibição de reivindicações de benefícios não suportadas por dados robustos. Proibir publicidade para crianças e adolescentes.

  • Investigar abordagens para estabelecer orientações robustas para dirigir sob influência de canabinoides.

  • Estabelecer programas de educação para populações vulneráveis; alavancar os parceiros dos pacientes para melhorar o alcance.

  • Envolvimento com médicos e parceiros de pacientes para estabelecer programas de educação para profissionais de saúde, de modo a fornecer informações confiáveis aos pacientes, incluindo países em desenvolvimento e países onde o inglês não é o idioma principal.

  • Investigar prejuízos sociais mais amplos (por exemplo, dependência, psicose ou efeitos cognitivos) no contexto do controle da dor.

  • Investigar abordagens para incentivar ou obrigar a indústria de cannabis a financiar pesquisas de cannabis de alta qualidade para apoiar alegações de eficácia e melhorar a qualidade do produto e a segurança do paciente, minimizando e gerenciando conflitos de interesse.

CONCLUSÃO

Diversas perguntas ainda necessitam ser respondidas por pesquisas clínicas com os canabinoides. Ainda há poucos estudos clínicos, randomizados e controlados avaliando doses eficazes, vias e intervalo de administração, interação farmacológica com opioides ou entre os diversos canabinoides, interação com analgésicos adjuvantes, lesões potenciais no contexto do uso a longo prazo e fatores individuais que predisponham ao uso indiscriminado dos canabinoides. Em relação à pesquisa no Brasil, há pouca disponibilidade de recursos financeiros destinados à pesquisa na área da dor, sobretudo quando se trata de estudos clínicos com fármacos. Portanto, poucos estudos são desenvolvidos na área clínica.

Algumas peculiaridades do Brasil merecem ser citadas: trata-se de um país de dimensão continental, cuja população é miscigenada e bastante diversa. Dados obtidos de outros países nem sempre se aplicam ao país. Necessita-se criar bancos de dados nos serviços de saúde, aprender a utilizar a base de dados da indústria e criar uma legislação complementar específica para a pesquisa com canabinoides com base em dados nacionais. Tais informações são necessárias para argumentar sobre a regulação de fármacos pelo governo.

  • Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    16 Jun 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    19 Jul 2022
  • Aceito
    21 Mar 2023
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