Impacto da pandemia do COVID-19 na dor crônica não oncológica e sua gestão em pessoas idosas

RESUMO

JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS:

A dor crônica não oncológica é considerada um problema de saúde pública, afetando 37% da população portuguesa. O tratamento da dor representa um direito humano fundamental. Entretanto, durante a pandemia do COVID-19, a grande maioria destes serviços de assistência ao paciente foi considerada como não urgente ou não emergente, sendo consultas e tratamentos clínicos adiados ou desmarcados. Restrições impostas, como medidas de prevenção da infecção por COVID-19, tornaram-se contraproducentes no que se refere à gestão da dor crônica. O seu impacto deve ser realçado principalmente na população mais idosa, devido às comorbidades associadas quer físicas quer psicológicas. O objetivo deste estudo foi analisar o impacto da pandemia do COVID-19 na dor de pessoas idosas em quatro aspectos: i) intensidade, tratamento e gestão da dor; ii) saúde mental; iii) estilo de vida; iv) qualidade de vida.

MÉTODOS:

Revisão nas bases de dados Pubmed, SCOPUS e Scielo usando os termos: chronic non-cancer pain, pain management, aged e COVID-19. Foram encontrados 86 artigos e selecionados 13. Foram incluídos artigos que cumulativamente versavam sobre dor crônica, representavam pesquisa original de natureza clínica e analisavam o impacto da pandemia do COVID-19 na gestão da dor crônica. A preferência foi dada a estudos com participantes com idade igual ou superior a 65 anos. Também foram analisados estudos realizados em adultos sem menção de idade no âmbito do impacto da pandemia do COVID-19 sobre os aspetos que infuenciam a dor crônica e a sua gestão. Apenas um artigo estudou exclusivamente a população idosa.

RESULTADOS:

A pandemia afetou: i) aumento da intensidade da dor (n=10), alterações no seu tratamento farmacológico e não farmacológico (n=3) e a sua gestão, isto é, a adaptação dos profissionais de saúde e dos doentes (n=1); ii) negativamente a saúde mental: sintomas de estresse e ansiedade/depressão (n=9), distresse psicológico (n=4), isolamento social/solidão (n=6); iii) estilos de vida: atividade física (n=4), qualidade do sono (n=4) e desempenho físico (n=5); iv) redução da qualidade de vida (n=5). Apesar dos resultados heterogêneos, verificou-se o agravamento da dor e saúde mental, alteração dos estilos e qualidade de vida, disrupção dos serviços médicos.

CONCLUSÃO:

As restrições impostas pela pandemia afetaram vários domínios da dor em curto prazo. A telemedicina surgiu como uma solução adotada, não podendo descurar os entraves na população idosa, como a falta de literacia digital e falta de equipamentos tecnológicos. O desconhecimento do impacto específico da COVID-19 na dor da população idosa sugere mais investigação que incida sobre as consequências em longo prazo, assim como as soluções a adotar de modo a conter lesões ou disfunções nesta população vulnerável.

DESTAQUES

• Agravamento da dor e saúde mental, alteração dos estilos e diminuição da qualidade de vida. A disrupção dos serviços médicos gerados pelo período pandêmico reforça a necessidade de uma abordagem holística e individual na assistência de saúde.

• Impacto da pandemia na gestão da dor crônica foi pouco explorado em pessoas idosas.

• Necessidade de mais investigações que incidam sobre as consequências em longo prazo, assim como as soluções a adotar de modo a conter lesões ou disfunções nesta população vulnerável.

INTRODUÇÃO

A dor crônica (DC) não oncológica é o resultado de um processo fisiopatológico que persiste além da aparente cicatrização da lesão que a originou, com duração superior a 3 meses¹. A dor não faz parte do envelhecimento normal, embora muitas vezes seja aceita por idosos como parte do processo fisiológico e, portanto, não seja relatada². Considerado um problema de saúde pública, a DC afeta de 20% a 35% da população mundial¹,³.

Em Portugal, a prevalência de DC na população adulta é de 37%, de acordo com a definição da Associação Internacional para o Estudo da Dor⁴. A DC está significativamente associada às variáveis demográficas, especialmente idade, e a população idosa é um dos grupos mais vulneráveis⁴. Um estudo recente português revelou que: i) a DC afeta 34% dos indivíduos acompanhados na Atenção Primária à Saúde; ii) mais de 46% das pessoas com DC têm mais de 65 anos; iii) mais de 95% dos pacientes são subtratados⁵.

Os pacientes com DC têm a maior taxa global de morbidade, com anos de vida perdidos por problemas de saúde, incapacidade ou morte precoce². A qualidade de vida (QV) da população com DC está comprometida devido a inúmeros fatores, incluindo limitação de atividades de vida diária e isolamento social, diminuição da socialização e capacidade funcional, distúrbios do sono e transtornos psiquiátricos, como altos níveis de ansiedade, depressão e vulnerabilidade ao estresse¹, ⁶,⁹.

A gestão dos pacientes com DC desponta como prioridade na prestação e humanização da atenção à saúde⁶. Existem diretrizes técnicas sobre o controle da DC em idosos¹⁰, que recomendam uma abordagem terapêutica multidisciplinar, exigindo – por meio da medicina integrativa – uma avaliação multidimensional e gestão holística⁷,¹¹. O tratamento da dor é um direito humano fundamental, sendo a gestão adequada da DC uma premissa para a concretização desse direito¹²,¹³.

Em 11 de março de 2020, a COVID-19 foi declarada pela Organização Mundial da Saúde como uma pandemia. Foram priorizadas consultas médicas emergentes e urgentes, enquanto os serviços eletivos e o acesso à saúde não urgente foram adiados. Serviços sociais não essenciais também foram suspensos⁶,¹⁴. Em relação à gestão da DC, verificou-se que o atendimento na maioria dos serviços especializados foi considerado não urgente e não emergente, e as consultas de acompanhamento e intervenções médicas foram adiadas ou desmarcadas⁶,⁷,¹⁵, ¹⁶, ¹⁷.

No contexto da prestação de cuidados de saúde, houve redistribuição dos recursos materiais, hospitalares e humanos disponíveis para unidades de emergência, cuidados intensivos e áreas dedicadas à COVID-19, reduzindo a acessibilidade, com impacto especial em pacientes não infectados pela COVID-19, e aumento do tempo de espera para atendimento⁶,⁷,¹⁴,¹⁶. O impacto da pandemia na DC foi pouco explorado, especialmente no caso dos adultos idosos.

Este estudo teve como objetivo analisar o impacto da pandemia do COVID-19 na dor dos idosos em quatro aspetos: 1) intensidade, tratamento e gestão da dor; 2) saúde mental; 3) estilo de vida; e 4) qualidade de vida.

MÉTODOS

Os critérios do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses e o diagrama de fluxo foram essenciais à orientação do processo¹⁸. A pesquisa foi realizada até 19 de janeiro de 2022 nas bases de dados eletrônicas Medline (Pubmed), Scopus e Scielo com os seguintes termos:

• • Conceito 1: (“chronic pain” [tw] OR “total pain” [tw] OR “chronic non cancer pain” [tw] OR “chronic pain”[Mesh] OR “pain management”[Mesh] OR “non oncological pain” [tw]);

• • Conceito 2: (“elderly people” [tw] OR “old people” [tw] OR “aged” [Mesh]);

• • Conceito 3: (“covid-19” [tw] OR “Sars-cov-2” [tw] OR “COVID-19”[Mesh].

Foram incluídos artigos que cumulativamente versavam sobre DC, representavam pesquisa original de natureza clínica e analisaram o impacto da pandemia do COVID-19 na gestão da DC. A preferência foi dada a estudos com participantes com idade igual ou superior a 65 anos. Também foram analisados estudos realizados em adultos, sem menção de idade, no âmbito do impacto da pandemia do COVID-19 sobre os aspetos que infuenciam a DC e a sua gestão.

Foram excluídos artigos relacionados à idade pediátrica e à infeção ativa da COVID-19. Foram selecionados 86 artigos e analisados 13 artigos na íntegra. Estes artigos foram cuidadosamente sistematizados na extração de dados (Figura 1).

Figura 1
Diagrama do processo de seleção dos artigos.

A maioria dos estudos provém da Europa (n=8), principalmente do Reino Unido e Espanha. Da América do Norte provêm quatro estudos e a Ásia está representada por um estudo japonês. A maior amostra (n=25482) foi congregada no Japão¹⁹ e a mais reduzida na Suíça (n=61)²⁰.

A média de idade variou de 43,98±13,38²¹ a 81,50±5,60 anos²². Realça-se que os autores²² foram os únicos que estudaram isoladamente a população com 65 anos ou mais. A amplitude dos intervalos de idade variou de 15 anos (mínimo) no estudo japonês¹⁹ a 96 anos (máximo) no estudo inglês²³.

A variável mais avaliada foi intensidade da dor (n=10), bem como o seu tratamento farmacológico e não farmacológico (n=3) e a gestão da dor (n=1). Também foi avaliado o impacto da pandemia do COVID-19 na saúde mental, mais especificamente: sintomas de estresse, ansiedade ou depressão (n=9); distresse psicológico (n=4); isolamento social e solidão (n=6). O impacto da pandemia no estilo de vida foi abordado relativamente a: nível de atividade física (n=4); qualidade do sono (n=4); e desempenho físico (n=5). O impacto da pandemia na QV foi considerado em cinco estudos (Tabela 1).

Tabela 1
Estudos sobre o impacto da pandemia de COVID-19 na dor crônica em idosos (n=13)

Autor; (País do estudo)	Seleção dos participantes	Tamanho da amostra; sexo predominante; Idade média (DP); [intervalos da idade]	Tipo de estudo; duração do estudo	Objetivos principais	Principais aspectos encontrados
Yamada et al.19 (Japão)	Sujeitos registados numa agência de inquéritos.	n= 25482; Feminino: 50.27%; 48.80 (17.30) anos; [15-79] anos.	Transversal; inquérito online; de 25/08/2020 a 30/09/2020.	Investigar a associação entre solidão, isolamento social e dor (cabeça, pescoço, ombro, membro superior, lombar e pernas), após as restrições impostas pela pandemia do COVID-19.	Verificou-se uma associação positiva entre solidão/percepção de isolamento social e: incidência de dor; intensidade da dor e prevalência de DC. Realçou-se a possibilidade de outras consequências, como distresse psicológico e sintomatologia depressiva.
Harnik et al.20 (Suíça)	Pacientes seguidos numa Clínica de Dor.	n= 61; Feminino: 57.40%; 56.89 (16.16) anos; [ND-ND] anos.	Questionário telefônico; de 31/03/2020 a 30/07/2020	Avaliar a aceitação da telemedicina pelos pacientes durante a pandemia do COVID-19 e examinar a correlação dessa aceitação com a intensidade da dor e a ansiedade.	O nível médio de aceitação da telemedicina foi de 6.25 (de 0 a 10). A aceitação da telemedicina correlacionava-se: 1) negativamente com o nível médio atual de dor, as preocupações e o medo de COVID-19; 2) positivamente com o estado geral das pessoas.
García-Esquinas et al.22 (Espanha)	Participantes de quatro coortes de pessoas idosas residentes na comunidade.	n= 3041; Feminino: 57.70%; de 69.90 (8.00) a 81.50 (5.60) anos; [65-ND] anos.	Entrevista facial e telefônica; de 27/04/2020 a 22/06/2020	Identificar as alterações nos estilos de vida, saúde física e mental entre as pessoas idosas, entre a sétima e a décima quinta semana após o início do confinamento pela pandemia do COVID-19.	Houve redução da atividade física e aumento do sedentarismo, que reverteram após o fim do confinamento. Registou-se agravamento da DC e declínio moderado na saúde mental, que se mantiveram após o fim das restrições. Durante a pandemia, o risco de ter estilos de vida menos saudáveis ou pior saúde mental era superior em homens e pessoas com: mais comorbidades; isolamento social ou sentimentos de solidão; piores condições de habitabilidade.
Macfarlane et al.23 (Inglaterra)	Registos epidemiológicos de pessoas com espondiloartrite axial ou artrite psoriática e participantes num ensaio que tinham dor regional e risco de DC.	n=1054 (477 com ≥56-74 anos, 125 com ≥75 anos); Masculino: 55.00%; 59.00 (ND) anos; [18-96] anos.	Questionário; de 06/2020 a 12/2020	Quantificar a mudança na QV, nos indicadores específicos de doença, na saúde e nos estilos de vida antes e durante a pandemia do COVID-19 em indivíduos com sintomas e doenças músculo-esqueléticas.	Houve uma diminuição significativa da QV, aumento dos sintomas de fibromialgia e redução das perturbações do sono. Houve um efeito deletério na QV devido à intensidade da dor e ao impacto na saúde mental. Houve aumento da ansiedade nos pacientes com artrite psoriática.
Lassen et al.24 (Alemanha)	Pacientes com consulta marcada num centro terciário multidisciplinar de dor.	n= 112; Feminino: 68.75%; 55.00 (13.10) anos; [ND-ND] anos.	Observacional, baseado em questionário; de 05/05/2020 a 17/07/2020	Infuência, a curto prazo, da pandemia do COVID-19 em pacientes com DC.	Cerca de 73% dos pacientes tinha agravamento da intensidade da dor. A dimensão das “relações sociais” foi a mais afetada na experiência dolorosa. Não foram detectados parâmetros demográficos e médicos clinicamente relevantes associados ao impacto da pandemia do COVID-19.
Fallon et al.25 (Inglaterra)	Através de divulgação online.	n= 519; Feminino: 90.56%; 43.98 (13.38) anos; [18-79] anos.	Questionário eletrônico; de 17/04/2020 a 12/05/2020	Investigar como as restrições da COVID-19 afetaram os indivíduos com DC, em comparação com um grupo controle saudável.	Os pacientes com DC tiveram agravamento da dor e mostraram mais solidão, ansiedade e humor deprimido, e apresentaram redução do exercício físico. A percepção do aumento da dor estava relacionada com a percepção de redução do exercício físico. A catastrofzação da dor estava relacionada com a autopercepção da intensidade da dor, mediando a relação entre a redução do humor e a dor.
Pagé et al.26 (Canadá)	Através de associações de pacientes, organizações de dor, redes de investigação e meios de comunicação social.	n= 3159 (205 com ≥70 anos); Feminino: 83.50%; 49.70 (ND) anos; [18-ND] anos.	Inquérito online; de 16/04/2020 a 31/05/2020	Investigar os fatores associados às alterações da dor e do distresse psicológico em pessoas com DC durante a pandemia do COVID-19.	Cerca de 47% tinha DC há >10 anos. O aumento da intensidade da dor estava associado a modificações nos tratamentos (farmacológicos ou não). O distresse psicológico encontrava-se associado a: emoções negativas relacionadas com a pandemia; níveis elevados de percepção global de stress; níveis elevados de stress relacionados com a saúde e à insegurança dos indivíduos. Nos mais idosos, a pioria da dor e o distresse psicológico eram menos prevalentes.
Licciardone26 (EUA)	Através de “Pain Registry for Epidemiological, Clinical, and Interventional Studies and Innovation”.	n= 476 (158 com ≥61 anos); Feminino: 73.30%; 54.00 (13.20) anos; [22-81] anos.	Longitudinal prospectivo, observacional; de 12/2019-03/2020 a 06/2020-09/2020	Medir as alterações verificadas na utilização de tratamentos (não farmacológicos e farmacológicos) e desfechos associados em pacientes com lombalgia crônica durante os primeiros seis meses da pandemia da COVID-19.	Globalmente, a diminuição da utilização dos tratamentos para a lombalgia crônica não afetou negativamente a dor nem os resultados funcionais durante os primeiros 6 meses da pandemia.
Licciardone27 (EUA)	Através de “Pain Registry for Epidemiological, Clinical, and Interventional Studies and Innovation”.	n= 528; Feminino: 74.1%; 53.90 (13.00) anos; [ND-ND] anos.	Longitudinal prospectivo, observacional; de 10-14 semanas entre o período pré e pós pandemia	Determinar se o acesso limitado aos cuidados de saúde durante a pandemia da COVID-19 teve impacto na utilização de tratamentos (não farmacológicos, anti-inflamatórios não esteroides e opioides) e afetou a intensidade da dor e a incapacidade física em pacientes com lombalgia crônica.	Globalmente, as pontuações médias de alteração da intensidade da dor e da incapacidade física, antes e depois da pandemia do COVID-19, não foram significativas. Houve impacto da pandemia na acessibilidade aos tratamentos não farmacológicos, especialmente pela população idosa.
Consonni et al.30 (Itália)	Pacientes com enxaqueca crônica, neuropatia de pequenas fibras e seus familiares saudáveis, seguidos numa consulta externa.	n= 80 (neuropatia-25, enxaqueca- 42, saudáveis- 13); Feminino: 65%; 55,84 (13,10), 49,00 (10,30) e 52,67 (17,30) anos, respetivamente: neuropatia, enxaqueca e familiares saudáveis. [ND-ND] anos.	Questionário (e-mail, telefone ou presencial); de 02/05/2020 a 11/06/2020	Investigar o impacto do distresse associado à pandemia do COVID-19 em pacientes com DC, nomeadamente os efeitos na saúde física e psicológica das mudanças de hábitos individuais e da reconfiguração dos cuidados de saúde.	Os indivíduos com doença tinham menor QV, menos saúde física e uma atitude mais catastrófica em relação à dor do que as pessoas saudáveis. Durante a pandemia, os pacientes com neuropatia referiram maior declínio dos sintomas clínicos, preocupações com o contágio e desconforto com as mudanças na gestão da doença/DC do que os indivíduos com enxaqueca. Os resultados destacaram a variabilidade individual e a infuência do estado psicológico na resposta à pandemia do COVID-19.
Nieto et al.31 (Espanha)	Através de: redes sociais dos investigadores, canais de redes sociais, e-mail massivo, associações de pacientes, associações regionais de DC.	n= 502 (12.40% com >60 anos); Feminino: 88.00%; ND (ND) anos; [18-89] anos.	Transversal; inquérito online, de 27/04/2020 a 25/05/2020	Perceber o impacto das restrições impostas pela pandemia do COVID-19 em pacientes com DC, analisar as mudanças globais na sua saúde, e explorar as mudanças nas estratégias de coping usadas na dor.	Durante a pandemia houve um agravamento do distresse emocional, perturbações do sono e interferência da dor nas atividades físicas. Houve melhoria ou manutenção do apoio recebido por outrem. Os indivíduos que viviam com alguém em situação de dependência tiveram resultados significativamente piores na saúde (geral), capacidade física e atividades sociais.
Steptoe33 (Inglaterra)	Através do “English Longitudinal Study of Ageing”.	n= 4887; Feminino: 56,90%; 72,13 (8,00) anos; [52-ND] anos.	Longitudinal, de coorte; de 03/06/2020 a 26/07/2020	Avaliar a experiência emocional e social de pessoas idosas com incapacidade física durante os primeiros meses da pandemia do COVID-19.	Cerca de 41,53% dos participantes sofriam de DC. Durante a pandemia do COVID-19, de forma significativa, as pessoas com incapacidade prévia na realização das atividades de vida diária tiveram mais sintomas de depressão e ansiedade, mais perturbações do sono, pior QV e mais percepção de solidão. As pessoas com déficit de mobilidade tiveram menos contatos sociais com as suas famílias.
Polenick et al.34 (EUA)	Através de bases de dados (The Healthier Black Elders Center Participant Resource Pool of African American” e Universidade de Michigan), contatos dos investigadores, redes sociais.	n= 701; Feminino: 73,60%; 64,57 (08,84) anos; [50-94] anos.	Transversal; inquérito online; de 14/05/2020 a 09/07/2020	Estudar os fatores associados à solidão durante a pandemia do COVID-19 em adultos com doenças crônicas e com ≥50 anos.	Vários pacientes com artrite crônica (60,9%), DC (34,7%) e osteoporose (19,5%). Verificou-se associação positiva entre a solidão e: sintomas de ansiedade e limitações funcionais. Notou-se que o apoio emocional era um fator protetor de sentimentos de solidão.

• DC = dor crônica; DP = desvio padrão; ND = não disponível; QV = qualidade de vida.

IMPACTO DA PANDEMIA DE COVID-19 NA INTENSIDADE, TRATAMENTO E GESTÃO DA DOR

Intensidade da dor

A maioria dos estudos identificou alterações negativas em relação à dor.

Estudo²⁴ relatou aumento da intensidade de dor e da incapacidade relacionada ao considerado nível basal de dor antes da pandemia do COVID-19 em 73% dos pacientes. Outro estudo²¹ relatou aumento autopercebido da intensidade da dor. Autores²⁶ mostraram que a intensidade de dor aumentou em 69% dos pacientes²⁶. A piora da dor foi mais relatada em indivíduos com emprego, mais percepção do risco pandêmico, estresse e com alterações dos tratamentos da DC (farmacológicos, físicos, psicológicos)²⁵.

Verificaram-se correlações diretas de moderadas a intensas entre intensidade de dor e variáveis, como preocupações frequentes, medo de um tratamento inadequado da dor no futuro, medo de descontrole da dor e crença de uma deterioração futura do estado geral²⁰. A correlação positiva mais forte foi encontrada quanto ao estado geral²¹.

Os participantes brancos relataram melhora da intensidade de dor lombar em comparação a indivíduos afro-americanos durante os primeiros seis meses da pandemia. Os resultados piores foram observados, de forma menos consistente, na intensidade da dor com o aumento da idade, não se mostrando correlação entre a piora da dor e a idade²⁷.

Durante a pandemia de COVID-19, houve aumento da dor em pacientes com neuropatia de pequenas fibras²⁸.

Os autores³¹ referiram aumento da intensidade de dor relacionado com as mudanças ocorridas na forma de gestão e tratamento da DC, isto é, na forma como a dor se manifestava e sua gestão, quer na autogestão, quer alterações das prestações dos cuidados de saúde.

Tratamento da dor (farmacológico ou não)

Os resultados relativos à abordagem farmacológica foram contraditórios.

Durante a pandemia, houve aumento do consumo de fármacos (46.7%) nos pacientes com dor²⁹. Um estudo mostrou redução do uso de anti-infamatórios não esteroidais que esteve associada a aumento da intensidade de dor lombar²⁶,²⁷. O incremento da idade foi associado ao aumento do uso de opioides durante a pandemia²⁷. Houve redução significativa da utilização de medidas não farmacológicas, nomeadamente fisioterapia, massagem terapêutica e manipulação da coluna vertebral por um período de seis meses da pandemia do COVID-19²⁶,²⁷. Os participantes afro-americanos relataram diminuição do uso de yoga e manipulação da coluna vertebral²⁷. O aumento da idade foi associado a diminuição da utilização de todos os tratamentos não farmacológicos, exceto o tratamento fisioterapêutico²⁷.

Gestão da dor

Estudo²⁰ encontrou associação negativa entre aceitação da telemedicina e a intensidade da dor, indicando que os pacientes foram intensamente sobrecarregados pelas restrições impostas pela pandemia de COVID-19 ao tratamento da dor. Evidencia-se ainda que aqueles que mais sofrem com a DC podem ser os mais afetados pelas restrições impostas e a telemedicina pode não ser suficiente na sua gestão²⁰.

IMPACTO DA PANDEMIA DO COVID-19 NA SAÚDE MENTAL

Sintomas de estresse, ansiedade e depressão

Durante a pandemia, houve deterioração do estado psicológico dos indivíduos, ainda que em curto prazo, com aumento dos sintomas de ansiedade e depressão²¹,²³. Importa realçar que nenhum dos estudos analisou o impacto da pandemia em longo prazo. As pessoas com incapacidade prévia na realização das atividades de vida diária tiveram mais sintomas clínicos de depressão e ansiedade do que pessoas sem incapacidades³⁰.

Para os pacientes, a tristeza podia ser um gatilho da dor, assim como preocupações com o futuro, medo de ser infectado, sentimento de insegurança e pensamentos negativos³¹. Mais preocupações, quer gerais, quer sobre o desenvolvimento futuro da dor, foram associadas a maior intensidade de dor²⁹. O medo de ter uma infeção grave por coronavírus teve correlação positiva moderada com o medo de descontrole da dor²⁰.

Os pacientes tiveram aumento do estresse e das emoções negativas durante a pandemia, os quais estavam associados ao agravamento da dor²⁵. Os autores²² ressalvaram que o declínio moderado da saúde mental dos idosos ocorria sobretudo nos indivíduos que viviam sozinhos, tinham limitações funcionais ou distúrbio cognitivo²².

O estudo³⁰ verificou que as reações psicológicas negativas eram comuns. Os pacientes com enxaqueca crônica queixavam-se de agitação e ansiedade que estavam associadas a sentimentos de solidão, humor depressivo e catastrofismo²⁸. Durante a pandemia do COVID-19, a ansiedade esteve mais presente nos casos de solidão³¹ e se correlacionou negativamente com a aceitação da telemedicina²⁰.

Distresse psicológico

O distresse psicológico atuava como um dos gatilhos da intensidade de dor²⁹. Verificou-se que os pacientes com enxaqueca crônica tinham mais distresse psicológico do que aqueles com neuropatia de pequenas fibras²⁸.

Os autores²⁶ relataram níveis de distresse psicológico de moderados a graves em 43,2% da amostra²⁶. Este distresse estava mais associado a emoções negativas relacionadas com a pandemia, níveis elevados de percepção de estresse em nível global, níveis elevados de estresse relacionados com a saúde e insegurança dos indivíduos²⁶. Estes autores perceberam que os idosos tinham menos probabilidade de relatar o seu distresse psicológico²⁵. Os idosos com incapacidade física estavam mais suscetíveis a sofrer de distresse psicológico³⁰.

Isolamento social e solidão

A maioria dos pacientes queixou-se de sentimentos de solidão durante a pandemia²¹. Para os pacientes, a solidão poderia agir como um gatilho da dor²⁹. Houve uma associação positiva entre percepção de solidão e intensidade da dor¹⁹. Os autores³⁰ verificaram sentimentos de solidão em pacientes com enxaqueca crônica²⁸. A duração da dor estava negativamente associada à redução do suporte social recebido²⁹. Durante a pandemia de COVID-19, pessoas com incapacidade prévia na realização das atividades de vida diária tiveram mais percepção de solidão do que pessoas sem incapacidades³⁰. Também se constatou que as pessoas com desordem de mobilidade tiveram menos contatos sociais (reais e escritos) com as suas famílias do que pessoas sem distúrbio³⁰.

Autores³¹ relataram que 66,4% da amostra tinha solidão moderada a grave, a qual cursava com preocupações com uma possível infeção por COVID-19 e com tensões financeiras por causa da pandemia³¹.

IMPACTO DA PANDEMIA DO COVID-19 NO ESTILO DE VIDA

Atividade física

A dor teve um efeito significativamente maior na atividade física, levando à sua diminuição, dos pacientes que tinham uma pessoa próxima recentemente falecida por COVID-19²⁹. A alteração do estilo de vida mais importante durante a pandemia de COVID-19 foi a redução da atividade física, com probabilidade de reversão após o fim do isolamento²², ²⁵. Para os pacientes, o sedentarismo podia atuar como um gatilho da dor²¹. Os autores³¹ relataram que 55% da amostra relatou alterações na forma de lidar com a sua dor, existindo aumento do tempo de descanso e da prática de alongamentos³¹.

O estudo²³ obteve resultados heterogêneos no que se refere ao impacto da pandemia do COVID-19 na atividade física²³.

Qualidade do sono

Um dos estudos verificou que durante a pandemia de COVID-19 a qualidade do sono se deteriorou²².O oposto foi encontrado pelos autores²³. Apesar desta discrepância não ter sido analisada, pode estar relacionada com a variabilidade interindividual e aumento do tempo livre, bem como do tempo passado em casa.

Os distúrbios do sono foram observados pelos pacientes como um gatilho da dor²⁹. Durante a pandemia de COVID-19, as pessoas com incapacidade prévia na realização das atividades de vida diária tiveram mais perturbações do sono do que pessoas sem incapacidades³⁰.

Desempenho físico

Neste contexto, os estudos apresentaram resultados contraditórios. Dois estudos verificaram que o aumento da intensidade de dor interferiu na capacidade física dos pacientes durante a pandemia²⁶,²⁹, diferentemente do estudo²⁹. Contudo, há que mencionar que os participantes afro-americanos e mulheres relataram piores desfechos de incapacidade durante a pandemia²⁷.

Os indivíduos com maior comprometimento da mobilidade tinham piores resultados relativos à saúde mental³⁰. O estudo³⁰ relatou que os pacientes com neuropatia de pequenas fibras apresentavam mais incapacidade física do que os com migrânea crônica, quando comparadas estas mesmas populações no mesmo estudo. No grupo da neuropatia de pequenas fibras, os níveis mais elevados de incapacidade física estavam associados às alterações na prestação de cuidados de saúde devido às restrições impostas pela pandemia e da relação neurologista-paciente²⁸.

IMPACTO DA PANDEMIA DO COVID-19 NA QUALIDADE DE VIDA

Durante a pandemia do COVID-19, houve diminuição da QV²³. O estudo²⁹ verificou diminuição da QV em praticamente todos os parâmetros analisados²⁷. Os autores³⁰ destacaram que os participantes com migrânea crônica tinham prejuízo na QV²⁸. As pessoas com incapacidade prévia na realização das atividades de vida diária tiveram pior QV do que pessoas sem incapacidades³⁰.

Apenas os autores²⁴ não estabeleceram uma alteração significativa da QV dos indivíduos, sendo esta semelhante à situação pré-pandemia²⁴.

Na pandemia do COVID-19, nesta revisão de 13 estudos sobre DC, houve aumento generalizado da intensidade da dor, apesar dos resultados não serem homogêneos.

Constatou-se uma relação bidirecional entre a dor e os problemas de saúde mental. Os pacientes com DC apresentam níveis mais elevados de ansiedade e de depressão⁹,¹¹,³³. Estes sintomas são relevantes, pois contribuem para exacerbação da intensidade da dor e da sua incapacidade¹⁹,³³,³⁴.

Durante a pandemia do COVID-19, os períodos de estresse, tensão e incerteza cursaram com um agravamento generalizado da ansiedade e da depressão¹⁹, ²⁰, ²¹, ²², ²³, ²⁴, ²⁵, ²⁶, ²⁷, ²⁸, ²⁹,³². Um dos estudos que confirmou a relação foi realizado em pacientes incapacitados, e tal deve ser tido em conta na gestão holística da dor em populações idosas³⁰,³⁵.

A prevalência da dor, bem como da incapacidade, aumenta com a idade³⁶. Cerca de um terço dos adultos acima de 60 anos nos países desenvolvidos vive com incapacidade³⁰. Os idosos com incapacidade física têm mais sintomas de depressão, ansiedade e perturbações do sono, redução do contato social, mais solidão, menor satisfação e propósito em viver e menor QV³⁰. Durante a pandemia do COVID-19, houve diminuição significativa da QV²², ²³, ²⁴,²⁶, ²⁷, ²⁸,³⁷,³⁸.

A presença de DC e as comorbilidades do foro? mental aumentam, por si só, o risco de isolamento social. Uma rede de recursos sociais reduzida, com implicações na intensidade e interferência da dor, contribui para a vulnerabilidade da população idosa¹,¹⁶. O aumento do isolamento social e da solidão estão associados a redução da QV e a distúrbios físicos e psicológicos, o que pode agravar a DC¹⁹,²¹,²⁸,³⁰, ³¹, ³².

Existe uma interação dinâmica e bidirecional entre a dor e o sono. Por um lado, a DC pode causar perturbações do sono, por outro lado, as perturbações do sono podem reduzir os limiares de dor, com consequências graves nomeadamente a intensificação da dor⁷,⁸,³⁹. Durante a pandemia, verificaram-se resultados contraditórios no que se refere à qualidade do sono, ainda que avaliada apenas em curto prazo, não sendo ainda possível inferir o seu verdadeiro impacto²²,²³,²⁹,³⁰,³².

A análise da interferência da dor nas atividades de vida diária evidencia que indivíduos mais idosos com incapacidade física estão particularmente suscetíveis ao risco de sofrer de distresse psicológico²⁵,²⁸, ²⁹, ³⁰. Este sintoma também é destacado como uma resposta à ameaça existencial da pandemia, o que pode alterar a percepção de dor por parte de um indivíduo⁸,²⁵,⁴⁰.

Durante a pandemia do COVID-19, nos artigos analisados não está descrito um aumento significativo da toma de analgésicos; no entanto, destacou-se a preocupação com a disponibilidade e acesso aos fármacos, bem como o aumento do uso de opioides com o aumento da idade nos estudos²⁰,²⁶,²⁷,³²,⁴¹, ⁴³, ⁴⁴.

Enquanto parte integral do tratamento interdisciplinar e multimodal da DC, a abordagem não farmacológica deve incluir programas educativos e de exercícios com impacto no controle subjetivo da dor²⁵,⁴⁵, ⁴⁶, ⁴⁷. Importa realçar que os estudos evidenciam a desmarcação acentuada das consultas presenciais e dos procedimentos clínicos, apesar de não ter sido mostrado o seu impacto na deterioração da dor em curto prazo²⁰,²⁶,²⁷,⁴¹. Na verdade, salienta-se que é pouco provável que a DC entre em remissão por si só³³.

Uma das soluções adotadas face às restrições impostas pela pandemia foi a utilização da telemedicina²⁰,²⁹,⁴¹,⁴⁵. No entanto, na população mais idosa, o baixo letramento digital, a falta de acesso à internet e a escassez de equipamentos tecnológicos foram alguns dos entraves que se destacaram, o que poderá ter prejudicado a tentativa de tratamento da DC nestas populações em risco⁴⁸,⁴⁹. Além disso, a falta de contacto físico e emocional com os profissionais de saúde, bem como a falta de acolhimento e de envolvimento relacionais, podem ter contribuído para o agravamento da intensidade de dor, colocando em risco a humanização dos cuidados médicos.

Esta revisão apresenta várias limitações. Foram utilizadas apenas três bases de dados, como referido nos métodos, o que pode limitar a pesquisa apresentada. A maioria dos estudos tem metodologias heterogêneas e tomou partido dos inquéritos online face às restrições da pandemia do COVID-19. Apenas um estudo agremiou unicamente pessoas ≥65 anos²². Foram incluídos outros estudos relativos a populações não idosas; porém devido a sua grande amplitude etária e menção de população idosa foram considerados úteis na compreensão do impacto da pandemia do COVID-19 no funcionamento psicológico e na dor e utilizados os dados desta faixa etária.

A maioria dos estudos analisados avaliou o impacto da pandemia em curto prazo, urgindo a necessidade de outros estudos, com temporalidade alargada, que permitam a avaliação do verdadeiro impacto das restrições da pandemia do COVID-19 em pacientes com DC. Além disso, grande parte dos estudos obteve os seus participantes por via online, o que pode constituir um viés de seleção, deixando de fora os indivíduos mais idosos, mais vulneráveis, com estado socioeconômico mais baixo ou residentes em áreas rurais sem internet³⁷,⁵⁰,⁵¹.

O impacto da pandemia do COVID-19 pode ser muito mais grave, pois há possivelmente muitos pacientes com DC e outras doenças específicas que não participam nos estudos incluídos e, assim, não se encontram representados neste artigo. É o caso das pessoas muito idosas, indivíduos dependentes de terceiros, pessoas mais vulneráveis, que se encontram em estruturas residenciais, hospitais psiquiátricos, prisões etc. onde certamente o impacto da pandemia foi também grave e por isso carece de mais investigação²,⁵¹. Urge a necessidade de intervenção junto das populações idosas com DC e mais investigações que: i) analisem as consequências em longo prazo da DC, quer numa situação pós-pandêmica, quer no âmbito do COVID-longa; e ii) estudem as soluções a serem adotadas de forma a abordar os danos documentados.

CONCLUSÃO

As restrições impostas pela pandemia do COVID-19 associaram-se a consequências nocivas em curto prazo em vários domínios da DC, afetando negativamente: intensidade, tratamento e gestão da dor; saúde mental; estilos de vida; e QV. Esta revisão mostrou que o impacto da pandemia na gestão da DC foi pouco explorado em pessoas idosas, mormente as mais vulneráveis, com déficits físicos e/ ou cognitivos, residentes em instituições. etc.

• Fontes de fomento: não há.

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Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  21 Nov 2022
• Data do Fascículo
  Jul-Sep 2022

Histórico

• Recebido
  10 Mar 2021
• Aceito
  24 Ago 2022