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Princípios da Ciência Aberta no BrJP e o estado da arte de outros periódicos científicos sobre dor

Apesar de não ser recente, os princípios da ciência aberta ainda representam uma quebra de paradigma à divulgação científica. O convite da Ciência Aberta nos transporta de um processo de publicação fechado para uma perspectiva da avaliação como um processo mais transparente, corresponsabilidade e o incentivo a publicar antes de avaliar. A Ciência Aberta tem sua abordagem fundamentada nos princípios IDEIA: Impacto, Diversidade, Equidade, Inclusão e Acessibilidade11 SciELO Declaração em Apoio à Ciência Aberta com IDEIA. https://25.scielo.org/declaracao-ideia/ [Acesso em 10 outubro 2023].
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, ao contrário do processo de publicação fechado e privado, com avaliação dos pares de forma cega, longos períodos de espera para publicação de trabalhos inéditos (em torno de 6 a 12 meses no processo de avaliação), além de muitas vezes os artigos estarem disponíveis ao acesso exclusivo a assinantes e/ou comercializados.

A Ciência é compreendida como um empreendimento da humanidade que coopera através do estudo objetivo de fenômenos e compartilha resultados de descobertas avaliados por pares para fornecer reflexões sistemáticas e oportunidade de utilizar esses resultados em prol da natureza, da sociedade. A Ciência Aberta acrescenta o acesso à pesquisa (acesso livre online das publicações científicas) pela publicação dos dados brutos (transparência dos dados e análises), permite discussão entre os autores e os pares no processo de avaliação não cegado e acelera o acesso a pesquisas inéditas pela publicação em plataformas de preprint, com todas estas etapas agregando valor ao artigo final publicado em um periódico científico.

Para compreender a Ciência Aberta é preciso ir além de sua definição e de seus objetivos22 Fio Cruz Campus Virtual. Panorama histórico da Ciência Aberta. Formação modular sobre ciência aberta. Série 1/Curso 2. Link https://cursos.campusvirtual.fiocruz.br/ [Acesso em 10 outubro 2023].
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. O movimento ganhou força internacionalmente em 2016, pelo resultado de programas e articulações entre a comunidade científica, organismos financiadores, políticas públicas e planos estratégicos governamentais incentivando sua implementação. Em 2014, a União Europeia lança um programa de investimento pela Ciência Aberta, transferindo ideias inovadoras dos laboratórios à comunidade. A coalizão de agências de fomento, em 2018, com lançamento do Plano S33 Plan S. Making full and immediate Open Access a reality. https://www.coalition-s.org/ [Acesso em 10 outubro 2023]
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, que tinha como objetivo de até 2020 disponibilizar em plataformas de Acesso Aberto as publicações científicas resultantes de pesquisas financiadas por subvenções públicas, ainda não é uma realidade em 2023. Em busca de fomentar e fortalecer o movimento, em 2021, a recomendação da UNESCO44 UNESCO. Ciencia aberta Unesco. 2022. https://doi.org/10.54677/XFFX3334. Link: http://www.unesdoc.unesco.org/in/rest/annotationSVC/DownloadWatermarkedAttachment/attach_import_b0511667-6e00-4d64-8b8c-16f192bd25c3?_=379949por.pdf&to=36&from=1 [Acesso em 10 outubro 2023].
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pela Ciência Aberta é aprovada pelos governos de 193 países, entre as recomendações está a defesa de pesquisas financiadas com fundos públicos que respeitem os princípios e os valores fundamentais da Ciência Aberta.

Os periódicos científicos também são uma das partes interessadas no processo de transparência da ciência, porém interesses comercias ainda norteiam a divulgação científica. Apesar do incentivo do Plano S33 Plan S. Making full and immediate Open Access a reality. https://www.coalition-s.org/ [Acesso em 10 outubro 2023]
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para migrar progressivamente os periódicos de acesso privado ao acesso livre, em 2023, dos 1600 da editora Wiley apenas oito estão em acesso aberto, e, dos 2200 títulos da editora Elsevier, apenas sete encontram-se em acesso aberto.

Melhorar a transparência e o acesso às publicações sobre estudo e tratamento da dor representa um benefício direto para as gerações futuras tanto de pesquisadores clínicos quanto pacientes. Aumentar a transparência e o acesso às publicações aumenta a difusão da informação e da evidência científica. Entretanto, são raras as publicações em acesso aberto na área da pesquisa sobre o tratamento da dor. Em 2019, um grupo de pesquisadores investigou o posicionamento de jornais de dor sobre a ciência aberta55 Cashin AG, Bagg MK, Richards GC, Toomey E, McAuley JH, Lee H. Limited engagement with transparent and open science standards in the policies of pain journals: a cross-sectional evaluation. BMJ Evid Based Med. 2021;26(6):313-9.. De modo geral, as recomendações ainda eram fracas, e sete entre os dez principais jornais científicos sobre o tema dor abordam alguma recomendação sobre políticas editoriais de Ciência Aberta. É interessante notar que, apesar de defender o acesso aberto, o artigo está publicado em acesso privado.

Para atualizar a situação do acesso às publicações científicas no estudo e tratamento da dor, foi feito um quadro de investigação simples dos dados de alguns periódicos de impacto na mesma área de interesse do BrJP. Na tabela 1, observa-se que, além do acesso limitado, a maioria dos periódicos tem política de Article Processing Charge. Apesar de equivalentes na maioria dos tópicos, há diferenças nas políticas editorias, como o Journal of Pain and Symptom Management (Elseiver) descrevendo-se como um “transformative journal” em vias de migração para acesso livre dentro das políticas do Plano S; o Journal of Pain (Elsevier) adotando os princípios IDEIA e descrevendo-se como pioneiro ao adotar um checklist para autores, revisores e editores com diretrizes para promoção de equidade e transparência; e o European Journal of Pain (Wiler), com sua política editorai estimulando o compartilhamento de dados. Além desses três, o Pain Medicine (Oxford Academic) também declara aceitar publicações depositadas em repositórios de preprints. Apesar do movimento não sistemático de grandes periódicos, observa-se a tendência para adaptações estimuladas por políticas públicas internacionais. Contudo, há ainda alguns periódicos mais conservadores, como o periódico Pain (Wolters Kluter) que declara em seu site não fornecer emblema de Ciência Aberta [PAIN does not provide Open Science Badges].

Tabela 1
Políticas editoriais dos periódicos diante das recomendações da ciência aberta

Dentre os periódicos observados, apenas o BrJP não aplica política de APC, sendo o único a não envolver custos para a publicação do artigo no periódico. O custo para o processo das publicações costuma ser elevado, e são valores pagos pelos autores, por instituições de fomento privadas ou governamentais. Observa-se tendência entre os periódicos com APC para a possibilidade de disponibilizar as publicações em acesso aberto, porém essa escolha geralmente envolve um custo mais elevado aos autores. O critério de APC com custo elevado pode representar um viés significativo de informação em prol de países com mais recurso financeiro/material. Os elevados valores de APC podem ser considerados uma “seleção natural” impactante às publicações de trabalhos científicos de instituições e governos com menor recursos. A barreira financeira (também conhecida como paywall) impede o acesso ao conhecimento, à divulgação científca de grupos com menor financiamento, e, em algumas instâncias, aplica-se duplo pagamento, a partir do qual instituições/governos financiam as taxas de APC para publicação e precisam pagar novamente para disponibilizar à sua comunidade científica o acesso ao periódico. A incidência destes custos em algumas realidades socioeducacionais inviabiliza o próprio processo da pesquisa.

De modo geral, a Ciência Aberta idealiza que publicações e acesso sejam livres de financiamento. De forma realista, a RedeSCIELO discutiu durante o evento de comemoração dos seus 25 anos a importância de recursos financeiros para permitir a a sustentabilidade de alguns periódicos com a publicação da Declaração sobre o uso de Contribuições ao Custeio de Publicações (CCP)66 SciELO. Declaração sobre o uso de Contribuições ao Custeio de Publicações (CCPs) na Rede SciELO. Conferência SciELO 25 anos, São Paulo. Versão preliminar 14 de setembro, 2023. Link: https://25.scielo.org/#26 [Acesso em 10 outubro 2023].
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. No caso específico do BrJP, os autores não pagam para submeter, publicar ou traduzir seus artigos, os custos são um investimento da Sociedade

Brasileira para o Estudo da Dor pela divulgação cientifica de qualidade e acessível sobre os temas de tratamento e estudo da dor.

O BrJP está em processo de atualização pelo emblema da Ciência Aberta, em parceria e orientação da equipe da Rede Scielo. Entre as mudanças, os autores devem preencher e submeter, junto ao manuscrito, o formulário sobre conformidade com a Ciência Aberta. Neste formulário, os autores são solicitados a informar: (a) se o manuscrito é um preprint e, em caso positivo, sua localização; (b) se dados, códigos de programas e outros materiais subjacentes ao texto do manuscrito estão devidamente citados e referenciados; e, (c) se aceitam opções de abertura no processo de avaliação por pares.

Os preprints consistem em uma estratégia para acelerar a divulgação, pois permitem a publicação de manuscritos completos em plataformas seguras, que garantem autoria, antes e em paralelo à submissão a um periódico. Enquanto o manuscrito aguarda as avaliações dos pares do periódico, o manuscrito avança em seu aprimoramento pelas avaliações e comentários recebidos pelos pares diretamente na plataforma de depósito de preprint. Para ser confiável, a plataforma precisa ter sua política de moderação transparente, oferecer DOI aos preprints submetidos, permitir alterações na versão do preprint, comentários e avaliação da comunidade com endosso de pesquisadores e interoperabilidade com outros serviços e plataformas. Serão aceitas somente submissões de trabalhos previamente depositados em plataformas públicas de servidores que atendam essas características de confiabilidade e transparência. Recomenda-se as plataformas públicas Preprints, Scielo Preprints e EmeRI para discussão aberta antes da aprovação e publicação no periódico. No caso de aceitação e publicação do artigo no BrJP, é de responsabilidade dos autores atualizar o registro no servidor preprint, informando a referência completa da publicação na revista.

O compartilhamento dos dados brutos é um prática de transparência e endossa os resultados dos autores, garantindo perante à comunidade científica que seus dados brutos tem aqueles resultados apresentados. Como uma boa prática, seguindo a Ciência Aberta para garantir segurança e transparência, o BrJP incentiva o “compartilhamento dos dados, códigos, métodos e outros materiais utilizados e resultantes das pesquisas que geralmente ficam subjacentes nos textos dos artigos publicados pelos periódicos”. O BrJP está se organizando para estruturar o seu repositório de dados, possivelmente junto ao armazenamento de repositório Scielo Data.

A avaliação dos pares é considerada uma construção conjunta pelo aprimoramento do manuscrito. O artigo é uma parceria entre a revista, o editor associado, editor responsável, revisores e autores. A análise de mérito e conteúdo do manuscrito passa pela avaliação do Editor-Chefe, Editor-Responsável e por no mínimo dois avaliadores/revisores ad hoc de unidades distintas à de origem do trabalho. As avaliações e as novas versões do artigo são trocadas entre Editor-Responsável e autores. Será permitida a abertura para diálogo com os avaliadores caso ambas parte tenham interesse (autores e revisores). Quando aprovado, o nome do Editor-Responsável pelo processo de tramitação do manuscrito será indicado e publicado no artigo final. O BrJP encoraja a publicação dos pareceres (quando ambas partes estiverem de acordo).

Todas essas alterações são recentes no BrJP e será um trabalho de equipe para ajustar os processos e adaptar o periódico aos princípios Ciência Aberta. Contamos com a parceria de todos os envolvidos no processo para poder acompanhar esse movimento de divulgação e transparência no processo científico no tratamento e estudo da dor. Apesar do impacto mundial do movimento pela Ciência Aberta, no escopo do BrJP podemos nos considerar pioneiros e destacar a parceria da Rede SciELO nesse processo. A divulgação científica de qualidade no estudo e tratamento da dor ainda é tímida no universo da Ciência Aberta.

REFERENCES

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2023
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